as fôrças unidas do patriotismo francês, do protestantismo alemão, e - do Papa, transformado em príncipe italiano renascentista. A base da fôrça de Carlos V era
a Espanha, e na Espanha católica e monárquica o seu sonho encontrou expressão vigorosa no conhecido sonêto de Hernando de Acurva (t 158O)
"Ya se acerca, Senor, o es ya llegada
Ia edad gloriosa en que promete el cielo una grey y un pastor solo en el suelo por suerte a vuestros tiempos reservada:
... un Monarca, un Império y una Espada..."
Mas, "vuestros tiempos" já não eram os tempos do De monarchia, de Dante. Em vez da monarquia universal, nasceu a Espanha barrôca, grande potência européia e Império
colonial; a primeira estrutura política na qual a aristocracia fôra substituída pela burocracia. Filipe II será o primeiro grande burocrata moderno. O futuro pertence
ao absolutismo e ao Barroco. Explica-se assim o curioso fato de, sob o govêrno de Carlos V, na primeira metade do século XVI e em plena Renascença, se haver escrito
na Espanha um livro que revela tôdas as características do Barroco, e que teve um sucesso enorme na Europa: o Libro Aureo de] emperador Marco Aurelio (1529), de
Antonio Guevara (91). Franciscano, inquisidor, bispo, predicador da côrte de Carlos V, Guevara não pôde deixar de ser humanista, de extensas leituras clássicas.
As Epistolas Fami
91) Antonio Guevara, c. 148O-1545.
Relox de Príncipes o Libro Aureo del emperador Marco Aurelio
(1529) ; Menosprecio de Corte y alabanza de aldea (1539) ; Epis
tolas familiares (1539/1545).
A. Morei-Fatio: L:"historiographie de Charles-Quint. Paris, 1913.
R. Coster: Antonio de Guevara, sa vie, son oeuvre. Paris, 1925.
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ATURA OCIDENTAL 571
te ser cartas ciceronianas,:" o nza de aldea é uma paráfrase otiis"; e no centro do Relox el emperador Marco Aurelio,
aforismos morais em forma educação de um bom prïnande estóico romano. O mo, de Xenofonte. Apesar de avista. As suas leituras clásprincipal é Valério Máximo, rais,
autor preferido da I.dada Borgonha do século XV, uevara é a de um estóico rélio que de Sêneca; e, com mparável ao imperialismo po
proclamado "filósofo espa
todos os sentidos, a antítese a platônica; lá, filosofia escavaleiro culto e individuaum príncipe cristão; no. sem clássicas da composição; no confuso, abundante,
com os )oyant" e as pompas do Barprecursor.
:~uevara na poesia é Fernana notável também parece huxtensas leituras clássicas, pea qual grande parte destinada
97.
en tres libros (1619).
Espanoles, vol. XXII, e por Garllanos, vol. XXVI) ; edição critioster, Paris, 19O8. ra. Paris, 19O8.
