Otto maria carpeaux



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poetas do século XVI, Wyatt já teve o seu dia de ressurreição, encontrando novos admiradores. O seu amigo e discípulo

Howard, Earl of Surrey (37), leva a cabo aquela reforma

métrica: a transformação do sonêto petrarquesco em "sonêto elisabetiano", em que os tercetos têm a forma: e f e f g g, ou então e f f e g g, ou qualquer outra combinação

na qual as duas últimas linhas constituam um couplet rimado; transformação importante, porque o sonêto inglês se distingue do italiano pela forma epigramática do

fim. Será uma poesia na qual a expressão dos sentimentos termina em conceito espirituoso. O sonêto de Shakespeare será assim. De sabor mais popular é a poesia de

George


35) L. Einstein: The Italian Renaissance in England. New York, 19O2.
M. Evans: English Poetry in the Sixteenth Century. London, 1955.

36) Sir Thomas Wyatt, c. 15O3-1542.

Edição por A. K. Foxwell, 2 vols., London, 1913.

C. M. W. Tillyard: The Poetry of Sir Thomas Wyatt. London, 1929.


S. Baldi: Le poesie di Sir Thomas Wyatt. Firenze, 1953.

37) Henry Howard, Earl of Surrey, 1516-1547.

Edição por F. M. Padelford, 2.a ed., Seattle, 1928.

E. R. Casady: Henry Howard, Earl of Surrey. Oxford, 1938.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 535

Gascoigne (37-A), do qual até há pouco apenas um Lover:"s Lullaby constava das antologias; Gascoigne é hoje quase desmesuradamente elogiado por certos críticos americanos.

Os sonetos inglêses não são inferiores aos franceses da Pléiade, com os quais estão em relação íntima. Samuel. Daniel (33) não nasceu poeta; mas aprendeu bem a poesia,

em Du Bellay principalmente, embora o título dos 5O sonetos de Delia lembrasse Scève. O estilo, não; é simples,

- verso fica na memória, e certos sonetos como "When men shall find thy flower..." e "Care-charmer Sleep, son of the sable Night" tornaram-se conheci dissimos. Drayton

(39), ao contrário, é grande poeta. Um dos 51 sonetos de Idea:"s Mirror, a comovente despedida "Since there:"s no help, come let us kiss and pari", foi considerado

por Dante Gabriel Rossetti como o melhor sonêto em língua inglêsa:

- Rossetti entendia de sonetos. Drayton era um talento de poeta intimista, de grande poeta menor; teria sido o Du Bellay inglês, se não tivesse tido a ambição infeliz

de escrever uma epopéia geográfico-histórica, espécie de corografia poética da Inglaterra. O Polyolbion é enorme

- ilegível. É oposta a situação de Edmund Spenser: foi grande como poeta lírico, porém maior como poeta épico;

37A) George Gascoigne, c. 1527-1577.

Edição por J. W. Cunliffe, Cambridge, 19O7.

F. E. Schelling: The Life and Writings of George Gascoigne.

Philadelphia, 1894.

Y. Winters: "The Sixteenth -Century Lyric in England". (In:

Poetry, Chicago, março de 1939.)

38) Samuel Daniel, 1562-1619.

Delia (1592) ; Epistles (16O3) ; Arcadia (16O6).

Edição (com introdução) por A. B. Grosart, 5 vols., London, 1885/1896.

39) Michael Drayton, 1563-1631.

Idea:"s Mirror (1594) ; Polyolbion and Phoebe (1595).

Edição por J. W. Hebel, 5 vols., Oxford, 1931. O. Elton: Michael Drayton. London, 19O5.

B. H. Newdigate: Drayton and his Circle. London,

tragédia Philotas (16O5) ; Queen:"s

(1613/1622) ; égloga Endymion 1941.

