Paris, 1924.
Th. Maulnier: Introduction à Ia poésie française. Paris, 1939.
1931. H. Chamard: Histoire de Ia Pléiade. 4 vols. Paris, 1939/194O.
#522
OTTO MARIA CARPEAU)Ç
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
523
Maurice Scève (2O) é o grande poeta da "école lyon
naise". É poeta erudito, e tem algo da ambição de Lucré
cio: reunir num grande poema didático a erudição e filosofia da sua época. O Microcosmo é o esbôço dêsse poema que não foi escrito: um sonho de Adão representa os
sentünentos cósmicos da humanidade inteira. O misticismo meio científico dessa filosofia, o neoplatonismo do "le dêsir, image de Ia chore", o emprêgo dos símbolos
Macrocosmo e Microcosmo, lembram imediatamente Pico da Mirandola. Mas a filosofia de Scève, que é poeta, não se encontra nas suas teorias, e sim no simbolismo dos
seus versos. E o assunto dêsse simbolismo não é o Macrocosmo, e sim um Microcosmo: a Mulher. As 449 décimas dá Délie já se chamava "a maior meditação poética em
língua francesa"; em todo o caso, é a maior declaração de amor que já se fêz a uma mulher.
"Tu es le corps, Dame, et je suis ton ombro..." parece um galanteio elegante, até o leitor saber que o "corps" é a idéia eterna e a "ombro" o reflexo terrestre.
"Dame" é o símbolo da nossa participação no reino da verdade, e o
amor,
"le souvenir, âme de ma pensée",
é a recordação do mundo ideal, a "anamnese" platônica. Êsse "amor cósmico" parece-nos o cume do exagêro pe2O) Maurice Scève, c. 15O5-1564.
Arion (1536) ; Délie, objet de ia plus kaute vertu (1544) ; Saulsaye (1547) ; Microcosmo (1552).
Edição por B. Guégan, Paris, 1927. (Importante introdução biográfica.)
F. Brunetière: "Un precurseur de Ia Pléiade: Maurice Scève".
(In: Laudos critiques sur Mistoire de Ia litterature française 6me série. 5.8 ed. Paris, 1895.)
A. Baur: Maurice Scève et Ia Renaissance lyonnaise. Paris, 19O6.
A.-M. Schmidt: La poésie scientifique en Franco au YVIe siècle. Paris, 1939.
A. Beguin: "Sur Ia Mystique de Maurice Scève". (In: Fontaine, VII, 36, 1944.)
L. Saulnier: Maurice Scève. 2 vols. Paris, 1949.
trarquesco, e a intervenção perpétua de expressões filosóficas naquela declaração de amor sugere até a impressão de que "Dame" seja um fantasma, mera alegoria. Não
é assim. "Dame" era uma mulher de carne e osso; o seu amante revela às vêzes sentimentos bem sensuais, e outras vêzes confessa: "Ma face, angoisse a quiconque Ia
voit". A fragilidade da sua "condição humana", que o platônico certamente sentiu com amargura, inspira-lhe expressões de
melancolia profunda -
"O ans, ô mois, semaines, jours et heures, O intervalle, ô minute, ô moment" -
versos que dão testemunho da sua capacidade de transformar têrmos "científicos" em música verbal; às vêzes, o discípulo de Ficino e Pico da Mirandola supera o misticismo
dos humanistas italianos. Nem sempre Scève o conseguiu: a sua língua é dura, a sua sintaxe complicadíssima, grande parte da sua poesia é hermética, talvez involuntàriamente.
Enquanto o hermetismo de Scève não foi resultado acessório da meditação em profundidade, foi o tributo do poeta à realidade dura, do mundo-e da língua; e quando
deu ao verso "Humanité brutale, sotte et lourde" - a rima "sourde" não pôde adivinhar que a posteridade seria surda à sua poesia. Nem os simbolistas da "fin du siècle"
deram muita importância a Scève, considerado sempre como mero "precursor" da Pléiade. Enfim, as gerações atuais descobriram que Scève fôra um precursor do "modernismo"
e do super-realismo, o poeta mais filosófico da língua francesa, mensageiro de um amor dantesco e de uma melancolia cósmica à maneira de Lucrécio. Com efeito, Scève
é poeta profundo, e nos seus melhores momentos sabe transformar em música pura uma filosofia dialética que parece muito moderna:
"Musique, accent dos cieux, plaisante symphonie, par contraíres aspects formant son harmonie".