de Herrera y Ia Condesa de GeL
os sobre poesia espanola. Madrid,
#572 OTTO MARIA CARPEAUX
URA OCIDENTAL 573
à sua amiga espiritual, a Condêssa de Gelves; evitou a poesia religiosa, para a qual não sentia vocação, preferindo escrever poesia histórica e heróica de grande
estilo: dois dos seus hinos, Por Ia vistoria de Lepanto, para celebrar a vitória da esquadra hispano-veneziana sôbre os turcos, e Por Ia pérdida de] rey D. Sebastián,
para lamentar a der
rota e morte do último rei nacional de Portugal, em Alcácer-Quibir, têm o grande sôpro de Isaías e Jeremias, dos profetas do Velho Testamento; são modelos de uma
retórica nobre, figurando, com dignidade, em tôdas as antologias da poesia espanhola. Contudo, Herrera não é real
mente renascentista. Leu Petrarca através de Ausias March, o que indica, outra vez, o século XV, o "flamboyant", como fonte de inspiração; Herrera tem mais paixão,
mais colorido do que os petrarquistas comuns. A síntese de amor e heroismo parece a do Cortegiano; mas Herrera não é cavaleiro, e sim sacerdote, clérigo, embora
não clérigo medieval, e sim, antes, clérigo barroco. O seu patriotismo espanhol e a falta de inclinação para a ascese parecem argumentos contra isso; mas o patriotismo
de Herrera é menos espanhol do que católico; é universal no sentido da cristandade unida contra os infiéis. É o sonho de imperialismo católico de Carlos V e Filipe
II, e a ascética é substituída por uma nobre melancolia, também típica das melhores expressões da época da Contra-Reforma. Há discussão sôbre as relações estilísticas
entre Herrera e Gar
cilaso: são Menéndez y Pelayo e Adolfo de Castro que encontram já em Garcilaso os germes do estilo barroco, ampliados em Herrera e plenamente desenvolvidos em Góngora,
enquanto Keniston e M. Arce Blanco consideram Garcilaso como clássico, oposto a qualquer gongorismo; Dámaso Alonso, reconhecendo a antítese entre o renascimento
de Garcilaso e o barroquismo de Góngora, admite contudo a posição intermediária, contra-reformista, de Her
rer, po( tua que do cor do bar
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comentário erudito das do-as em sentido espiria Condêssa de Gelves, da os com a côrte de Urbino cieuses"; e a comparação
de León, poeta máximo rã revelar as qualidades
do m Ba já Y Ma sã,-, sec tas do
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um Pré-Barrôco no solo ilo XVI. Se fôsse preciso o inesperado dêsse Précente imperialismo inglês. Lord Berners traduziu o
u-se The Golden Bolce of
do século XVI já tinham
ngua inglêsa (94). A con
inglês, aquêle estilo afedo "eu£uísmo", do título atomy of Wit (1578), de as suas antíteses acurau
as" complicados, um esglêsas, constituiu o maior rapo da rainha Elizabeth; el. É o estilo do diálogo
93) 94) 95)
Vega. Madrid, 193O.
England. Berlin, 1916.
tro e Poesia do Barroco Pro
o
(1578).
ord, 19O2. Edição de Euphues
the Euphuism". (In: Transaciety. 188O/1885.) n. 1887.
"dge, 191O.
e Italian Renaissance. Paris,
lema e Formas da Literatura
humorístico nas comédias de Shakespeare, especialmente em Love:"s Labour.Lost e Much Ado About Nothing. Embora êsse estilo seja hoje insuportável, o seu criador
é,uma
personalidade interessante. É o tipo alegre e espirituoso do cavaleiro da Renascença, e no eufuísmo há muito de alegorismo petrarquesco e lascívia à maneira de Boccaccio
e Bandello. Lyly é, em todos os sentidos, um precursor: os seus belos "songs" ("Cupid and my Campaspe play:"d", "What bird so sings yet so does wail") são dos primeiros
modelos do "song" elisabetiano; a sua comédia. Alexander and Campaspe preparou a comédia shakespea riana; e, afinal, Euphues é o primeiro romance da literatura inglêsa.
Recentemente, Lyly foi interpretado como precursor do amoralismo esteticista, que tem na Inglaterra uma grande tradição, de Marlowe a Wilde. Mas é difícil explicar
a existência daquele estilo na Inglaterra da segunda metade do século XVI. Nas definições usuais do Barroco citam-se indistintamente marinismo, gongorismo e eufuísmo,
sem consideração à prioridade cronológica da variedade inglêsa; e êsse êrro é particularmente inadmissível, porque a Renascença chegou, por vários motivos, muito
tarde à Inglaterra. Consideram-se sempre Spenser e Shakespeare como as figuras máximas da Renascença inglêsa, e, no entanto, é Lyly que precede a ambos; mas é classificado
entre os representantes do Barroco internacional do século XVII. Prefere-se hoje a explicação psicológica do anacronismo: Lyly teria sido um plebeu que pretendera
dar-se ares de aristocrata, afetando o estilo aristocrático, exagerando os requintes da Renascença, prefigurando dêste modo os conceitos do Barroco. Resta observar
que as fontes verificáveis do eufuísmo são latino-medievais (95-A) êsse estilo é expressão de uma aristocracia prestes a perder sua função na sociedade.
