CAPÍTULO 43
Gabrielle Ashe sentia-se insegura e assustada, sentada ali, no ar esfumaçado do escritório de Marjorie Tench. O que esta mulher quer comigo? Do outro lado da única mesa da sala, Tench estava recostada em sua cadeira, aparentemente sentindo um certo prazer com a situação desconfortável de Gabrielle.
- A fumaça está incomodando? - perguntou Tench, pegando mais um cigarro em seu maço.
- Não - mentiu Gabrielle.
Tench já estava acendendo outro cigarro, sem se importar com a resposta.
- Você e seu candidato parecem ter se interessado bastante pela NASA durante esta campanha.
- Sim - respondeu Gabrielle, seca, sem fazer nenhum esforço para esconder sua raiva -, graças a um estímulo criativo que recebemos. Você poderia me explicar o que está havendo?
Tench fez uma cara de inocência calculada.
- Você quer saber por que eu tenho lhe enviado munição por e-mail para seus ataques à NASA?
- A informação que você me enviou prejudicou o seu presidente.
- A curto prazo, sim.
O tom de voz arrogante de Tench deixava Gabrielle nervosa.
- O que você quer dizer com isso?
- Relaxe, Gabrielle. Meus e-mails não mudaram muita coisa. O senador Sexton já estava ridicularizando a NASA muito antes que eu entrasse em cena. Eu só o ajudei a esclarecer sua mensagem. Solidificar sua posição.
- Solidificar sua posição?
- Exatamente - Tench sorriu, mostrando os dentes amarelados. - Coisa que, devo dizer, ele fez de forma muito eficaz esta tarde na CNN.
Gabrielle lembrou-se da resposta do senador à questão provocadora de Tench. Ele havia deixado claro que, se necessário, não hesitaria em abolir a agência espacial. Sexton tinha ficado imprensado contra a parede, mas saiu daquela posição difícil com determinação e firmeza.
Tinha feito a coisa certa, não tinha? Pela aparência feliz de Marjorie Tench, Gabrielle sentia que algo estava sendo ocultado.
A consultora do presidente levantou-se subitamente. Com o cigarro entre os lábios, foi até um cofre na parede, pegou um grande envelope de papel pardo, retornou à mesa e sentou-se novamente. Gabrielle ficou olhando para o envelope.
Tench sorria, acariciando o papel pardo como um jogador de pôquer com um royal straightflush nas mãos. Ficou passando um de seus dedos amarelados na ponta do envelope, fazendo um som agudo e desagradável, como se estivesse saboreando a expectativa.
Gabrielle sabia que era apenas sua consciência pesada, mas a primeira coisa que lhe veio à mente era que o envelope continha algum tipo de prova sobre sua relação sexual com o senador. Ridículo, pensou em seguida. O encontro havia ocorrido no escritório de Sexton, a portas fechadas, após o expediente. Sem falar que, se a Casa Branca tivesse alguma prova concreta, já teria exposto ao público.
Podem ter suspeitas, pensou ela, mas não têm provas.
Tench pegou outro cigarro.
- Senhorita Ashe, você provavelmente não sabe disso, mas foi parar no meio de uma batalha que está se desenrolando por trás dos panos em Washington desde 1996.
Isso não era o que Gabrielle esperava ouvir.
- O que você quer dizer?
Marjorie acendeu outro cigarro. Seus lábios finos se comprimiram em torno dele.
- O que você sabe a respeito do Space Commercialization Promotions Act?
Gabrielle nunca tinha ouvido falar naquilo. Deu de ombros, sem ter o que dizer.
- É mesmo? Mas que surpresa, considerando-se a plataforma de seu candidato. O projeto de promoção da comercialização do espaço foi proposto em 1996 pelo então senador Walker. O projeto, resumindo muito, cita a incapacidade da NASA de fazer qualquer coisa de útil desde que levou o homem à Lua. Pede que a NASA seja privatizada imediatamente, vendendo todos os seus ativos para as companhias privadas do setor aeroespacial e permitindo que o sistema de mercado aberto explore o espaço de forma mais eficiente, removendo assim o custo que a agência espacial representa hoje no orçamento e, claro, nos impostos.