#524 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
525
Scève, assim como Villon, com quem tão pouco se parece, tornou-se vítima da crítica classicista; mas, como Villon, não precisa de justificações históricas. A grandeza
de Villon não consiste em ter sido, no século XV, precursor cronológico da poesia renascentista, com a qual nada tem em comum; é, no século XV, o precursor do poeta
moderno, de Apollinaire. Do mesmo modo, Scève não é o
precursor da Pléiade, e sim de Mallarmé e Valéry.
As justas homenagens que a posteridade recusou a Scève, recebeu-as uma daquelas damas lionesas entre as quais se encontrava o modêlo carnal de Délie: Louise Labé
(21). Os seus 23 sonetos eróticos estão entre os mais fa, mosos da literatura universal, testemunhos de uma "étrange et forte passion". As antíteses petrarquescas
("Je vis, je meurs; je me brusle et me nove...") e as elevações místicas da linguagem não nos podem enganar: êsse amor não
é platônico:
"O beaux yeux bruns, ô regards détournés,
- chauds soupirs, ô larmes épandues,
- noires nuits vainement attendues,
- jours luisants vainement retournés !"
Louise Labé é grande artista da elegia erótica. É possível compará-la a Propércio; mas não a Catulo, nem a Gaspara Stampa. Não era uma aristocrata desgraçada, porque
se en
tregara a um amante indigno; era uma burguesa rica, uma "dama". Também não é precursora da Pléiade, mas do classicismo, de Racine.
21) Louise Labé, 1522-1565.
Oeuvres (23 sonetos, 3 elegias, etc.; 1955).
Edições por Ch. Boy, 2 vols., Paris, 1887, e por T. de Visara, Paris, 191O.
D. OVonnor: Louise Labé, sa vie et son oeuvre. Paris, 1927.
J. Larnac: Louise Labé, Ia belle cordière de Lyon. Paris, 1934.
O "precursor nacional" da Pléiade foi Clément Marot (22). É um polígrafo poético, que escreve inúmeras poesias de ocasião, quer dizer, para tôdas as ocasiões da
sua vida agitada. Marot escreveu poemas meio medievais, no estilo do Roman de Ia Rose, e poesias italianizantes, fábulas alegres, epigramas e salmos - era protestante
- e baladas e rondós no estilo de Villon, do qual editou as obras sem herdar nada do seu gênio. Tem graça gaulesa e o talento de narrar em versos. O problema, no
seu caso, consiste em verificar porque os manuais e antologias da literatura francesa concedem tanto espaço a êsse versificados simpático; trata-se de uma herança
da crítica classicista, que considerou como poesia o esprit metrificado e rimado. O lugar que Marot ocupa, pertence antes a Le Maire de Belges, poeta belga de expressão
francesa.
Jean Le Maire de Belges (23) parece-se algo com
Marot, mas, além de italianizar mais assiduamente - é um precursor autêntico da Pléiade - tem mais colorido, vida e paixão. Também tem outros modelos. Não se refere
a Villon, e sim a Chastellain e Molinet, os "grands rhétoriqueurs" da Borgonha. Êsse grupo de poetas (2`1) COM_
22) Clément Marot, c. 1496/1497-1544.
Obras: 65 epitres, 27 elegias, 15 baladas, chansons, epigramas,
etc., etc.
Edição por P. Jannet, 4 vols., Paris, 1868/1872.
E. Faguet: "Marot". (In: XVIe siMe. Études littéraires. Paris,
1893.)
H. Guy: Histoire de Ia poésie française au XVIe siècle. Vol. II:
Marot et son École. Paris, 1926.
P. Jourda: Clément Marot. Paris, 195O.
23) Jean Le Maire de Belges, c. 1473 -e. 152O.
Edição por M. Stecher, 4 vols., Louvain, 1882/1891.
Ph. A. Becker: Jean Le Maire de Belges. Strasbourg, 1892. M. Stecher: Notice sus Jean Le Maire de Belges. Louvain, 19O8. P. Spaak: "Jean Le Maire de Belges". (In:
Revue du XVIe siècle,
1921/1923.)
24) H. Guy: Histoire de Ia poésie française au XVIe siècle. Vol. I: Vecole des rhétoriqueurs. Paris, 191O.
