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CAPÍTULO 73
O senador Sexton estava jogado sobre o sofá, sentindo-se isolado.

Seu apartamento em Westbrooke Place, que minutos antes estivera cheio de novos amigos e partidários, agora parecia abandonado, com taças de conhaque pela metade e cartões de visita largados para trás por homens que saíram quase literalmente correndo pela porta.

Sexton estava deitado, solitário, em frente à TV, desejando profundamente desligá-la, mas ainda assim incapaz de parar de assistir às infindáveis análises da mídia. Estavam em Washington e não demorou muito para que os analistas passassem das hipérboles pseudocientíficas e filosóficas para se aterem ao que importava de fato - política. Como mestres da tortura esfregando ácido nas feridas de Sexton, os jornalistas estavam repetindo infinitas vezes o óbvio.

"Há poucas horas, Sexton estava alçando vôo rumo à presidência", disse um analista. "Agora, com a descoberta feita pela NASA, a campanha do senador caiu das alturas e sofreu um duro impacto."

Sexton virou a cara, pegou o Courvoisier e tomou um gole direto da garrafa. Aquela noite seria a mais longa e mais solitária de sua vida. Tinha ódio de Marjorie Tench por ter preparado uma cilada para ele durante a entrevista. Tinha ódio de Gabrielle Ashe por um dia ter mencionado os gastos da NASA. Tinha ódio do presidente por ter tirado a sorte grande. E tinha ódio do mundo por estar rindo dele agora.

"É óbvio que isso terá um efeito devastador no senador", prosseguia o analista. "O presidente e a NASA obtiveram um triunfo incalculável com essa descoberta." Uma notícia dessas iria dar um novo fôlego à campanha de Herney independentemente da posição que Sexton tivesse sobre a agência espacial, mas com sua admissão hoje cedo de que chegaria ao ponto de abolir completamente o financiamento da NASA se necessário...

"Bem, esse pronunciamento presidencial foi um baque do qual o senador não irá se recuperar."

Fui enganado, pensou Sexton. Aqueles sacanas da Casa Branca me ferraram.

O analista estava sorrindo agora. "Toda a credibilidade que a NASA havia perdido junto ao povo americano voltou com força total. Há um verdadeiro sentimento de orgulho nacional aqui, nas ruas de Washington. E não é para menos. Zach Herney é amado por todos, embora seus admiradores já estivessem perdendo a fé. É preciso reconhecer que o presidente estava na lona e recebeu alguns golpes duros recentemente, mas ele deu a volta por cima de forma gloriosa."

Sexton pensou no debate na CNN naquela tarde e abaixou a cabeça, nauseado. Toda a antipatia contra a NASA que ele havia cuidadosamente construído ao longo dos últimos meses não apenas havia sido desfeita como também se transformara numa corda em volta de seu pescoço. Agora parecia um idiota completo. Tinha sido vergonhosamente manipulado pela Casa Branca. Estava com medo de ver as charges nos jornais do dia seguinte. Seu nome seria motivo de risadas em todo o país. Obviamente não receberia mais nenhum financiamento discreto da SFF para a campanha. Tudo havia mudado. Os homens que estavam em seu apartamento naquela noite viram seus sonhos correrem pelo ralo. A privatização do espaço tinha acabado de bater de frente contra um muro.

Tomando outro gole de conhaque, o senador se levantou e andou, cambaleando, até à sua mesa. Olhou para o telefone fora do gancho. Sabia que era um ato masoquista de autoflagelação, mas lentamente recolocou o fone no lugar e começou a contar os segundos.

Um... dois... O telefone tocou. Deixou que a secretária eletrônica atendesse.

"Senador Sexton, é Judy Oliver, da CNN. Gostaria de lhe dar uma oportunidade de dizer algo sobre a descoberta da NASA. Por favor, ligue de volta", disse a moça, e desligou.

Sexton começou a contar de novo. Um... O telefone começou a tocar. Ele ignorou-o, deixando a máquina atender. Era outro repórter.

Agarrado à sua garrafa de Courvoisier, Sexton foi andando até à porta corrediça de sua varanda. Abriu-a e saiu para sentir o ar frio da noite. Apoiado no parapeito, olhou para fora, para a cidade, até chegar à fachada iluminada da Casa Branca ao longe. As luzes pareciam piscar alegremente ao vento.

