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CAPÍTULO 39
- Há flagelados aqui - disse Tolland, olhando para a água. - Não sei como isso pode ter acontecido, mas essa água contém dinoflagelados bioluminescentes.

- Contém o que bioluminescentes? - perguntou Rachel. - Me diga algo simples...

- Plâncton unicelular capaz de oxidar um catalisador luminescente chamado luciferina.

- Isso foi a versão simples?

Tolland suspirou e voltou-se para o amigo.

- Corky, alguma possibilidade de que o meteorito retirado do poço contivesse organismos vivos?

Corky começou a rir.

- Mike, não brinque!

- Não estou brincando.

- Não há a menor possibilidade! Acredite, se a NASA tivesse a mais vaga suspeita de que havia organismos extraterrestres vivos nessa rocha, você pode estar absolutamente certo de que jamais a teriam retirado em um ambiente aberto.

Tolland não ficou completamente convencido com a explicação. Havia algo misterioso ali que ainda o perturbava.

- Não posso afirmar nada sem um microscópio, mas me parece que isso é um plâncton bioluminescente do filo Pyrrophyta - disse ele. - O nome significa "planta de fogo". O oceano Ártico está cheio disso.

Corky ficou confuso.

- Então por que você está me perguntando se eles vieram do espaço?

- Porque o meteorito estava soterrado em gelo glacial, ou seja, água doce resultante de neve precipitada. A água que está neste buraco é gelo derretido que esteve congelado durante três séculos. Como essas criaturas do oceano poderiam ter ido parar aí dentro?

O argumento de Tolland deixou Corky em silêncio durante algum tempo.

Rachel estava de pé na borda do poço, tentando entender o que estava vendo. Plâncton bioluminescente no poço de extração. O que aquilo significava?

- Tem que haver uma rachadura lá embaixo em algum lugar - disse Tolland.

- É a única explicação possível. O plâncton deve ter entrado no poço através de uma fissura no gelo que permitiu à água do oceano se infiltrar aí.

Rachel não entendeu aquela última parte.

- Como assim, se infiltrar? Vindo de onde? - Ela se lembrava de sua

longa viagem no IceRover, a partir da costa. - O mar fica a quase três

quilômetros daqui.

Tanto Corky quanto Tolland olharam para Rachel com um ar condescendente.

- Na verdade - disse Corky -, o oceano está bem abaixo de nós. Essa placa de gelo está flutuando.

Rachel olhou espantada para os dois.

- Flutuando? Mas... estamos em uma geleira!

- É verdade, estamos em uma geleira - disse Tolland -, mas não em terra firme. As geleiras muitas vezes se desprendem de uma massa de terra e deslizam para o oceano. Como o gelo é mais leve do que a água, a geleira continua flutuando tranqüilamente sobre o oceano, como uma enorme balsa de gelo. Esta é exatamente a definição de uma plataforma de gelo: a seção flutuante de uma geleira. - Fez uma pausa antes de continuar. - Na verdade, no momento estamos cerca de um quilômetro e meio oceano adentro.

Rachel ficou surpresa com essa revelação e também desconfiada.

Enquanto ajustava sua imagem mental do ambiente à sua volta, a idéia de estar flutuando sobre o oceano Ártico deixou-a com medo.

Tolland percebeu seu desconforto e bateu com o pé fortemente sobre o chão para acalmá-la.

- Não se preocupe. Este gelo tem 90 metros de espessura, sendo que 60 metros estão embaixo d'água, flutuando como um cubo de gelo em um copo. Isso faz com que a plataforma seja muito estável. Você poderia até construir um arranha-céu aqui.

Rachel balançou ligeiramente a cabeça, mas não parecia estar totalmente convencida. Pelo menos, agora ela entendia a teoria de Tolland sobre as origens do plâncton. Ele acha que há uma rachadura indo até o oceano, lá no fundo, que permitiria ao plâncton subir pela fenda. Era possível, concluiu ela, mas ainda assim envolvia um paradoxo que a perturbava. Norah Mangor confirmou explicitamente a integridade da geleira e disse ter feito dezenas de testes com amostras para confirmar sua solidez.

Ela perguntou para Tolland:

- Achei que a perfeita integridade da geleira era um dos dados fundamentais para todos os registros de datação de camadas. A doutora Mangor afirmou que a geleira não possuía nenhuma rachadura ou fissura,não é?