P. Champion: Histoire poétique du XVe siècle. 2 vols. Paris, 1923.
526 OTTO MARIA CARPEAU%
põe-se dos últimos representantes do gótico "flamboyant" da Borgonha; e são dos mais característicos. Georges Chastellain (14O3-1475) parece fornecer o emblema da
época, quando celebra o esplendor do Duque Filipe de Bor
gonha -
:"Uor et d:"azur, qui de lys reflamboye".
Michault Taillevent (c.141O-1458) exprime a melancolia macabra do "flamboyant" : "Temes perdu n:"est à recouvrer", e Jean Molinet (1435-15O7) é um acrobata das palavras,
um jongleur de antíteses e metáforas, já quase barrocas; existem relações subterrâneas entre o Barroco e o gótico "flamboyant". Le Maire de Belges, que não era um
grande poeta, mas um poeta muito vivo, e que se refere a Molinet como seu mestre, exerceu certa influência sobre Ronsard. E se a crítica perguntasse qual o elemento
estilístico que distingue o petrarquismo da Pléiade de todps os outros petrarquismos contemporâneos, a resposta seria: aquela vivacidade verbal e aquêle colorido
"flamboyant" que recebeu da Borgonha.
Ronsard (25) é o maior nome da Pléiade e, apesar de todas as objeções que surgem sempre de novo, um dos 25) Pierre de Ronsard, 1524-1585. (Cf. nota 71.)
Odes (155O/1553) ; Les Amours (A Cassandre, 1552; A Marie, 1555;
A Hélene, 1574) ; Hymnes (1555/1556) Eglogues (156O/1567) ; Dis
cours (Discours des misères de ce temes à la reine mère, 1562;
Institution pour Vadolescence du roi três chrétien Charles IX,
1562; Remontrance au peuple de France, 1563, etc.); La Franciade (1572) ; Oeuvres (6.a ed. 1584).
Edições por M. Marty-Laveaux, 6 vols., Paris, 1887/1893; por P.
Laumonier, 8 vols., Paris, 1914/1919; por H. Vaganay, 7 vols. Paris, 1923/1924.
H. Longnon: Essai sur Pierre Ronsard. Paris, 19O4.
P. de Nolhac: Ronsard et Mumanisme. Paris, 1921. Laumonier: Ronsard, ~te lyrique, 2.a ed. Paris, 19O4. P. Champion: Ronsard et son temes. Paris, 1925.
G. Cohen: Ronsard, sa vie et son oeuvre. 5 .~ ed. Paris, 1933. J. Silver: The Pindaric Odes o/ Ronsard. New York, 1937. M. Bishop: Ronsard, Prince o/ Poets. New
York, 194O. Wyndham Lewis: Ronsard. New York, 1944.
grandes poetas da literatura universal. A primeira vista, parece uma mistura de Petrarca e de Anacreonte, poeta de amores e paisagens artificiais, de um epicurismo
erudito sem muita vida; e quando aspira à sublimidade de Píndaro, é para erigir-se em poeta oficial da França. Ésse mais intencional dos poetas sempre consegue descobrir
o lugarcomum, erótico ou patriótico, já descoberto. A culpa do equívoco é das antologias, que incluem incansavelmente os mais gastos versos do poeta: "Comine on
voit sur Ia branche" e "Mignonne, allons voir", seguidos de um trecho truncado de um dos Discours poéticos. É preciso ler Ronsard inteiro, mesmo que isso constitua
trabalho forçado.
O amor de Ronsard não é fictício nem insincero. "Quand vous serei bien vieille, au soir, à Ia chandelle...." é e continua a ser uma das mais belas poesias de amor
que existem, e as antologias suprimem justamente os momentos nos quais o temperamento vence a erudição: os
".... amants, qui librement Pratiquent folâtrement
Dans les draps cent mignardises." -
- o "relief de porphyre, ouvrage de Phidie", os "tetins" transformados em "deux boules marbrines". Ronsard sabe guardar a justa medida; a sua poesia é dos
".... légers Démons qui tenez de Ia Cerre Et du haut ciei justement le milieu..." -
- neste sentido, é um clássico autêntico. Mas não um mero classicista, porque sente a frescura de um novo mundo que a poesia lhe descobriu:
"Ciei, air et vents, plaine et monts découverts".
Ronsard descobriu o que um poeta maior - o parisiense Villon - ignorara: a paisagem francesa. E se êle povoou a Touraine de ninfas e faunos que os mortais comuns
lá não distinguem, Ronsard poderia responder com as pa-
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
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lavras de Corot, quando censuraram ao pintor o pouco realismo das suas paisagens: "Não viu as ninfas? Eu as vi."