O eufu metáforas e güência lógi a literatura fuga para o fantásticos forma dessa para o intez importante o e o barroco, tência herói ciedade e t2 centista rev vige-se
cont sentado por nas" que se cristã, para ma, no retii leiro barros
O maio é Justus Li o texto de :" científica. P vella, conve ao luteranas Igreja calvir tou ao cato]
de evasão: as rroco é a consestocrática. Tôda , no fundo, uma para os mundos storil. A última ismo (911) : a fuga evitas". É muito mo renascentista
forma de resisesesperam da sostoicismo renasaugustiniana, di
século, é reprenaturaliter paga as da sociedade na solidão íntiedo é um cava
laicismo.
da Renascença que reconstituiu ou a arqueologia o Cardeal Granistória em Iena, em Leyden, na em Louvain, vologma e liturgia
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96) L. Zanta
1914.
97) Justus Li De const (16O4). E. Amiel 1884. I. Van 1886/1888. A. Roers
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XVIe siMe. Paria,
95A) M. W. Croce: Introdução da edição de Euphues por H. Clemon, London, 1916.
ficam philosophiam Juste-Lipse. Paris, na. 2 vols. Gant,
#576 OTTO MARIA CARPEAUS
HIs
TAL $77
significavam pouco para êle, porque tinha na alma outra religião: o estoicismo, que não era, para êle, erudição morta, e sim uma norma de viver, para conservar,
nas tempestades das guerras de religião, o equilíbrio da inteligência e a serenidade da alma. O seu livro De constantia comoveu os melhores da Europa. Um contemporâneo
chamou a Lipsius "le pius savant homme qui nous reste"; foi o mesmo que disse sôbre Amyot: "Je dorme avec raison, ce me semble, Ia palme à Jacques Amyot sur tons
les écrivains français.... pour Ia naiveté et pureté du langage." Quem disso isto tinha-se caracterizado, porque era incapaz de escrever uma linha sem falar de si
mesmo e revelar-se inteiro. Junte-se à sabedoria de Lipsius a "naïveté et pureté" de Amyot: eis Montaigne.
Sôbre Montaigne (ss) será quase impossível dizer algo de novo. Escrevendo sôbre êle, saem lugares-comuns a que não se pode fugir, ou então, opiniões heréticas que
irritam tôda a gente. Não é de esperar outra coisa, porque o próprio Montaigne é assim: o seu livro de Essais é uma coleção de lugares-comuns sôbre arte de viver,
educação dos filhos e arte de aprender a morrer, lugares-comuns que se
98) Michel Eyquem, seigneur de Montaigne, 1533-1592.
Essais (158O; 53 ed., 1588; edição póstuma, 1595).
Edições por P. Villey, 3 vols., Paris, 1922/1924; por F. Strowski, 7 vols., Paris, 1928/1935; por J. Plattard, 6 vols., Paris, 1931/1932. C.-A. Sainte-Beuve: Histoire
de Port-Royal, tom. II, livre III, chap. 2/3.
