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Para que servem as fantasias?



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Para que servem as fantasias?

Marina Machado Rodrigues

Fantasia. Estranha palavra porque se reveste de sonho, voa e

ganha o espaço. Contudo, se cria e se alimenta nos mais profundos

recantos da alma. É devaneio e, como tal, pressupõe a dimensão do

inatingível como possibilidade, permanecendo, ainda assim. Talvez

porque seja impossível ao homem abrir mão da felicidade. A fanta-

sia encobre a realidade, enquanto denegação de um ideal, como um

traje. Ela será então somente uma tentativa de burla? Quem sabe?



Fantasia, em outra acepção, é elemento fundamental ao Carna-

val. Mas aqui o sentido primeiro também não se exclui. O termo

adquire uma dinâmica própria, porque no reinado de Momo tudo é


permitido. Até certo ponto, a fantasia, enquanto disfarce, concede ao

sonho, imponderável, uma face concreta. Será mesmo? O Carnaval é


o momento de se colocar para fora o que se recalcou durante o ano

todo. Assim era já na Idade Média, quando se podia ver uma legião

de reis e rainhas que no restante do ano mal tinha o que comer. Por

esta lógica, se explica a frase antológica do Joãosinho Trinta: “Quem

gosta de pobreza é intelectual, o povo precisa é de luxo!”

Antigamente, o luxo não era uma imposição. O povo saía às

ruas com fantasias improvisadas e a descontração própria do mo-

mento, e, mesmo para os trajes mais elaborados, a sofisticação dos

atuais seria inimaginável. Muitas delas eram, no mínimo, curiosas:

fantasia de bebê, de diabo, de Pierrô, Arlequim ou Colombina, de

preso, de cigana... A de diabo é perfeitamente explicável numa cul-

tura extremamente católica como a nossa. A de bebê, idem, já que

todas as responsabilidades relativas à família recaíam exclusiva-

mente sobre os ombros dos homens. Mas o que dizer dos persona-

gens transpostos diretamente da Comédia del’Arte italiana? É ver-

dade que triângulos amorosos existem desde que mundo é mundo. E

a de preso, traduziria a hipertrofiação de um ego? Ou a reafirmação

de um valor supremo diante de uma situação de extrema privação, o

que amplificaria, pelo contraste, aquele valor? A de cigana repre-

senta, talvez, também a liberdade, um dos valores mais caros a um

povo que sequer cria raízes numa terra.

Antes, a festa pagã servia para justificar desvios de toda or-

dem, significava a possibilidade séria de virar do avesso as regras

rígidas impostas à conduta moral pela sociedade conservadora, em




Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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alguns dias do ano. A máscara encobria os possíveis transgressores.

Mas e hoje? O que esperar do Carnaval? Já não há o que enco-

brir, as inversões da ordem, da justiça, do senso comum, se fazem

durante os 365 dias do ano.



Bem, as fantasias mudaram, teria mudado também o espírito do

Carnaval? É difícil afirmar, mas o que permanence, indiscutivelmente,

e de forma perene, é a capacidade de sonhar, inerente ao ser humano.




Psicanálise e Nosso Tempo

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Polícia

Marina Machado Rodrigues

“Polícia para quem precisa... Polícia para quem precisa de

polícia...”

E quem precisa de polícia hoje? De certeza, os cidadãos hones-

tos da Cidade do Rio de Janeiro, onde a insegurança chegou ao

auge. Os noticiários diários mostram que o número de assaltos,

seqüestros e assassinatos têm-se multiplicado em progressão geo-

métrica, ainda que as estatísticas oficiais teimem em negar o óbvio.



Os versos de Toni Belloto, há décadas, já denunciavam o

autoritarismo da polícia cujo objetivo não é a proteção do cidadão

comum. A ironia expressa na canção aponta, outrossim, para a

truculência e o desrespeito de uma instituição que, diferentemente

da de outros países, não tem a função precípua de garantir a segu-

rança dos cidadãos, mas que age no intuito de preservar os direitos

do Estado, refletindo a herança dos tempos de arbítrio.



Dezenas de policiais acreditam que a violência gerada pela

atuação da polícia hoje é fruto de uma Política de Segurança equi-

vocada, que não pretende coibir o crime, mas, ao contrário, necessi-

ta fabricar estatísticas que se baseiam no confronto. Parte-se da

premissa de que os moradores da favela são marginais em potenci-

al. Na prática, o que se tem no Rio de Janeiro é um apartheid sem

arames farpados, já que a polícia invade os morros para manter a

situação sob controle, evitando uma revolta, possivelmente gerada

pelas injustiças sociais. Os moradores do gueto são mantidos como

reféns, condenados apriorísticamente, em razão de sua condição

social, por uma polícia que atira para matar indiscriminadamente.



O confronto envolve policiais civis e militares, cidadãos e ban-

didos. Cada um desses segmentos é também vítima do Estado. O

policial mal formado, mal remunerado e mal-equipado é suscetível

à corrupção e à violência impostas pelo sistema: rouba, extorque e

mata em sua grande maioria. Os cidadãos pobres, além da miséria e

humilhações cotidianas, sofrem tanto a violência praticada pelos xerifes

dos morros quanto a que é perpetrada pela polícia. Quando esta inva-

de as favelas, não se trata de coibir o tráfico de drogas e a

marginalidade. Trata-se, na maioria das vezes, de uma demonstração

de força para impressionar a imprensa e a população. O varejão so-

brevive porque, para cada soldado morto, o tráfico já dispõe de 10




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outros preparados para assumirem o lugar. Os bandidos, por sua vez,

são produto de uma sociedade que exclui desde cedo os que não são

bem-nascidos. Entre trabalhar duro uma vida inteira - e não conse-

guir minimamente o suficiente para viver com dignidade - e a morte

precoce, contingência natural dos que optam pela marginalidade, um

número cada vez maior de meninos, seduzidos pelo ganho fácil e pela

certeza da impossibilidade de ascender socialmente através do traba-

lho, prefere a 2ª via.



Como se sabe, os grandes traficantes não estão nos morros. As

investigações da CPI do Narcotráfico apontam para o envolvimento

de políticos, empresários, policiais e juízes em atividades ilegais. Quem

precisa de polícia? Os cidadãos honestos, que deveriam contar com a

proteção efetiva das instituições que a esse fim se destinam; a própria

polícia, que pratica atividades ilegais sob a capa da lei; os marginais,

pelos motivos óbvios, mas, sobretudo, alguns políticos e juízes que

têm-se alinhado com o crime, escorados na impunidade do sistema.


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