A grande e sincera dor da vida de Ronsard foi a devastação dessa paisagem pelas guerras de religião. Por isso, o poeta erudito e gozador da vida interveio na política,
ao lado dos católicos, mas com patriotismo imparcial e elevado, censurando os prelados ("ôtez 1:"ambition, Ia richesse excessiva; / Arrachez de vos coeurs Ia jeuneusse
1ascive...) e censurando também os protestantes ("âmes pau hardies!", "Entre vous, aujourd:"hui, ne règne que discord") ; dirigindo-se com a maior franqueza a Catarina
de Médicis e ao rei Carlos IX ("Sire, ce n:"est pas tout que d:"être roi de Franca, / II faut que Ia vertu honore votre enfance"). A descrição das misérias da França
devastada chega à fôrça de Juvenal, como no poderoso "discours" "O Ciel ! ô mar! ô terra! ô Dieu, père commun", em que a guerra civil se transforma em terrível batalha
dos corpos e espíritos, verdadeira "psicomaquia" nas nuvens. A imagem da França ronsardiana é de uma atualidade tremenda, européia.
"Si natura negai, facit indignatio versos." Na epopéia patriótica La Franciade, a natureza "negou" realmente. Talvez Ronsard não tenha sido feito para isso. Era
um poeta "particular", íntimo. Nos últimos anos, era só o seu próprio destino de criatura mortal que o preocupava; e, outra vez, o clássico encontrou a justa medida,
entre a fé do cristão e o desespêro do epicureu, numa melancolia sugestiva. A morte lhe apareceu na imagem dos esplendores terrestres que o homem tem que deixar:
"I1 faut laisser maisons et vergers et jardins";
e a Morte, o esqueleto terrível das danças macabras, transfigurou-se-lhe em deusa serena que mata cedo os que ama,
" Ia mort qui nous enterre Jeune nous tua, et nous conduit Avant le temps, au lar qui erre Par le royaume de Ia nuit."
Por essa capacidade de transformar pela imagem o terror da vida em consolação inesquecível, afirma-se Ronsard como clássico.
Ronsard é o maior poeta da Pléiade; outros dirão, talvez, que é Du Bellay (26) o maior artista. A distinção é dificultada, outra vez, pelas antologias, quando escolhem
peças típicas do século, que poderiam pertencer a qualquer poeta do grupo ("A vous, troupe légère. .. ."). Du Bellay é poeta erudito, como Ronsard; mas os seus modelos
são menos os gregos do que os romanos, e até na poesia erótica é menos o apaixonado Propércio do que o melancólico Tibulo. A sua paisagem francesa não é, como a
de Ronsard, uma floresta de faunos e ninfas, e sim "Ia doure Franca", recordação de alegrias juvenis e amôres da primeira mocidade, e protetora de uma vida civil
e
polida,
"Franca, mère das arts, das armes, et das lois."
Por isso, o admirador apaixonado da Antiguidade prefere
"... plus mon Loira gaulois que le Tibre latiu, ... et plus que l:"air marin Ia doulceur angevine."
Nesse amor a Loira e Anjou, Vendômois e Beauce há qualquer coisa de nostalgia de quem estêve fora por muito tempo, e a mesma nostalgia, em relação ao tempo, inspira-lhe
a poesia da melancolia das ruínas de Roma ("Pâles esprits, et vous, ombres poudreuses"). Ronsard é clás
26) Joachim Du Bellay, 1522-156O.
Défense et Mustration de Ia langue française (1549) ; L:"Olive (155O) ; Les antiquités de Rome (155$) ; Les Regrets (1559).
Edições por L. Séché, 3 vols., Paris, 19O3/191O, e por H. Chamard
6 vols., Paris, 19O7/1931.
H. Chamard: Joachim Du Bellay. Paris, 19OO.
R. V. Merrill: The Platonism ot Joachim Du Bellay. Chicago,
1923.
J. Vianey: Les "Regrets" de Du Bellay. Paris, 193O. Fr. Ambrière: Joachim Du Bellay. 1934.
#53O OTTO MARIA CARPEAUX
sigo; Du Bellay é romãntico, e por isso parece mais pessoal, mais moderno, sobretudo na poesia erótica da Olive, inspirada num platonismo mais puro do que o neoplatonismo
comum da Renascença. Mas é um romantismo relativo. Du Bellay, que morreu cedo, é da estirpe dos Garcilasos e Sid
neys, um cavaleiro brilhante e amante platônico, aspirando a ver
" 1:"Idée
De Ia Beauté, qu:"en ce monde adore."
