Otto maria carpeaux



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de nome Oto que, instigados pelos cluniacenses, pretendiam "salvar" o Papado. A primeira conseqüência da destruição do equilíbrio foi a luta entre o Papa e o imperador

em tôrno da investidura dos bispos. Depois, vieram a oposição da consciência nacional francesa contra o imperialismo político e eclesiástico e o estabelecimento

do Estado leigo dos normandos na Sicília. Essas experiências históricas modificaram radicalmente a filosofia medieval na história.

Até o comêço do século XIII, a filosofia da história baseava-se em S. Agostinho: sucessora da "Civitas terrena" do paganismo é a "Civitas Dei", a Igreja, até a consumação

dos séculos. S. Agostinho criara essa teoria no momento histórico em que a autoridade do Império romana agonizava ou já havia desaparecido. Quando, porém, os "gesta

Dei per Francos" restabeleceram o Império, criouse, dentro do conceito agostiniano, uma antinomia entre Igreja e Império, que pretendiam, ambos, representar a "Civitas

Dei". Por volta de 1OOO, os cristãos esperavam o Fim apocalíptico do mundo. Mas o Papado venceu, e então surgiu outra dificuldade: a "Ecclesia triumphans" já não

permitia pensar no próximo Fim do Mundo, porque não

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pensava em demissão depois da vitória. Essas dificuldades destruíram o universalismo medieval. Mas o caminho da dissolução não foi aquêle que a historiografia do

século XIX imaginou: não foi um progresso racionalista, começando com as angústias apocalípticas do ano 1OOO e terminando provisóriamente no "laicismo" de Johannes

de Salisburg, precursor do "laicismo" renascentista. Na verdade, a evolução tomou o caminho inverso, do "laicismo" político

para a profecia apocalíptica (12).

O representante do universalismo na historiografia me

dieval é Oto de Freising (13) : pela grande visão filosó

fica da história, é superior ao empirista Matthaeus Paris e ao anedótico Fra Salimbene. É o maior dos historiadores medievais, também pela cultura clássica. "....

de duabus civitatibus" está no título da sua obra principal: Oto pretende continuar o De Civitate Dei, de S. Agostinho. Mas agora, a "Civitas Dei" compõe-se de duas

"civitates": Igreja e Império. Oto, alemão e parente da família imperial dos Staufens, toma o partido dos imperadores; o bispo de Freising cria uma filosofia da

história do Império. Mas os acontecimentos históricos parecem pronunciar-se contra o "Sacrum Imperium", e ao bispo angustiado, refugiado num convento, ocorrem pressentimentos

apocalípticos de Fim do Mundo.

Fora do Império, tiraram-se conclusões menos pessimistas. O beneditino Ordericus Vitalis, anglo-normando, nega importância ao Império, mas só para substituí-lo,

na sua função de escudo da Igreja, pelo Estado normando. E Johannes de Salisbury, na sua Historia pontificalis, subs

12) A. Dempf: Sacrum Imperium. Geschichts uno Staatsphilosophie des MittelaUers uno der politischen Renaissance. Muenchen, 1929.

13) Otto von Freising, c. 1114-1158.

Chronicon sive historia de duabus civitatibus. Edição por A.

Hofmeister (Monum. Germ. Hist., Script. rer. Germ., XX), 3.6 ed., Hannover, 1912.

J. Schmidin: Die GeschichUphilosophie uno kirchenpolitische Weltanschauung Ottos von Freising. Freiburg, 19O6.

HISTERIA DA LITERATURA OCIDENTAL 317

titui o Império pela própria Igreja; parece voltar ao puro conceito agostiniano. Realmente, as idéias agostinianas de política religiosa - Pax, Ordo, Justitia -

tornaram-se, em Johannes de Salisbury, diretrizes de diplomacia eclesiástica. Entre Igreja e Estado já não é possível a aliança. A vítima do conflito é o próprio

patrão de Johannes, o arcebispo Thomas Becket de Canterbury, assassinado ao pé do altar pelos cavaleiros do rei da Inglaterra. A observadores menos frios do que

Johannes de Salisbury, êsse acontecimento pareceu anunciar o fim do mundo - do mundo medieval - e do seu universalismo político-reli

gióso, poderíamos acrescentar.

