A vida passada de Alice
Nadiá Paulo Ferreira
Recebi um telefonema de uma senhora, Ana, pedindo para mar-
car uma hora para sua filha adotiva. Trata-se de Alice que tem 11
anos. Ana vem sozinha e começa a contar a história desta menina. É
filha de Tiana1 , uma ex-empregada que queria se livrar de uma
gravidez indesejável, mas desistiu porque Ana prometeu-lhe ajuda.
Quando Alice já estava engatinhando, Ana começou a perceber he-
matomas no seu corpo e deduziu que, durante sua ausência, a crian-
ça era violentamente espancada pela mãe. Esta situação perdurou
até Alice completar cinco anos, quando Tiana foi embora.
A narração de Ana é entrecortada pelas seguintes frases:
—“A mãe dessa menina era coisa muito ruim. Acho que ela é
igual à mãe, porque na escola vive batendo nos seus colegas”.
Ana me pergunta se faço regressão. Respondo que não, que
sou psicanalista. Ela me diz que houve um engano, veio me procu-
rar para marcar uma sessão de regressão, porque Alice está assim
pelo que já fez em outras vidas.
Pergunto: pelo que fez ou pelo que escuta, desde que nasceu?
Imediatamente ela me responde:
— “Não, não, pelo que já fez em outra vida. Ela até se lembra das
surras que levava, quando tinha um ano de idade...”
Um discurso familiar traça o destino de Alice. Com que é feito
um discurso? Com palavras. Logo, são palavras que vão sendo
enfiadas na cabeça de Alice, desde seu nascimento. Já disse vári-
as vezes, nessa coluna, que para a psicanálise o desejo humano é
o desejo do Outro. Alice é tão má como sua mãe. É assim que ela
se apresenta diante dos representantes desse Outro. Alice quer
também ser amada, mas até agora só pôde demandar amor do
lugar que lhe foi reservado, isto é, sendo má como dizem que sua
mãe foi. É preciso reverter este destino. Mas para isto é preciso
falar para alguém que a escute.
Psicanálise e Nosso Tempo
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