Corky fez uma careta.

- Parece que a rainha do gelo errou feio nessa.

Não diga isso muito alto, pensou Rachel, ou você vai acabar levando um furador de gelo nas costas.

Tolland coçou o queixo enquanto observava os organismos fosforescentes.

- Não vejo nenhuma outra explicação. Tem que haver uma fissura. O peso da plataforma de gelo acima do oceano deve estar sugando água do mar rica em plâncton para dentro da rachadura.

Deve ser uma rachadura e tanto, pensou Rachel. Se o gelo tinha 90

metros e o buraco à frente deles 60, então essa fissura hipotética tinha que atravessar 30 metros de gelo sólido. Os testes de Mangor não encontraram nenhuma fissura.

- Corky, por favor, vá procurar Norah. Vamos rezar para que ela saiba algo sobre esta geleira que ainda não tenha nos contado. Encontre Ming também, talvez ele nos diga exatamente o que são essas coisas na água.

Corky saiu à procura dos outros.

- Melhor correr - gritou Tolland, olhando novamente para o buraco. - Posso jurar que a bioluminescência está desaparecendo.

Rachel olhou para dentro do poço. Realmente, o brilho verde já não estava tão intenso agora.

Michael tirou sua parca e deitou-se no gelo ao lado do poço. Rachel-olhou, confusa.

- Mike?


- Quero descobrir se há água salgada entrando.

- E pretende fazer isso se deitando no gelo sem um casaco?

- Exato.

Tolland escorregou aos poucos, apoiado na barriga, até a borda do

buraco. Segurando uma das mangas do casaco sobre a abertura, deixou a outra manga descer no poço até tocar a água.

- Este é um teste altamente preciso de salinidade usado pelos melhores oceanógrafos do planeta. Chama-se "lambendo um casaco molhado".


Do lado de fora, sobre o platô, Delta-Um brigava com os controles, tentando manter o microrrobô, danificado pelo impacto, sobre o grupo que estava reunido em torno do poço de extração. Pelo tom das conversas lá embaixo, sabia que as coisas estavam se desenrolando rapidamente.

- Chame o controlador - disse. - Temos um problema sério.



CAPÍTULO 40
Gabrielle Ashe havia participado das visitas públicas à Casa Branca várias vezes quando era jovem, sonhando secretamente que um dia iria trabalhar na mansão presidencial e tornar-se parte da equipe de elite que traçava os rumos da nação. Naquele exato momento, porém, ela teria preferido estar em qualquer outro lugar do mundo.

O agente do serviço secreto levou Gabrielle para um saguão ricamente ornamentado. Olhando em volta, ela tentava entender exatamente o que seu informante anônimo queria provar. Convidar Gabrielle a entrar na Casa Branca era loucura. E se me virem? Ela se tornara uma figurinha fácil na mídia por ser o braço-direito do senador Sexton. Certamente seria reconhecida.

- Senhorita Ashe? - disse o vigia de aparência cordial, dando-lhe um

sorriso de boas-vindas.

- Olhe para cá, por favor - apontou.

Gabrielle olhou na direção indicada e um flash foi disparado.

- Obrigado, senhora. - O sentinela a levou até uma mesa e entregou-lhe uma caneta. - Queira assinar o registro de entradas - disse ele, empurrando um pesado fichário de couro na direção dela.

Gabrielle olhou para o registro. A página estava em branco. Ela se lembrou de ter ouvido alguém dizer que todos os visitantes da Casa Branca assinavam em uma página separada, sempre em branco, para preservar seu anonimato. Ela assinou.

Bem, lá se foi o encontro secreto.

Gabrielle passou por um detector de metais e foi revistada rapidamente. O vigia sorriu.

- Aproveite a visita, senhorita Ashe.

A assessora de Sexton seguiu o agente ao longo de uns 15 metros de corredor ladrilhado até chegar a um segundo posto de segurança. Lá, outro vigia estava dando os toques finais em um crachá de visitante que tinha acabado de ser plastificado. Ele fez um buraco no passe, colocou um cordão para pendurá-lo no pescoço e colocou-o por sobre a cabeça de Gabrielle. O plástico ainda estava quente. A foto na identificação era a mesma que havia sido tirada segundos antes no hall.

Gabrielle ficou impressionada. Quem é que diz que o governo não é eficiente?