Havia só um meio para sair de um pessimismo desesperado: esperar um outro Império - ou uma outra Igreja. Neste sentido, o historiador Anselmo, bispo de Havelberg

- conselheiro do imperador Frederico Barbarroxa, quebra

- esquema agostiniano da história universal. Três são as "civitates": a do Pai ou do Velho Testamento; a do Filho ou da Igreja atual, a nossa própria época, que

terminará com acontecimentos epocalípticos; e, enfim, a do Espírito Santo, que criará nova Igreja, sem política eclesiástica. Anselmo introduziu no seu credo histórico

a ideia do progresso, incompatível com o conceito católico da Igreja. Só sectários podiam desenvolver a idéia de um terceiro reino, de uma nova Igreja puramente

espiritual, que não poderia nascer antes de ser derrubada a Igreja visível do Papa, em Roma. Sectário era Giovanni dei Gioachini, ou Joaquim de Flores (c.1132-12O2),

o eremita calabrês, autor do Liber concordiae Novi ac Veteris Testamenti e da Expositio in Apocalypsin, profeta do "Evangelizem Aeternum"

- da Igreja do Espírito. As autoridades eclesiásticas medievais, muito mais tolerantes do que se pensa, puderam conseguir um modus vivendi com o profeta; mais tarde,

êle seria queimado. Dance ("Paraíso:", XII, 14O) colocou-o entre os beatos do Paraíso. Pois então, no comêço do século XIV, a sua profecia já parecia meio realizada

em um


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à

grande movimento de amor místico, renovando a Igreja: o franciscanismo.


S. Francisco de Assis (14) foi um dos grandes gênios ,religiosos da Humanidade. Também figura nos manuais da história literária, porque escreveu, ou antes (segundo

a lenda), ditou um poema, uma das efusões mais profundas da alma humana: o Cantico del Frate Sole. Essa paráfrase - seqüência em prosa ritmada - do salmo 148 é,

em pou

cas linhas, um poema universal, a epopéia do cosmo cristão, condensada numa poesia lírica:



"Laudato si, mi Signore, cum tucte le tue creature,
spetialmente messor lo frate sole";

e assim, o santo continua a santificar tôdas as criações de Deus: "sora luva e le stelle", "frate vento", "sor:"acqua", "frate focu", "sora nostra marre terra",

e,

enfim, "sora nostra morte corporale". Não existe poema mais universal. Mas não pretende exaltar o Universo, e sim chamá-lo à



adoração. Francisco é um santo, é humilde. No dialeto humilde da sua terra de Umbria conclui

"Laudate et benedicete mi Signore, e rengratiate,


e serviteli cum grande humilitate."

Mas é êsse poema de S. Francisco um poema? Não será, antes, uma oração? Êsse problema de crítica continua muito discutido na Itália. Preferimos chamar ao Cantico

14) Francesco d:"Assisi, 1181-1226.
Edição de S. Francisci Assisiensis Opuscula, Quaracchi pr. Firenze, 19O4. Texto crítico do Cantico del sole in: E. Monaci: Crestomazia italiana dei primi secoli.

Città di Castello, 1912. A. Rossi: Il cantico del sole in gwattro diverse lezioni. Foligno,

1882.
A. Galletti: "II cantico del sole". (In: Nuova Antologia, novembro, 1926.)
L. F. Benedetto: Il Cantico dt Frate Sole. Firenze, 1941.

A. Pagliaro: "II Cantico del Frate Sole". (In: Quaderni di Roma, I, 1947.)

de] Frate Sole côro celeste. A poesia, em sentido puramente humano, do santo de Assis, encontra-se na memória que êle deixou na mente dos seus primeiros discípulos,

nos


preciosos Fioretti di S. Francesco (16), que um frade anã

nimo traduziu do original latino de Ugolino de Montegiorgio. O santo também inspirou a poesia franciscana, verdadeira renovação da poesia litúrgica (16), poesia

riquíssima, da qual a maior parte caiu em olvido injusto, como o admirável hino Philomena, do franciscano inglês John Peckham (t 1292), arcebispo de Canterbury (17)

; nesse hino, o rouxinol que canta e morre é identificado com a alma que reza e se consome na nostalgia do céu; Peckham, continuando, como no Cantico de] Frate Sole,

a animar as criaturas pelo entusiasmo religioso, chega a uma alegoria que lembra estranhamente a personificação de qualidades humanas em animais na "epopéia zoológica".

