Sociedade oral... por escrito...
Claudio Cezar Henriques
Quase toda notícia divulgada a respeito da educação no Brasil
choca, horroriza a sociedade, que se escandaliza com os resultados,
com as práticas e com os números. De vez em quando, algumas
dessas notícias se reportam ao ensino de Língua Portuguesa, e é
desse tema que vamos tratar.
Não há quem não reconheça que, hoje em dia, as pessoas já
não sabem mais se expressar, falam um português precário e escre-
vem – quando muito – numa língua repleta de erros e barbaridades.
Todavia, o sucesso alcançado pelas muitas seções de “tira-dúvidas
de linguagem” nos nossos jornais é uma comprovação de que, ape-
sar do desleixo generalizado em relação aos padrões de linguagem,
ainda existe o sentimento da necessidade de se usar corretamente a
língua nacional. Se bem que, de um lado, temos de ter cuidado para
não transformar esse sentimento numa fixação hipocondríaca ou
policialesca, segundo a qual precisamos retornar à era do “certo ou
errado”, em detrimento do bom senso e do reconhecimento da ade-
quação de certos usos mais recentes. Isto significa, de outro ponto
de vista, que também é perigoso e deletério o liberalismo exagerado
quanto ao emprego de flexões, concordâncias e regências nitida-
mente desvirtuadas e vulgares.
O círculo falar, ler e escrever envolve, portanto, uma atitude
de vida. Lamentavelmente, o que se observa em nossa sociedade
hoje é um privilégio da oralidade, com todos os prós e contras que
isso representa. Daí decorre a natural, mas equivocada, transposi-
ção da oralidade para o campo da leitura e da escrita. Livros e
textos em língua oral não são piores do que nenhum livro ou ne-
nhum texto. Mas é esta a realidade. Coleções de obras literárias
acompanham e alavancam a venda de jornais e de revistas. Macha-
do, Alencar, Saramago, Drummond: todos por apenas três reais...
Tanta gente comprando, quanta gente não lendo... A sedução
consumista, infelizmente, não combate o mal da oralidade na escri-
ta, que só pode ser enfrentado com a leitura de textos em linguagem
não coloquial. Afinal, escrever significa deparar-se com a lingua-
gem em sua concretude, já que a escrita dá corpo às palavras, mate-
rializa a língua. Por isso, é inadmissível que um instrumento tão
essencial seja mal conhecido e mal utilizado.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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Enquanto nossa sociedade não exercitar na plenitude todos os
matizes desse círculo, continuará complicada sua autoconstrução.
E esse circuito precisa envolver família e escola de maneira unívoca.
A cidadania de que tanto se fala passa por essa estrada, que, por
enquanto, como diz a canção, ainda não vai dar em nada...
Psicanálise e Nosso Tempo
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