CAPÍTULO 29
O escritório do Senador Sedgewick Sexton ficava em um edifício de gabinetes do Senado na Rua C, a nordeste do Capitólio. A construção era uma justaposição neomoderna de retângulos brancos que os críticos
diziam parecer mais uma prisão do que um prédio de escritórios. Muitos dos que trabalhavam lá sentiam exatamente o mesmo.
No terceiro andar, Gabrielle Ashe andava nervosamente de um lado para o outro em frente de seu terminal de computador. Havia uma nova mensagem de e-mail em sua tela e ela não sabia bem o que pensar a respeito.
As duas primeiras linhas diziam:
SEDGEWICK FOI IMPRESSIONANTE NA CNN. TENHO MAIS INFORMAÇÕES PARA VOCÊ.
Ela vinha recebendo mensagens desse tipo nas últimas semanas. O
endereço do remetente era falso, mas ainda assim ela havia conseguido estabelecer um vínculo com o domínio "whitehouse.gov". Aparentemente,
seu misterioso informante era alguém de dentro da Casa Branca e, independentemente de sua real identidade, havia se tornado a fonte de Gabrielle para diversas informações políticas de grande valor nos últimos tempos, como aquela notícia sobre a reunião secreta entre o administrador da NASA e o presidente.
No início, ela havia ficado desconfiada dos e-mails. Porém, à medida que foi verificando a veracidade das dicas, ficou impressionada ao descobrir o quanto as informações eram corretas e úteis. Iam desde informações secretas sobre gastos excessivos da NASA, missões futuras acima do orçamento, dados mostrando que a busca por vida extraterrestre havia recebido verbas incrivelmente exageradas e até mesmo pesquisas de opinião internas demonstrando que a agência espacial era a questão que estava retirando votos do atual presidente.
Para fazer com que o senador achasse que ela tinha um valor ainda maior, Gabrielle nunca lhe contara que estava recebendo e-mails anônimos vindos de dentro da Casa Branca. Apenas repassava as informações dizendo que tinham vindo de "uma de suas fontes". Sexton se mostrava agradecido e já estava naquele jogo tempo suficiente para não perguntar qual era a fonte. Para Gabrielle, estava claro que ele suspeitava de que ela estava trocando favores sexuais pelas informações. O mais perturbador é que isso não parecia incomodá-lo.
Ela parou de andar e olhou novamente para a mensagem que havia chegado. As conotações de todos os e-mails eram claras: alguém de dentro da Casa Branca queria que o senador Sexton ganhasse aquela eleição e o estava ajudando, fornecendo munição para seu ataque contra a NASA.
Mas quem seria? E por quê?
Um rato abandonando o navio antes do naufrágio, ela concluíra. Em Washington, algumas vezes ocorria que um funcionário da Casa Branca, com medo de que seu presidente estivesse prestes a perder o posto, fizesse alguns favores discretos para o possível sucessor, na esperança de manter seu poder ou obter um cargo após a futura posse.
Aparentemente alguém estava sentindo o cheiro da vitória de Sexton e tinha resolvido investir no mercado de futuros.
Mas, ao ler novamente a mensagem na tela do seu computador, Gabrielle ficou nervosa. Não se parecia com nenhuma outra das que havia recebido. As primeiras linhas não a preocupavam. O problema eram as duas últimas:
PORTÃO DE ENCONTROS DA ALA LESTE, 16h30. VENHA SOZINHA.
Seu informante nunca pedira para encontrá-la pessoalmente. E, mesmo assim, Gabrielle teria esperado um local mais sutil para um encontro pessoal. Até onde ela sabia, só existia um lugar com esse nome em Washington - e ficava do lado de fora da Casa Branca. O que era aquilo, uma piada?
Gabrielle sabia que não podia responder por e-mail, já que as mensagens sempre voltavam com o aviso de que o destinatário não existia. A conta de seu correspondente era anônima, o que não era surpresa alguma, claro.