O entusiasmo de primeira hora não sobreviveu muito ao santo; ficou a angústia profunda, na qual a religiosidade dos pobres do povo e dos pobres do santo se encontraram.

Aconteceu, assim, que o Dies irae, de Fr. Thomas

de Celano (17-A), entrou na liturgia do serviço de defun

tos e alcançou popularidade imensa, coisa rara, quando se trata, como no caso, de um dos maiores poemas da literatura universal. Basta citar a reza litúrgica que

constituiu o germe do poema ("Libera me, Domine, de morte aeterna, in die illa tremenda"), para sentir a nova fôrça

15) Edições por Fr. Sarri, Firenzi, 1926, e por F. Casolini, Milano,

1926.


16) L. Suchet: La poesia liturgica franciscana nel secolo XIII. Roma.

1914.


17) D. L. Doure: Archbishop Peckham. Oxford, 1952.

17A) Thomas de Celano, c. 12OO - c. 126O ou 127O.

Autor da Vita prima do santo, e dos hinos Dies irae, Fregit victor e Sanctitas nova.

F. Ermini: Il Dies irae e l:"innologia ascetica nel secolo decimoterzo: studi sulle letteratura latina del Medio evo. Roma,

19O3.

B. Croce: Poesia antica e moderna. Barí, 1943.



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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

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poética que Thomas de Celano conseguiu insuflar àquelas palavras:



"Dies irae, dies illa

Solvei saeclum in favilla";

para sentir o "frisson nouveau" na lógica tremenda da seqüência das expressões: o "judex" que chega para "cuncta stricte discussurus", a "tuba" que abre os "sepulcra

regionum", o "líber scriptus" que inspira pavor ao monge iletrado, o desespêro do "quid sum miser tunc dicturus", e o "flammis acribus addictis" em que ao desespêro

se acrescenta o temor. E basta comparar a melodia suplicante do

"Rex tremendas majestatis, Qui salvandos salvas gratis Salva me, fons pietatis"

com os inesperados versos brancos do fim - Deus Amem." -

para saber que estamos em presença da expressão poética do verdadeiro "numen". Talvez por isso Benedetto Croce chegasse a negar ao Dies irae a qualidade de poema.


A fôrça da poesia franciscana atribui-se, em parte, à influência do movimento ascético dos "flagellatori" que perturbaram então as cidades italianas. Fala-se também

da influência dos "flagellatori" ou dos joaquimitas na poe

sia de Jacopone da Todi (18). Mas não se encontra vio

18) Jacopone da Todi, c. 123O-13O6.

Laude.

Edição por G. Ferri, 2.a ed., Bari, 1915.



N. Sapegno: Frate Jacopone. Torino, 1926.

L. Russo: "Jacopone da Todi, místico-poeta". (In: Studi sul Due

e Trecento. Roma, 1946.)

lência ascética no sentimento algo sentimental do seu famoso hino latino Stabat mater dolorosa, e a sua resistência contra o Papa Bonifácio VIII não foi mais herética

do que a de Dante. Chama à "Povertà, alto sapere", como qualquer franciscano, e a sua biografia ("O vira fallace do:" m:"hai menato - e co m:"hai pagato") - a conversão

repentina, quando se descobriu o cilício no corpo de sua noiva, morta num acidente - basta para explicar o ascetismo sombrio dos versos:

"Quando Callegri, uomo de altura, Vá, pope mente alia sepultura!"