Da feição impessoal dessa poesia salva-se Du Bellay me
nos pelo esplendor do seu mundo ideal, como Garcilaso, .do que por um certo realismo rústico, que aparece cla
ramente no sonêto "La terre y est fertile, acoples les édifices":
"Ils boivent nuit et jour en Bretons et Suisses,
Ils sont gras et refaits, et mangent plus que trois." Neste sonêto, Du Bellay cita Rabelais; mas a fonte dessa inspiração rústica é a poesia latina de Andrea Navagero,
do mesmo que iniciou Boscán na poesia italiana. O sentimento comum de Du Bellay e Navagero é o da terra como grande mãe que nos dá a vida e nos acolhe no seu seio.
Por isso, Du Bellay, que foi melancólico durante a vida inteira, olha sem melancolia a morte, que lhe parece
quase como a Rilke sombra do nosso corpo e parte .nossa vida:
"Il faut que chacun passe En 1:"éternelle nuit: La mort qui nour, menace, Comme I:"ombre nous suit."
Dêste modo, a poesia de Du Bellay termina como a de Ronsard. Mas, aqui, o majestoso "royaume de Ia nuit" é uma província da alma; aliás, uma província francesa.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 5531.
Uma boa antologia da Pléiade (?7) é a leitura mais encantadora do mundo; em todos aquêles poetas há o mesmo fino gôsto, formado nos modelos antigos, o sol sôbre
a "douce Frange", as noites melancólicas, sensualidades agressivas e elevações espirituais. Em todos, a poesia erudita é autêntica poesia francesa, e o alexandrino,
que é a grande conquista métrica da Pléiade, para se tornar mais tarde o tirano dos poetas franceses, ainda é amplo e tudo acolhe. É poesia culta e, no entanto,
viva. A leitura das obras completas de qualquer daqueles poetas é menos agradável. Monotonia e excessos alternam, e. só Ronsard e Du Bellay se salvaram, desde o
romantismo, do juizo implacável de Malherbe. Mas há uma grande injustiça nessa condenação geral. Inspiração é coisa rara, e se o leitor sempre ficasse condenado
à leitura das Obras Completas, quantos poetas se salvariam? Justamente aquêle poeta da Pléiade contra o qual Malherbe foi mais cruel do que contra os outros, é um
dos melhores entre êles: Desportes (28). Homem culto que leu muito e plagiou muito, epicureu que sabia viver e era o contrário da "ombre maudite, errante et déchassée"
que cantou. Também não é seu (a fonte é Sannazaro : "Icaro cadde qui.... ") o famoso sonêto sôbre a morte de Icaro, que pretendeu voar ao sol e caiu no mar, mas
os últimos versos -
"... Il eut pour le bruler des astres le plus beau;
Il mourut poursuivant une haute aventure; Le ciel fut sou désir, Ia mer sa sépulture:
Est-i1 plus beau dessein ou plus riche tombeau?" -
27) M. Allem: Anthologie poétique française, XVIe siècle. 2 vols.
Paris, s. d.
28) Philippe Desportes, 1546-16O6.
Les premières oeuvres (1573); Les psaumes de David (1592, 16O3).
Edição por A. Michiels, Paris, 1858.
I. Lavanda Un poète de cour au temps des derniers Valois. Philippe Desportes. Paris, 1936.
M. Th. Marchand-Roques: La vie de Philippe Desportes, Abbé de Tirou. Paris, 1949.
da
532 OTTO MARIA CARPEAUX
são dos mais belos da língua francesa. Jean-Antoine de
Baïf (29), ao contrário, do qual tôdas as antologias apre
sentam as poesias anacreônticas, é dos menos agradáveis.
