Uma fábula africana sobre o poder
Robson Lacerda Dutra
Em sua última visita ao Brasil, o escritor moçambicano Mia
Couto falou a professores, alunos e interessados sobre seu último
livro - Cada Homem é uma raça - e discorreu sobre diversos assun-
tos ligados ao universo da criação artística.
Incitado por uma aluna, contou duas histórias, as mesmas que
havia contado quando da sua última visita ao Brasil e ditas em encon-
tro similar na Faculdade de Letras da UFRJ. Segundo ele, por oca-
sião das eleições em seu país, vários políticos começaram a visitar
cidades, províncias e demais cantões do distante e distanciado solo
moçambicano. Numa destas visitas, um dos candidatos mostrou ao
povo que estava ali para trazer a eles aquilo que haveria de melhor
para o bem de toda a população. No fim da sua prédica, um dos
anciãos do lugarejo pediu a palavra e contou a história do macaco.
Este, certa vez, passeava pelas margens de um rio, quando viu
um peixe nadando próximo da superfície. “Pobre animal”, disse o
macaco, “está a se afogar”. Prontamente o macaco se debruçou sobre
o rio e pegou o peixe. O animal se debatia loucamente, buscando no
ar o oxigênio necessário. O macaco por sua vez, na ânsia de salvá-lo,
cada vez mais e mais fortemente o segurava. Mais o peixe se movia,
tentando voltar à água, mais o macaco lhe tolhia a liberdade. Por fim,
fatigado pela luta travada, o peixe começou a se encolher, até que lhe
cessaram os movimentos. Por fim, morto, foi posto sobre a terra.
“Pobre animal” pensou outra vez o macaco. “Se eu tivesse chegado
antes, com certeza, o teria salvado”, concluiu então.
A outra parábola fala do morcego que, com corpo de rato, mas
com asas, vivia constantemente visitando seus amigos ratos e pás-
saros, achando-se igual a eles. Um dia, no meio de um vôo, o mor-
cego caiu ferido, exatamente na divisão entre os dois reinos. Vieram
as aves e vendo um ser alado, resolveram socorrê-lo e levá-lo ao seu
rei. Após o examinarem, concluíram, “Ele tem asas, mas não é um
dos nossos, porque o corpo é de rato”, disseram. “Vamos deixá-lo
no reino dos ratos”. Tal dito, tal feito. Deixaram o animal onde o
haviam achado. Os ratos, por sua vez, acharam o morcego e resol-
veram ajudá-lo. Levaram-no ao seu rei que, por sua vez, concluiu:
“Este não é um dos nossos. Tem corpo de rato, mas também tem
asas e por isto é uma ave. Vamos deixá-lo no reino das aves”. Lá
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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deixaram o corpo do pobre morcego, que acabou morrendo.
Segundo Mia Couto, a história serve para relatar as relações
entre povo e poder, especialmente quando se vive a proximidade
das eleições.
Qual seria a reflexão brasileira sobre o assunto?
Psicanálise e Nosso Tempo
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