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A diversão na corte de D. Manuel



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A diversão na corte de D. Manuel

Maria do Amparo Tavares Maleval

No reinado de D. Manuel, as iniciativas tomadas por seu

antecessor, D. João II, visando à expansão marítima portuguesa, co-

briram-se de êxito. E este rei, chamado com justa razão de O Venturo-

so, tornou-se dono de um vasto Império, que incluía o nosso Brasil,

cujos quinhentos anos de “descoberta” pelos portugueses neste ano

2000 festejamos. Estes dados são bastante conhecidos. Como, po-

rém, se divertiam os cortesãos da época, enquanto a árdua gesta

expansionista se realizava?...

Sendo D. Manuel o mais rico soberano da Cristandade no

seu tempo, graças ao comércio exclusivo das especiarias, a sua

corte cresceu sobremaneira (viria possivelmente daí o modelo para

o excesso de funcionalismo público no nosso país). E nos serões

que então aconteciam no palácio real, além da música, da dança,

poesia e pequenas representações teatrais, os jogos de cartas tor-

navam mais agradável o convívio dos nobres e doutores (o Direito

estava altamente em voga) palacianos.

O Cancioneiro Geral, recolha de poesia feita desde o século

XV, por Garcia de Resende, e publicado em 1516, no reinado

manuelino, é um precioso documento dessas diversões. O próprio

Resende, além de outras composições, é autor de trovas encomen-

dadas pelo rei para o carteado em moda.



Este jogo consistia em 48 cartas, cada uma apresentando uma

trova, que podia ser de louvor ou “deslouvor”, distribuídas, após bem

embaralhadas, em igual número, para damas e cavalheiros. Assim,

das 24 cartas destinadas às damas, da mesma forma que aos corte-

sãos, 12 continham trovas elogiosas e 12 eram satíricas. Deveriam

ser lidas em voz alta, e quem tivesse a má sorte de ser agraciado com

alguma(s) destas últimas, seria objeto da zombaria dos presentes.



À primeira vista ingênuo, o jogo, no entanto, trouxe-nos, atra-

vés das trovas de Garcia de Resende, uma amostra do que se consi-

derava valor à época: para as mulheres, gentileza, discrição, saber

(?), manha sedutora, graciosidade, elegância, desenvoltura (inclusi-

ve ou principalmente para bailar), bondade e, sobretudo, formosu-

ra. Para os homens, além da elegância, desenvoltura, brandura, dis-

crição e boa aparência, os valores prezados eram a galanteria, jovi-

alidade, seriedade, prestígio, dotes poéticos, humorísticos e musi-


Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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cais, fluência verbal, dançar e caçar bem, constância no amor,

autoconfiança... enfim, ser agradável, confiável... domesticado.



Portanto, os jogos de carta del-Rei são altamente instrutivos

para nos inteirarmos das virtudes preconizadas naquela auspiciosa

época. Tinham um caráter não apenas lúdico, mas pedagógico.

Através deles propugnavam-se os principais mandamentos da

cortesania, de modo que o monarca pudesse ter súditos que lhe

criassem um mínimo de problemas, ocupados como estavam com

as “cousas de folgar” e “gentilezas” palacianas.



Também Gil Vicente, o “criador” do teatro português, praticara o

docere cum delectare (isto é, ensinar através da diversão) em seus fa-

mosos Autos. Mas o alvo preferido das suas críticas eram as classes

sociais medianas. O que nos faz valorizar ainda mais o testemunho

desses aparentemente inocentes jogos incentivados pelo Venturoso.


Psicanálise e Nosso Tempo

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