A crise da reforma de uma nova época
Marina Machado Rodrigues
A chegada do ano 2000 se avizinha. Esta virada, entretanto,
não será trivial, possui um sabor particular. Este é o reveillon que,
de acordo com o imaginário popular, inaugura o novo milênio.
Embora se saiba que as mudanças de século e milênio só se efeti-
vam em 2001, o ano de 2000 não deixa de ser emblemático. Sobre
ele já setenciava a mística cristã: “a 2000 não chegarás!” Não creio,
pessoalmente, que a sentença se cumprirá, ao menos em sentido
literal, assim como as profecias de Nostradamus, que apontavam o
fim da humanidade inadiável em 1999, não se cumpriram. Mas não
são poucos os que antevêem o Apocalipse iminente.
Desde há muito, quando se tratava de estabecer uma data limi-
te para algo longínquo, o imaginário popular fixava o ano de 2000.
Há 40 ou 50 anos atrás, era comum imaginar-se que no próximo
milênio o mundo viveria sob a égide da máquina. Aliás, um ingênuo
e delicioso cartoom da década de 60 antecipava a sociedade do
futuro e as facilidades da vida moderna, onde máquinas e robôs
substituíam o homem nas tarefas cotidianas. Na realidade, hoje,
não estamos muito distantes desta perspectiva futurista.
A engenharia genética inventou os clones e será mesmo capaz,
em muito pouco tempo, de reproduzir órgãos humanos, salvando inú-
meras vidas que dependem de um incerto doador para o transplante
sempre adiado. Neste século que agoniza, foram incalculáveis os avan-
ços conseguidos pela Ciência.
Creio que o mundo não acabará. Ao menos, do ponto de vista
físico. Mas a expectativa que se constrói em torno do próximo mi-
lênio, porém, não deixa de ser o reflexo da decepção presente. Se o
homem galgou imensas distâncias, no que concerne ao campo ma-
terial; no que respeita ao espiritual, cabem outras palavras. É óbvia
a crise de valores. A humanidade necessita de reformas urgentes.
Ela, quem sabe, talvez merecesse ser reinventada.
O Brasil não é uma exceção no panorama mundial, ansiamos
por profundas mudanças. Ninguém tolera mais tanta violência, tan-
ta injustiça e iniquidade. Estamos mergulhados num mar de lama,
onde a corrupção e o crime organizado corroem a sociedade como
um câncer. A CPI do Narcotráfico, todos os dias, denuncia o
envolvimento de membros do Legislativo, do Executivo e de impor-
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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tantes empresários, em atividades ilegais. Oxalá, ela própria não se
deixe contaminar, seguindo o destino das anteriores, que acabaram
na pizzaria da esquina mais próxima.
Tim, tim! Neste reveillon, o meu brinde será à recuperação moral
do país. Afinal, se os valores morais estão em estado terminal e a Ciên-
cia ainda não foi capaz de clonar caracteres, só resta esperar que a
própria sociedade se reinvente, cobrando dos cidadãos e homens públi-
cos a seriedade que este país merece. Que 2000 seja de fato o início de
um novo tempo, em que a demagogia e a moral cínica praticadas
indiscriminadamente recebam sentença de morte, até porque não há
limite para o sonho. E como diz a sabedoria popular “a esperança é a
última que morre.”
Psicanálise e Nosso Tempo
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