As Laude de Jacopone constituem a obra principal da poesia franciscana. Não são, como se acreditava, gritos inarticulados de um homem do povo, mas poesia elaborada

de um burguês que adquiriu, para a salvação da sua alma, cultura teológica. Mas todos os lamentos apaixonados e as enumerações terríveis de doenças e desgraças,

escolàsticamente classificadas, dissolvem-se, afinal, na manifestação da "angelica natura" dêsse grande poeta franciscana:


"Clama Ia lengua e 1 core: Amora, amore, amore !"

Jacopone da Todi, que os séculos esqueceram, é hoje reconhecido como um dos grandes poetas de língua italiana, de estranha modernidade.

Seria simplismo imperdoável chamar "ascético" ao movimento franciscano. A angústia dos poetas franciscanos faz parte de uma emoção mais ampla, que é, em parte, bem

medieval, e, por outro lado, nova e até revolucionária. É como um grande "abrir-se" da alma, motivo pelo qual um Jacopone resolveu, enfim, exprimir-se na língua

materna, a única na qual êle pôde dizer tudo e ser compreendido pelos humildes. No franciscanismo, a alma cristã se abre a Deus e ao povo, e também ao mundo. Um

ensaísta lembrou,

"Huic ergo parce, Pie Jesu Domine, Dona eis requiem.

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a propósito do franciscanismo, o famoso mural do Trion

fo -delta Morte no cemitério de Pisa: não há assunto mais angustioso do que êsse triunfo da morte sôbre tôdas as criaturas, e não -há exortação mais ascética do

que a justaposição violenta de cavaleiros alegres e caixões abertos. Mas em outra parte do imenso quadro os eremitas saem das suas cavernas, indo ao encontro do

sol. O movimento franciscano apresenta o mesmo quadro. O próprio santo "saiu" e mandou aos seus discípulos que saíssem. A missão franciscana chegou, com Giovanni

del Pian del Carpine, á Astracã, com Guillaume de Rubruquis, à Mongólia; com Giovanni de Montecorvino, à índia; com Odorico da Pordenone, à China: preparando ou

seguindo os caminhos de Marco Polo, abrindo o mundo. Abrindo também o mundo da expressão artística. O nascimento da pintura italiana está intimamente ligado ao franciscanismo:

o retrato do santo, no Sacro Speco, em Subiaco, é o primeiro retrato da pintura moderna; Cimabue trabalhava na igreja superior, em Assis; Giotto é própriamente o

pintor do franciscanismo; o chamado "realismo gótico" dos Pisani é o franciscanismo dêsses grandes mestres da Renascença das-artes plásticas, e já há muito tempo

a arte franciscana é con

siderada como o verdadeiro comêço da Renascença (19).

Nessa compreensão baseia-se uma série de teorias, de grande importância para a historiografia literária: o recuo da cronologia do "Renascimento", a descoberta das

renascenças medievais, a destruição do conceito "Idade Média".

Daí a tentação de interpretar o franciscanismo como movimento revolucionário, idéia que já se exprime no sufixo esmo. Mas se o franciscanismo era revolucionário,

era-o em sentido medieval. O santo e os seus discípulos eram de uma ortodoxia impecável não eram, de maneira

19) R. Thode: Franz von Assisa und die Anfaenge der Eunst der Renaissance in Italien. Berlin, 1885.

L. Couraiod: "Les véritables origines de Ia Renaissance". (Gazette des Beaux-Arts, 1889, 1.)

alguma,. precursores da Reforma. Mas dentro da. ordem medieval - da ordem :"eclesiástica e da ordem social representavam uma oposição, aliando-se às outras oposi

ções, e acabando, enfim, numa verdadeira revolução, se bem que revolução medieval, revolução religiosa. Aquela parte da ordem de S. Francisco que não se conformou

com certas mitigações da regra - os "spirituales" - juntou-se ao movimento entusiástico e apocalíptico dos joa quimitas; pretenderam, assim, acabar com a profanação

do Papado pela política e apressar o advento da Igreja espiritual, do terceiro e último Reino da história. O movimento dos "spirituales", quase esquecido pelos historiadores

católicos, não suficientemente apreciado pelos historiadores protestantes, e nunca bem compreendido pelos historiadores laicistas, é de importância capital, de importância

tão grande para a derrota final da "Idade Média" como o é o franciscanismo ortodoxo para os começos da Renascença (2O). Baseando-se em idéias universalistas e apocalípticas