Canalhas, pensou. Durante séculos estiveram procurando provas de que há vida no espaço. Tinham que encontrar essa droga justo no ano da minha eleição? Aquilo não era coincidência, só podia ser uma profecia! Em todas as janelas, até onde o senador podia ver, as televisões estavam ligadas. Pensou onde Gabrielle estaria naquela noite. Era tudo culpa dela. Ela o havia informado sobre cada uma das falhas da NASA.

Levantou a garrafa para dar mais um gole.

Maldita Gabrielle, é por culpa dela que estou nesta situação.


Do outro lado da cidade, em meio ao caos da redação da ABC, Gabrielle Ashe sentia-se desligada do mundo. O pronunciamento do presidente tinha surgido do nada, deixando-a sem ação, num estado quase catatônico. Apenas ficou onde estava, de pé, imóvel no centro daquela agitação, o olhar fixo num dos monitores de televisão enquanto um pandemônio se desenrolava à sua volta.

Nos instantes iniciais do discurso de Herney o salão tinha ficado em completo silêncio. A tranqüilidade durou pouco, antes que o local irrompesse em um delírio ensurdecedor de repórteres correndo por todos os lados. Eram profissionais e não tinham tempo para reflexões pessoais. Poderiam refletir com calma depois de terminar o trabalho.

Naquele exato momento, o mundo queria mais informações e a ABC tinha que fornecer o conteúdo. Aquele evento reunia muitos elementos de interesse público: ciência, história, o cenário político. Era um grande filão. Ninguém ligado à imprensa ou a qualquer veículo de comunicação iria dormir naquela noite.

- Gabi? - chamou Yolanda, com uma voz carinhosa. - Vamos voltar para meu escritório antes que alguém perceba quem você é e comece a lhe fazer perguntas sobre o impacto disso na campanha de Sexton.

Como se estivesse no meio de um sonho, Gabrielle sentiu a amiga guiando-a até seu aquário. Yolanda fez com que ela se sentasse e lhe deu um copo d'água.

- Veja o aspecto positivo, Gabi. A campanha do seu candidato está ferrada, mas você, não - disse a editora com um sorriso forçado.

- Obrigada. Muito reconfortante.

Yolanda adotou um tom de voz mais sério.

- Gabrielle, sei que você está se sentindo um zero à esquerda. Seu candidato acabou de ser atropelado por um trator e não acho que vá se levantar. Ao menos não a tempo de virar a mesa nessa eleição. Mas pelo menos ninguém espalhou suas fotos na TV. É sério. Isso é uma boa notícia. Herney não vai mais precisar divulgar um escândalo sexual. Ele está no auge de sua postura presidencial de "bom moço" e não vai se rebaixar.

Aquilo parecia um pequeno consolo para Gabrielle.

- E sobre as alegações de Tench quanto ao financiamento ilegal da campanha... - Yolanda balançou a cabeça. - Eu ainda tenho minhas dúvidas. É verdade que Herney tem mantido sua postura de não usar propaganda negativa. É verdade também que uma investigação sobre corrupção seria ruim para todo o país. Mas você acha mesmo que Herney é tão patriótico assim a ponto de desperdiçar a chance de esmagar a oposição apenas para proteger a moral da nação? Tenho a impressão de que Tench exagerou um pouco os fatos sobre as finanças de Sexton para tentar criar pânico. Ela jogou com o que tinha, esperando que você se assustasse e entregasse de bandeja, para o presidente, um escândalo sexual. Você sabe que esta noite seria fatal para o senador se sua moral também fosse questionada.

Gabrielle concordou, meio ausente. Um escândalo sexual seria um golpe duplo do qual a carreira de Sexton não iria se recuperar.

- Você não caiu na cilada de Marjorie Tench, Gabi. Ela jogou a isca, mas você não engoliu. Está livre agora. Haverá outras eleições.

A jovem assessora mais uma vez concordou vagamente, sem saber muito o que pensar.

- Olhe, a Casa Branca armou o tabuleiro para Sexton de forma brilhante: atraiu seu foco para a NASA e fez com que se comprometesse em público, obrigando-o a apostar tudo o que tinha nessa questão espacial.

