A fuga de si mesmo via e-mail
Nadiá Paulo Ferreira
Início de um novo ano. Retomando um hábito antigo, telefono
para uma amiga. A distância geográfica impede um convívio mais
próximo, fazendo com que nossos laços sejam mantidos via e-
mail. Levo um susto, quando atende a companheira, que divide
com minha amiga o apartamento, e me informa que ela foi ao
médico, porque estava passando muito mal, nessas últimas sema-
nas. No fim da tarde, recebo seu telefonema e fico sabendo que,
há quase um mês, está sofrendo de insônias. Pergunto o que está
acontecendo e ela me responde que tudo vai bem e que acabou de
ser promovida no seu emprego. Mas, na hora de deitar, o sono não
vem, rola à noite toda na cama. Isto a está deixando esgotada e já
emagreceu alguns quilos.
A consulta não durou mais de quinze minutos. Muitos pedidos
de exames e um diagnóstico a ser confirmado pelos resultados
destes exames: estresse. O diagnóstico é ratificado. Por que
estresse? — pergunto. Ela me responde que está trabalhando mui-
to. Imediatamente, retruco: você sempre trabalhou muito, o pro-
blema é que você não está conseguindo dormir. Antes de continu-
ar falando, ela me interrompe, dizendo que o médico lhe receitou
um calmante. Acrescenta que já tomou o remédio, está caindo de
sono, e me manda um e-mail para continuarmos nossa conversa.
Sem se escutar e não querendo ser escutada, o e-mail é uma gran-
de opção, na medida em que elimina o aqui e agora da fala, onde o
sujeito pode se surpreender com o que acabou de dizer sem querer ter
dito. O médico e sua medicação são os grandes álibis para que minha
amiga permaneça na ignorância de seu sintoma. O mal-estar foi apla-
cado por soluções químicas que silenciam sua fala, calando seus de-
sejos. Dormir é preciso. Lá, na terra dos sonhos, o corpo se abandona
ao gozo. Desejar não é preciso. Assim caminha a humanidade...
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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