Devo consultar Sexton? Decidiu rapidamente que não seria uma boa idéia: ele estava em uma reunião. Além disso, se ela lhe contasse sobre aquele e-mail, teria que falar também sobre os outros. Ela concluiu que a oferta de seu informante de encontrá-la em público, em plena luz do dia, deveria ser para que Gabrielle se sentisse segura.
Afinal, tudo o que aquela pessoa fizera nas últimas semanas havia sido para ajudá-la. Fosse lá quem fosse, obviamente era amigável.
Lendo o e-mail uma última vez, Gabrielle olhou para o relógio. Ainda tinha uma hora pela frente.
CAPÍTULO 30
O administrador da NASA estava se sentindo mais tranqüilo agora que o meteorito havia sido removido do gelo sem maiores problemas. Tudo está se encaixando, pensou consigo mesmo enquanto atravessava o domo em direção à área de trabalho de Tolland. Nada mais pode nos deter.
- Como está indo seu trabalho? - Ekstrom perguntou, colocando-se ao lado do cientista da televisão.
Tolland tirou os olhos do computador, parecendo cansado mas animado.
- A edição está quase pronta. Só estou acrescentando algumas imagens da extração do meteorito que seu pessoal acabou de fazer. Deve estar pronto daqui a pouco.
- Ótimo.
O presidente tinha pedido que Ekstrom enviasse o arquivo com o documentário de Tolland para a Casa Branca tão cedo quanto possível.
Apesar de ter se mostrado inicialmente contrário ao desejo do
presidente de chamar Tolland para esse projeto, Ekstrom mudara de idéia depois de ver uma versão preliminar do documentário. Sua narrativa inspiradora, combinada com as entrevistas feitas com os cientistas, havia sido editada para produzir 15 minutos emocionantes e didáticos de informações científicas. Com pouco esforço, Tolland fora bem-sucedido num quesito em que a NASA freqüentemente costumava falhar: descrever uma descoberta científica em um nível que o público comum pudesse entender, mas sem parecer condescendente.
- Quando tiver terminado a edição - disse Ekstrom -, por favor traga a versão final para a área de imprensa. Vou pedir a alguém que transmita uma cópia digital para a Casa Branca.
- Sim, senhor - respondeu Tolland, voltando a trabalhar.
O administrador seguiu em frente. Quando chegou à parede norte, ficou feliz por ver que a "área de imprensa" da habisfera tinha sido concluída a contento. Um grande carpete azul fora colocado sobre o gelo. No centro do carpete havia uma longa mesa de conferências com diversos microfones, um emblema da NASA e uma enorme bandeira norte-americana ao fundo. Para dar o toque final, o meteorito havia sido transportado em um trenó especial até sua posição de honra, bem na frente da mesa de conferências.
Ekstrom também ficou feliz em ver que o clima na área de imprensa era de celebração. Muitos dos membros de sua equipe estavam agora reunidos em torno do meteorito, estendendo as mãos sobre aquela massa ainda quente como se estivessem em volta de uma fogueira de acampamento.
Este é o momento, decidiu Ekstrom. Andou até várias caixas que estavam sobre o gelo atrás da área de imprensa. Ele havia pedido que trouxessem aquela encomenda da Groenlândia pela manhã.
- Pessoal, bebidas por minha conta! - gritou, passando latas de cerveja para sua animada equipe.
- Ei, chefe! - gritou alguém. - Obrigado! Elas estão até geladas!
Ekstrom abriu um sorriso, algo bem raro.
- É que elas estavam no gelo. Todos riram.
- Mas espere aí! - alguém gritou em seguida, dando um olhar de desprezo bem-humorado para sua lata. - Esta coisa é canadense! Onde está seu patriotismo?
- Vocês sabem que tivemos cortes orçamentários. Foi o mais barato que pude encontrar.
Mais risos.
- Atenção, pessoal! - gritou alguém da equipe de transmissão de TV da NASA, usando um megafone. - Vamos ligar a iluminação para a filmagem. Vocês podem ficar temporariamente cegos.
