Otto maria carpeaux



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inúmeras anedotas que - por intermédio de Vasari - tôda a gente conhece, e que dão testemunho de uma nação e de uma época que colocaram a arte no centro da vida.

É, por assim dizer, uma exposição retrospectiva de um grupo de grandes artistas que se foram. Desde então, Florença é um museu.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 497

Na Florença de Cosimo I já não existem republicanos, nem heréticos, nem aristocratas, nem grandes burgueses. Só a côrte e a pequena-burguesia pacífica. Mas é uma

pequena-burguesia florentina, quer dizer, espirituosa, jocosa, produzindo autodidatas esquisitos que representam, voluntária ou involuntàriamente uma oposição silenciosa

contra tôdas as doutrinas oficializadas. Assim é Giambattista Gelli (41), sapateiro que aprendeu o latim e fêz leituras públicas sôbre a Commedia de Dante. Nos seus

diálogos, do "artéfice" Bottaio com a própria alma, ou de Ulisses com os homens que Circe transformara em animais, um caos de idéias triviais ou espirituosas se

vivifica através da saborosa língua toscava e das censuras dissimuladas contra os humanistas profissionais. Da mesma estirpe parece Doni (42) : nos seus Marrai,

populares florentinos, sentados nas escadas de mármore em frente à Catedral de Santa Maria del Fiore, passam as tardes em conversas curiosíssimas, cheias de sabedoria

popular e alusões aos preconceitos dos eruditos; nisto há intenção mais do que maliciosa. Doni era um ex-padre, e nas suas pitorescas pesquisas científicas freme

a inquietação secreta do apóstata clandestino.

Havia heréticos na Itália. Com os erasmianos surgiram reivindicações de reformas eclesiásticas, mais ou menos profundas, e ainda no tempo do concílio de Trento ha

verá vozes discordantes. Entre os protestantes (42-A) fran

41) Giambattista Gelli, 1498-1563.

39) Benvenuto Cellini, 15OO-1571. I capricci di Giusto Bottaio (1546) ; Circe (1559).

Edição por U. Fresco, Camerino, 19O8.

1728). A. Ugolini: Le opere di Giovanni Battista Gelli. Pisa, 1898.

Le "Circe" e i "Capricci del Bottaio" di Giambat

Vita (primeira edição por A. Cocchi,

Edição crítica (com introdução) por O. Bacci. Firenze, 19O1. N. Tarantino:

tista Gelli. Città di Castello, 1917.

K. Vossler: Benvenuto Cellinis Stil in seiner Vita. Halle, 1899.

E. Carrara: Prefácio da edição da 42) Antonio Francesco Doni, 1513-1574.

Vita. Torino, 1927.

E. Allodoli: Benvenuto Cellini. Firenze, 193O. Zuerich, 194O. Mondi (1552) ; Marrai (1552).

Marrai, edição Barbera, 2 vols., Firenze, 1863.

R. Eggenschwyler: Saggio sullo stile di Cellini.

4O) Giorgio Vasari, 1511-1574. S. Stevanin: Ricerche ed appunti sulle opere di A. F. Doni. Fi

e architetti (155O).

Le vite dei piú celebri pittori, scultori renze, 19O3.

Edição por Corr. Ricci, 3 vols. Roma, 1927/1929. Pisa, 19O5. 42A) C. Church: I rijormatori italiani. 2 vols. Firenze,

1935.


D. Cantimori: Gli eretici italiani del 5OO. Firenze, 194O.

U. Scoti-Bertinelli: Giorgio Vasari, scrittore.

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cos ou clandestinos, há personalidades como Francesco Negri, Aonio Paleario, Bernardino Ochino, geral dos capuchinhos, e - o maior de todos - o espanhol Juan de