Foi tudo culpa minha, pensou Gabrielle.

- E essa coletiva, meu Deus, foi genial! Deixando de lado a importância da descoberta em si, a produção foi brilhante. Uma conexão direta com o Ártico, um documentário de Michael Tolland... Nossa, como competir com isso? Zach Herney acertou na mosca esta noite. Não é à toa que o homem é presidente. E vai continuar sendo por mais quatro anos...

- Bom, tenho que voltar para o trabalho, amiga. Você pode ficar sentada aqui quanto tempo quiser. Deixe as idéias se assentarem. - Yolanda dirigiu-se para a porta. - Querida, eu volto para ver como você está daqui a pouco.

Sozinha na sala, Gabrielle bebeu o copo d'água lentamente. O gosto era amargo. Tudo tinha um gosto amargo. É culpa minha, pensou, tentando tirar o peso da consciência, lembrando-se de todas as coletivas patéticas da NASA no último ano: os problemas com a estação espacial, o adiamento do X-33, todas as falhas nas sondas enviadas a Marte, rombos infindáveis no orçamento. Ela estava pensando no que poderia ter feito de outra forma.

Nada, disse para si mesma. Você fez tudo certo.

Pena que tudo deu errado.

CAPÍTULO 74
O enorme helicóptero Seahawk da Marinha fora requisitado para uma operação secreta, partindo da Base Aérea de Thule, no norte da Groenlândia. Voava baixo, fora do alcance de radares, enfrentando fortes rajadas de vento para percorrer as 70 milhas de mar aberto.

Depois, executando as estranhas ordens que haviam recebido, o piloto e o co-piloto lutaram com o vento até manter a aeronave pairando sobre um conjunto de coordenadas predefinidas no meio do oceano.

- Onde é nosso ponto de encontro? - gritou o co-piloto, tentando encontrar algo. As ordens diziam para que levassem um helicóptero com um guincho de resgate; então eles esperavam realizar uma operação de busca e salvamento. - Você tem certeza de que as coordenadas estão certas? - Percorreu a superfície agitada do oceano com um forte holofote de busca, mas não havia nada abaixo deles exceto...

- Cacete! - O piloto puxou o manche, fazendo subir o helicóptero.

Uma montanha de aço negro surgiu na frente deles em meio às ondas. Um gigantesco submarino sem identificação emergiu do nada, soltando o lastro e espumando como uma baleia metálica.

Os dois se olharam, impressionados.

- Acho que são eles.

Conforme ordenado, a operação fora executada sem nenhum contato por rádio. A escotilha no alto da torreta abriu-se e um marinheiro usou um sinalizador luminoso para orientar os pilotos.

O helicóptero colocou-se exatamente acima do submarino e desceu a bóia de salvamento para três pessoas - essencialmente alças de borracha na ponta de um cabo retrátil.

Um minuto depois, três desconhecidos estavam balançando abaixo do helicóptero, subindo lentamente, golpeados pelo vento que descia das hélices.

Quando o co-piloto puxou os dois homens e a mulher para dentro, o piloto sinalizou que estava pronto para partir. O submarino desapareceu no mar em poucos segundos, sem deixar pistas de que estivera lá.

Com os passageiros a bordo, o piloto do helicóptero virou, mergulhou o nariz e acelerou em direção ao sul para completar sua missão. A tempestade se aproximava rapidamente, e aqueles três estranhos tinham que ser levados em segurança de volta para a base de Thule a fim de seguir viagem num jato. O piloto não fora informado sobre seu destino final. Tudo o que sabia é que suas ordens vinham do alto escalão e que estava transportando uma carga preciosa.



CAPÍTULO 75
Quando a tempestade de Mune finalmente explodiu, lançando-se com toda a força sobre a habisfera da NASA, o domo estremeceu como se estivesse prestes a se soltar do gelo e voar em direção ao mar. Os cabos estabilizadores de aço foram repuxados contra suas amarras, vibrando como enormes cordas de guitarra e emitindo um tom monótono e triste.

Do lado de fora, os geradores falhavam intermitentemente, fazendo com que as luzes piscassem e ameaçando mergulhar a enorme câmara em total escuridão.

Lawrence Ekstrom, o administrador da NASA, estava andando pelo domo.