- E nada de beijinhos no escuro - berrou outra pessoa. - Este é um horário "família".
Ekstrom deu uma risadinha, divertindo-se com as brincadeiras enquanto sua equipe fazia os ajustes finais nos spots e nas luzes de reforço.
- OK, vamos ligar a iluminação de filmagem em 5, 4, 3, 2...
O interior do domo escureceu rapidamente quando as lâmpadas halógenas foram desligadas. Em poucos segundos não havia mais luz alguma e uma escuridão impenetrável tomou conta do local.
- Ei, quem beliscou minha bunda? - alguém gritou, rindo.
A escuridão durou apenas um instante antes de dar lugar à claridade ofuscante dos spots para as câmeras de televisão. Todos apertaram os olhos. A transformação estava completa. O quadrante norte da habisfera da NASA tinha se transformado em um estúdio de televisão. O restante do domo agora se parecia com um galpão de portas escancaradas à noite.
A única luz no restante do domo vinha dos reflexos das luzes de TV que batiam no teto em formato de abóbada criando longas sombras ao longo das estações de trabalho agora desertas.
Ekstrom voltou às sombras, feliz por ver sua equipe festejando em torno do meteorito iluminado. Sentia-se como um pai na noite de Natal olhando as crianças se divertirem em volta da árvore.
Só Deus sabe o quanto merecem isso, pensou, sem jamais suspeitar da calamidade que viria dentro em breve.
CAPÍTULO 31
O tempo estava mudando. Como um arauto pesaroso de um conflito
iminente, o vento catabático soltava um uivo melancólico e chocava-se com força contra o abrigo da Força Delta. Delta-Um terminou de fixar a cobertura contra tempestades e voltou para dentro, onde estavam seus dois parceiros. Isso já havia acontecido antes e logo passaria.
Delta-Dois estava olhando para imagens ao vivo do microrrobô.
- É melhor você ver isso - disse para Delta-Um.
O outro aproximou-se. O interior da habisfera estava em total escuridão, tirando a luz brilhante na face norte do domo, em torno da área de imprensa. O restante dela podia ser visto apenas como contornos sombrios.
- Nada demais, estão apenas testando a luz de TV para hoje à noite - respondeu Delta-Um.
- O problema não é a luz - disse Delta-Dois apontando para a mancha escura no meio do gelo: o buraco cheio de água do qual o meteorito havia sido retirado. - Este é o problema.
Delta-Um olhou para o buraco. Continuava cercado pelos cones e a superfície da água parecia calma.
- Não estou vendo nada.
- Olhe com atenção. - Ele mexeu no joystick, fazendo com o que microrrobô descesse em espiral na direção da superfície do buraco.
Delta-Um estudou a poça de água dissolvida cuidadosamente e finalmente viu algo que o fez se contrair, surpreso.
- Mas que droga...
Delta-Três aproximou-se e olhou. Também ficou abalado.
- Meu Deus. Este é o poço de extração? A água deveria estar assim?
- Não - disse Delta-Um. - Pode ter certeza que não.
CAPÍTULO 32
Apesar de estar sentada dentro de um contêiner de metal a cinco mil quilômetros de Washington, Rachel estava tão tensa como se tivesse sido chamada à Casa Branca. O monitor do videofone à sua frente exibia uma imagem absolutamente perfeita do presidente Zach Herney sentado na sala de comunicações da Casa Branca à frente do selo presidencial. A conexão de áudio digital também era excelente e, se não fosse pelo pequeno atraso no sinal, ele poderia muito bem estar sentado na sala ao lado.
A conversa estava fluindo bem, num tom animado. O presidente parecia estar feliz, embora não surpreso, que Rachel tivesse um parecer favorável sobre a descoberta da NASA e também sobre sua escolha quanto a usar a personalidade cativante de Michael Tolland como porta-voz. O presidente estava amigável e bem-humorado.