Valdês, pelo qual, segundo a expressão de Menéndez y Pelayo foi "catequizada em má hora" Vittoria Colonna (43). Não era grande poetisa; era antes petrarquista fria,

embora de notável perfeição de forma. Mas era uma grande alma, inspirada pelo amor e pela memória de seu marido, o célebre Marquês de Pescara, pela dedicação de

um amigo como Miguel Ângelo, e pelo desejo de reformas eclesiásticas, fruto de uma religiosidade profunda e, por assim dizer, altiva. A vida de Vittoria Colonna

foi trágica - a viúva consumiu-se em adorações místicas de religiosa voluntária, desesperando da vitória da causa protestante. É quase a tragédia do próprio protestantismo

italiano. Os seus adeptos, filhos de uma civilização estática e de uma raça estética, não se podiam conformar com a expressão plebéia do luteranismo nem com a expressão

puritana do calvinismo. De qualquer maneira, continuavam discípulos de Erasmo, do grande intelectual, e a sua religião era um protestantismo de intelectuais, de

uma elite, incapaz de romper de todo com a Igreja, que, no entanto, não lhes permitiu manter esperança. Na poesia religiosa de Vittoria Colonna há qualquer coisa

da religião de outros semiprotestantes de elite, dos jansenistas, e a sua última palavra é a mística de

silêncio:

"Alma, taci ed onora il sacro nume!" 43) Vittoria Colonna, 1492-1547.

Rime (1546).

Edição por G. E. Saltini, Firenze, 186O.

A. Reumont: Vittoria Colonna; vita, fede e poesia nel secolo XVI. 2.11 ed. Torino, 1892.

B. Zumbini: Studi di letteratura italiana. Vol. I. Firenze, 1894. A. A. Bernardy: Vita e opere di Vittoria Colonna. Firenze, 1927. K. Pfister: Vittoria Colonna.

Werden und Gestalt der fraMbarocken Welt. Muenchen, 195O.

Vittoria Colonna morreu na fé e em desespêro. A propósito, já se citou o verso de Dante ("Par.", XXIX, 91) : "Non vi si pensa quanto sangue costa."

O seu amigo Miguel Ângelo Buonarroti (44), a persona

lidade de artista mais poderosa de todos os tempos, exprimiu aquela mesma mística do silêncio numa quadra tão famosa que já não se repara no duplo sentido, alegórico,

que o poeta, leitor assíduo de Dante, escondeu nos versos: a quadra na qual a sua estátua da "Notte" diz assim:

"Caro m:"è il sonno e piú 1:"esser di sasso,

Mentre che 1 danno e Ia vergogna dura;

Non veder, non sentir m:"è gran ventura;

Peró non mi dentar, deh! parla basso."

É grande a tentação de compreender êsses versos de maneira romântica: "il danno e 1a vergogna" como alusão à vida duríssima de Miguel Ângelo, cheia de desastres

pessoais, e ao desastre maior da pátria, e a quadra inteira como expressão de desespêro e da vontade budística de sono eterno. Então, Miguel Ângelo seria um poeta

"moderno", no sentido do século XIX, mas que infelizmente só encontrou como meio de expressão os artifícios do petrarquismo, dos quais nunca logrou despir-se inteiramente,

e que tampouco aprendeu a dominar. A crítica italiana quase não é capaz de falar de Miguel Ângelo sem aludir aos graves defeitos da sua linguagem e métrica, "desculpando-os"

pela grandeza da personalidade. Na verdade, Miguel An

44) Michelangelo Buonarroti, 1475-1564.

Rime (primeira edição, truncada, por Buonarroti il giovane, 1623; nova edição por Ces. Guasti, 1863).

Edições por C. Frey, Berlin, 1897; por G. L. Passerini, Venezia, 19O8; por G. Amendola, 2.a ed., Lanciano, 192O. Lettere, edit. por G. Papini, Lanciano, 192O. G.

Saviotti: La vita e le rime di Michelangelo. Livorno, 1916. A. Farinelli: Michelangelo poeta. Torino, 1918. F. Rizzi: MicheZangelo poeta. Milano, 1924. V. Mariani:

Poesia di Michel Angelo. Roma, 1941. G. Galassi: Michelangelo Buonarroti. Firenze, 1942.