Ele queria poder sair logo daquele inferno, mas tinha que ficar mais um dia, dando coletivas adicionais para a imprensa pela manhã e supervisionando os preparativos para transportar o meteorito a Washington. Tudo que ele queria, naquele momento, era dormir um pouco.

Os problemas que surgiram ao longo do dia o deixaram esgotado.

Voltou a pensar em Wailee Ming, Rachel Sexton, Norah Mangor, Michael Tolland e Corky Marlinson. Algumas pessoas da equipe da NASA já haviam começado a notar que os civis tinham sumido.

Relaxe, pensou. Está tudo sob controle.

Respirou fundo, lembrando-se de que o mundo todo estava animado com a descoberta da NASA e com a exploração do espaço naquele momento. A questão da existência de vida fora da Terra não tinha chamado tanta atenção desde o famoso "caso Roswell", em 1947.

Foi quando uma nave supostamente alienígena teria se chocado contra o solo em Roswell, Novo México, que, a partir daquele momento, se tornara um santuário para milhões de amantes de teorias da conspiração e ovnis.

Nos anos em que trabalhou para o Pentágono, acabou sabendo que aquele caso não passara de um acidente militar durante uma operação secreta chamada Projeto Mogul, envolvendo um balão-espião que estava sendo projetado para captar os sons dos testes atômicos dos russos. Durante um dos vôos experimentais, um protótipo havia saído de seu curso e caído no deserto do Novo México. Infelizmente um civil encontrou os destroços antes que os militares conseguissem chegar ao local.

O fazendeiro William Brazel havia se deparado com os pedaços espalhados de um neoprene sintético radicalmente novo e de metais leves que nunca tinha visto, então chamou imediatamente o xerife. Os jornais divulgaram a descoberta dos estranhos destroços, e o interesse do público cresceu rapidamente. Alimentados pela negativa oficial dos militares de que o material fosse deles, os repórteres começaram a investigar, e o segredo em torno do Projeto Mogul ficou seriamente ameaçado. Entretanto, quando parecia que a delicada questão da existência de um balão-espião estava prestes a ser revelada, algo fantástico aconteceu.

A mídia chegou a uma conclusão inesperada: aquelas substâncias futurísticas só podiam ter vindo de outro planeta, fabricadas por criaturas cientificamente mais avançadas do que os humanos. O fato de os militares negarem qualquer envolvimento com o incidente só podia significar uma coisa: um contato secreto com os alienígenas! Apesar de ter ficado bastante surpresa com essa nova hipótese, a Força Aérea não iria reclamar de uma história tão oportuna. Os militares tomaram partido da teoria dos extraterrestres e fizeram com que crescesse. Uma suspeita mundial de que ETs estavam visitando o Novo México era um risco para a segurança nacional muito inferior à possibilidade de os russos saberem algo a respeito do Projeto Mogul.

Para alimentar a história dos alienígenas, a comunidade de inteligência envolveu todo o incidente em completo segredo e começou a planejar "vazamentos de informações" sobre contatos com extraterrestres, espaçonaves recuperadas e até mesmo um misterioso "Hangar 18" na base da Força Aérea de Wright-Patterson, em Daytona, onde o governo estaria mantendo os corpos dos ETs congelados. O mundo inteiro comprou essa versão, e o interesse por Roswell percorreu o planeta. A partir daquele momento, toda vez que um civil acidentalmente avistava uma aeronave militar americana, a comunidade de inteligência precisava apenas tirar o pó da velha teoria da conspiração.

Não era uma aeronave, era um disco voador!

O administrador ficava surpreso por aquele truque continuar funcionando nos dias de hoje. Todas as vezes que a mídia relatava um súbito aumento de aparições de ovnis, Ekstrom ria. Na maioria dos casos, algum civil tinha visto de relance um dos 57 Global Hawks do NRO: aviões de reconhecimento em formato de charuto que eram operados por controle remoto e se moviam a altíssima velocidade e de forma única.