de uma época já passada, os "spirituales" fizeram uma revolução de alcance e violência inéditas, e essa ambigüidade os fêz falhar: Petrus Oliva, o grande erudito;

o mestre de Dante, acabou herético; Ubertino da Casale, o grande místico, perdeu-se em visões fantásticas; Fra Dol cipo, que era considerado, como outro Francisco,

acabou mártir. A reforma espiritualista malogrou-se. Mas os vencidos vingaram-se. juntaram-se às oposições nas cidades, excitando uma religiosidade popular que era,

no fundo, revolução social. Os teólogos, adeptos ou suspeitos do "espiritualismo", abraçaram a filosofia nominalista, atacaram os próprios fundamentos lógicos da

escolástica ortodoxa, criaram uma nova astronomia, uma nova física, uma nova

2O) F. Eherle S. J.: *Mie Spiritualen, ihr Verhaeltnis zum Franziskanerorden und zu den Fraticellen". (In: Archiv fugir Literatur und Kirchengeschichte des Mittelalters,

t. I, fase. IV, 1885.) E. Benz: Ecclesia spirituales. Kirchenidee und GeschichUtheologie der Franziskanischen Reformation. Stutrgart, 1934.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCÌDENTAL

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economia política e - aliando-se a imperadores e reis contra o Papado - a nova teoria da soberania do Estado leigo; a sanção pela Igreja, substituíram-na pela soberania

do povo. É o fim do universalismo medieval. Dance já era passadista.

f .:"

PARTE 111



A TRANSIÇÃO

CAPITULO I


O "TRECENTO"

NA história da literatura italiana, o século XIV, o "Trecento", é de uma importância extraordinária. A literatura italiana, que até então levara uma existência precária

ao lado das expressões em latim e das literaturas provençal e francesa, antecipou-se, de repente, a tôdas as outras literaturas européias, criando novos gêneros

- a epopéia religiosa, a lírica pessoal, a pastoral, o conto - e formas de expressão inteiramente novas; aparecem os maiores gênios literários que a Itália produziu

em todos os tempos - Dante, Petrarca, Boccaccio - e não podiam deixar de exercer influência sôbre as outras literaturas da Europa. Mas essa influência foi muito

desigual. No próprio século

XIV, Chaucer conheceu Dance e Petrarca, sem tirarr maio rés conclusões; e a sua imitação assídua de Boccaccio baseava-se mais em certa semelhança dos temperamentos.

Dance despertou, no século XV, profunda admiração na península Ibérica: Francisco Imperial, Enrique de Villena (tradutor da Comédia inteira), Juan de Mena e o Marquês

de Santillana imitaram-no na Espanha, e Andreu Febres fêz uma tradução admirável da Divina Comédia para o catalão; depois, porém, a literatura espanhola esqueceu

o florentino, e na França, na Inglaterra, na Alemanha, só se encontram vestígios esparsos de Dance, até o advento dos estudos dantescos nos séculos XVIII e XIX.

Petrar ca teve, no século XV, um grande discípulo, o catalão Auzias March, um imitador espanhol, o Marquês de Santillana, e alguns tradutores anônimos na França.

Mas a influên-

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

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cia internacional de Petrarca não começa antes do século XVI, com Boscán e Garcilaso de Ia Vega, Sá de Miranda e Camões, Scève, Ronsard e Du Bellay, Wyatt, Surrey



e Spenser, sem alcançar a Alemanha. Boccaccio, enfim, é o autor mais traduzido do século XV: o Decamerone encontra-se, já em 1429, em catalão; das primeiras traduções

impressas, a alemã é de 1472, a francesa de 1485, a espanhola de 1496, mas a holandesa só aparece em 1564, e a primeira completa em inglês é sómente de 162O. Ainda

no século XV, Diego de San Pedro, imitando a Fiammetta, chega, no Cárcel de Amor, ao romance psicológico. Mas o último resultado notável da influência de Boccaccio

na França do século XVI é o Heptaméron, de Marguerite de Navarre; os alemães do mesmo século imitam Boccaccio em contos grosseiros, e Greene, Shakespeare e outros

inglêses consideram-no apenas como fonte de enredos. E êsse panorama da influência internacional dos três grandes toscanos (1) sugere até uma impressão exagerada

da sua influência real. Chaucer é um caso isolado; e o petrarquismo internacional do século XVI já é influência indireta, mais dos petrarquistas italianos que do

próprio Petrarca. Com a enorme influência da literatura francesa medieval não pode ser comparada a do "Trecento" italiano. Para o próprio século XIV, ao Norte dos

Alpes, o "Trecento" italiano quase não existe.