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gelo não está na tradição petrarquesca, ou antes, o seu Petrarca é outro, diferente; mais perto de Dante. "L:"amor mi prende... ", começa o artista, e logo ocorre

o "amor m:"inspira" do "dolcc stil novo". O que assustou os primeiros leitores das Rime e continua a assustar críticos mais recentes é a língua "trecentesca", "bárbara",

de Miguel Angelo em pleno "Cinquecento". A sua poesia é, de fato, poesia "dantesca", poesia da beleza espiritual. Se o assunto da sua poesia fôsse o corpo, e os

sofrimentos do corpo, o escultor todo-poderoso não precisava escrever versos. O seu assunto é, em palavras de confissão dantescas -

"Gl:" infiniti pensier mie:", d:"error pieni",

e a sua poesia uma tentativa de tranqüilizar a alma angustiada: procura a "emotion, recollected in tranquillity", sem encontrar esta última. A poesia de Miguel Angelo

é conseqüência da incapacidade do maior dos escultores de realizar-se na escultura, porque o conceito espiritual da beleza, o de Dante e do "Trecento", não pode

ser realizado em obras visíveis, pela "man che ubbidisce all:"intelletto". As Rime de Miguel Ângelo constituem um diário poético que acompanha os seus trabalhos

artísticos.

Mas não um diário introspectivo, psicológico, romântico, e sim um diário espiritual, submetido, como confissão, a Deus, dono de sua "carn:" inferiria"; nunca pensou

Miguel Angelo em publicá-lo. É uma tentativa de dizer o que não podia es

culpir,

" um concetto di bellezza Immaginata o vista dentro, al core.


E encontrou o que não se pode dizer, porque "il danno e Ia vergogna" da condição humana terminam só na morte

inefável


il mio basso ingegno

Non sappia, ardendo, trarne altro che morte."

As "imperfeições" formais de Miguel Ângelo têm profundo sentido poético e humano: exprimem o indescritível, o indizível, o inefável. Dêsse poeta só se "parla basso".

"Danno e vergogna" têm, como em tôda a alegoria dantesta, além do sentido espiritual, também aquêle sentido real que sentiram todos os seus contemporâneos. Miguel

Angelo não era capaz de conformar-se com a sua própria arte; êles, porém, se conformavam com tudo. Na época em que Miguel Ângelo era já muito velho, os humanistas

e anti-humanistas, literatos e burgueses, já não pensavam em veleidades de oposição; so no pão de cada dia. O classicismo degenerou em esteticismo, do qual Firenzuola

(45) é representante típico: mestre da língua florentina, grande estilista e tradutor, sem qualquer seriedade da alma, profundamente amoral sem imoralidade, vendendo

sua pena para viver bem e acabando em melancolia; Fatini comparou-o a Oscar Wilde.

O teórico do conformismo burguês é Francesco Guicciardini (4a). Diplomata e administrador, historiador teó

45) Agnolo Firenzuola, 1493-1548.

Tradução do Asino d:"oro de Apuleio (1525) ; Discorri delta belleaza delle donne (1541) ; J. Ragionamenti (1548). G. Fatini: Agnolo Firenzuola e Ia borghesia letterata

dei Rinascimento. Torino, 1932.

M. Oliveri: Agnolo Firenzuola. Carmagnole, 1935.

46) Francesco Guicciardini, 1483-154O.

Storia fiorentina (15O9) ; Ricordi politici e civili (1527/153O) ; Considerazioni rui Discorri dei Machiavelli (1529) ; Storia d:"Ita

lia (-154O).

Obras completas, edit. por G. Canestrini, 1O vols. Firenze, 1857/ 1867.

Edição dos Ricordi por A. Faggi, Torino, 1921.

Edição crítica da Storia d:"Italia por A. Gherardi, Firenze, 1919. F. De Sanctis: "L:"Uomo del Guicciardini". In: Saggi critici, vol. 111, 3.8 ed., Milano, 1937.)

(Brilhante ensaio.)