- Estou certo de que você irá concordar - disse ele, um pouco mais sério - que, em um mundo perfeito, as implicações dessa descoberta seriam apenas científicas por sua própria natureza. - Fez uma pausa e inclinou-se para a frente. Sua face preencheu toda a tela. - Infelizmente, nosso mundo não é perfeito, e esse triunfo da NASA irá se tornar uma bomba política assim que eu o anunciar.
- Considerando-se as provas conclusivas e as pessoas que o senhor recrutou para apoiá-las, não posso imaginar como o público ou qualquer um de seus opositores possa fazer algo além de aceitar essa descoberta como um fato indiscutível.
Herney deu um risinho quase triste.
- Meus opositores políticos acreditarão no que irão ver, Rachel. Minha grande preocupação é que não vão gostar disso.
Rachel notou como o presidente estava sendo cuidadoso ao não mencionar seu pai diretamente. Ele falava apenas em termos de "meus opositores" ou "opositores políticos".
- E o senhor acha que a oposição irá levantar a hipótese de uma conspiração por motivos meramente políticos?
- É assim que o jogo funciona. Basta que alguém lance uma dúvida vaga, dizendo que essa descoberta é uma espécie de fraude política preparada pela NASA e pela Casa Branca, e, subitamente, eu me verei diante de uma comissão de inquérito. Os jornais logo se esquecem de que a NASA possui provas de vida extraterrestre, e a mídia passa a se esforçar para encontrar provas de uma armação. É triste, porque qualquer insinuação de conspiração em relação a essa descoberta será ruim para a ciência, ruim para a Casa Branca, ruim para a NASA e, muito sinceramente, ruim para o nosso país.
- Foi por isso que o senhor adiou o anúncio até ter uma confirmação completa e o apoio de alguns cientistas de grande reputação.
- Meu objetivo é apresentar esses dados de forma tão incontestável que qualquer cinismo seja cortado pela raiz. Quero que a descoberta seja celebrada com a plena dignidade que ela merece. É algo que devemos à NASA.
A intuição de Rachel já estava emitindo sinais de alerta. E o que ele quer de mim?
- É claro que você se encontra em uma posição especial para me ajudar. Sua experiência como analista, assim como seus laços óbvios com meu oponente lhe dão uma enorme credibilidade em relação a essa descoberta - prosseguiu o presidente.
Rachel sentiu-se desiludida. Ele quer me usar, exatamente como Pickering disse que faria!
- Tendo dito isso, eu queria lhe pedir que endossasse essa descoberta pessoalmente, como minha ligação de inteligência na Casa Branca... e como filha de meu oponente.
Lá estava o pedido, preto sobre branco. Herney quer meu apoio pessoal Rachel havia pensado, sinceramente, que Zach Herney estivesse acima desse tipo lamentável de politicagem. Uma confirmação pública de Rachel iria transformar o meteorito em uma questão pessoal para seu pai, deixando o senador sem nenhuma capacidade de questionar a credibilidade da descoberta sem atacar a credibilidade da própria filha. O que seria, claro, uma sentença de morte para um candidato que proclamava que "a família vinha sempre em primeiro lugar".
- Francamente, senhor - disse Rachel, olhando para o monitor -, estou surpresa que me peça para exercer esse papel.
O presidente pareceu espantado.
- Achei que você ficaria animada por estar ajudando.
- Animada? Senhor, deixando de lado minhas questões pessoais com meu pai, esse pedido me deixa numa posição insustentável. Já tenho um bom número de problemas com meu pai sem me confrontar com ele em um duelo político de vida ou morte. Embora possa admitir que não gosto dele, ainda assim é meu pai, e colocar-me contra ele em um fórum público me parece, com toda a sinceridade, abaixo do seu nível.
- Espere aí! - Herney disse, levantando suas mãos em sinal de "paz". - Eu não disse nada a respeito de um fórum público!
Depois de um breve silêncio, Rachel falou:
- Presumi que o senhor quisesse que eu me juntasse ao administrador da NASA na mesa para a coletiva desta noite.
