Velho já era?
Marina Machado Rodrigues
Os noticiários recentes têm mostrado uma dura realidade em
nosso país: o número de idosos abandonados em hospitais, clínicas
geriátricas e congêneres têm aumentado de forma alarmante. Não se
pode desconhecer as implicações econômicas por trás deste fato. Por
um lado, hoje, o idoso, de maneira geral, é considerado um fardo, em
função das exigências mercadológicas que fazem restrições cada vez
maiores à idade produtiva.
A situação deste segmento da sociedade é reflexo da ótica per-
versa de um capitalismo exacerbado, característico do modelo
neoliberal, onde, assim como as máquinas mais antigas são substi-
tuídas por outras mais modernas, os velhos, como objetos obsole-
tos, são colocados à margem do processo produtivo. Por outro lado,
a situação dos aposentados, na qual se insere a maioria dos idosos,
em nosso país, não é das mais confortáveis. O ônus provocado por
um sistema de saúde falido - diretamente proporcional aos gastos
que a idade demanda - é responsável por um custo com o qual as
famílias nem sempre podem arcar. Este fato produz nos idosos con-
seqüências de ordem emocional extremamente perniciosas, cujo efeito
mais suave é a depressão. O orgulho de toda uma vida produtiva dá
lugar à sensação de inutilidade.
Eu me pergunto em que momento histórico-social a imagem
do idoso teria começado a sofrer tal degradação. Porque no passa-
do, quase sempre, a velhice esteve relacionada com uma imagem
positiva. Era vista como o acúmulo de experiências que orientava;
exibia a serenidade aprendida com a vida e, advinda desta, também
a certeza de que o tempo é senhor de todas as coisas. Esta imagem
é pelo menos a que as grandes obras literárias do passado veicula-
ram, senão, vejamos: o camoniano velho “de aspeito venerando”
que iluminava o senso comum “c’um saber só de experiências fei-
to”; ou o velho Afonso da Maia, personagem de Eça de Queirós,
que, sabiamente, aproveitava, com a calma de quem tem toda a
eternidade pela frente, as pequenas delícias que o espetáculo da vida
pode oferecer aos homens; ou a sabedoria e a coragem do velho
arquiteto Afonso Domingues, de Alexandre Herculano, que foi ca-
paz de sustentar a abóbada do templo, apesar da cegueira, apenas
para citar alguns exemplos clássicos.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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Será que já não é tempo de voltarmos a nossa reflexão para um
problema tão crucial? Não devemos nos esquecer de que a popula-
ção brasileira, nas próximas décadas, será constituída, em sua mai-
oria, por velhos, contrariando a imagem de país jovem que o Brasil
exibia há algumas décadas atrás. O efeito Orloff está aí mesmo!
Psicanálise e Nosso Tempo
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