E. Zanoni: La mente di Francesco Guicciardini nelle opere polítiche e storiche. Firenze, 1897.

A. Gustarelli: La vita e Ie opere di Francesco Guicciardini. Livorno, 1914.

L. Malagoli: Guicciardini. Firenze, 1939. A. Vitale: Guicciardini. Torino, 1941.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

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rico da política, grande intelectual, pessimista; florentino

e contemporâneo de Maquiavel, do qual parece ser o companheiro e é, em tudo, a antítese. Como historiador, não se inspira em modelos antigos, censurando a idolatria

de Maquiavel aos romanos; não pretende extrair lições da história, e sim escrever história exata, científica. Guicciardini é realmente um historiador mais autêntico

do que Maquiavel; sabe separar rigorosamente os fatos e a teoria. Maquiavel foi um intelectual que, sem poder agir, deu conselhos. Guicciardini é um intelectual

que, embora agindo muito e com sucesso, reconhece a inutilidade da ação. O seu pessimismo não é psicológico, mas já quase religioso: de um católico, ou antes, "catholique

mais athée", da Contra-Reforma, que não confia nos podêres leigos. Nem Florença nem a Itália o preocupam; são objetos da historiografia. O seu assunto é o homem

isolado, o indivíduo, mas não o grande indivíduo da Renascença, e sim o burguês que deseja viver em paz. Daí o anta-heroicismo dos seus Ricordi politici e civili

que irritou os patriotas italianos de todos os tempos. Mas durante mais de três séculos os italianos foram realmente assim. No fundo dêsse conformismo existe um

programa político: o ideal de Guicciardini - enquanto teve ideais - não é a Itália grande e forte de Maquiavel, e sim uma confederação de pequenos Estados pacíficos,

nos quais se pode viver. É um programa mais republicano do que o republicanismo doutrinário de Maquiavel. Êste considerava ainda a Itália como centro da civilização;

tornou-se doutrinados político do mundo. Guicciardini foi o doutrinados da "Itália pequena% da província que o classicismo, ébrio de grandezas romanas, ignorava.

O burguês florentino, transformado em mero objeto da política, compreende o povo que sempre foi objeto da política. Guicciardini, apesar do seu egoísmo cinicamente

confessado, foi um sábio e, no fundo, um homem de bem.

Depois do tempo de Guicciardini, o classicismo político e literário já não é possível. O concílio de Trento e

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 5O3

a dominação espanhola acabam radicalmente com os ideais da Renascença. A literatura culta encaminha-se para o Barroco, civilização pseudo-aristocrática, pseudo-religiosa

e pseudo-erudita, civilização internacional, na qual, como na Itália, os espanhóis dominam. A literatura italiana perde a hegemonia na Europa. Fica, porém, outra

literatura italiana, a pequena, a do povo.

Ali se encontraria o verdadeiro lugar de Folengo. E logo se encontra outro poeta macarrônico, o piemontês Alio

ne (47), que escreveu as suas farsas populares, parte em

francês, parte no dialeto da sua região de Asti, e parte numa mistura macarrônica de piemontês e francês. Alione enquadra-se no movimento de uma extensa literatura

rústica, humorística, que acompanha jocosamente o classicismo e constituiu a antítese da literatura pastoral, bucólica. Literatura camponesa, composta, na maior

parte, de farsas e comédias, escrita por literatos desviados ou por atôres rústicos que alcançaram êxito na cidade, de modo que nem sempre é fácil distinguir entre

humor rústico e sá

tira anticamponesa; o Baldus, de Folengo, e o Orlandino, de Aretino, constituem os pólos dessa "pequena." literatura

(48).


Basta citar ràpidamente os Villaneschi contrasta de

Bartolommeo Cavassico; as farsas em dialeto de Siena, de Niccoló Campana; as farsas venezianas de Andrea Calmo, que já imita o maior representante da literatura

popular:

47) Giovanni Giorgio Alione, 146O-1521.

Farsa de Zoan Zavatino e de Beatriz soa mogliere e del grete ascoso soto el grometto; Farsa de Nicolao Spranga; Farsa de Gana e de Reluta, doe matrone repolite quale

voliano reprender le Zovene; etc.

Edição das Commedie e farse carnevalesche. Milano, 1864. B. Cotronei: Le farse di G. G. Alione. Reggio Cal., 1889.

E. Bottasso: "Le Farse Astigiane di Alione". (In: Bollettino Storico-bibliográfico subalpino, 47, 1949.)

48) L. Stoppato: La commedia popolare in Italia. Padova, 1887.