Só pode ser apreciado nas versões dos salmos ("Sur le haut
des monts ça et là regardant,/J:"ai levé mes yeux, si secours me viendrait...") e nas condenadas peças lascivas ("Le cores au cores accouplé doucement, / O douce
vie, ô doux trépassement..."). A poesia da Pléiade é mais rica do que se pensa em peças obscenas e até pornográficas. Mas houve, em idade mais avançada, muito desejo
de se reconciliar com o céu. Ninguém o conseguiu melhor do que Bertaut
(3O) - poeta elegíaco, mais famoso pelas "pointes" espi
rituosas pré-barrôcas, do que pelas versões de salmos e a bela canção "Étoile de Ia mer, notre Seul réconfort...", para a qual Maulmier chamou a atenção - com efeito,
parece uma antecipação de Péguy. Mas foi mais seguro o caminho que Pontus de Tyard (31) escolheu: o do silêncio. Nas suas Erreurs amoureuses, a paixão é mais forte
do que em qualquer outro poeta da Pléiade; mas também o lugarcomum :"Vhomme n:"est qu:"ombre d:"un longe" estava profundamente sentido, e, afinal, o bispo de Châlons-sur-Saône
deixou a poesia.
O lado mais forte da poesia da Pléiade é a elegia. Jo
delle (32 ), que se celebrizou pelas suas peças dramáticas
e o sonêto
"Des astres, des forêts et d:"Achéron 1:"honneur, Diane ",
escreveu os seus versos mais belos na elegia "Aux cendres de Claude Colet". E o dramaturgo Robert Garnier (33) mereceria um lugar especial na história da poesia
lírica francesa pelas elegias: "Élegie à Despertes", "Élégie à Nicolas de Ronsard", "Élégie sur Ia mort de Pierre de Ronsard" três peças realmente grandes. A última
é o canto de cisne
da Pléiade
"Vous êtes dons heureux, et votre mort heureuse,
O Cygne des François;
Ne lamentei que nous, dont Ia vie ennuyeuse
Meurt le jour mille fois.
Vous errei maintenant aux campagnes d:"Élise,
A 1:"ombre des vergers,
Oü chargent ent tout temes, assurés de Ia bise,
Les jaunes orangers..."
Naquele tempo, a Pléiade já não existia, e os epígonos tinham encontrado o inimigo mortal no classicismo de Malherbe. Na resistência contra Malherbe, a poesia francesa
lembrou-se das origens nacionais de alguns dos seus elementos. Mathurin Régnier (34) é a repetição do caso
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
533
c
29) Jean-Antoine de Baïf, 1532-1589.
Oeuvres en rime (1572/1573).
Edição por M. Marty-Laveaux, 5 vols., Paris, 1881/189O.
3O) 31)
M. Augé-Chiquet: Jean-Antoine de Ba:"if. Paris, 19O9. 32) Etienne Jodelle, 1532-1573.
Jean Bertaut, 1552-1611. 33) Oeuvres et mélanges poétiques (1574).
Recueil des Oeuvres poétiques (16O1). Edição por M. Marty-Laveaux, 2 voas., Paris, 1868/187O.
Edição por A. Chenneviève. Paris, 1891. H. Horvath: Etienne Jodelle. Budapest, 1932.
Robert Garnier, 1545-159O.
G. Grente: Jean Bertaut. Paris, 19O3. 34) Cf. "Teatro e Poesia do Barroco Protestante", nota 34.
Pontus de Tyard, 1521-16O5. A reabilitação de Garnier como poeta lírico deve-se a Maulnier
Erreus amoureuses (1549/1553); Oeuvres poétiques (1573). (cf. nota 19).
Edição por M. Marty-Laveaux, Paris, 1875. Mathurin Régnier, 1573-1613.
I. Abel Jeandet: Pontus de Tyard. Paris, 186O. Edição por E. Courbet, 2.a ed., Paris, 1875.
S. F. Baridon: Pontus de Tyard. Milano, 1953. J. Vianey: Mathurin Régnier. Paris, 1896.
é
534 OTTO MARIA CARPEAUX
Marot: as suas sátiras em estilo horaciano revelam muita graça, esprit gaulês, e uma filosofia de bonhomme epicureu e até libertino. Mas não é um Villon, nem grande
poeta de qualquer espécie. É, porém, francês, poeta inteligente.
O "tour de cavalier", a viagem obrigatória do cavaleiro culto para a Itália, é a origem da poesia petrarquesca
na Inglaterra (35). Thomas Wyatt (36) é o decano, o pri
meiro dos sonneteers à maneira de Petrarca e Sannazaro, com certas veleidades de independência na forma estrófica; também não lhe falta a independência de escrever
poesia mais espontânea em outras formas, como as famosas peças antológicas "Forget not yet the tried entent..." e "And wilt thou leave me thus?". Assim como outros
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