#536 OTTO MARIA CARPEAUX

assim como no caso de Camões, a epopéia lhe dá importância histórica maior em outra corrente literária, e o lugar do maior sonetista elisabetiano fica para Sir Philip

Sidney (4O). A sua personalidade literária não é compli

cada, mas complexa. Como teórico da poesia, é classicista. Pela sua Arcadia, imitada de Sannazaro e Montemayor, ocupa lugar importante na história do romance pastoril;

mas essa mistura de égloga prosificada e romance de aventuras, escrita em estilo afetado e excessivo, é inteiramente ilegível, pelo menos para nós outros, apesar

de recentes tentativas de "salvá-la". Só é digno de nota, entre as poesias insertas, o belo poema "My true love hath my hart and I have his", e êste é inferior aos

melhores sonetos do ciclo Astrophel and Stella: "With how sad steps, ô Moone, thou clim:"st the skyes", "Come Sleepe, ô Sleepe, the certaine knot of peace", "Having

this day, my horse, r y hand, my launce". Os sonetos não são impecáveis: a sintaxe é algo confusa, a versificação dura. Mas são mais ingênuos, mais frescos do que

quase todos os outros sonetos do século XVI. Revelam uma personalidade ideal, encarnação inglêsa do "cortegiano" : valente e gentil, amoroso e sincero, culto e ingênuo.

Sidney é o Garcilaso inglês; parecese com o grande espanhol até na biografia agitada, nas viagens pela Itália e Boêmia, na morte no campo de batalha. Também certos

artifícios e o gôsto pela poesia pastoril são

4O) Sir Philip Sidney, 1554-1586. (Cf. nota 81.)

The Countess of Pembrokes Arcadia (159O) ; Astrophel and Stella (1591) ; Defence of Poesia (1595). Edição por A. Feuillerat, 4 vols., Cambridge, 1912/1926. J. A.

Symonds: Sidney. London, 1886. M. Wilson: Sir Philip Sidney. London, 1931. K. O. Myrick: Sir Philip Sidney as a Literary CrafUnian. Cambridge, Mass. 1935.

C. H. Warren: Sir Philip Sidney. London, 1936.

J. F. Danby: Poets on Fortune:"s Hill. Studies in Sidney, Shakespeare, Beaumont and Fletcher. London, 1952. F. S. Boas: Sir Philip Sidney, Representativa Elizabethan.

London, 1955.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 537

comuns aos dois poetas. Sidney é menos genial, menos clássico e mais classicista, porque a sua personalidade mais forte exigiu mais disciplina. Garcilaso é quase

um grego: Sidney é um romano, ou antes o primeiro gentleman inglês. Teria sido um dos maiores poetas inglêses, pela disciplina, o self-control, do seu gênio, se

não fôsse a morte

prematura

"O take fast hold! let that light be thy guide

In this small course wich birth draws out to death..."
Os sonetistas elisabetianos são, porém, menos classicistas, em geral, do que os espanhóis e franceses: a forma estrangeira serve-lhes para disciplinar a inspiração

que, de Wyatt a Sidney, vem da poesia popular. Os maiores humanistas inglêses não desdenharam, de vez em quando, escrever no tom das canções populares, das amorosas

ou das eclesiásticas, e alguns dêstes versos de ocasião pertencem aos melhores da língua inglêsa. Sir Walter Raleigh (41), humanista, historiador importante, cientista,

cortesão, político, guerreiro, não é, com tudo isso, um "cortegiano" no sentido de Castiglione. Encarna um outro tipo do homem da Renascença; é um condottiere inglês,

um dos fundadores da marinha de guerra e do Império colonial britânico. E acabou, como um condottiere vencido, no patíbulo. Não pensava em ser poeta, mas quando,

por vêzes, escreveu versos, esquecendo então a sua cultura humanística, saiu coisa extraordinária, como The Passionate Man:"s Pilgrimage, com o seu misticismo inesperado;

ou aquêles versos sôbre a imortalidade da alma que o livre-pensador Raleigh escreveu no cárcere na noite anterior à execução:

41) Sir Walter Ralegh, c. 1552-1618.

History of the World (1614).

Edição das poesias por A. M. C. Latham, London, 1929. E. Gosse: Sir Walter Ralegh. London, 1886. W. Stebling: Sir Walter Ralegh. 2.a ed. London, 1899. E. Thompson:

Sir Walter Ralegh. London, 1935. Ph. Edwards: Sir Walter Ralegh. London, 1953.

"Even such is Time, that takes in trust Our youth, our joys, our all we have, And pays us but with earth and dust; Who in the dark and silent grave, When we have

wander:"d all our ways, Shuts up the story of our days;

But froco this earth, this grave, this dust,

My God shall raise me up, I trust."

