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A diversão na corte de D. Manuel
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səhifə | 71/88 | tarix | 03.01.2022 | ölçüsü | 1,42 Mb. | | #47502 |
| A diversão na corte de D. Manuel
Maria do Amparo Tavares Maleval
No reinado de D. Manuel, as iniciativas tomadas por seu
antecessor, D. João II, visando à expansão marítima portuguesa, co-
briram-se de êxito. E este rei, chamado com justa razão de O Venturo-
so, tornou-se dono de um vasto Império, que incluía o nosso Brasil,
cujos quinhentos anos de “descoberta” pelos portugueses neste ano
2000 festejamos. Estes dados são bastante conhecidos. Como, po-
rém, se divertiam os cortesãos da época, enquanto a árdua gesta
expansionista se realizava?...
Sendo D. Manuel o mais rico soberano da Cristandade no
seu tempo, graças ao comércio exclusivo das especiarias, a sua
corte cresceu sobremaneira (viria possivelmente daí o modelo para
o excesso de funcionalismo público no nosso país). E nos serões
que então aconteciam no palácio real, além da música, da dança,
poesia e pequenas representações teatrais, os jogos de cartas tor-
navam mais agradável o convívio dos nobres e doutores (o Direito
estava altamente em voga) palacianos.
O Cancioneiro Geral, recolha de poesia feita desde o século
XV, por Garcia de Resende, e publicado em 1516, no reinado
manuelino, é um precioso documento dessas diversões. O próprio
Resende, além de outras composições, é autor de trovas encomen-
dadas pelo rei para o carteado em moda.
Este jogo consistia em 48 cartas, cada uma apresentando uma
trova, que podia ser de louvor ou “deslouvor”, distribuídas, após bem
embaralhadas, em igual número, para damas e cavalheiros. Assim,
das 24 cartas destinadas às damas, da mesma forma que aos corte-
sãos, 12 continham trovas elogiosas e 12 eram satíricas. Deveriam
ser lidas em voz alta, e quem tivesse a má sorte de ser agraciado com
alguma(s) destas últimas, seria objeto da zombaria dos presentes.
À primeira vista ingênuo, o jogo, no entanto, trouxe-nos, atra-
vés das trovas de Garcia de Resende, uma amostra do que se consi-
derava valor à época: para as mulheres, gentileza, discrição, saber
(?), manha sedutora, graciosidade, elegância, desenvoltura (inclusi-
ve ou principalmente para bailar), bondade e, sobretudo, formosu-
ra. Para os homens, além da elegância, desenvoltura, brandura, dis-
crição e boa aparência, os valores prezados eram a galanteria, jovi-
alidade, seriedade, prestígio, dotes poéticos, humorísticos e musi-
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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cais, fluência verbal, dançar e caçar bem, constância no amor,
autoconfiança... enfim, ser agradável, confiável... domesticado.
Portanto, os jogos de carta del-Rei são altamente instrutivos
para nos inteirarmos das virtudes preconizadas naquela auspiciosa
época. Tinham um caráter não apenas lúdico, mas pedagógico.
Através deles propugnavam-se os principais mandamentos da
cortesania, de modo que o monarca pudesse ter súditos que lhe
criassem um mínimo de problemas, ocupados como estavam com
as “cousas de folgar” e “gentilezas” palacianas.
Também Gil Vicente, o “criador” do teatro português, praticara o
docere cum delectare (isto é, ensinar através da diversão) em seus fa-
mosos Autos. Mas o alvo preferido das suas críticas eram as classes
sociais medianas. O que nos faz valorizar ainda mais o testemunho
desses aparentemente inocentes jogos incentivados pelo Venturoso.
Psicanálise e Nosso Tempo
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