#5O4 OTTO MARIA CARPEAU%

.Angelo Beolco, chamado Il Ruzzante (49). Filho ilegítimo de um aristocrata veneziano e de uma camponesa paduana, viveu entre dois mundos; autor e ator de farsas

que são versões rústicas de comédias plautinas e divertiram os cultos pelas grosserias e astúcias dos camponeses; mas em Ruzzante havia algo da melancolia do "pária",

e, às vêzes, parece antes divertir os camponeses com a estupidez culta dos nobres. É uma arte provinciana e extremamente simples, com um fundo de tristeza popular;

mas teve repercussões em tôda a Europa. Dos tipos permanentes e frases feitas cômicas da farsa do Ruzzante nasceu o produto mais autóctone, mais italiano, do teatro

italiano: a farsa improvisada, a "Commedia dell:"Arte". E, depois, a óperabufa. Ruzzante é o "missing link" entre Grazzini e Rossini, ou, se quiserem, entre Plauto

e Pirandello. Mas o próprio Ruzzante ficou quase esquecido. Durante séculos, as dificuldades de compreensão do dialeto paduano, em parte já extinto, impediram o

acesso direto a Ruzzante, que permaneceu na história da literatura italiana como curiosidade. Hoje, sendo objeto de estudos mais acurados, é reconhecida sua importância

mais do que só histórica. Foi um dramaturgo autêntico. Com êle, a literatura italiana começa a retirar-se das alturas do Olimpo clássico para as aldeias do Vêneto,

da Toscava, e da Sicília. Desde então, existem duas literaturas na Itália: a sublime e eloqüente dos cultos, e a cômica e "vivace" do povo. Ao mesmo tem

49) Angelo Beolco (Ruzzante), 15O2-1542.

Comédias em dialeto de Pádua: Piovana; Anconitana; Moschetta; Vaccaria; Fiorina (Edição, Vicenza, 1584 e 1598). Edição in: E. Lovarini: Antichi testi di letteratura

padana. Bologna, 1884.

G. Boldrin: A. Beolco, detto il Ruzzante. Padova, 1925.

A. Mortier: Un dramaturge populaire de Ia Renaissance italienne. Ruzzante. 2 vols. Paris, 1925/1926. (Com traduções.) A. Cataldo: IZ Ruzzante. Milano, 1933. F. Neri:

"I1 Ruzzante". (In: Poesia nel Tempo. Torino, 1948.)

po, a literatura que com Petrarca, Boccaccio, Ariosto e Maquiavel tinha dominado o mundo, perdeu o seu papel no concêrto diplomático das literaturas européias. Começara

a época do Barroco hispânico.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

5O5 .

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CAPITULO III
RENASCENÇA INTERNACIONAL

¡

APALAVRA "Natio" significava na Idade Média um colégio universitário. Nas grandes Universidades medievais, centros internacionais de estudos, os professôres e estudantes



naturais do mesmo país moravam juntos no mesmo colégio, à maneira dos "colleges" que ainda existem em Oxford e Cambridge. Mais tarde, a palavra "Natio" reaparece

nos concílios da Igreja, nos quais as universidades, como detentoras do saber teológico, estavam representadas ao lado dos príncipes. Da colaboração entre os príncipes

e os doutôres em Teologia nasceu o conceito da nação política dentro da Igreja universal. O clero internacional - o das ordens - não participou dessa evolução, e

tampouco uma outra classe, tão internacional como o clero: a aristocracia feudal. Os chamados "tipos" ou "caracteres nacionais", o francês, o inglês, etc., já se

desenvolviam durante a Idade Média, mas como característicos especiais das classes inferiores, da burguesia e do povo rústico. O "grande mundo" continuava uniforme,

internacional.

A relação entre a aliança "príncipes-doutôres" e o conceito de nação revela-se pela primeira vez na voga de nacionalismo francês que apoiava o rei Filipe, o Belo,

e os seus "legistes" contra o Papa Bonifácio VIII. Da "natio germanica" dos concílios nasceu a nação alemã; a aliança entre os príncipes da Saxônia e os professôres

da Universidade de Wittenberg criara mesmo a Igreja nacional, luterana. Na Espanha, a concordata que deu aos reis de

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Castela poder sôbre a Igreja do seu país prestou serviço

semelhante, sem se realizar, porém, separação cismática.