Gabrielle tinha ouvido os críticos da NASA sugerirem a privatização como solução para as dificuldades da agência, mas não tinha a menor idéia de que a coisa havia chegado ao ponto de se tornar oficial.
- Esse projeto de lei - prosseguiu Tench - já foi apresentado ao Congresso quatro vezes ao todo. É bastante similar a outras leis que privatizaram, com sucesso, indústrias estratégicas, como a da produção de urânio. O Congresso aprovou o projeto nas quatro vezes em que ele foi colocado em votação. Felizmente, a Casa Branca vetou-o todas as vezes. Zach Herney já teve que vetá-lo duas vezes.
- Aonde você quer chegar?
- Simples. O senador Sexton certamente dará apoio a um projeto desse tipo, caso se torne presidente. Me parece que Sexton não teria o menor escrúpulo de vender os ativos da NASA ao setor privado na primeira oportunidade. Em outras palavras, seu candidato iria preferir apoiar a privatização a manter o financiamento governamental para a exploração do espaço.
- Até onde sei, o senador jamais comentou em público sua posição em relação a esse projeto de lei para promoção da comercialização do espaço.
- É verdade. Ainda assim, conhecendo seu pensamento político, creio que você não ficaria muito surpresa se ele o fizesse, não?
- Sistemas baseados em livre competição e regras de mercado tendem a estimular a eficiência.
- Vou entender isso como um "sim". Infelizmente, privatizar a NASA é uma idéia abominável e há um sem-número de razões pelas quais todos os ocupantes da Casa Branca vetaram essa lei desde que ela foi proposta inicialmente.
- Já ouvi os argumentos contra a privatização do espaço - respondeu Gabrielle - e entendo sua preocupação com o assunto.
- Entende mesmo? - Tench inclinou-se, chegando mais perto. - E quais foram esses argumentos que você ouviu?
Gabrielle mexeu-se, intimidada.
- Ouvi as tradicionais reclamações dos acadêmicos. Eles temem que, se privatizarmos a NASA, nossas atuais pesquisas para obter conhecimento sobre o espaço sejam rapidamente substituídas por empreitadas mais lucrativas.
- Com certeza. As ciências ligadas ao espaço iriam morrer em pouquíssimo tempo. Em vez de gastar dinheiro explorando nosso universo, as companhias aeroespaciais iriam buscar formas de minerar asteróides, construir hotéis no espaço e oferecer serviços comerciais de lançamento de satélites. Afinal, por que empresas privadas se preocupariam com o estudo das origens de nosso universo quando isso iria custar-lhes bilhões e não traria qualquer retorno financeiro?
- Provavelmente abandonariam as pesquisas, de fato. Mas certamente poderíamos criar um Fundo Nacional para as Ciências do Espaço, a fim de custear as missões acadêmicas, não?
- Ah. Já temos isso. Chama-se NASA.
Gabrielle ficou em silêncio.