Prosseguiram, com o agente do serviço secreto levando-a cada vez mais para dentro do complexo da Casa Branca. Ela se sentia mais insegura a cada passo. Fosse lá quem fosse que lhe fizera o misterioso convite, certamente não estava nem um pouco preocupado em manter o encontro privado. Gabrielle havia recebido um passe oficial, assinado o livro de visitantes e agora estava sendo conduzida à vista de todos através

do primeiro andar da mansão presidencial, onde as visitas públicas começam.

- Este aqui é o Salão das Porcelanas - um guia estava explicando a um grupo de turistas. - Cada uma destas peças com detalhes vermelhos custa 955 dólares. Elas foram compradas por Nancy Reagan, o que gerou um longo debate sobre gastos excessivos do governo em 1981.

O agente passou com Gabrielle pelos visitantes e conduziu-a até uma enorme escadaria de mármore, por onde outro grupo de visitantes subia.

- Agora vamos entrar no Salão Leste, que tem 300 metros quadrados - narrava o guia. - Foi aqui que Abigail Adams pendurou, certa vez, a roupa lavada de John Adams. Depois iremos passar pelo Salão Vermelho, onde Dolley Madison embriagava os chefes de estado visitantes antes que entrassem para negociar com James Madison.

Os turistas riram.

Gabrielle seguiu em frente deixando a escadaria para trás e atravessando uma série de cordões e barreiras em direção a uma parte mais privada do prédio. Entraram em uma sala que, até então, ela só vira em livros e na televisão. Ela quase perdeu o fôlego.

Este é o Salão dos Mapas!

Nenhuma visita guiada entrava ali. Os painéis embutidos na parede daquela sala podiam girar para mostrar diversas camadas de mapas de todo o mundo. Foi ali que Roosevelt traçou os cursos da Segunda Guerra Mundial. Estranhamente, tinha sido também a sala na qual Clinton havia admitido seu caso com Monica Lewinsky. Gabrielle achou melhor apagar esse fato de sua mente. Mais importante do que tudo isso, o Salão dos Mapas era a passagem para a Ala Oeste, a área da Casa Branca onde os verdadeiros senhores do poder trabalhavam. Aquele era o último lugar para o qual a assistente de Sexton esperava ser levada. Havia

imaginado que seus e-mails vinham de algum ousado jovem estagiário ou de uma secretária que trabalhasse em uma das salas menos importantes do complexo. Aparentemente estava errada.

Estou entrando na Ala Oeste...

O agente do serviço secreto conduziu-a até o fim de um corredor e parou na frente de uma porta sem nenhuma identificação. Bateu. O coração de Gabrielle dava saltos.

- Está aberta - disse alguém lá de dentro.

O homem abriu a porta e fez sinal para que ela entrasse, depois fechou a porta e se afastou.

As cortinas estavam abaixadas e a sala, escurecida. Ela podia ver a silhueta de uma pessoa sentada em uma mesa na penumbra.

- Senhorita Ashe? - A voz veio de trás de uma nuvem de fumaça de

cigarro. - Seja bem-vinda.

Quando os olhos de Gabrielle se acostumaram à pouca luminosidade, ela conseguiu discernir um rosto inesperadamente familiar e ficou paralisada com a surpresa. Foi ELA quem me mandou os e-mails?

- Obrigada por ter vindo - disse Marjorie Tench com uma voz seca.

- Senhora... Tench? - Gabrielle balbuciou, a respiração suspensa diante daquela revelação.

- Pode me chamar de Marjorie - disse a pavorosa mulher, levantando-se e soltando fumaça pelo nariz, como um dragão. - Você e eu estamos

prestes a nos tornarmos grandes amigas.

CAPÍTULO 41
Norah Major estava de pé, próxima ao poço de extração, ao lado de Tolland, Rachel e Corky. Ela olhava para o buraco escuro de onde tinha saído o meteorito.

- Mike, você tem um lindo rosto, mas está maluco. Não há luminescência alguma aqui.

Tolland lamentava não ter se lembrado de filmar aquilo. Enquanto Corky tinha ido buscar Norah e Ming, a bioluminescência começara a desaparecer bem rápido. Em poucos minutos havia sumido completamente.

Tolland jogou outro pedaço de gelo no poço, mas nada aconteceu. Nenhum brilho esverdeado na água.