Na Inglaterra, a supremacia eclesiástica de Henrique VIII

é complemento da constituição do Estado e da nacionali

dade. As guerras religiosas na França relacionam-se com á formação da nação francesa. Na Itália, o fantasma do nacionalismo romano dos humanistas, do qual Cola di

Rienzo fôra o primeiro exemplo, devia substituir a realidade nacional, como que esmagada pelo fato de que a Igreja italiana era ao mesmo tempo a Igreja universal;

ainda no século XVIII, os italianos passavam por cosmopolitas sem senso de nacionalidade. Por outro motivo retardou-se a formação definitiva da nação alemã, apesar

da Reforma eclesiástica: o feudalismo tinha-se cristalizado e perpetuado em forma de numerosos pequenos Estados soberanos. O outro grande obstáculo à formação das

nações, a par da Igreja romana, é a aristocracia feudal. Em tôda a parte, a cristalização das nações consuma-se com a derrota do feudalismo pelo poder absoluto dos

reis: na Inglaterra, já nos fins do século XV, com a dinastia Tudor; na França, só com Richelieu e Luís XIV. O aliado dos reis contra a aristocracia feudal é a burguesia

urbana, interessada na formação de maiores unidades territoriais com justiça igual é comunicações livres. Pela vitória da burguesia, o século XIX tornar-se-á o século

do nacionalismo.

O século XVI, fora da Itália, é a época do nascimento das nações modernas. Movimento difícil, contra a hospitalidade das duas grandes classes do passado- da aristocracia

feudal e do clero católico. Contra o conceito feudal de propriedade adota-se o conceito de propriedade do Direito Romano. Contra o internacionalíssimo latim do clero

adotam-se as línguas nacionais nos cultos protestantes. As classes antigas respondem com a afirmação do ideal aristocrático do "cortegiano" e dos ideais latinos

do Humanismo; e essas afirmações revelam a transformação profunda pela qual aristocracia e clero já tinham passado. O

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 5O9

aristocrata da Renascença já não é o rude cavaleiro medieval; é igualmente guerreiro e diplomata, com as qualidades de um homem de salão; mais tarde, depois da vitória

do absolutismo, será cortesão apenas. Quando se lembra da origem feudal dos seus privilégios sociais, é com certa saudade romântica; no aristocratismo da Renascença

há qualquer coisa de romântico e fantástico, imaginação de aventuras e de ilhas felizes de evasão, nos campos pastorais. O "clero" do século XVI não é o clero da

Igreja; êste está lutando pela existência contra os heréticos ou perdido nas esquecidas fortalezas da escolástica, nas universidades, sem contato com o mundo. Do

papel internacional do clero eclesiástico apodera-se o clero leigo da "Igreja" do Humanismo, outra Igreja internacional, ligada à verdadeira pela língua. Os humanistas

são, durante a Renascença, os substitutos literários do clero católico. Os fatos históricos confirmam esta tese: depois do concílio de Trento, o humanismo internacional

entra em decadência; o clero da Igreja da Contra-Reforma reassume o seu papel, e o humanismo renascentista transforma-se em jesuitismo barroco; até hoje, os jesuítas

são os partidários mais tenazes do ensino humanístico.

Em conseqüência, a literatura européia da Renascença é internacional, humanista e aristocrática. Pelo . interna cionalismo, oposto às fôrças novas do nacionalismo

crescente, a literatura do século XVI conserva certa uniformidade, da qual é sintoma o reconhecimento universal dos modelos italianos: o Cortegiano de Castiglione,

a lírica petrarquesca, o romantismo à maneira do Amadis ou de Ariosto, a écloga à maneira de 5annazaro dominam o mundo; o fundamento filosófico dessa dominação é

a divulgação internacional do platonismo, e só mais tarde ressurgirá, como presságio da mentalidade barrôca, o estoicismo. Os aristocratas são em grande parte os

autores, em grande parte os leitores daquela literatura. Em todo o caso, determinam o gôsto internacional. Os agentes daquele in-

#51O OTTO MARIA CARPEAUX

ternacionalismo são os humanistas, continuando, com fôrça maior do que na Itália, uma poderosa literatura em língua latina. Evidentemente, haverá uma oposição: resíduos

da mentalidade medieval numa literatura popular, e começos de uma literatura realista. Mas isto já é outra história.


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