Amor Cortês V
Os prazeres preliminares
Nadiá Paulo Ferreira
Termino a série de artigos sobre o amor cortês, retomando os
prazeres preliminares. Lacan chama atenção para o seguinte pa-
radoxo: os prazeres preliminares sustentam o prazer e são experi-
mentados como desprazer, na medida em que aumentam o estado
de tensão. No amor cortês, esses prazeres têm a função de interdi-
tar o corpo da mulher amada, fazendo com que o sexual se con-
verta numa arte erótica sublimada. Assim, o impossível de um
amor vela o impossível de, de Dois, fazer Um.
A Dama, como representante do Outro-sexo, só pode ser no-
meada com valor de Coisa (Das Ding freudiano). O que isto quer
dizer? Trata-se de um amor cuja estratégia é apontar para um
vazio. Entre a nomeação e a aparição do objeto se abre uma hiância
para a qual não há palavras. A Coisa como significante é efeito da
existência da linguagem (Cantiga de Amor) e a Coisa como objeto
(a Dama) pertence ao registro do real. E, como tal, está para além
da linguagem e só pode ter como referência o impossível.
A sublimação não tem outra função senão permitir ao homem
se referir à Coisa, isto é, colocá-lo entre o real (impossível) e a
palavra (simbólico/linguagem). No centro desse intervalo, o que
permanece é um vazio. O objeto amado no amor cortês é aborda-
do para situar o desejo ao nível da visada da Coisa. Esta Coisa,
por sua estrutura, só pode ser representada por Outra Coisa. A
Outra Coisa é a Coisa. A Coisa não se procura, acha-se. A perso-
nagem de Angela Carter, no romance A Paixão da Nova Eva,
achou Tristessa: “linda como podem ser apenas as coisas que não
existem: o mais obsedante dos paradoxos, receita de eterna insa-
tisfação”. Mas é claro que esta busca só pode ser feita quando o
homem se torna um verdadeiro artesão da palavra. A Coisa é a
Dama que os poetas encontraram para trovar.
Psicanálise e Nosso Tempo
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