Ekstrom achava patético que muitos turistas ainda fizessem peregrinações até o deserto do Novo México para ficar observando o céu noturno com suas câmeras de vídeo. De vez em quando alguém dava sorte e conseguia uma "prova concreta" de um ovni: luzes fortes cruzando rapidamente o céu e fazendo manobras radicais a velocidades muito superiores às de qualquer avião existente. O que essas pessoas não sabiam é que havia cerca de 12 anos de diferença entre o desenvolvimento de projetos para o governo e sua divulgação para o grande público. Os caçadores de discos voadores estavam apenas tendo uma rápida visão da próxima geração de aeronaves americanas sendo construídas e testadas na Área 51 - muitas das quais eram resultado de idéias de engenheiros da NASA.

É claro que o setor de inteligência nunca corrigia esse engano: era preferível que todos acreditassem em outro misterioso objeto voador avistado a que ficassem a par da capacidade real dos novos aviões militares.

Mas tudo mudou agora, pensou Ekstrom. Em poucas horas, o mito dos extraterrestres teria se tornado uma realidade confirmada para sempre.

- Administrador! - Um técnico da NASA veio correndo atrás dele. – Há um chamado de emergência em uma linha segura na cabine de comunicação.

Ekstrom suspirou e virou-se para ir até lá. Que diabos querem comigo agora? Ele foi caminhando na direção do trailer, e o técnico continuou andando ao seu lado.

- O pessoal que opera o radar está curioso, senhor...

- É? - Ekstrom estava pensando em várias coisas ao mesmo tempo.

- Sabe aquele enorme submarino nuclear que está estacionado a poucos quilômetros da costa? Nós ficamos imaginando por que o senhor não nos contou nada a respeito.

Ekstrom virou-se para ele.

- Como assim?

- O submarino, administrador. O senhor poderia ao menos ter prevenido o pessoal que está operando o radar. É compreensível ter uma cobertura adicional no mar, porém a equipe do radar ficou bastante surpresa.

Ekstrom parou subitamente e disse:

- Que submarino?

O técnico também parou, pois não esperava aquela reação.

- Não é parte da nossa operação?

- Não! Onde ele está?

O técnico engoliu em seco.

- A cerca de cinco quilômetros da costa. Nós o pegamos no radar totalmente por acaso. Subiu à superfície apenas alguns minutos. Uma mancha impressionante no radar. Muito provavelmente um submarino nuclear da classe Los Angeles. Pensamos que o senhor tivesse pedido à Marinha para vigiar a operação sem nos informar nada.

O administrador ficou olhando para ele.

- Pode estar certo de que não pedi nada à Marinha!

A voz do técnico tinha ficado trêmula.

- Bem, senhor, então creio que é melhor informá-lo de que um submarino acabou de se encontrar com uma aeronave aqui, bem perto da costa. Pareceu uma troca de pessoal. Na verdade, ficamos bastante impressionados que alguém fosse tentar um resgate vertical com um vento desses.

Ekstrom ficou tenso. Mas o que um submarino está fazendo bem perto da costa de Ellesmere sem que eu saiba disso?

- Você viu em que direção a aeronave partiu depois do encontro?

- De volta para a Base Aérea de Thule. Provavelmente para uma conexão com um transporte até o continente, suponho.

Ele não disse mais nada enquanto caminhava rumo à cabine. Quando entrou naquela escuridão atulhada de coisas, a voz áspera na linha era bem familiar.

- Temos um problema - disse Tench, tossindo ao falar. - É a respeito de Rachel Sexton.



CAPÍTULO 76
O senador Sexton não tinha idéia de quanto tempo passara olhando para o infinito. Quando percebeu que aquele barulho não era sua cabeça latejando por conta da bebida, e sim alguém batendo na porta de seu apartamento, levantou-se do sofá, guardou a garrafa de Courvoisier e andou em direção ao hall.

- Quem é? - gritou Sexton, que não queria ver ninguém.

Seu guarda-costas, do outro lado da porta, anunciou o nome do visitante inesperado. O senador ficou instantaneamente sóbrio. Ele foi rápido. Achou que só seria forçado a ter aquela conversa na manhã seguinte.

Respirou fundo e ajeitou o cabelo. Abriu a porta. O rosto à sua frente era bem familiar: os dois tinham se encontrado naquela manhã na minivan branca estacionada numa garagem de hotel. Foi mesmo esta manhã?, pensou Sexton. Deus, como as coisas haviam mudado.

- Posso entrar? - disse o homem.