P. Stapfer: Montaigne. Paris, 1895.
P. Villey: Les sources et Vevolution des Wes de Montargne. Paris, 19O8.
A. Gide: Essai sur Montaigne. Paris, 1929.
F. Strowski: Montaigne. 2.a ed. Paris, 1931. P. Villey: Montaigne. Paris, 1933.
J. Plattard: Montaigne et son temes. Paris, 1933.
C. Hill: Montaigne, lecteur et imitateur de S~que. Poitiers, 1938.
L. Brunschvieg: Descartes e Pascal, lecteurs de Montaigne. Neuchâtel, 1942.
H. Friedrich: Montaigne. Bern, 1949.
D. M. Frame: Montaigne:"s Discovery o/ Man. New York, 1955.
1
encontram em mente em Cíco citados e par bre-se, porém, em Montaigne cristandade h2 então"; descol bre educação, taro até hoje vida retirada ciais de Igrej avançados.
E não gostassem da personalid< estilo, "Ia na aceito à medi fenômeno mei chocar os este sem arte de permanente d tem que dizei taigne, sem se dinário ; não plus
savant h
O ponto sua situação é fácil comer de um nobre guesa, força opulenta, viv guerras civis desta vez de o terminar os :" "tôrre de ma lhores ensaio também foi u
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tiga, especialco, fartamente ancês. Desconsagrados são,
tudo o que a o sòmente "até Montaigne sóras coisas irrioutras, sôbre a os credos ofite os espíritos
escândalo, se idos por causa através do seu
Montaigne é siderada como e, por sua vez, scritor prolixo, caso. A glória stifica, quando m efeito, Monnsador extraora verdade, "le
O
Montaigne é a n". Hoje, não s e sentimentos dole algo bur
relativamente a de selvagens ideológicos - tar o país e ex
de entrada na que um dos medre Gide. Êste ducação e gôsto
#578 OTTO MARIA CARPEAUX
classicistas, e burguês pela situação abastada e segura, que dá independência, segurança e independência ameaçadas; porém pelas guerras civis, ideológicas, que devastavam
o mundo e exterminavam os adversários. A conclusão é, no caso de Montaigne e no caso de Gide, a fuga para uma existência privada, a renúncia ao agir e exercer influência.
Montaigne e Gide estabeleceram, uma vez por tôdas, a resolução de não falar senão de si mesmos e isso com a franqueza de quem se sabe a salvo - e a conseqüência
e uma influência enorme em todos os outros dos quais não se fala nos livros de Montaigne nem de Gide. São, ambos, homens -de exceção, em que se reconhece, apesar
disso, :"Thumaine condition" geral, e essa contradição explica as suas heresias, os seus lugares-comuns e a sua grandeza literária - quase, não quer sair a palavra
"literária", porque se trata de grandeza humana.
Montaigne - pelo menos no ponto de partida - não pretende fazer literatura; mais tarde chegou a criar Um gênero literário, o ensaio. Pretende realizar, conforme
a sua própria declaração, um inquérito dentro de si mesmo. As coisas que lá encontra são, em parte, boas, porque se trata de um homem bem formado e culto, nobre
por natureza,, coração de elite; em parte, coisas menos agradáveis, pequenas covardias e maldades, até sujas, porque Montaigne é um homem, e coisas assim acontecem
a todos os homens. Dizer tudo isso não cabia em nenhum gênero literário existente, nem numa epopéia virgiliana nem em poesia petrarquesca nem num romance pastoril
ou de cavalaria - era então preciso criar um gênero livre, livre como o homem que o criou: o ensaio. Eis os Essais; e "tout le monde me reconnait era mora livre".
As contradições íntimas desse livro são enormes: um gozador da vida escreveu um manual do estoicismo. Mas são sempre contradições "íntimas", em outro sentido da
palavra, coisas que "não se dizem" e têm, por isso, o encanto da conversa pessoal entre amigos: é possível rir até das coisas mais sérias,
HISTÓR
porque o amigo nc` lancolia secreta.