- Abandonar a ciência em busca de lucros não é a questão central. Na verdade, isso é quase irrelevante quando comparado ao completo caos que iria resultar da permissão para que o setor privado atuasse livremente no espaço. Teríamos uma nova corrida do ouro, um outro "Velho Oeste", com pioneiros reivindicando posses na Lua e em asteróides, assim como o direito de proteger suas posses por meio da força. Já soube de pedidos de companhias que pretendem construir outdoors em néon para piscar anúncios no céu à noite. Também soube de pedidos para hotéis no espaço e atrações turísticas cujos planos de implementação envolvem ejetar o lixo gerado no vazio do espaço, criando depósitos de lixo em órbita. Na verdade, ontem mesmo eu li uma proposta de uma companhia que deseja transformar uma parte do espaço em um mausoléu, lançando os cadáveres em órbita. Você pode imaginar o que aconteceria com nossos satélites de comunicações, que iriam passar a colidir com caixões espaciais? Semana passada, um bilionário, presidente de uma grande corporação, esteve em meu escritório pedindo permissão para lançar uma missão a um asteróide próximo, a fim de trazê-lo para mais perto da Terra e minerá-lo, buscando metais preciosos. Eu tive que lembrar a esse cidadão que alterar a órbita de asteróides pode causar uma catástrofe planetária sem precedentes! Senhorita Ashe, pode ter certeza de que, se esse projeto for aprovado, a multidão de empreendedores nessa corrida ao espaço não será composta por cientistas. Serão investidores com vastos recursos e pouca inteligência.
- Seus argumentos são convincentes - disse Gabrielle. - E estou certa de que o senador avaliaria essas questões cuidadosamente se estivesse em posição de votar a emenda. Mas o que isso tudo tem a ver comigo?
O olhar de Tench se fixou nela através da fumaça do cigarro.
- Há muita gente querendo ganhar muito dinheiro no espaço, e o lobby político está crescendo no sentido de remover todas as restrições e abrir as comportas. O poder de veto presidencial é a única barreira que resta contra a privatização... contra a anarquia completa no espaço.
- Então devo congratular Zach Herney por ter vetado a emenda.
- Meu medo é que seu candidato não teria tantos escrúpulos se fosse eleito.
- Devo dizer, novamente, que o senador com certeza iria avaliar essas questões se estivesse na posição de decidir sobre a emenda.
Tench não parecia nada convencida.
- Você tem alguma idéia de quanto o senador vem gastando em propaganda?
A questão surgiu do nada, pegando Gabrielle desprevenida.
- Esses números são públicos - respondeu ela.
- Mais de três milhões de dólares por mês.
Gabrielle deu de ombros.
- Se é o que você diz... - O valor estava bem próximo do real.
- É uma quantia considerável para se gastar.
- Ele tem uma quantia considerável para gastar.
- Sim, acho que ele planejou bem as coisas. Ou melhor, casou-se bem. - Tench fez uma pausa para dar uma longa tragada. - Eu sinto pela morte da mulher dele, Katherine. Foi muito duro para o senador - disse, com um suspiro trágico e irônico. - Não faz muito tempo que ela morreu, não é mesmo?
- Diga o que você quer ou vou me retirar.
Tench tossiu forte e depois pegou o envelope pardo. Tirou de dentro dele um pequeno bloco de papéis grampeados e passou-os para a assessora do senador.
- São os registros financeiros de Sexton.
Gabrielle analisou os documentos, espantada. Os registros cobriam vários anos. Ainda que ela não tivesse acesso direto aos detalhes das finanças de Sexton, percebeu que os dados eram autênticos: contas de banco, cartões de crédito, empréstimos, carteira de ações, imóveis, dívidas, ganhos e perdas de capital.
- Estes dados são pessoais. Onde conseguiu isto?
- Minha fonte não importa. Contudo, se você passar algum tempo analisando os números, verá que o senador Sexton não possui a quantidade de dinheiro que tem gasto atualmente. Depois da morte de Katherine, ele desperdiçou quase toda sua herança em investimentos malsucedidos, luxos pessoais e na compra do que parecia ser uma vitória certa nas primárias. Há cerca de seis meses, seu candidato estava falido.
Gabrielle achou que aquilo era um blefe. Se Sexton estava falido, certamente não estava agindo como tal. A cada semana ele comprava blocos maiores de tempo para sua propaganda na TV.
- Seu candidato - prosseguiu Tench - está atualmente gastando quatro vezes mais do que o presidente. E ele não tem mais recursos próprios.
- Nós recebemos muitas doações.