O senador chegou para o lado, abrindo passagem para o testa-de-ferro da Space Frontier Foundation.

- A reunião correu bem? - perguntou enquanto Sexton fechava a porta.

Se correu bem? Sexton ficou imaginando se o homem tinha se trancado em um casulo durante todo o dia.

- Estava tudo ótimo até o presidente aparecer na televisão. O velho concordou, com ar descontente.

- É. Uma vitória incrível. Irá atrapalhar bastante a nossa causa.

Atrapalhar a nossa causa? O sujeito definitivamente era um otimista.

Com o triunfo da NASA naquela noite, o velho estaria morto e enterrado antes que a SFF pudesse atingir seus objetivos de privatização.

- Durante anos eu suspeitei de que iriam encontrar uma prova - disse o testa-de-ferro. - Não sabia quando ou como, mas era claro que cedo ou tarde teríamos certeza disso.

Sexton ficou espantado.

- Você não está surpreso?

- A matemática do cosmo requer outras formas de vida - continuou o homem, seguindo em direção ao escritório. - Não estou surpreso com essa descoberta. Intelectualmente, estou fascinado. Espiritualmente, abismado. Politicamente, profundamente preocupado. Não poderia ter acontecido num momento pior.

Sexton ainda não entendera o motivo daquela visita. Certamente não tinha sido para animá-lo.

- Como você bem sabe, as companhias que fazem parte da SFF gastaram milhões tentando abrir a fronteira do espaço para o setor privado. Recentemente, boa parte desse dinheiro foi vertido em sua campanha.

O senador ficou na defensiva.

- Eu não tinha como prever o que iria acontecer esta noite. A Casa Branca preparou uma armadilha e me fez atacar a NASA!

- É. O presidente sabe o que faz. Ainda assim, nem tudo está perdido. - Havia um estranho brilho de esperança nos olhos do velho.

Ele está esclerosado, concluiu Sexton. Era claro que estava tudo perdido. Todas as estações de TV naquele momento só falavam do fim da sua campanha.

O testa-de-ferro entrou no escritório sem esperar um convite, sentou-se no sofá e olhou para Sexton.

- Você se lembra dos problemas que a NASA teve inicialmente com o software para detecção de anomalias existente no satélite PODS?

O senador não tinha idéia de onde ele pretendia chegar com aquilo. E que diferença isso faz agora? O PODS encontrou a porcaria do meteorito com fósseis!

- Lembre-se bem - continuou o velho. - O software que foi enviado com o satélite não funcionou bem logo no início. Você fez um grande

estardalhaço a respeito na imprensa.

- É claro! - disse Sexton, sentando-se em frente ao homem. - Aquilo foi outra falha gritante da NASA!

O visitante assentiu.

- Concordo. Só que pouco depois disso a NASA deu outra coletiva anunciando que tinha encontrado uma solução, algum tipo de correção para o software.

Sexton não tinha visto aquela coletiva específica, mas ouvira dizer que havia sido curta, chata e de pouco interesse para a imprensa. O gerente do projeto PODS tinha dado uma descrição técnica tediosa sobre como a NASA conseguira resolver um pequeno problema com o software de detecção e colocara tudo para funcionar.

- Tenho prestado muita atenção no PODS desde que ele falhou - disse o homem, tirando uma fita de vídeo do casaco, andando até à TV de Sexton e colocando a fita no videocassete. - Acho que você irá gostar disto.

O vídeo começou. Mostrava a Sala de Imprensa da NASA em sua sede em Washington. Um homem bem vestido subiu ao palanque e cumprimentou os jornalistas. Embaixo de sua imagem apareceu a seguinte legenda na TV:

CHRIS HARPER, GERENTE DE PROJETO POLAR ORBITING DENSITY SCANNER SATELLITE (PODS)

Chris Harper era alto, refinado e falava com a afetação sutil de um americano descendente de europeus que fazia questão de deixar clara sua origem. Seu sotaque era erudito e polido. Estava se dirigindo à imprensa com confiança, dando-lhe más notícias sobre o PODS.