Montaigne é Amyot ; entre ess; o que não havia e Para esse equilíbr parte dos outros se dá nada de g: por uma concessã muito elevado: o poderes estabelec mista permitiu-se
mitido dizer ao i Montaigne conse~ protestantes, aos a tôda a Humani( guém, nem quis a de crença. Assira todos os tempos muras - mas que tência literária, c geral:
a "tôrre d dência dos dois certa, dogmática, masiadamente hw ga e a guerra ci- convulsões e dá a Não é contra êst
os dogmas lhe pa acreditam e em c e a sociedade, é 1
convenues", na n dos outros e da de apóstolo, elab
a Natureza, que de Rousseau. M
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nuo como Montaigne, equilíbrio.
oficial da a vida não pagar caro gou preço espeito aos Ao confor
- teria per este modo, Ticos e aos os, e enfim s com nin
- ação nem xistiam em lugares-co
- têm exis la oposição mterdepenmem de fé umana, deísmo, a briralisa essas
- pacifismo. orque todos
os homens us partidos das "fables preocupado te, um zela ão segundo a do Émile, Montaigne?
#58O OTTO MARIA CARPEAUX
Pois não há paz na Natureza. A "humaine condition", da qual Montaigne pretende ser o representante, também faz parte da Natureza, e esta nem sempre é boa, tão boa
quanto Montaigne o é. Há misérias que êle desconhece, misérias do corpo e misérias da alma, e quem soube disso melhor do que Montaigne, foi Pascal. Mas isto não
quer dizer que Pascal tenha razão contra Montaigne, nem tampouco Montaigne contra Pascal. Quem aprendeu cepticismo em Montaigne - a nação francesa inteira o fêz
- não se decidirá com facilidade contra êste ou contra aquêle. A indecisão entre êles faz parte da condição humana. Por isso, SainteBeuve tinha razão com o apereu
espirituoso de colocar Montaigne num lugar central da sua história de PortRoyal, como adversário perpétuo de Pascal. Já se disse que a história espiritual da nação
francesa é um diálogo perpétuo entre Montaigne e Pascal; e se lhes substituirmos os nomes pelos de Pelágio e S. Agostinho, então poderemos substituir a nação francesa
pela Humanidade inteira.
Contra tôdas as aparências, Montaigne sabe daquele lado adverso da natureza e da condição humanas. Para fugir da conclusão do pessimismo, tão oposta ao seu caráter
sereno e alegre, faz os maiores esforços para evitar as coisas desagradáveis, particularmente as dores físicas, e para "aprender a morrer" - bom exemplo, êsse lugar-comum
do "aprender a morrer", de como os lugares-comuns se transformam, em Montaigne, em verdades pessoais. Há Ema forte porção de epicurismo no estoicismo de Montaigne,
interpretação epicuréia do estoicismo de Sêneca - já se disse que é um estoicismo gaulês. Mas é contradição entre dois conceitos filosóficos incompatíveis, e não
é a única contradição filosófica em Montaigne, porque o estoicismo, cheio de fé nas leis da Natureza, é incompatível também com o cepticismo. Certos críticos aproveitaram-se
disto para negar o cepticismo de Montaigne e salvar a alma do ensaísta. Mas de nada adiantou, porque o cepticismo só poderia ser substituído por uma espécie
HISTÓRIA W
O%
581
de positivismo, aceitar_ positivismo não é mer Montaigne é céptico - mas o seu cepticismo é cos profissionais, dos jeitar tudo, mas para a sagradáveis), tudo o c
os instintos (o que o tc inclusive a desordem tos, dos pensamentos; de composição do seu terária é substituída p, do autor, sábio como personalidade mais en não
abrigasse tantas homem tão completo uma vez, um lugar-co
O ideal aristocrá tegiano", não sobrevi de nobre e humano, c dade de Montaigne. o "cortegiano", Mon, sar menos nobre e m; do algo da sua nobr mana. No retiro da
s da Humanidade.