- Sim. Algumas delas são até mesmo legais.
Gabrielle olhou para ela, irritada.
- O que você disse?
Tench inclinou-se sobre a mesa, exalando seu bafo de fumante sobre Gabrielle.
- Gabrielle Ashe, vou lhe fazer uma pergunta e sugiro que pense bem antes de responder. Sua resposta pode decidir se você irá ou não passar os próximos anos na cadeia. Você está ciente de que o senador Sexton tem recebido dinheiro ilegal para a sua campanha, enormes subornos de companhias do setor aeroespacial que têm bilhões a ganhar com a privatização da NASA?
Gabrielle olhou para ela, confusa.
- Essa alegação é absurda!
- Você está me dizendo que não sabe nada a respeito dessas atividades?
- Eu acho que saberia se o senador estivesse aceitando subornos da magnitude que você está sugerindo.
Tench deu um sorriso sarcástico.
- Gabrielle, eu sei que o senador já compartilhou muitas coisas com
você, mas ainda assim há muito sobre ele que você desconhece.
- Chega! Esta reunião está encerrada - disse a assessora, levantando-se.
- Pelo contrário - disse Tench, tirando o restante do conteúdo do
envelope e espalhando-o sobre a mesa. - A reunião está apenas começando.
CAPÍTULO 44
Dentro da sala de preparação da habisfera, Rachel estava se sentindo como um astronauta, vestindo um dos macacões Mark IX da NASA para sobrevivência em microclimas. O macacão preto com capuz de proteção, totalmente vedado, parecia uma roupa de mergulho inflada.
Era feito com duas camadas de viscoelástico e equipado com tubos ocos, através dos quais um gel denso era bombeado para manter a temperatura do corpo de seu usuário estável em ambientes quentes ou frios.
Rachel estava ajustando seu capuz apertado sobre a cabeça e viu o administrador da NASA como um sentinela silencioso na porta, claramente incomodado com a necessidade daquela pequena missão.
Norah Mangor andava de um lado para o outro, murmurando palavrões enquanto verificava o equipamento de cada um. Tolland já estava quase acabando de se vestir.
Quando Rachel terminou de fechar os zíperes, Norah pegou a válvula do lado de seu macacão e conectou-a a um tubo injetor que saía de um cilindro prateado, similar a um grande tanque de oxigênio.
- Encha bem os pulmões - disse Norah, abrindo a válvula.
Rachel ouviu um som sibilante e sentiu o gel sendo injetado dentro da veste. O tecido de viscoelástico se expandiu e o macacão se comprimiu em torno de seu corpo, pressionando a camada interna de roupas. Era como mergulhar a mão na água usando uma luva de borracha. Quando o capuz se inflou ao redor da cabeça, ele pressionou seus ouvidos, fazendo com que tudo soasse meio abafado. Estou dentro de um casulo.
- A melhor coisa dos Mark IX - disse Norah - é que são acolchoados. Você pode cair com a bunda no chão sem sentir nada.
Rachel estava certa que sim. Parecia que estava presa dentro de um colchão. Norah passou-lhe diversas ferramentas - uma piqueta de gelo, fitas tubulares e mosquetões -, prendendo-as ao cinturão de Rachel.
- Tudo isso? - perguntou Rachel, observando o equipamento. - Para
percorrer 200 metros?
Norah olhou para ela, seca, e perguntou:
- Você quer vir ou não?
Tolland deu uma olhada para Rachel e disse:
- Norah está apenas sendo precavida.
Corky conectou seu traje ao tanque de infusão e inflou-o, achando aquilo bem divertido.
- Ei, parece que estou dentro de uma camisinha gigante!
A glaciologista resmungou:
- Como se você já tivesse experimentado...
Com um sorriso amigável, Tolland sentou-se ao lado de Rachel enquanto ela vestia suas pesadas botas e crampons.
- Tem certeza de que quer vir conosco?