- Ainda que o satélite PODS esteja em órbita e funcionando bem, temos um problema com os computadores de bordo. Houve um pequeno erro de programação pelo qual assumo toda a responsabilidade. Especificamente a tabela de voxels do filtro FIR possui uma falha, o que significa que o software de detecção de anomalias não está funcionando bem. Estamos trabalhando para encontrar uma forma de resolver esse problema.

A audiência soltou um murmúrio de lamento, aparentemente acostumada às falhas da NASA.

- O que isso significa em relação à eficácia atual do satélite? - perguntou um repórter.

Harper respondeu profissionalmente. Impassível e confiante.

- Imaginem olhos perfeitos funcionando sem um cérebro. Basicamente o satélite está com uma visão perfeita, só que não sabe avaliar aquilo que está vendo. O propósito da missão PODS é procurar por bolsões de degelo na calota polar, mas, sem que o computador possa analisar os dados de densidade que recebe ao fazer as varreduras, o PODS não pode discernir onde estão os pontos que interessam. A situação deve ser corrigida após a próxima missão do ônibus espacial, quando serão feitos ajustes no computador de bordo.

O velho voltou-se para Sexton:

- Ele é bom para apresentar notícias ruins, não é?

- Ele é da NASA - resmungou o senador. - É só isso que eles fazem.

A fita ficou sem sinal durante um instante e, de repente, entrou a gravação de outra coletiva da agência espacial.

- Essa segunda coletiva foi dada poucas semanas depois - comentou o homem da SFF. - Bem tarde da noite, de forma que poucas pessoas assistiram às boas notícias dadas pelo doutor Harper.

O vídeo da entrevista começou. Dessa vez Chris Harper parecia desgrenhado e pouco à vontade.

- Tenho o prazer de anunciar - disse ele, com voz de quem não estava tendo o menor prazer - que a NASA encontrou uma forma de contornar o problema no software do satélite PODS.

Ele explicou, meio atabalhoadamente, qual tinha sido a alternativa encontrada: algo como redirecionar os dados diretamente do PODS para computadores na Terra, em vez de usar o computador do próprio satélite. Aparentemente todos ficaram impressionados, pois a solução parecia bem simples e trazia resultados animadores. Quando Harper terminou, recebeu aplausos entusiasmados.

- Para quando podemos esperar os primeiro dados? - perguntou um jornalista.

Harper respondeu, suando.

- Algumas semanas.

Mais aplausos. Vários repórteres levantaram as mãos para fazer perguntas adicionais.

- Isso é tudo o que posso lhes dizer no momento. - Harper começou a juntar seus papéis, visivelmente desconfortável. - O PODS está funcionando e teremos resultados em breve - concluiu, antes de sair praticamente correndo do palco.

Sexton franziu o rosto. Tinha que admitir que aquilo fora estranho.

Por que Harper estava tranqüilo ao apresentar notícias ruins e, depois, tão estranho ao falar da solução encontrada? Deveria ser o

contrário. O senador não tinha visto essa coletiva quando ela foi ao ar, mas havia lido sobre a alternativa encontrada para o software. Na época, aquilo lhe pareceu irrelevante, pois a percepção do público continuava a mesma: o PODS era mais um projeto da NASA que havia funcionado mal e estava sendo "ajeitado" de qualquer maneira usando uma solução longe do ideal.

O velho desligou a televisão.

- A NASA disse depois que o doutor Harper não estava se sentindo bem naquela noite. Eu acredito que ele estava mentindo.

Mentindo? Sexton ficou olhando para ele, sem conseguir encontrar uma razão para que Chris Harper fosse a público mentir sobre o software.

Por outro lado, o senador tinha experiência no assunto - ele já contara muitas mentiras durante sua vida e sabia reconhecer um mau mentiroso. O doutor Harper definitivamente parecia suspeito.

- Talvez você ainda não tenha entendido - prosseguiu o velho. - Essa rápida declaração que você ouviu Harper fazer é provavelmente a coletiva de imprensa mais importante da história da NASA. O "jeitinho" conveniente que ele disse ter encontrado para solucionar o problema no software foi o que permitiu que o PODS encontrasse o meteorito.

Sexton ficou intrigado. Mas se você acredita que ele estava mentindo...

- Se Harper mentiu e o software do PODS não está funcionando na prática, então como diabos a NASA pôde encontrar o meteorito?

O velho sorriu.

- Exatamente.


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