A literatura int de evasão, da classe hipótese altamente i multânea de outra 1 primindo a situação uma literatura de ol tes dessa literatura o autor anônimo de populares
da Reforr ria uma literatura a
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classes: esentanRabelais, fietistas tten. Seções bur-
#582 OTTO MARIA CARPEAUX
guesas e populares, e portanto anti-humanista. Mas tal não acontece. Rabelais e Hutten eram humanistas, entusiastas das letras clássicas; em Gil Vicente, a influência
do humanismo erasmiano é inegável; e estudos recentes revelam os desígnios humanistas no criador do romance picaresco. Hutten e os outros panfletários da Reforma
alemã são aristocratas, "cavaleiros" no sentido social da palavra, defendendo os interêsses da sua classe, aliada à Reforma; na Inglaterra, um Deloney, advogado
da classe média das cidades, pleiteia a volta à hierarquia social da Idade Média, simpatizando mais com os aristocratas do que com a nova burguesia. Reivindicações
populares surgem só em disfarce religioso, na polêmica dos sectários, anabatistas e outros, que são na verdade revolucionários sociais. O realismo anti-humanista
de escritores como Palissy e Bacon nada tem que ver com isso; prepara antes a ciência e técnica da futura burguesia industrial. Não existe, no século XVI, uma literatura
popular, oposta à literatura aristocrática de evasão, e êste fato é de significação geral; o desejo de evasão não é privilégio de classes superiores, ameaçadas na
sua existência social; o desejo de evasão é próprio de todos os insatisfeitos, e até hoje o público ledor das classes baixas da sociedade prefere a leitura de evasão:
romances policiais, romances nos quais o milionário casa com a pobre dactilógrafa, romances nos quais desfilam barões e princesas - e até edições deturpadas dos
romances de cavalaria medievais encontram ainda hoje leitores agradecidos. Enquanto existia público ledor no povo, no século XVI, a leitura preferida era o Amadis
e a sua numerosa descendência.
Os elementos de "oposição" literária encontram-se espalhados dentro da própria literatura aristocrática: as nostalgias medievalistas, no romantismo fantástico das
epopéias de cavalaria e em certa parte da literatura pastoril; elementos de realismo, nas erupções de amor antiplatônico, antipetrarquesco (Gaspara Stampa, Louise
Labé, até em
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 583
Ronsard), no naturalismo de Montaigne, no realismo da literatura das descobertas geográficas e no nacionalismo literário das "novas" nações, no Portugal quinhentista,
na Inglaterra elisabetiana, e até na atitude "romana" dos humanistas italianos do "Cinquecento". Todos êsses elementos são capazes de aparecer em outras combinações,
inéditas: sátira medieval e humanismo oposicionista, combinados em Gil Vicente e no teatro espanhol contemporâneo; nostalgias medievalistas e realismo popular, no
romance de Deloney; naturalismo antiplatônico e humanismo, combinados em Rabelais; naturalismo e anti-humanismo, em Palissy e Bacon; humanismo e realismo, no Lazarillo
de Tormes; humanismo e nacionalismo, nos panfletistas da Reforma alemã. É a combinação, a acumulação de elementos recalcitrantes ou radicais, que dá as aparências
de oposição contra a Renascença aristocrática; os seus representantes
não estavam conscientes de constituir uma oposição de reivindicações burguesas ou populares. Aparece assim sómente à luz de uma interpretação sub specie historiae,
posterior e em parte alheia aos fatos.
A Idade Média não estava morta; particularmente na pequena burguesia havia consciência da superioridade moral dos ideais medievais sôbre os ideais humanísticos,
e a arma de combate dessa consciência era um gênero literário medieval: a sátira contra tôdas as classes e profissões da sociedade. A Dança Macabra servira, no século
XV, de pretexto para satirizar todos, do Papa ao Imperador e até ao camponês, e a forma carnavalesca dessa sátira, o Narrenschiff, de Sebastian Brant, gozava, por
volta de 15OO, de popularidade enorme em tôda a Europa. A nova vitalidade da sátira social medievalista, no século XVI, veio-lhe da aliança com outras fôrças de
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