Nos olhos de Tolland havia uma preocupação carinhosa e aconchegante.
Rachel assentiu, esperando que o gesto confiante não tivesse deixado transparecer seu medo crescente. Duzentos metros... é logo ali.
- E você pensava que só poderia encontrar aventuras em alto-mar...
Tolland riu. Continuou a conversa enquanto ajustava seus crampons:
- Cheguei à conclusão de que gosto de água em estado líquido bem mais do que dessa coisa congelada.
- Nunca tive uma grande atração por ela, nem de um jeito, nem de outro. Eu caí em um buraco no gelo quando era garota e, desde então, fico nervosa perto de água.
Tolland lançou-lhe um olhar compreensivo.
- Sinto muito. Quando essa história acabar, você tem que ir me visitar no Goya. Vou mudar sua forma de ver a água. Prometo.
O convite pegou-a de surpresa. O Goya era o navio de pesquisas de Tolland, bem conhecido por sua presença constante em Maravilhas dos mares, assim como por sua reputação como um dos barcos mais estranhos a cruzar os oceanos. Ainda que uma visita ao Goya não fosse exatamente o programa ideal para Rachel, era um convite difícil de recusar.
- Ele está ancorado a 12 milhas da costa de Nova Jersey agora - prosseguiu Tolland, brigando com as travas de seus crampons.
- Me parece um lugar meio estranho.
- Nem tanto. A costa do Atlântico é um lugar fantástico. Estávamos nos preparando para filmar um novo documentário quando fui interrompido pelo presidente.
Rachel riu.
- E sobre o que era o documentário?
- Sphyrna mokarran e megaplumas.
Rachel fez uma cara de quem não estava entendendo nada.
- Que bom que eu perguntei.
Tolland conseguiu, finalmente, travar os crampons e olhou para ela.
- Sério, eu vou passar umas duas semanas filmando por lá. Washington não é tão longe assim da costa de Jersey. Vá me visitar quando você voltar para casa. Não há nenhum motivo para passar o resto da vida com medo da água. Minha equipe certamente irá lhe estender um tapete vermelho de boas-vindas.
A voz de Norah Mangor soou como uma trombeta.
- Então, vamos sair ou vocês preferem que eu traga velas e champanhe?
CAPÍTULO 45
Gabrielle não tinha a menor idéia de como reagir diante dos documentos que Marjorie havia espalhado na mesa à sua frente. A pilha de papéis incluía fotocópias de cartas, faxes, transcrições de conversas telefônicas, e tudo parecia corroborar a afirmação de que o senador Sexton estava mantendo um diálogo secreto com companhias privadas do setor espacial.
Tench empurrou algumas fotos granuladas, em preto e branco, na direção de Gabrielle.
- Suponho que isto também seja novidade para você.
Gabrielle olhou as fotos. A primeira delas mostrava o senador saindo de um táxi numa garagem subterrânea desconhecida. Sexton nunca anda de táxi. A segunda era uma foto tirada com uma teleobjetiva, mostrando Sexton entrando numa van branca estacionada num canto da garagem.
Aparentemente havia um homem idoso esperando por ele no carro.
- Quem é este? - perguntou Gabrielle, suspeitando que as fotos podiam ter sido forjadas.
- Alguém muito importante na SFF.
- A Space Frontier Foundation?
A SFF era como uma "entidade de classe" agregando as companhias particulares do setor espacial. Representava indústrias aeroespaciais, empreendedores, investidores... Qualquer um que tivesse interesses no espaço. Eram grandes críticos da NASA e argumentavam que o programa espacial americano se valia de práticas de mercado injustas a fim de impedir que a iniciativa privada pudesse lançar suas próprias missões ao espaço.
- A SFF - disse Tench - representa hoje mais de 100 grandes corporações, algumas das quais são empresas muito ricas que estão esperando ansiosamente que o Space Commercialization Promotions Act seja sancionado.
