Lisboa, jardim da Europa
Maria do Amparo Tavares Maleval
Lisboa é atualmente considerada, nos meios intelectuais euro-
peus, como uma das mais atraentes cidades da Europa, ombreando
com a encantadora Praga, na Tchecoslováquia. Muito tem contri-
buído para isso a redescoberta da Geração de Orpheu, que promo-
veu, na década de 30, a estética do Modernismo. Mário de Sá Car-
neiro, Almada Negreiros, dentre outros, têm as suas obras revisitadas
com crescente interesse. Mas sobretudo Fernando Pessoa é hoje
reconhecido como um dos poetas mais geniais do século XX.
Mesmo um simples turista poderá, em Lisboa, tornar-se ínti-
mo do grande Pessoa. Isto porque sentado nos aguarda à Rua
Garrett, tornado estátua ao lado do café que muito freqüentara,
para nosso orgulho chamado A Brasileira. Fotografar-se junto a
ele é, pois, um imperdível programa - se não pelo amor à poesia,
pela familiaridade do ambiente, proporcionada pela denominação
do citado Café, ou, ainda, pela esperança de ser profética a colo-
cação de Pessoa à direita d’A Brasileira, apontando para a
consubstancialização do Quinto Império no Brasil.
Subindo por uma das ruas transversais à citada, estamos em
pleno coração da boêmia tradicional, com as suas numerosas casas
de fado. Se o Poeta continuar ao nosso lado, poderemos ouvi-lo
murmurar que, ao contrário do que possamos sentir, “o fado não é
alegre nem triste”, ou que nas suas linhas melódicas “os Deuses
regressam legítimos e longinqüos”.
Deixando o Bairro Alto, gostoso é flanar pela Baixa lisboe-
ta, em direção ao Tejo, pela Rua Augusta, principalmente, palco
de apresentação dos artistas itinerantes. E sentir o agradável do
clima, a urbanidade das pessoas, o aroma da excelente cozinha
dos nossos avós lusitanos, que rescende dos restaurantes vários.
Ou, afastando-nos mais, sonhar com os que partiam para os “ma-
res nunca dantes navegados”, esses lusíadas imortalizados por Camões
no poema-maior, que possibilitaram a D. Manuel o epíteto de rei Ven-
turoso. O Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém são edificações
que atestam a glória deste que foi o mais rico soberano cristão do seu
tempo, quando inclusive foi encontrada a nossa Terra de Santa Cruz.
Mas, dentre os tantos outros lugares que poderíamos com satisfa-
ção percorrer, destaca-se o Castelo de São Jorge. Dele temos não ape-
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
98
nas uma das mais belas e abrangentes vistas da cidade, com o seu
gracioso casario limitado pelo rio Tejo, mas uma possibilidade de evo-
carmos o passado medieval a partir da observação das suas ruínas. E se
fazem presentes as agruras dos cercos de que foi vítima, outrora. Pri-
meiramente, imaginamos o cerco comandado por Afonso Henriques à
Lisboa dos mouros nos primórdios da nacionalidade portuguesa, hoje
revivido de forma irônica pelo prêmio Nobel de literatura, José Saramago,
no romance História do cerco de Lisboa, de 1989.
Em seguida, acorre à nossa memória a heróica resistência dos
portugueses verdadeiros, segundo o insigne cronista-mor Fernão
Lopes, ao cerco do rei de Castela. Vencidos os inimigos, acometidos
os seus principais pela peste, a cidade firma-se no seu papel de forte
esteio e coluna de Portugal, no dizer do cronista. E D. João, Mestre
de Avis, inaugura uma nova dinastia, que realizou a gesta da Expan-
são, que nos deu origem.
A Expo 98, Feira Mundial centrada no comércio e em eventos
culturais, realizada com o apoio do Mercado Comum Europeu, co-
incidiu com os 500 anos de descoberta do caminho marítimo para
as Índias. E a cidade, tornada então Capital Cultural da Europa,
recebeu inúmeros visitantes, numa rememoração dos áureos tem-
pos manuelinos, em que atraía as atenções pelo cosmopolitismo e
pelo fausto da corte real.
Enfim, se Lisboa é hoje assaltada por legiões de imigrantes que se
acotovelam nos bairros de lata, semelhantes às nossas favelas, ou in-
festam os seus bons ares com o odor nefasto dos seus excrementos; se
já não é tão segura e limpa como há poucos anos, no entanto ainda
continua sendo um “jardim da Europa à beira-mar plantado”, à espera
de que lhe colhamos as flores.
Psicanálise e Nosso Tempo
99
Dostları ilə paylaş: |