Psicanálise e Nosso Tempo
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PSICANÁLISE E NOSSO TEMPO
Organização e seleção
de
Nadiá Paulo Ferreira
Marina Machado Rodrigues
Rio de Janeiro
2002
EDITORA
ÁGORA DA ILHA
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
2
FICHA CATALOGRÁFICA
FERREIRA, Nadiá Paulo & RODRIGUES, Marina
Machado
Psicanálise e Nosso tempo
Rio de Janeiro, novembro de 2002
136 páginas
Editora Ágora da Ilha ISBN 7576
Ensaio brasileiro CDD-869-4B
COPYRIGHT: Nadiá Paulo Ferreira &
Marina Machado Rodrigues (organizadora).
Direitos desta edição reservados às organizadoras, conforme
contrato com a Editora. É proibida a reprodução total ou
parcial desta obra sem autorização expressas das mesmas.
PSICANÁLISE E NOSSO TEMPO
ENSAIO BRASILEIRO
REVISÃO E SELEÇÃO DOS ARTIGOS PARA A SEÇÃO NOSSO TEMPO:
CLÁUDIO DE SÁ CAPUANO
ILUSTRAÇÃO DA CAPA: NADIÁ PAULO FERREIRA
RIO DE JANEIRO, NOVEMBRO DE 2002
EDITORA ÁGORA DA ILHA
TEL.: 0 XX 21 - 3393-4212
editoraagoradailha@terra.com.br
Psicanálise e Nosso Tempo
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Sumário
Psicanálise
Marco Antonio Coutinho Jorge
Quando o psicanalista fala.......................................................11
Nadiá Paulo Ferreira
As mulheres e a violência I......................................................13
As mulheres e a violência II....................................................15
As mulheres e a violência III....................................................17
Eu sou aquele que abdiquei do meu nome................................19
Quanto vale uma sessão de análise..........................................21
As várias faces do amor.........................................................22
Identificação com o desejo da Xuxa........................................23
A vida passada de Alice.........................................................24
A felicidade não é impossível.................................................25
A fé dos esquecidos volta a incomodar....................................26
Por que o Diabo tenta?...........................................................27
O presidente dos EUA e a psicanálise.....................................28
Diferenças entre o psicólogo e o psicanalista...........................29
Freud explica a diferença.......................................................30
Em boca fechada, não entra mosca.........................................31
Por que esquecemos os nomes?...............................................32
A fuga de si mesmo via e-mail................................................33
A escolha de Rogéria.............................................................34
O mandamento impossível......................................................35
Para que serve um pai?..........................................................36
Por que o filho quer matar o pai?............................................37
A importância da palavra da mãe...........................................38
A ligação entre o pai e a Lei...................................................39
A crença da discórdia psicanalítica.........................................40
As muletas e a busca da felicidade.........................................41
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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O choro das almas aflitas.......................................................42
A moral que amplia a perversão..............................................43
Amor cortês I: o que é o amor cortês.......................................44
Amor cortês II: o que é o verdadeiro amor...............................45
Amor cortês III: simulacro do objeto do desejo........................46
Amor cortês IV: o jogo sexual do trovador..............................47
Amor cortês V: os prazeres preliminares.................................48
O enigmático sorriso do parvo................................................49
Melanie Klein I: a guerra de Klein x Freud.............................50
Melanie Klein II: golpe de mestre de Klein..............................51
Melanie Klein III: tratamento entra nos trilhos.........................52
Melanie Klein IV: excesso de realidade...................................53
Melanie Klein V: a escuridão de um garoto.............................54
Melanie Klein VI: diferença entre Lingüística e Psicanálise.....55
Melanie Klein VII: convocado para o reino da palavra............56
Desculpas esfarrapadas das almas...........................................57
Nosso tempo
Mário Bruno
Nosso tempo... É preciso acreditar nele...................................61
Ceila Ferreira Brandão
O milagre de Plínio Doyle.....................................................65
Cláudia Maria Amorim
Do ancião ao labrego..............................................................67
Impasses da cultura do individualismo..................................69
Que país é este?....................................................................71
Mário de Sá-Carneiro e o desejo do Outro.............................73
Claudio Cezar Henriques
Sociedade oral... por escrito...................................................75
Cláudio de Sá Capuano
História de um coração roubado............................................77
A nossa pátria é a Língua Portuguesa...................................79
Psicanálise e Nosso Tempo
7
Viver é muito perigoso...........................................................81
Nostalgia do progresso..........................................................83
Darcília Simões
Língua Portuguesa vira balcão de bobagens..........................85
Iremar Maciel de Brito
Teatro vivo.............................................................................87
