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Chic a valer

Marina Machado Rodrigues

A expressão do título trazida pela memória transportou-me ao

romance Os Maias, de Eça de Queirós- escritor português do sécu-

lo passado - por ser a marca de um de seus personagens. Cada

novidade vinda de Paris ou a adoção de um novo costume da socie-

dade parisiense pelos portugueses na Lisboa do século passado ar-

rancavam a exclamação entusiasmada do personagem: isto ou aquilo

“é chic a valer, hem?”



Ali, a descrição minuciosa dos trajes ou da decoração das resi-

dências requintadas da alta burguesia lisboeta revela o estilo de vida

de um tempo em que se tinha tempo.



O conceito de chic, assim como as sociedades, sofreu uma

mudança profunda em nosso século. O glamour requer tempo, ou a

sobra dele. Quem os têm em nossos dias?



Com a liberação das mulheres e as limitações impostas pela

vida nas modernas cidades, o conceito de chic quase se restringe à
elegância de atitudes, esta também em extinção, num mundo cada

vez mais competitivo e violento.



É então que me pergunto como se pode ser chic, tendo que

correr o dia todo contra o relógio? É impossível ser chic, empurran-

do um carrinho de supermercado, com os minutos contados, porque

está quase na hora da saída da escola das crianças. É necessário não

esquecer dos Correios, do carro que precisa ir para a revisão, da ida

ao Banco para pagar as contas urgentes, e, sobretudo, do relógio de

ponto que assume a dimensão esmagadora de um titã.



De divagação em divagação, o pensamento escorre para Ma-

ria Eduarda , “chic a valer”, - outro personagem do romance - que

tinha tempo de sobra para arranjar flores no vaso, se vestir com o

apuro que a época exigia, ou simplesmente se dedicar ao bordado,

sempre convenientemente arranjado a um canto da sala. E, mais

ainda, podia se deleitar com infindáveis passeios ao ar livre, na

companhia de outras elegantes que também exibiam trajes esplêndi-

dos, sob o cenário ideal de uma natureza quase intocada. Este despren-

dimento me causa uma leve onda de inveja.



A suprema ambição do homem moderno é a egoísta sensação de

dispor de um tempo só para gozar consigo.

A síndrome da perda de tempo é um sintoma da nossa época. Até


Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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as emergentes, que dispõem de todo o tempo do mundo, foram afetadas

pela doença, elegendo o helicóptero o meio de transporte mais rápido

para percorrer as inúteis distâncias cotidianas, que levam da butique ao

cabelereiro. Pobre tempo o nosso!



A era do computador impele as pessoas a produzirem sempre

mais e melhor, quer se dediquem à produção intelectual, quer a qual-

quer outro ramo de atividade. A concorrência, as exigências

mercadológicas, as crises constantes, fazem do homem um ser cujo

presente é já a sombra do futuro.



Bem, aos homens do passado sempre coube a responsabilidade da

produção, às mulheres, somente a fruição. Diferentemente, a nossa época

impede as mulheres de “verem o tempo passar na janela”. O tempo das

Carolinas já se foi há muito. Há várias décadas, as mulheres “vão à
luta”, complementando a renda familiar do casal ou mesmo são a única

fonte de renda da família. A competitividade gerada pela idêntica ne-

cessidade entre homens e mulheres, o acúmulo de tarefas impingidas às

mulheres modernas, que continuam responsáveis pela educação dos

filhos - tarefa nem sempre dividida com os maridos - a administração

da casa e os compromissos inerentes a estas atividades, requerem da

mulher uma energia muitas vezes superior à dos homens.

Hoje, “chic a valer” é precipuamente garantir um estilo de vida

em que o ser humano possa simplesmente viver. As mudanças trouxe-

ram o progresso necessário, indiscutivelmente. Mas com ele o estresse,

a angústia e a ansiedade, doenças do mundo atual.

Parafraseando outro escritor português, hoje, eu diria somente - Ah,

Maria Eduarda, quem me dera “poder ser tu, sendo eu!”


Psicanálise e Nosso Tempo

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