Em resultado: a literatura italiana do século XIV e as outras literaturas contemporâneas não se sincronizam; e no século XV, época dos Lourenços de Médicis, Polizianos

e Pulcis, na Itália, e de Malory, das danças macabras e dos Mistérios, ao Norte dos Alpes, agrava-se a desproporção. A Itália já possui uma literatura moderna, apoiada

no

1) A. Bartoli: "Il Decamerone neile sua attinenze colla novelística Europea". (In: Rivista Europea. T. XIV/XV, 1879.) A. Farinelli: Dante in Spagna, Francia, IngUterra,



Germania. Torino, 1921.

A. Meozzi: Il Petrarchismo europeo nel secolo XVI. Pisa, 1934.

renascimento das letras antigas, quando o resto da Europa se encontra ainda "nas trevas medievais". Carducci (2) baseava nesses fatos uma teoria especial da literatura

italiana: ela seria a continuação legítima e direta da literatura latina, só modificada pela influência do cristianismo, e por isso antecipando-se às outras literaturas

européias. De acôrdo com isso, iniciou-se, desde Burckhardt, a admiração ilimitada à Renascença italiana, que teria criado o homem moderno e a civilização moderna.

Gerou-se um problema dos mais difíceis para a historiografia da literatura universal. Quando a exposição acompanha a cronologia, o "Trecento" italiano situa-se,

ao lado das expressões medievais do Norte, como um bloco isolado, uma antecipação quase incompreensível. Mas quando a exposição pretende acompanhar a evolução da

mentalidade literária, então o "Trecento" italiano situa-se, ao lado das literaturas modernas, como um pedaço da Idade Média, um bloco errático, intemporal como

o poema de Dance. Resta citar alguns fatos da história social para esclarecer melhor a diferença das situações, no século XIV, dos dois lados dos Alpes.

O século XIV é uma época de intenso comércio internacional (3). As fazendas flamengas chegaram, através de Lubeca, ao Báltico; as florentinas, até o Oriente. A indústria

têxtil de Florença empregava lã inglêsa e borgonhesa. A indústria têxtil de Flandres comprava a lã na Inglaterra, o potássio em Dantzig, as tintas na índia, através

do Egito e Veneza. Os comerciantes de fazendas baratas da cidade alemã de Ravensburg mantinham sucursais em Nueremberg, Veneza, Milão, Lião, Avinhão, Tolosa, Barcelona,

Valença, Bruges e Viena. As cidades alemãs da Hansa ven

2) G. Carducci: "Dello svolgimento delia letteratura nazionale". (1868/1871). (In: Prose. 1859-19O3. Bologna, 19O9.)

3) H. Pirenne: Histoire économique et sociale du Moyen Age. Paris, 1933.

F. Roering: Mittelalterliche Weltwirtschaft. Iena, 1933.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

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deram bacalhau norueguês na Espanha e minerais de fer



ro suecos na Itália. Com razão e orgulho, as letras de

câmbio florentinas falam de "communis omnium nationum

mercantis". Só o mercantilismo do século XVII quebrou

o internacionalismo econômico da Idade Média, e só o li

beralismo do século XIX o reconstruiu.

Essa civilização comercial estava concentrada nas ci

dades, e havia certa uniformidade de costumes entre as cidades italianas e as setentrionais; mas havia diferenças essenciais na estrutura social (4). Nas cidades

flamengas, francesas e alemãs, os comerciantes ricos empregavam o dinheiro em compras de terrenos fora dos muros; tornaramse latifundiários. A aristocracia feudal,


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