O teatro popular no circo......................................................88
O cantador de embolada.......................................................89
Leodegário A. de Azevedo Filho
Crônicas de uma atenta viajante...............................................90
Marco Antonio Coutinho Jorge
O poder terapêutico da criança.............................................91
Maria do Amparo Tavares Maleval
A identidade revigorada dos galegos......................................95
Lisboa, jardim da Europa......................................................97
A Idade das trevas não acabou..............................................99
A diversão na corte de D. Manuel.........................................101
Maria Helena Sansão Fontes
O leitor na era eletrônica......................................................103
Quem é o dono da história...................................................105
Mariângela Monsores Furtado Capuano
João do Rio – entre a fama e o preconceito............................107
Marina Machado Rodrigues
A crise da reforma de uma nova época.................................109
Para que servem as fantasias?................................................111
Polícia.................................................................................113
Chic a valer.........................................................................115
Todas as Marias..................................................................117
Velho já era? .......................................................................119
Discriminação ou preconceito social?...................................121
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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Robson Lacerda Dutra
Sobre o conceito de arte.......................................................123
Uma fábula africana sobre o poder......................................125
Colonizados e colonizadores – 500 anos...............................127
Sérgio Nazar David
Mal-estar na escola.............................................................129
O grupo galpão comemora 15 anos.....................................131
A glória da velha senhora....................................................132
Difícil é saber renunciar.......................................................133
Psicanálise e Nosso Tempo
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PSICANÁLISE
Psicanálise e Nosso Tempo
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Quando o psicanalista fala...
Marco Antonio Coutinho Jorge
O psicanalista é tradicionalmente visto como aquele que ouve,
ouve, ouve... mas não fala. Uma certa caricatura do psicanalista,
disseminada em nossa cultura, é a de um sujeito quase em estado de
mutismo. Mas o psicanalista não é mudo e, sim, permanece muitas
vezes calado, o que são coisas bastante diferentes — e isso se deve
ao fato de que ele precisa poder escutar muito para chegar a ter
alguma coisa a dizer. Pois a palavra do psicanalista é uma palavra
perpassada pelo saber inconsciente, que não se dá a conhecer de
uma vez por todas, muito menos de uma hora para outra.
Entretanto, quando o psicanalista fala, ele o faz a partir de um
lugar diferente do discurso comum, denominado por Lacan de dis-
curso corrente. Freqüentemente, a fala do psicanalista expressa al-
guma forma de pontuação do discurso: ela introduz o questionamento
onde se assentam certezas absolutas; afirmações precisas onde só
há confusão; ela vê beleza onde o horror se estampa e presentifica a
falta onde há plenitude... A partir de sua tendência para dialetizar
simbolicamente o tratamento da verdade, se pudéssemos condensá-
la de modo abusivo, diríamos que a fala do psicanalista revela uma
experiência subjetivada de que não há vida sem morte (como no
surpreendente desenho de Ismael Nery, chamado Vida e morte, no
qual um rosto humano é dividido ao meio pelos signos da beleza e
da decomposição...), e que o sujeito está continuamente dilacerado
entre ambas: ora brandindo a chama vital que parece extinguir-se
mas sabe ressurgir subitamente; ora apontando para o deserto quando
a festa parece se esquecer do galope inelutável da finitude.
Dito de outro modo, e em termos teóricos lacanianos, o psicana-
lista opera no simbólico fazendo a dialetização entre a plenitude ima-
ginária e o vazio real: vê-se porque na tripartição estrutural RSI, o
simbólico está situado precisamente entre o real e o imaginário... No
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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simbólico não há vazio ou pleno, mas sim vazio e pleno. É assim que,
quando o psicanalista fala, surge sempre algo inesperado que, por um
lado, pode espantar nosso senso comum, mas, por outro, pode trazer
um salutar apaziguamento íntimo.
Nestes brevíssimos e selecionados artigos, Nadiá Paulo Ferreira
consegue estabelecer um verdadeiro diálogo com o leitor (aliás, bem
à maneira como Freud costumava fazer), um diálogo cuja caracterís-
tica primordial é a de que os temas surgem a partir do dia-a-dia que o
próprio leitor está vivendo: o leitor se reconhece naquelas questões e
acompanha seu texto como se ela falasse dele próprio. (Assim como
o sultão Schariar é levado a ouvir Scherazade posto que, nas maravi-
lhosas histórias que contava nas mil e uma noites, era da tradição
dele que ela falava...)
Captando os eventos desse mundo complexo no qual estamos
mergulhados e muitas vezes, por isso mesmo, sem condições de exer-
cer nosso discernimento, o texto de Nadiá aborda constantemente o
problema da segregação das mulheres e das minorias, o logro embu-
tido nos ideais aprisionantes (como os da ciência), que só afastam o
sujeito de si mesmo numa busca desenfreada de algo ilusório.