Outra bela poesia, atribuída a Raleigh sem argumentos convincentes, o "As ye carne froco the holy land of Walsinghame", encontra-se numa das famosas antologias da

época, os "Elizabethan Song Books", coleções de poesia culta e poesia anônima, de um encanto muito especial (4:"). A Inglaterra é considerada, por muitos, como país

sem música. Mas essa opinião não está certa no que diz respeito à Idade Média, época em que John of Dunstable é um dos maiores mestres da música eclesiástica, nem

quanto ao século XVII, quando Henry Purcell é um dos maiores mestres da ópera barrôca. A idade áurea da música inglêsa é, porém, a época da rainha Elizabeth. Floresceu

particularmente o "madrigal", pequena composição vocal para várias vozes. Os compositores - Byrd, Gibbons, Dowland, Morley são os mais importantes - estiveram esquecidos

42) As coleções mais famosas são:

Tottel:"s Miscellany, edit. por Richard Tottel, 1557; edição por H. E. Rollins, 2 vols., Cambridge, Mass., 1928/1929. The Passionate Pilgrim (1599) ; edição por

S.

Lee, Oxford, 19O5. England:"s Helicon (16OO) ; edição por H. E. Rollins, 2 vols., Cambridge, Mass, 1935.



Os "Song books" de William Byrd, John Dowland, Thomas Campion, Orlando Gibbons, etc. encontram-se estudados nas histórias da música.

E. H. Fellowes: The English Madrigal School. London, 1924. I. Erskine: The Elizabethan Lyric. New York, 19O3/19O5. J. M. Bardam Early Tudor Poetry. New York, 192O.

F. Delattre et C. Chemin: Les chansons elisabéthaines. Paris. 1948.

HISTóRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 539

durante séculos; mas em nosso tempo, os inglêses lembraram-se dêsse tesouro artístico, e hoje a música dos ma-. drigalists tem outra vez a fama merecida. O que nunca

foi esquecido foram os textos que acompanharam aquelas composições - versos amorosos ou jocosos, "vers de société", mas de um encanto musical extraordinário. São

êles que estão colecionados nos "Miscellanies" e "Song Books", fornecendo às antologias da poesia inglêsa maior quantidade de belos poemas do que qualquer grande

poeta. Entre os autores encontram-se Spenser e Sidney, Raleigh, Marlowe, Greene, Shakespeare, ao lado de muitos anônimos, e ao lado de outros que só pelos "song

books" se notabilizaram. Nicholas Breton contribuiu com "In the merry month of May", Lyly com "What bird so sings, yet so does wail?", Thomas Lodge com as lindíssimas

canções "Love in my bosom like a bee", "My Phyllis hath the morning sun", "Love guards the roses of thy lies", "Like to the clear in highest sphere". O maior dêsses

líricos au

tênticos é Thomas Campion (43) : nenhum outro poeta da

literatura inglêsa revela tanta variedade, sobretudo na poesia erótica. "There is a garden in her face" (com o refrão: "Till Cherry-ripe themselves do cry"), "Rosecheek:"d

Laura, come", "When to her lute Corinna sings", "O sweet delight, o more than human bliss", "Thou art not fair, for all thy red and white", "My sweetest Lesbia,

let us live and love" - nunca terminaria a lista das poesias que tratam o mesmo assunto em ritmos e expressões sempre variados, como variações musicais sôbre um

tema dado. Um lugar-comum - a

43) Thomas Campion, c. 1566-1619. Books of Ayres (16O1/1617).

Edição por P. S. Vivian, London, 19O9.

T. Mac Donagh: Thomas Campion and the Art of English Poetry.

London, 1913.

P. S. Vivian, in: The Cambridge History of English Literatura, vol. IV, 2.a ed., 1919.

M. M. Kastendieck: England:"s Musical Poet, Thomas Campion. New York, 1938.

54O OTTO MARIA CARPEAUX

advertência às môças para utilizar os dias de amor - transforma-se em canto de Prosérpina, do abismo do Hades, às vivas ("Hark, ali you ladies that do sleep") ;

outro lugarcomum, o horaciano "Integer vitae scelerisque purus", aparece rejuvenescido como "The man of life upright"; e o mesmo Campion escreve o hino religioso,

talvez o mais belo da Igreja inglêsa: "Never weather-beaten sail more willing bent to shore", com o verso final: "O come quickly, glorious Lord, and raise my sprite

to Thee !" Campion é um daqueles poetas líricos que conseguiram construir um mundo poético completo; e isso com ligeiros "vers de société".

