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Quem é o dono da história?



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Quem é o dono da história?

Maria Helena Sansão Fontes

A peça A dona da história de João Falcão, classificada como

comédia, realmente nos faz dar boas gargalhadas, mas, sobretudo,

cumpre a função primordial da arte, que é mexer com as pessoas,

causando até mesmo desconforto. Ela toca fundo na existência e

levanta o questionamento sobre o nosso destino, nosso livre arbítrio

e, acima de tudo, sobre os limites de uma geração.

Marieta Severo interpreta a personagem de 50 anos que, soli-

tária, busca sua própria história. É preciso ter uma para contar, que

seja interessante, que não seja banal. E a sua história é igualzinha à


da maioria das mulheres de sua geração. A lembrança dos seus 20

anos, personificada por Andréa Beltrão, insiste em lhe trazer a his-

tória que ela nega, que ela tenta mudar, no criativo jogo de hipóteses

que dá formato ao texto.



Em meio às risadas que nos escapam e que trazem a catarse

necessária à vida, fica alguma coisa incomodando, esse

questionamento sobre a falta de gratuidade da existência (ou a

gratuidade completa, quem sabe?). Um convite para uma festa, um

encontro, um simples gesto podem mudar tudo, podem nos levar da

acomodação à infelicidade, ou da descoberta ao gozo supremo. Na

vida, não podemos alterar um momento que se consagrou, não há


jogo de hipóteses. Não podemos resolver mudar um gesto que não

deu certo, é inexorável. A arte pode. Pode levantar hipóteses e brin-

car com o acontecido, desfazendo-o, pode refazer a história tornan-

do-a interessante, pode recriar o destino.



Os limites e valores da geração da personagem de Marieta é

que são, a meu ver, revisitados nessa comédia. As décadas de 60 e

70 foram marcadas por valores rígidos que se impunham no âmbito

social e no familiar. A transgressão a esses limites não era feita

impunemente, sem culpas ou cobranças pessoais, ainda que incons-

cientes. É muito comum nessa geração a constatação de que se hou-

vesse possibilidade não se escolheria o mesmo caminho, caso se

vivesse novamente o tempo da juventude.

A peça traz à tona a dificuldade de transgredir, de mudar o que o

jovem de hoje muda sem pensar muito. A geração que está agora com

20 anos talvez não tenha uma “história para contar” quando tiver 50

anos, mas também não estará preocupada com isso, porque faz e des-


Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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faz quando tem vontade, casa e descasa quando lhe convém e, sobretu-

do, pensa que descarta a infelicidade no momento certo, como se fosse

a dona da história.


Psicanálise e Nosso Tempo

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