A moral que amplia a perversão
Nadiá Paulo Ferreira
Não faz ainda cinqüenta anos, tudo que estava ligado, explicita-
mente, ao sexo tinha que ser mantido em segredo. Não se falava de
sexo, cochichava-se entre risadinhas nervosas e olhares maliciosos.
A virgindade era o grande tabu que assombrava as mulheres, assim
como a iniciação sexual dos homens tinha que ser feita com prosti-
tutas. Quanto mais reprimida, mais a sexualidade transpirava pelos
poros: criança que ficava escondida muito quietinha estava fazendo
“besteira”; menino e menina juntos exigiam atenção redobrada, se
estivessem brincando de médico, aí, nem se fala, era “coisa feia” na
certa. Hoje, basta ligar o computador e escolher de ninfetas e ninfetos
a qualquer perversãozinha preferida ao olhar. O pavor ao vírus da
AIDS veio inclusive facilitar o sexo sem toques, bastando discar
um número para que uma voz se torne objeto de um gozo sexual que
dispensa o parceiro.
Freud, no texto “Moral sexual civilizada e doenças nervosas
modernas”, 1907, frisa com todas as letras que as imposições cul-
turais em relação ao sexo são a causa de um mal-estar na civiliza-
ção, já que as renúncias e os sacrifícios exigidos aos homens e às
mulheres não são poucos. Sem dúvida, a moral sexual de uma
determinada época indica as coordenadas das aflições e dos sofri-
mentos humanos. Mas o que se modificam são os valores e não a
imposição categórica de uma moral. Justamente por isto, Freud
pôde falar de “doença nervosa moderna” assim como nós, hoje,
podemos falar de subjetividade contemporânea.
Se a moral do século XIX abriu um campo fértil para as neu-
roses, será que a moral de nossos dias possibilita a multiplicação
da perversão? Não podemos negar que o progresso do capitalismo
erigiu um apelo ao gozo, que se substancializa no comércio prós-
pero e lucrativo da industrialização do sexo. Para onde caminha-
mos? Esta é a questão que deixo para você, leitor, pensar.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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