A gargalhada de Herney fez tremer os alto-falantes.
- Rachel, quem você acha que eu sou? Realmente acredita que eu iria pedir a alguém para dar uma facada nas costas do próprio pai em cadeia nacional de televisão?
- Mas... o senhor disse...
- E você acha que eu iria fazer com que o administrador da NASA dividisse os louros dessa vitória com a filha de seu arquiinimigo? Sem nenhuma ofensa, Rachel, essa coletiva é uma apresentação científica. Não tenho idéia de qual seja o seu conhecimento de meteoritos, fósseis ou estrutura dos icebergs, mas acho que não iria acrescentar muito à credibilidade da apresentação.
Rachel sentiu-se corar.
- Mas, então... que tipo de endosso o senhor deseja de mim?
- Um que está bem mais de acordo com sua posição.
- Senhor?
- Você é uma agente de ligação do NRO com a Casa Branca. Queria que você apresentasse dados de importância nacional para minha equipe.
- O senhor quer que eu confirme essa descoberta para sua própria equipe?
Herney parecia ainda estar se divertindo com o mal-entendido.
- Sim, é claro. O ceticismo que vou enfrentar fora da Casa Branca não é nada comparado ao que estou enfrentando aqui dentro neste exato momento. Estamos em meio a um completo motim. Minha credibilidade junto à equipe está a zero. Todos têm me pedido sucessivas vezes para cortar os fundos da NASA. Eu os ignorei e isso foi suicídio político.
- Até agora.
- Exatamente. Como conversamos esta manhã, o timing dessa descoberta irá parecer suspeito para os cínicos da área política, e não há pessoas mais cínicas do que minha própria equipe neste momento. Portanto, quando ouvirem as informações pela primeira vez, queria que a fonte fosse...
- O senhor não contou à sua equipe sobre o meteorito?
- Apenas alguns assessores de alto escalão sabem da descoberta.
Rachel ficou chocada. Não é surpresa que ele esteja às voltas com um motim.
- Mas essa não é minha área normal de atuação. Um meteorito dificilmente poderia ser considerado como um relatório de inteligência.
- De fato, não no sentido tradicional, mas ele tem, com certeza, todos os elementos de seu trabalho habitual: dados complexos que precisam ser depurados e resumidos, implicações políticas importantes...
- Não sou especialista em meteoritos, senhor. Sua equipe não deveria receber um comunicado de alguém como o administrador da NASA?
- Você está brincando? Todos aqui odeiam o homem. Do ponto de vista deles, Ekstrom é um vendedor trapaceiro que me fez entrar em uma infinidade de maus negócios.
Rachel tinha que concordar com essa visão.
- E que tal Corky Marlinson, Medalha Nacional de Astrofísica? Ele tem.muito mais credibilidade do que eu.
- Minha equipe é composta por políticos, não por cientistas. Você já conversou com o doutor Marlinson. Acho que é um sujeito brilhante, mas, se eu soltar um astrofísico em meio aos meus articuladores políticos acostumados a pensar dentro de padrões e conjuntos de regras, vou terminar com uma sala cheia de pessoas atônitas com olhos fixados no infinito. Preciso de alguém que seja acessível. Preciso de você, Rachel. Meu pessoal conhece seu trabalho, e, considerando- se o seu sobrenome, você é a porta-voz mais neutra que eles poderiam desejar.
Rachel sentiu-se atraída pelo estilo amistoso do presidente.
- Pelo menos o senhor admite que ser a filha de seu oponente tem algo a ver com esse pedido.
O presidente deu uma risadinha envergonhada.
- Claro que sim. Mas, como pode imaginar, minha equipe será informada de alguma maneira, não importa qual seja a sua decisão. Você não é o prato principal, Rachel, apenas a cereja do bolo. É a pessoa mais qualificada para apresentar esse relatório e por acaso também é uma parente direta do homem que quer expulsar meus funcionários da Casa Branca nas próximas eleições. Você tem, portanto, uma dupla credibilidade.
