Que país é este?
Cláudia Maria Amorim
Tempo de Copa do Mundo. O Brasil pára... olhos postos na
telinha ou no telão, conforme as possibilidades, ouvidos presos à nar-
rativa ligeira do locutor. De leste a oeste, do Oiapoque ao Chuí, todos
movidos pela mesma paixão patriótica, vestidos, mesmo que simboli-
camente, de verde e amarelo.
A televisão nos informa a cada minuto, ainda que em remotíssimo
caso de nada quiséssemos saber, sobre os fatos relacionados à sele-
ção, à família dos jogadores do nosso país e também dos outros.
Somos bombardeados por esse súbito sentimento cívico que
unifica (será mesmo?) toda a nação. O aparato tecnológico que acom-
panha a Copa do Mundo na França é um show à parte.
Chegamos às minúcias tecnocráticas de poder dizer estatisti-
camente quantas vezes o Brasil jogou contra determinado país,
em que dias, quantos gols foram marcados por tal jogador, quantos
minutos aquele artilheiro pegou a bola em campo etc. Números,
imagens que tomam a tela e saturam os olhos e ouvidos dos cida-
dãos, atingindo corações e mentes. Embotados por estas notícias,
chegamos a esquecer de muitas outras, talvez, até de nós mesmos.
Somos o país do futebol - desse fato ninguém se esquece.
Ainda que a seleção brasileira este ano esteja deixando a desejar,
esperamos ansiosos ver confirmada uma das nossas únicas certe-
zas. Talvez nada mais nos reste a dizer do Brasil.
Passada a euforia coletiva, voltamos a nossa rotina e
embotamo-nos agora de nossa vida extremamente individualista.
Esquecemo-nos e esquecidos ficamos da pátria, do coletivo.
Alguns envergonhar-se-ão até do fato de viverem neste país mi-
serável, desigual; outros, distantes de qualquer sentimento patriótico,
envolvidos com seus próprios problemas, ocupar-se-ão de qualquer
coisa, até que o sistema fabrique algo de interessante para entorpecer
os sentidos. As bandeiras, fitas, camisas, sabe-se lá que fim terão e
enquanto isso a mídia busca outro assunto de interesse nacional. Como
será o fim da novela? Qual o destino dos personagens?
Gostamos tanto de futebol e ainda não aprendemos que é pos-
sível virar o jogo que tem o mesmo placar há quase cinco séculos.
Enquanto corações e mentes são tomados pelo ufanismo, enquan-
to vibramos com as jogadas da seleção, as jogatinas, daqueles que
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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só têm como pátria os próprios interesses, continuam a reinar so-
beranas, num jogo perverso, já conhecido por alguns de nós.
O futebol é uma das paixões dos brasileiros - isso é indiscutí-
vel. Normalíssimo é, portanto, a mobilização do país em torno da
bola que rola na França. O que não é real é o fato de vivermos em
função disto durante um mês inteiro, vestindo verde e amarelo,
para depois desligarmo-nos de tudo que seja realmente de interes-
se coletivo e social.
Psicanálise e Nosso Tempo
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