- Mas aonde eles foram? - perguntou Corky.

O oceanógrafo tinha uma tese. Bioluminescência - um dos mecanismos de defesa natural mais engenhosos - era uma resposta do plâncton quando estava em apuros. Ao sentir que corria o perigo de ser engolido por um organismo maior, o plâncton começava a piscar, na esperança de atrair predadores ainda maiores que afugentassem aquele que os ameaçava. Neste caso, o plâncton, tendo penetrado no poço através de uma fenda, viu-se em um ambiente composto sobretudo por água doce e gerou a bioluminescência por pânico, enquanto a água doce lentamente o matava.

- Creio que morreram - disse Tolland.

- É, foram assassinados - disse Norah, desdenhosa. - O coelhinho da Páscoa entrou aí e comeu todos eles.

Corky olhou para ela, irritado.

- Norah, também vi a luminescência.

- Isso foi antes ou depois de tomar LSD?

- Por que mentiríamos para você? - perguntou Corky.

- Sei lá. Homens mentem.

- Sim, tudo bem, mentimos a respeito de outras mulheres, mas nunca sobre plâncton bioluminescente.

Tolland suspirou.

- Norah, você certamente sabe que há plâncton vivo sob o gelo.

- Mike - respondeu ela, perdendo a paciência -, não tente ensinar o padre a rezar a missa. Para seu conhecimento, há mais de 200 espécies de diatomáceas que vivem sob as plataformas de gelo do Ártico. Quatorze espécies de nanoflagelados autotróficos, 20 flagelados heterotróficos, 40 dinoflagelados heterotróficos e muitos metazoários, incluindo poliquetas, anfípodes, copépodes, eufausiáceos e peixes. Alguma dúvida?

Tolland fechou a cara.

- Você certamente conhece bem melhor que eu a fauna do Ártico, e ambos concordamos que há uma grande abundância de vida abaixo de nós. Então por que você é tão cética a respeito de termos visto plâncton bioluminescente?

- Por um motivo simples, Mike: este poço está selado. É um ambiente fechado de água doce. Seria impossível encontrar plâncton marinho aí dentro.

- Eu senti gosto de sal na água - insistiu Tolland. - Leve, mas definitivamente presente. A água marinha de alguma forma entrou aí.

- Certo - respondeu Norah, cética. - Então vamos dizer que você tenha mesmo sentido gosto de sal. Você lambeu o punho de uma velha parca suada e depois disso concluiu que as varreduras de densidade do PODS e 15 diferentes amostras do núcleo estão incorretas.

Tolland levantou a manga molhada de sua parca como prova.

- Olha, eu não vou lamber sua maldita jaqueta. - Ela olhou para o poço. - Posso perguntar por que uma súbita multidão de suposto plâncton decidiu vir nadar aqui dentro através da suposta fenda?

- Calor? - especulou Tolland. - Muitas criaturas marinhas são atraídas pelo calor. Quando extraímos o meteorito, nós o esquentamos. O plâncton pode ter sido atraído instintivamente na direção do ambiente temporariamente mais quente do poço.

Corky concordou.

- Isso me parece lógico.

- Lógico? - Norah olhou para cima, com desdém. - Você sabe, para um físico premiado e um oceanógrafo de fama mundial, vocês dois formam uma dupla bastante obtusa. Já ocorreu a vocês que, mesmo que haja uma fissura - e eu posso garantir-lhes que não há -, é fisicamente impossível que a água do mar esteja entrando no poço? - Olhou para os dois com desdém.

- Mas, Norah... - Corky ia dizer algo, mas foi interrompido.

- Cavalheiros! Estamos acima do nível do mar, não é? - Ela bateu o pé no gelo. - Então? Esta plataforma está algumas dezenas de metros acima do mar. Vocês se lembram do grande penhasco no final da plataforma, não lembram? Estamos muito acima do nível do mar. Se houvesse uma fissura nesse poço, a água estaria saindo do poço e não entrando. O nome disso é "gravidade".

Tolland e Corky olharam um para o outro.

- Droga! - disse Corky. - Me esqueci completamente disso.

Norah apontou para o poço cheio de água.

- Talvez vocês tenham notado que o nível de água também não está mudando.