- O senhor deveria trabalhar em vendas.
- Na verdade, já trabalho. Assim como seu pai. E, sendo muito franco, gostaria de levar a melhor desta vez. - O presidente tirou os óculos e olhou diretamente para os olhos de Rachel. Ela sentiu um pouco do poder de seu próprio pai naquele olhar. - Estou lhe pedindo isso como.um favor, mas também porque acredito que é parte de seu trabalho. Então, qual é a sua decisão? Sim ou não?
Rachel sentiu-se acuada dentro do pequeno trailer. Nada como um pouco de pressão. Mesmo a cinco mil quilômetros de distância, ela podia sentir a força do presidente através da tela. Também sabia que era um pedido perfeitamente razoável, quer ela gostasse ou não.
- Tenho minhas condições - respondeu por fim.
Herney levantou uma sobrancelha.
- Tais como?
- Vou me encontrar com sua equipe em um local privado. Sem repórteres. Farei um relatório interno e não uma aparição pública.
- Você tem minha palavra quanto a isso. Sua reunião já está marcada para um local completamente privado.
Rachel suspirou e, por fim, concordou. O presidente sorriu.
- Excelente.
Ela olhou para o relógio e ficou surpresa ao perceber que já passava das quatro da tarde.
- Mas... se o senhor irá entrar no ar, ao vivo, às oito da noite, não teremos tempo. Mesmo usando aquela "coisa" odiosa que me trouxe até aqui, não teria como estar de volta à Casa Branca a tempo. Precisaria preparar minhas observações e...
O presidente apenas sacudiu a cabeça.
- Perdão, acho que não fui claro. Você transmitirá o relatório exatamente de onde está, através de uma videoconferência.
- Ah... - Rachel hesitou. - E a que horas isso seria?
-Vejamos... - disse Herney, com um sorriso sagaz. - Que tal agora mesmo? Todos já estão reunidos e olhando para uma grande tela em branco no momento. Estão esperando por você.
O corpo de Rachel se retesou.
- Mas, senhor, estou totalmente despreparada, eu não poderia...
- Apenas lhes diga a verdade. É tão difícil assim?
- Mas...
- Rachel - disse o presidente, inclinando-se em direção à tela -, lembre-se, você resume e retransmite dados diariamente. É seu trabalho. Apenas fale do que está acontecendo por aí. - Ele estendeu a mão para apertar um botão em seu painel de transmissão de vídeo, mas fez uma breve pausa antes. - Acho que você irá gostar de saber que eu a coloquei em uma posição de poder.
Rachel não entendeu bem o que ele quis dizer, mas já era tarde para perguntar. O presidente apertou o botão.
A tela diante de Rachel ficou em branco por um instante. Quando voltou a transmitir, ela se viu em uma das situações mais perturbadoras de sua vida. Estava olhando para o Salão Oval da Casa Branca. A sala estava lotada de gente, todos de pé. Aparentemente toda a equipe da Casa Branca estava lá, olhando para ela. Rachel percebeu, então, que seu ponto de vista era de alguém situado acima da mesa do presidente.
Falando de uma posição de poder.
Rachel estava suando frio. Pelas expressões das pessoas, os membros da equipe da Casa Branca estavam tão surpresos quanto ela.
- Senhorita Sexton? - disse uma voz rouca.
Rachel procurou em meio ao mar de rostos e encontrou quem havia falado. Era uma mulher magricela que acabara de tomar lugar na primeira fila. Marjorie Tench. A figura era inconfundível, mesmo no meio de uma multidão.
- Obrigada por juntar-se a nós, senhorita Sexton - disse Marjorie. - O presidente falou que você teria algumas informações interessantes a nos transmitir.
