Amor cortês III
Simulacro do objeto do desejo
Nadiá Paulo Ferreira
Trata-se de um amor que visa à não satisfação e, justamente
por isto, a Dama é colocada no lugar de objeto amado para que
outra coisa, que está para além das mulheres, seja desejada. As-
sim, as leis das cortes de amor adquirem uma função precisa: tor-
nar o amor impossível.
Ao contrário do Romantismo, é o próprio amor e não o objeto
amado que é idealizado. A mulher, enquanto portadora do agal-
ma2 , é captada por um olhar, sem que haja qualquer particulari-
dade que a singularize. A leitura das cantigas de amor provoca,
inclusive, a sensação no leitor de que todas poderiam ter sido es-
critas para uma mesma mulher. A Dama é dessubjetivada para ser
apresentada como arbitrária, onipotente e indiferente, não medin-
do as exigências que impõe àquele que está a seu serviço.
O homem se situa no lugar de sujeito desejante e a mulher é
colocada no lugar de objeto desejado, para que seja simbolizada a
desarmonia do amor: o que falta ao amante a amada não tem. Não
é isto que Jacques Lacan nos ensina, quando diz que amar é dar o
que não se tem?
O paradoxo do amor é o que sustenta o amor cortês. Se o dese-
jo do homem é o desejo do Outro, o trovador deseja o amor da
Dama porque Ela deseja ser amada por ele. Se o desejo se sustenta
em uma falta radical, a súplica do trovador, dirigida à Dama, re-
vela a constatação deceptiva, que faz parte da estrutura do desejo
humano: não é isto, é outra coisa... Essa Outra Coisa é a Dama
que está ali para ser amada e não para obliterar o que falta ao
amante. A Dama, como simulacro do objeto do desejo, só pode ser
demandada pelo trovador a partir da privação e da frustração.
Justamente por isto, o que é colocado neste lugar é um objeto
enlouquecedor, é um parceiro desumano.
Psicanálise e Nosso Tempo
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