O último dos líricos de espírito elisabetiano é William

Browne (44), cujas canções "So shuts the marigold her

leaves" e "For her gait, if she be walking" se encontram em tôdas as antologias. Browne é um poeta pastoril, no sentido da Renascença; as suas poesias rústicas são

de um poeta culto. De modo algum a poesia dos "song books", embora de inspiração "popularista", pode ser considerada como poesia popular autêntica, nem sequer a

dos poetas anônimos. Já o emprêgo de nomes como Phyllis e Lesbia revela a cultura clássica e italiana dos autores. E o intuito de fazer poesia "ligeira" intensifica

o artifício. O fim inevitável dessa evolução será o estilo barroco. Grande parte das poesias eróticas de Dorme, poeta barroco por excelência, pertence, pelos assuntos

e pelo ritmo, à poesia dos "song books", e quanto a poetas como William Browne e William Drummond será difícil dizer se pertencem ao estilo renascentista ou ao barroco.

A fronteira é imprecisa. Na poesia espanhola, existe a mesma transição entre Garcilaso de Ia Vega e Fernando de Herrera.

44) William Browne, 1591 -c. 1643.

Britannia:"s Pastorais (1613, 1616) ; Shepherd:"s Pipe (1614).

Edição por G. Goodwin (com introdução por A. R. Bullen), 2

Vols., London, 1894.

F. W. Moorman: William Browne. Strasbourg, 1897.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 541

Garcilaso, Du Bellay e Sidney são as figuras representativas da Renascença aristocrática. A sociedade que representam encontra-se, no entanto, na mesma decadência

que na Itália. A plena realização do ideal aristocrático já não é possível senão num mundo de criação arbitrária; "arbitrária", quer dizer, sem consideração da realidade

social. É aquilo a que a crítica chamou antigamente "romantismo fantástico". A grande obra de arte do "romantismo fantástico" é o Orlando Furioso. A divulgação da

obra foi internacional. Mas a vontade de imitação nasceu sobretudo naqueles países nos quais as descobertas geográficas e decorrentes transformações econômicas ameaçaram

mais do que em outra parte a existência precária das classes feudais: na Espanha e na Inglaterra. Na Espanha, o livro mais lido no século XVI é o Amadis de Gaula,

e Ariosto encontra muitos imitadores, todos infelizes, aliás: Luis Barahona de Soto (Las lágrimas de Angélica, 1586), o grande Lope de Vega (La hermosura de Angélica,

16O2), e ainda Bernardo de Balbuena (El Bernardo o Ia vistoria de Roncesvalles, 1624). Na Inglaterra, a própria rainha Elizabeth encarregou Sir John Harington de

uma tradução completa de Ariosto em oitava-rima (1591), e a mistura de influências de Ariosto e do Amadis com as tradições alegóricas da poesia inglêsa deu a epopéia

de Spenser.


Edmund Spenser (45) começou a reforma da métrica e língua poética inglêsas na poesia bucólica, assim como Gar

45) Edmund Spenser, 1552-1599. (Cf. nota 68.)

The Shepheardes Calender (1579) ; Complaints (1591) ; Amoretti (1591-1595) ; Astrophel (1595) ; Epithalamion (1595) ; Prothalamion (1596); The Faerie Queene (159O/1596).

Edições por J. C. Smith e E. de Selincourt, 3 vols., Oxford, 19O9/ 191O, e por E. Greenhaw, C. G. Osgood e F. M. Padelford, 8 vols., Baltimore, 1932/194O.

R. W. Church: Spenser. London, 1879. E. Legouis: Edmund Spenser. Paris, 1923.

W. L. Renwick: Edmund Spenser. An Essay on Renaissance Poetry. London, 1932.

542 OTTO MARIA CARPEAUX

cilaso na Espanha; mas as 12 éclogas do Shepheardes Ca

lendei exageram o que era maneira nas éclogas e o que Garcilaso evitara: as alusões políticas. Êsse interêsse pela política não é mera convenção em Spenser; é tão

inglês como os acessos ocasionais de realismo rústico. Contudo, Spenser é antes um poeta musical, traduz Du Bellay, e supera-o em um ciclo de sonetos, Amoretti,

os mais perfeitos que a poesia inglêsa produziu antes dos de Shakespeare. Agora, Spenser é o representante da Renascença na Inglaterra. O Epithalamion, celebrando

a harmonia de corpo e alma, e o Prothalamion, transfigurando a paisagem inglêsa ("Sweet Themmes! runne softly, till I end my song!"), aproximam-se de Garcilaso.