Tolland sentiu-se um idiota completo. Norah tinha toda a razão. Se houvesse uma fenda, a água estaria saindo e não entrando. Ele ficou em silêncio durante algum tempo, pensando sobre o que dizer em seguida.

- Certo - suspirou Tolland. - Aparentemente, a teoria da fissura não faz sentido. Mas vimos bioluminescência na água. A única conclusão é que este não é um ambiente fechado, no fim das contas. Eu compreendo que seus dados relativos à datação das amostras são baseados no pressuposto de que a geleira é um bloco sólido, mas...

- Pressuposto? - Norah estava ficando visivelmente irritada. - Lembre-se, Mike, de que não são só os meus dados. A NASA chegou à mesma conclusão. Todos nós confirmamos que esta geleira é sólida. Não há rachaduras.

Mike olhou para o outro lado do domo, em direção à área de imprensa.

- Não sei o que está ocorrendo, mas acho com toda a honestidade que precisamos informar o administrador e...

- Isso é uma grande besteira! - protestou Norah, indignada. – Estou afirmando que esta geleira é completamente pura. Não vou permitir que os dados que extraí das amostras sejam questionados por uma lambida na manga do casaco e um punhado de alucinações absurdas. - Ela andou até uma estação de trabalho próxima e começou a pegar alguns instrumentos.

- Vou pegar uma amostra real dessa água e provar que ela não contém nenhum plâncton de água marinha - vivo ou morto!

Rachel e os outros ficaram observando enquanto Norah usava uma pipeta estéril presa a um fio para recolher uma amostra da água do poço. Em seguida, ela colocou diversas gotas em um pequeno dispositivo que se parecia com um telescópio em miniatura. Então observou pela ocular, apontando o dispositivo em direção à luz que vinha do outro lado do domo. Pouco depois ela estava xingando, irritada.

- Não é possível! - Norah sacudiu o dispositivo e olhou novamente. - Mas que diabos! Tem que haver algo de errado com esse refratômetro.

- Água salgada? - provocou Corky.

Norah franziu o rosto.

- Parcialmente. Está indicando 3% de salinidade - o que é totalmente impossível. Esta geleira é uma pilha de neve, feita inteiramente de água doce. Não poderia haver sal algum.

Ela levou a amostra até um microscópio próximo e examinou-a. Soltou um grunhido.

- Plâncton? - foi a vez de Tolland perguntar.

- G. polyhedra - respondeu ela, agora com uma voz séria. - É um dos tipos de plâncton que nós, glaciologistas, encontramos com freqüência nos oceanos sob as plataformas de gelo. - Norah olhou para Tolland. - Estão mortos agora. Obviamente não sobreviveram durante muito tempo num ambiente com apenas 3% de água salgada.

Os quatro ficaram em silêncio diante do poço.

Rachel estava refletindo sobre quais eram exatamente as implicações daquele paradoxo em relação à descoberta como um todo. O dilema parecia ser algo pequeno quando comparado à questão maior do meteorito. Ainda assim, como analista de inteligência, ela já havia presenciado situações em que teorias inteiras haviam desmoronado por conta de problemas menores do que aquele.

- O que está acontecendo aqui? - disse uma voz grave.

Todos olharam para trás. O corpulento administrador da NASA surgiu do meio da escuridão.

- Uma pequena questão em relação à água no poço - disse Tolland. - Estamos tentando chegar a uma conclusão.

Corky falou quase feliz:

- Os dados de Norah sobre o gelo estão furados.

- Você me paga! - respondeu ela em voz baixa.

O administrador aproximou-se, olhando para eles com uma cara preocupada.

- E o que há de errado com os dados sobre o gelo? .

Tolland suspirou, ainda em dúvida, e disse:

- Encontramos 3% de água salina dentro do poço do meteorito, o que contradiz o relatório da glaciologia de que o meteorito estava completamente isolado em uma geleira totalmente formada por água doce. - Fez uma pausa. - Também encontramos plâncton.

Ekstrom parecia estar quase zangado.

- É óbvio que isso é impossível. Não há fissura nesta geleira. As varreduras do PODS confirmaram isto. O meteorito estava confinado em uma matriz sólida de gelo.

Rachel concordava com o ponto de vista de Ekstrom. De acordo com as varreduras de densidade feitas pela NASA, a plataforma de gelo era sólida. Dezenas de metros de gelo se estendendo para todos os lados em torno do meteorito. Sem rachaduras. Ainda assim, quando Rachel começou a pensar em como as varreduras de densidade eram feitas, uma idéia estranha lhe ocorreu...