Assim é que, quando o psicanalista fala, tomam a palavra sujeitos
sufocados e marginalizados milenarmente pela exclusão e pelo racis-
mo... pelo abandono e pela violência... Aqui, o estilo de Nadiá revela
uma surpresa para o leitor, pois ela consegue em poucas linhas recor-
tar temas pungentes a partir da visão psicanalítica e trazer inúmeros
ensinamentos pontuais. Relembro que, para Lacan, a psicanálise é
uma prática puntiforme, seu esclarecimento interpretativo incide sem-
pre sobre determinados pontos e jamais de forma generalizante...
Como a palavra do psicanalista é uma palavra preciosa, fruto de
uma escuta e de uma elaboração que ele tem do mundo no qual vive,
quando o psicanalista fala devemos escutá-lo... E escutar a fala, ao
mesmo tempo incisiva e poética, de Nadiá Paulo Ferreira é algo que
enriquece nossa forma de abordar os problemas da contemporaneidade.
Psicanálise e Nosso Tempo
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As mulheres e a violência I
Nadiá Paulo Ferreira
Não há dúvida de que as mulheres se destacam entre as vítimas
preferidas, tanto na história da humanidade, quanto neste final de
milênio.
No Afeganistão, uma das primeiras medidas dos revolucionários,
que tomaram o poder, foi o trancafiamento das mulheres. Elas estão
proibidas de trabalhar, de freqüentar escolas e só podem sair à rua
com o corpo praticamente coberto.
Ainda hoje, em algumas tribos africanas e em alguns países
mulçumanos, pratica-se a extirpação do clitóris das mulheres. Às
vezes, este ato é praticado a sangue frio com qualquer instrumento
cortante, provocando infecções que levam à morte.
Cenas de horror fazem parte das páginas que se dedicam a
falar das mulheres na história. Mas só as mulheres são vítimas de
atos truculentos e sanguinários? E os índios, os negros, os judeus,
os marginalizados do capitalismo, os estigmatizados como homos-
sexuais? O que há de comum a todos eles senão o que escapa ao
império da igualdade? Basta uma marca como índice da diferen-
ça: tanto faz que seja a cor da pele ou uma escolha de sexo para
que o semelhante se transforme em perigo ameaçador. Eis a face
do Mal, exigindo para o Bem-de-todos um combate sem tréguas.
Elege-se o ódio como antídoto do próprio amor. Diz o preceito
cristão: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”. Mas se o próxi-
mo não se apresenta como idêntico, em vez de amado, deve ser
odiado, submetido às normas ou destruído.
Nesta concepção, ama-se porque se imagina que o outro é o
que se gostaria de ser ou possuiria o que se deseja ter. Da mesma
forma que se odeia porque se acredita que o outro é um ser despre-
zível ou tem o que não merece. Aqui estamos na ordem da igual-
dade e do excesso, onde o que conta é sempre a suposição de que
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o que falta a um o outro tem. O ódio com que se cultivam os inimi-
gos não traz à tona a diferença e sim as desavenças entre semelhan-
tes. A estes o cristianismo nos ensina a dar a outra face. Porém, se
partimos do pressuposto de que existem seres que, apesar da apa-
rência, não são humanos, encontramos neste argumento a justifica-
tiva da violência. A história nos oferece vários exemplos.
Na época dos descobrimentos, onde reinava de forma
hegemônica o discurso religioso, os índios foram vistos como se-
res sem alma ou como bárbaros gentios. No primeiro caso, podi-
am ser caçados e mortos como animais e, no segundo caso, devi-
am ser cristianizados. Assim foram dizimados por extermínio ou
por assassinato cultural.
Sem a ajuda da ciência e da estética, como fica muito bem
demonstrado no filme Arquitetura da destruição, de Peter Cohen,
Hitler não teria convencido a maioria dos alemães de que os ju-
deus eram a degenerescência da raça humana e, justamente por
isto, comportavam-se como um conjunto de ratos. Animais com
aparência humana são ervas daninhas que devem ser dizimadas.
Os negros, aproximadamente a partir do século XVIII, foram
“domesticados” para servir aos humanos. A isto se chamou escra-
vidão. Em praças públicas, ele eram expostos para serem vendi-
dos, como até hoje se faz com os animais domésticos, cujos pre-
ços de mercado variam de acordo com o pedigree e com a raça.
As mulheres, como representantes do Outro-sexo, represen-
tam um enigma sem decifração e, justamente por isto, se tornam
ameaçadoras e perigosas. Uma das soluções encontradas pelas
leis dos homens foi a dominação que, às vezes, se exerce com
requintes de crueldade.
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