Depois, a síntese: a Faerie Queene: imitação consciente de Ariosto, com reminiscências de Virgílio e Tasso, de Malory, da maneira narrativa de Chaucer, da alegoria

do Roman de Ia Rose - mas Spenser é o gênio da capacidade inglêsa de assimilar, anglicizar tôdas as influências estrangeiras. O plano da obra era tão grande que

a epopéia ficou incompleta: só 6 "livros" e 2 "cantos" do sétimo existem, quando 12 livros estavam projetados. Contudo, o que existe já basta para o leitor se perder

numa floresta de fadas, gigantes, feiticeiros, ninfas, sátiros, rainhas, cavaleiros misteriosos, castelos circundados de chamas, cavernas cheias de fantasmas. É

o reino da imaginação mais arbitrária, como um último produto da fantasia medieval, ou então do gótico "flamboyant".

Em Spenser, porém, há apenas uma influência medieval: a de Chaucer, do qual também provém a arte de vivificar as alegorias na poesia narrativa; e Chaucer foi artista

consciente. Spenser é artista consciente num grau

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 543

muito maior. A sua criação não é arbitrária. Como homem da Renascença, Spenser acredita no poder transfigurados da beleza, e confia-lhe a transformação da "matéria

bretã" do rei Artur em reino de Vênus e Minerva e imagem alegórica da Inglaterra e Europa; pela beleza renascentista, o romance de cavalaria é "romantizado", e pelo

sentido alegórico Spenser recupera a realidade. Um mundo é criado, como o de Dante. Como criador de uma língua poética, Spenser não é menor do que Dante; a sua nova

forma é a stanza de oito decassílabos e um alexandrino, que adapta de maneira admirável a ottava-rima à língua inglêsa; é chamada, até hoje, "Spenserian stanza".

Será o metro de Byron e Keats, dos românticos inglêses.

Spenser dispõe de uma capacidade suprema de criar imagens e quadros. O "garden of Adonis", o "mask of Cupid", a visão de Scudamour não encontram paralelo na literatura

universal, e a mesma fôrça de imaginação transforma em realidades palpáveis as alegorias: o "House of Pride", o "Cave of Mammon", o "Cave of Despair". O próprio

Spenser é como um dos feiticeiros do seu poema: evoca uma visão como dos gobelinos da Renascença, e acompanha-a com a música interminável dos seus versos. É uma

grande festa do :"Tart pour 1:"art"; Lamb chamou a Spenser "the poets:" poet".

Mas não se trata só de "1:"art pour l:"art", e a Fairie Queene, assim como a Divina Comédia, não pode ser bem compreendida sem nos capacitarmos de que tôdas aquelas

visões, paisagens e personagens têm sentido alegórico. O verdadeiro assunto do poema fantástico - obra de um inglês de grandes interêsses políticos - é a luta entre

protestantismo e catolicismo na Inglaterra, as relações da rainha Elizabeth e da rainha Maria Stuart, a noite de S. Bartolomeu, a revolução dos Países Baixos contra

a Espanha, situação e conseqüências da dominação inglêsa na Irlanda, e a ascensão do rei Henrique IV da França. Spenser canta a vitória do novo mundo sôbre o mundo

me-


E. A. Greenhaw: Studies in Spenser s Historical Allegory. BalUrnore, 1932.

B. E. C. Davis: Edmund Spenser. Cambridge, 1933.

A. C. Judson: The Life of Edmund Spenser. Baltimore, 1945. Hsin-Chang Chang: Allegory and Courtesy in Spenser. Edinburg, 1955.

#544 OTTO MARIA CARPEAUX

dieval, católico, e êsse novo mundo é, na mente do poeta, regido pela síntese do cristianismo calvinista e do platonismo cristão de Ficino: os ideais religiosos

e políticos da Reforma, vestidos da beleza artística da Renascença. Spenser, como Dante, dá a síntese da sua época.