CAPÍTULO 33
Aproveitando a escuridão o paleontologista Wailee Ming estava sentado, sozinho em sua estação de trabalho, tomado por pensamentos. Sentia-se eletrizado imaginando o evento daquela noite. Em breve serei o paleontologista mais famoso do mundo. Esperava que Michael Tolland tivesse sido generoso com ele, dando bastante destaque às suas declarações no documentário. Enquanto se deleitava com a fama iminente, uma leve vibração fez estremecer o gelo sob seus pés, fazendo com que desse um pulo da cadeira. Como morador de Los Angeles, área sempre propensa a tremores e terremotos, ele tinha instintos aguçados em relação ao assunto, sendo hipersensível até mesmo aos menores movimentos do chão. Naquele momento, contudo, Ming sentiu-se meio tolo pensando que a vibração era perfeitamente normal. É apenas a geleira se fragmentando, pensou, soltando um suspiro. Ele ainda não tinha se acostumado com aquilo. De tantas em tantas horas, uma explosão distante retumbava pela noite, enquanto em algum lugar da costa da geleira um enorme bloco rachava e caía no mar. Norah Mangor tinha uma maneira poética de encarar aquilo. Bebês-iceberg nascendo...
Ainda de pé, Ming esticou os braços. Olhou em volta da habisfera e viu, ao longe, uma celebração em andamento sob as luzes fulgurantes da televisão. Como não gostava muito de festas, resolveu caminhar na direção oposta.
O labirinto deserto de estações de trabalho se parecia agora com uma cidade-fantasma, e todo o domo tinha um ar quase sepulcral. Um vento frio soprava pelo salão, e Ming abotoou seu sobretudo de lã de camelo.
Mais à frente viu o poço de extração, o ponto do qual o mais magnífico de todos os fósseis da história havia sido retirado. O gigantesco tripé de metal já tinha sido desmontado e a poça d'água permanecia ali, solitária, cercada pelos cones, como uma espécie de buraco no asfalto em um vasto estacionamento de gelo. Ming dirigiu-se para o fosso, mantendo uma distância segura da piscina de água gélida. Em breve ela iria congelar novamente, apagando qualquer traço de que alguém já estivera lá.
Era uma bela visão, pensou Ming. Mesmo no escuro.
Principalmente no escuro.
Ming achou aquilo estranho. Então percebeu.
Há algo de errado.
Ao examinar com mais atenção a água, sentiu seu contentamento anterior dar lugar a uma súbita confusão de pensamentos conflitantes. Piscou os olhos, olhou de novo e então virou-se rapidamente para o outro lado do domo... em direção às pessoas que estavam comemorando na área de imprensa, a 50 metros dali. Ele sabia que não podiam vê-lo de tão longe, no escuro.
Eu deveria contar a alguém sobre isso, não?
Ming observou novamente a água, pensando no que iria dizer aos outros.
Seria uma ilusão de ótica? Algum tipo de reflexo bizarro?
Em dúvida, resolveu passar dos cones e ficou agachado próximo à borda do fosso. A água estava a um metro e meio do nível do gelo, mais ou menos, e ele se inclinou para ver melhor. Sim, de fato havia algo estranho ali. Era impossível não ver e, ainda assim, ninguém havia percebido até que as luzes do domo fossem apagadas.
Ming levantou-se. Definitivamente era preciso contar aquilo para alguém. Começou a andar rápido na direção da área de imprensa. Deu alguns passos e parou. Meu Deus! Voltou para o buraco, seus olhos se arregalaram com o que havia acabado de imaginar.
Impossível!, pensou em voz alta.
Ainda assim, sabia que era a única explicação. Analise cuidadosamente, disse a si mesmo. Deve haver uma explicação mais razoável. No entanto, quanto mais pensava, mais convencido ficava quanto ao que estava vendo. Não havia outra justificativa! Ele não podia acreditar que a NASA e Corky Marlinson tivessem deixado passar algo tão incrível, mas não iria reclamar por causa disso.
Esta é uma descoberta de Wailee Ming agora!
Tremendo de excitação, correu até uma estação de trabalho próxima e pegou uma proveta. Tudo de que precisava era uma amostra da água.
Ninguém iria acreditar naquilo!
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