Melanie Klein V
A escuridão de um garoto
Nadiá Paulo Ferreira
O leitor deve estar lembrado de quando Dick escapa correndo
da sala de Melanie Klein e se dirige para o vestíbulo de entrada,
que estava escuro. Lá, ele encontra o pequeno trem e insiste em
deixá-lo ali. Melanie Klein interpreta o escuro, onde Dick se refu-
gia, como sendo a representação do interior do corpo da mãe,
repleto de objetos. Lacan, discordando, afirma que o escuro re-
presenta o corpo da mãe como um interior vazio e o que Melanie
Klein não consegue ver é que há uma parte da realidade, que é
imaginada, e há outra parte, que é real. A referida pobreza imagi-
nária de Dick nada mais é do que a impossibilidade de entrar numa
relação efetiva com os objetos enquanto estruturas. Dick tem seu
sistema de linguagem, mas não faz nenhum apelo, isto é, não faz
uso da linguagem para se comunicar e sim para se expressar.
Dick se serve da linguagem de “uma forma negativista” (Seminá-
rio 1, Escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1979,
p.101), portanto não responde e não demanda. O modo pelo qual
Dick se situa na linguagem está interrompido ao nível da palavra.
Ele usa a linguagem para estabelecer uma equivalência entre real
e imaginário, porque a palavra não chegou até ele.
Aqui, é importante frisar a diferença que Lacan estabelece en-
tre linguagem e palavra. A linguagem se caracteriza pelos meca-
nismos de combinação e de seleção, os quais podem ser realizados
mecanicamente por qualquer falante. Mas a palavra, a palavra
falada, aponta para o momento em que o sujeito se situa na estru-
tura da linguagem, ou seja, o momento em que irá se estabelecer
uma relação efetiva entre o sujeito e o outro pela via do apelo. Diz
Lacan (Seminário 1, id. ibid., p.106): “(...) vocês devem compre-
ender a virtude da palavra, na medida em que o ato da palavra é
um funcionamento coordenado a um sistema simbólico já esta-
belecido, típico e significativo”.
Psicanálise e Nosso Tempo
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