Os mundos de Dante e de Spenser, ambos, são hoje mundos mortos. Mas há uma diferença. O mundo de Dante era o mundo de todos os homens e criaturas da sua época, e

por isso encheu-se o seu poema de tanta verdade humana que sobrevive para todos os tempos. O mundo de Spenser era o mundo de uma elite de artistas e humanistas;

é a criação do "poets:" poet". Nunca foi arte para todos, nem pode ser de todos. Mas entre os poetas inglêses, não houve quem não o admirasse e amasse. Deu-lhes

de


presente uma floresta infinita de poesia. Hazlitt chegou a afirmar que a "poesia poética" de Spenser dispensa a compreensão das suas alegorias; o crítico foi contemporâneo

dos românticos que gostavam imensamente de Spenser, ao ponto de Walter Scott quase torná-lo popular, tomando-lhe emprestados os mais belos versos para servirem de

epígrafes. Spenser, ávido de "Glória" como todos os homens da Renascença, não tinha em vão acreditado no poder transfigurados da sua poesia. Não se pode negar: Spenser

é, hoje, cada vez mais estudado pelos especialistas e cada vez menos lido pelos leitores. É um poeta imensamente remoto de nós outros. Afinal, não foi um Dante.

Mas sua floresta poética continua existindo como numa ilha esquecida, uma paisagem mágica além das fronteiras humanas da literatura inglêsa, assim como o predisse

um verso do Epithalamion:

"The woods shall to me answer, and my Echo ring".

Enquanto a criação romântica de Spenser pode ser considerada como tentativa de conferir um novo sentido ao ideal aristocrático - o cavaleiro da Renascença como campeão

de uma causa "moderna" - êsse romantismo tem um pendant na realidade: o cavaleiro da Renascença,

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 545

descobrindo, conquistando e colonizando novos mundos. A tarefa foi principalmente de três nações: dos portuguêses, espanhóis e inglêses; e as respostas literárias

eram tão diferentes como as reações políticas e sociais.

Na Inglaterra, a reação literária não ultrapassou a vontade de dar-se conta do acontecido; nisso, o estado embrionário da nova economia inglêsa colaborou com o empirismo

do caráter nacional. O monumento inglês da época das descobertas é a grande coleção de viagens reunida por Hakluyt

(4U ). Na Espanha, a tentativa de manter os ideais aristocráticos produziu a transfiguração da Conquista em epopéia, sem a capacidade de conferir ao assunto verdadeiro

sentido épico, embora haja autêntico estilo épico na Verdadera historia, de Bernal Diaz del Castillo (47). Pelo contrário, falta êsse estilo, apesar da imitação

dos modelos antigos, na Araucana, de Ercilla (48). Poucas obras da li

46) Richarã Hakluyt, e. 1552-1616.

The Principal Navigations, Voyages, Traffiques and Discoveries of the English Nation (1598/16OO).

Edição da Hakluyt Society, 12 vols., London, 19O3/19O5.

T. L. Dodds: "Hakluyt and Voyages of Discovery in Tudor

Times". (In: Procedings of the Literary and Philosophical Society of Liverpool, LXII, 1912.)

C. W. Lynam: Richard Hakluyt and His Successors. London, 1946.

47) Bernal Díaz del Castillo, 1492-1581.

Verdadera historia de los sucesos de Ia conquista de Ia Nueva Espana (1632).

Edição: Biblioteca de Autores Espanoles, vol. XXVI.

R. B. Cunninghame Graham: Bernal Díaz del Castillo. London, 1917.

48) Alonso de Ercilla y Zuniga, 1533-1594.

Araucana (1569/1589).

Edição por i. Toribia Medina, 2 vols., Santiago de Chile, 1913. J. Ducamin: L:"Araucana. Morceaux choisis. (Aves introduction.)

Paris, 19OO.

M. Menéndez y Pelayo: Historia de Ia poesia hispano-americana.

Vol. Il. Madrid, 1913.

Azorín: "Ercilla". (In: Los dos Luises y otros ensayos. Madrid.

192O.)

F. Pierce: The Heroic Poem of the Spanish Golden Age. Oxford, 1947.


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