- Além disso, as amostras da doutora Mangor confirmaram a integridade do gelo - Ekstrom continuou.

- Exatamente! - disse Norah, jogando o refratômetro sobre uma mesa. - Os dados foram duplamente corroborados. Não havia indicação de linhas de falha no gelo. O que não nos deixa nenhuma explicação para o sal e o plâncton.

- Eu estive pensando - disse Rachel, surpreendendo-se com a própria ousadia - e há uma outra possibilidade. - A sucessão de idéias lhe havia ocorrido a partir de uma lembrança bem peculiar.

Todos olharam para ela, obviamente céticos. Rachel sorriu.

- Há um outro raciocínio para explicar a presença de sal e plâncton. - Deu um sorrisinho malicioso para Tolland antes de acrescentar: - E francamente, Mike, estou surpresa que você não tenha pensado nisso.

CAPÍTULO 42
- Plâncton congelado na geladeira - Corky não parecia nem um pouco convencido da explicação de Rachel. - Não quero ser grosseiro, mas em geral as coisas morrem quando congelam, e o que vimos estava piscando na nossa cara, lembra-se?

- É possível, no entanto - interrompeu Tolland, olhando para Rachel com admiração -, que a teoria dela faça sentido. Há muitas espécies que entram em "animação suspensa" quando seu meio ambiente as obriga a isso. Eu fiz um episódio sobre esse fenômeno uma vez.

- Isso. Você mostrou o lúcio, um peixe que fica congelado em lagos e espera o degelo para poder nadar novamente. Também falou sobre microorganismos conhecidos como "tardígrados", que se desidratam completamente no deserto e podem permanecer assim durante décadas, voltando ao normal quando há chuva - disse Rachel.

Tolland deu uma risada.

- Então você realmente é fã do meu programa, não é?

Rachel sacudiu os ombros, um pouco envergonhada.

- O que exatamente você está querendo dizer, senhorita Sexton? - perguntou Norah.

- Ela está dizendo algo em que eu deveria ter pensado antes. Uma das espécies que mencionei nesse episódio era um tipo de plâncton que fica congelado na calota polar todo o inverno, hiberna no gelo e depois volta a nadar no verão, quando a calota se torna menos espessa. - Tolland fez uma pausa. - É verdade que a espécie que eu mostrei na TV não era a mesma que vimos, mas não deixa de ser uma possibilidade.

- Se o plâncton estivesse congelado - prosseguiu Rachel, feliz porque Michael tinha gostado de sua idéia -, isso explicaria o que descobrimos aqui. Em algum momento do passado, fissuras poderiam ter se aberto na geleira, permitindo a penetração de água marinha rica em plâncton, e depois congelado novamente. E se houvesse bolsões de água marinha congelada dentro da geleira? Especificamente, água contendo plâncton congelado? Vamos supor que, enquanto vocês estavam içando o meteorito aquecido, ele tenha passado por um desses bolsões. O gelo formado por água do mar congelada teria se dissolvido, liberando o plâncton da hibernação e resultando em uma pequena porcentagem de sal misturada à água doce.

- Ah, pelo amor de Deus! - exclamou Norah, resmungando de forma visivelmente irritada. - Agora todo mundo virou glaciologista aqui?

Corky continuava cético.

- Mas, neste caso, o PODS não teria mapeado os bolsões de gelo salinizado ao fazer suas varreduras? Afinal, o gelo salinizado e o gelo de água doce têm densidades diferentes.

- Minimamente diferentes - disse Rachel.

- Quatro por cento é uma diferença substancial - contrapôs Norah.

- Sim, em um laboratório - respondeu Rachel. - Mas o PODS faz suas medidas a uma altitude de 200 quilômetros no espaço. Seus computadores foram projetados para diferenciar coisas óbvias: gelo e neve derretida, granito e calcário. - Virou-se para o administrador. – O senhor concorda com minha suposição de que, ao medir densidades lá de cima, o PODS não possui resolução suficiente para distinguir gelo marinho de gelo de água doce?

O administrador concordou.

- Você está certa. Um diferencial de apenas 3% está abaixo do limite de tolerância do PODS. O satélite veria os dois tipos de gelo como sendo iguais.

