Organização e seleção


Eu sou aquele que abdiquei do meu nome



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Eu sou aquele que abdiquei do meu nome

Nadiá Paulo Ferreira

Tempos difíceis em que vivemos: um cenário social conturbado

e uma subjetividade dilacerada. Deste panorama advêm as marcas

da subjetividade de nossa época: renúncia ao desejo, escolha de

satisfações letárgicas, não implicação subjetiva com o fazer e apo-

logia do anonimato. Sem ética, caminhamos ao sabor dos ventos.



Levantar questões, a partir de uma referência ética, não impli-

ca o retorno à tradição filosófica, onde a reflexão em torno da

ética tinha como finalidade orientar diversas práticas em direção

a um Bem. Hoje, o termo ética se refere ao conjunto de normas,

diretamente ligado à necessidade de se criar uma legislação que

regulamente as novas práticas, em vários campos do saber, em

função das descobertas científicas. As notícias sobre o sucesso da

clonagem de animais desencadearam a necessidade de leis que

proibissem estas experiências com humanos. O desencanto com a

prática política, também, deslanchou uma onda de protestos e de-

núncias indignadas dos cidadãos, fazendo com que a palavra ética

seja usada para condenar a postura cínica dos homens que exer-

cem cargos ou funções públicos.



Para a psicanálise, desenterrar dos escombros uma discussão

em torno da ética significa colocar em cena o sujeito, o desejo e o

inconsciente: não renunciar ao desejo, não rejeitar o saber produ-

zido pelo inconsciente e se implicar subjetivamente com o que é
dito, intencionalmente ou não.

O anonimato, prática que está sendo disseminada pelos pro-

cessos de seleção, é, sem dúvida, uma das formas mais aberrantes

de não implicação do sujeito. Estou-me referindo aos procedimen-

tos de avaliação, que passaram a vigorar nas universidades e nas

instituições ligadas à pesquisa em nosso país. Com o argumento

de que se irá “proteger” alguém de um fazer, de um dizer e de uma

escrita, oferece-se o sigilo do parecerista. Uma comissão, sempre

resguardada pela sigla da Instituição, veta um projeto de pesquisa,

uma bolsa de estudos, um livro ou um artigo, da seguinte forma: a

Comissão X, do órgão Y, participa o veto ao solicitante ou autor,

apoiando-se em um parecer escrito, assinado por Um-sem-nome,

que se apóia e se resguarda nas insígnias. Todos estão garantidos.

Que garantias são estas? Nada mais nada menos do que o agir na




Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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penumbra. Covardia! — diriam meus avós. Hoje se diz: “necessi-

dade de se preservar” o agente. Quantos membros da Gestapo não

disseram em seus julgamentos que não tinham nada contra os ju-

deus e que simplesmente cumpriam ordens? Eram apenas “funcio-

nários exemplares, fiéis cumpridores dos seus deveres”.

A prática do anonimato substitui o ideal de “raça pura e saudá-

vel” pelo ideal de “alto nível” ou, como diz o jargão universitário,

“padrão de excelência”. Tanto um quanto outro visam ao Bem como

imperativo categórico para todos. Nunca sem os álibis do saber a

serviço do poder. É preciso inventar alguma coisa para encarnar o

Outro e, assim, exigir que o sujeito renuncie ao que há de mais

próprio e singular de si mesmo — o nome próprio — para que, em

regime de servidão, se desculpabilize de um fazer. E há muitos que

dão “graças a Deus” de que isto seja pré-condição para que ele

possa fazer e dizer o que pensa ou o que pediram que seja feito...


Psicanálise e Nosso Tempo

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