Tolland agora estava curioso.

- Isso também explicaria o nível de água estático no poço. - Virou-se novamente para Norah e perguntou: - Você disse que a espécie de plâncton que encontrou no poço de extração se chamava...

- G. polyhedra - declarou Norah. - E sua próxima pergunta, claro, é se G. polyhedra é capaz de hibernar no gelo. Você ficará feliz em saber que sim. Com toda a certeza. A espécie é encontrada em abundância em torno de plataformas de gelo, é bioluminescente e pode hibernar dentro do gelo. Alguém tem mais alguma pergunta?

Trocaram olhares. Pelo tom de voz de Norah, obviamente havia um "porém". Mas ela parecia ter confirmado a teoria de Rachel.

- Então - arriscou Tolland - você está dizendo que isso seria possível? A teoria faz sentido?

- Claro - disse Norah. - Desde que você seja um idiota completo.

Rachel olhou para ela, furiosa.

- O que você disse?

Norah Mangor olhou fixamente para Rachel.

- Suponho que, em sua área, ter informações parciais seja perigoso, não? Pois é. A mesma coisa vale em glaciologia. - Norah desviou o olhar, examinando as outras três pessoas ao seu redor. - Permitam-me deixar algo bem claro de uma vez por todas. As concentrações de gelo salinizado que a senhorita Sexton propôs de fato ocorrem. Em minha área, são chamadas de "interstícios". Os interstícios, porém, não se formam como bolsões de água salgada, mas como vastas redes de gelo salinizado cujas ramificações têm a espessura de um fio de cabelo humano. Aquele meteorito teria que ter passado através de uma série incrivelmente densa desses interstícios para liberar uma quantidade de água salgada suficiente para criar uma mistura de 3% em um poço tão profundo.

Ekstrom ainda estava com uma cara fechada.

- Afinal, é possível ou não?

- De jeito nenhum - respondeu Norah, seca. - É completamente impossível. Eu teria me deparado com essas redes de gelo salinizado ao analisar minhas amostras.

- As amostras foram retiradas de locais escolhidos aleatoriamente, não? - perguntou Rachel. - Haveria alguma possibilidade de os locais de coleta das amostras, por mero azar, não terem esbarrado em nenhum bolsão de água marinha?

- Perfurei exatamente acima do meteorito. Depois peguei amostras de vários outros locais a poucos metros do meteorito, nos dois lados. Não daria para chegar mais perto.

- Estava só perguntando...

- Não há o que discutir - disse Norah. - Os interstícios de gelo marinho ocorrem apenas quando o gelo é sazonal - ou seja, quando ele se forma e se dissolve a cada estação. A plataforma Milne é constituída de gelo de formação rápida: gelo que se forma nas montanhas e fica lá até migrar para a zona de fragmentação e cair no mar. Por mais que a teoria do plâncton congelado seja conveniente para explicar esse fenômeno, posso lhes garantir que não há nenhuma rede de plâncton congelado escondida nesta geleira.

O grupo ficou novamente em silêncio.

Apesar de sua teoria ter sido cabalmente refutada, o método de análise sistemática de dados que Rachel sempre empregava não a deixava aceitar essa contestação. Instintivamente, ela sabia que a presença de plâncton congelado na geleira abaixo deles era a solução mais simples para aquela charada. A Lei da Parcimônia, pensou ela. Algo que seus instrutores no NRO haviam implantado bem no fundo de sua consciência.

Quando houver mais de uma explicação, a mais simples em geral é a certa.

A reputação de Norah Mangor obviamente estava em jogo, e ela tinha muito a perder se seus dados estivessem errados. Rachel estava pensando se Norah teria visto o plâncton, percebido que cometera um erro ao dizer que a geleira era um bloco maciço e agora estava tentando encobri-lo.

- Tudo o que sei - disse Rachel - é que acabo de fazer uma exposição para toda a equipe da Casa Branca afirmando que este meteorito foi descoberto em uma matriz intacta de gelo e depois selado dentro dela, ficando sem nenhum contato com o exterior desde 1716. Parece que este fato está sendo questionado agora.

O administrador da NASA ficou em silêncio, com uma expressão preocupada.

Tolland limpou a garganta.

- Tenho que concordar com Rachel. Havia água marinha e plâncton no poço. Não importa qual seja a explicação, obviamente não se trata de um ambiente inteiramente fechado. Não podemos afirmar isso. Corky estava se sentindo incomodado.

- Ei, pessoal, será que essa confusão a respeito do plâncton e da mistura com água do mar é realmente tão importante assim? Quero dizer, a perfeição do gelo em torno do meteorito não afeta em nada o meteorito em si, não é? Ainda temos os fósseis. Ninguém está questionando sua autenticidade. Se por acaso concluirmos que cometemos um erro ao analisar as amostras de gelo, ninguém vai se importar. As pessoas vão se concentrar nas provas que encontramos de que há vida em outro planeta.

Rachel foi categórica.

- Lamento dizer isso, doutor Marlinson, mas tenho que discordar do seu ponto de vista. Como profissional da área de análise de dados, posso dizer que qualquer erro mínimo nos dados que a NASA apresentar esta noite tem o potencial de gerar dúvidas sobre a credibilidade de toda a descoberta. Até mesmo sobre a autenticidade dos fósseis.

Corky olhou para ela, espantado.

- Como assim? Aqueles fósseis são irrefutáveis!

- Eu sei disso e você também. Mas, se surgirem boatos de que a NASA conscientemente apresentou dados questionáveis a respeito das amostras de gelo, acredite, o público irá começar imediatamente a pensar sobre o que mais a agência mentiu.

Norah deu um passo na direção dela, fulminando-a com o olhar.

- Meus dados sobre o gelo não estão em questão! - Virou-se para o administrador. - Posso provar, categoricamente, que não há gelo salinizado preso em lugar algum desta plataforma.

O administrador olhou para ela durante algum tempo.

- Como?


Norah explicou seu plano. Quando acabou, Rachel teve que admitir que a idéia parecia razoável. Ekstrom, porém, não estava tão seguro assim.

- E seus resultados serão definitivos?

- Você terá 100% de garantia. Se houver um maldito grama de água do mar congelada em qualquer ponto próximo ao poço do meteorito, você será capaz de vê-la. Mesmo algumas gotas isoladas aparecerão iluminadas em meus instrumentos como se fossem um outdoor de néon. O administrador concordou:

- Não temos muito tempo. A coletiva vai ao ar dentro de poucas horas.

- Estarei de volta em 20 minutos.

- Até que ponto da geleira você disse que precisará ir?

- Não muito longe. Duzentos metros devem bastar.

- E você tem certeza de que é seguro?

- Levarei foguetes sinalizadores - respondeu Norah. - E Mike irá comigo.

Tolland olhou para ela, surpreso.

-Vou?

- Mas que droga, Mike, claro que vai! Vamos estar unidos por cordas. Vou precisar de um par de braços fortes lá fora se houver uma rajada de vento.



- Mas...

- Ela está certa - disse o administrador, virando-se para Tolland. - Se ela for, alguém deve ir junto. Eu mandaria alguns de meus homens, mas, francamente, preferia manter essa história toda entre nós até concluirmos se é ou não um problema real.

Tolland não teve outra saída senão aceitar.

- Quero ir também - disse Rachel.

Norah virou-se para ela como uma cobra dando um bote.

- De jeito nenhum! Você fica!

- Pensando bem - disse o administrador -, eu me sentiria mais seguro se usássemos o grupo-padrão de quatro pessoas amarradas. Se forem em dupla e Mike escorregar, você não será capaz de segurá-lo. Quatro pessoas estarão mais seguras que duas. - Fez uma pausa, olhando para Corky. - Isso significa que o quarto neste grupo será você ou o doutor Ming. - Ekstrom olhou em volta na habisfera. - Aliás, onde está ele?

- Faz algum tempo que não o vejo - respondeu Tolland. - Talvez esteja tirando uma soneca.

Ekstrom virou-se novamente para Corky.

- Doutor Marlinson, não posso exigir que vá com eles, mas...

- Bom, fazer o quê? - disse Corky. - Já que estamos todos nos dando tão bem...

- Não! - protestou Norah. - Um grupo de quatro irá nos atrasar. Mike e eu vamos sozinhos.

- Vocês não vão sozinhos - ordenou o administrador. - Há um motivo pelo qual os grupos são sempre de quatro e vamos trabalhar da forma mais segura possível. A última coisa que quero é um acidente poucas horas antes da maior coletiva de imprensa em toda a história da NASA.


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