Gabrielle pensou a respeito. Por motivos óbvios, a SFF estava apoiando a campanha de Sexton, ainda que o senador tivesse sempre o cuidado de manter uma distância adequada devido às práticas de lobby bastante controvertidas usadas pela fundação. Recentemente, a entidade havia publicado uma crítica explosiva acusando a NASA de ser, na prática, um "monopólio ilegal", cuja capacidade de operar em constante prejuízo e ainda assim se manter funcionando representava uma competição injusta com as empresas privadas.
De acordo com a SFF, sempre que a AT&T precisava que um novo satélite de telecomunicações fosse lançado, recebia ofertas de diversas empresas do setor privado para executar o serviço pela quantia razoável de 50 milhões de dólares. Mas, antes que o negócio fosse fechado, a NASA sempre aparecia e oferecia-se para lançar o satélite por míseros 25 milhões, ainda que a operação custasse cinco vezes mais do que isso. Os advogados da SFF acusavam a agência de operar no vermelho como uma das formas de manter-se no controle do espaço. A conta restante era paga pelos impostos dos contribuintes.
- Esta foto deixa claro - disse Tench - que seu candidato tem se encontrado às escondidas com uma organização que representa empresas privadas do setor espacial. - A consultora de Zach Herney apontou então para diversos outros documentos sobre a mesa. - Temos ainda vários memorandos internos da SFF pedindo que grandes quantias sejam coletadas das empresas pertencentes ao grupo, proporcionalmente ao valor de mercado de cada uma delas, e transferidas para contas controladas por Sexton. Na prática, essas companhias privadas estão pagando para colocar o senador na Casa Branca. A conclusão natural é que ele tenha concordado em aprovar o projeto de lei de comercialização do espaço e também em privatizar a NASA se for eleito.
Gabrielle olhou para a pilha de papéis, em dúvida.
- Você quer que eu acredite que a Casa Branca possui evidências de que seu oponente está envolvido com um financiamento de campanha profundamente ilegal, mas, mesmo assim, decidiu manter tudo em segredo?
- O que você me diria, então?
- Francamente, levando em conta sua capacidade de manipular as pessoas, seria mais lógico pensar que você preparou uma armadilha para mim, reunindo documentos falsos e algumas fotos adulteradas por uma pessoa, digamos, "criativa" da Casa Branca. Algo simples de fazer com um computador e um programa de manipulação de imagens.
- É uma possibilidade, devo admitir. Pena que não seja verdade.
- Não? Então como você teve acesso a toda essa documentação interna das corporações? Os recursos necessários para roubar todas as provas que estão nesta mesa estão além até mesmo da Casa Branca.
- Você está certa neste ponto. Todas essas informações chegaram aqui como um presente inesperado.
Gabrielle ficou em silêncio, surpresa com a resposta.
- Pois é - prosseguiu Tench -, recebemos muitas coisas desse tipo. O presidente possui muitos aliados políticos poderosos que desejam que ele seja reeleito. Lembre-se, também, de que seu candidato tem proposto cortes em diversos orçamentos, muitos dos quais afetam diretamente setores do governo sediados em Washington. O senador Sexton nunca teve qualquer pudor em citar o orçamento inchado do FBI como um exemplo dos excessos do governo. Creio que ele andou atacando a Receita Federal também. Talvez alguém de alguma dessas áreas tenha ficado um pouco magoado com ele.
Gabrielle percebeu aonde ela queria chegar. Funcionários do FBI e da Receita não teriam a menor dificuldade em obter aquelas informações. Poderiam, então, enviá-las à Casa Branca como um favor discreto para auxiliar a reeleição do presidente. Mas o que Gabrielle não podia acreditar era que o senador Sexton estivesse envolvido em financiamentos ilegais para sua campanha.
- Se os seus dados estão mesmo corretos - respondeu ela, em tom de desafio -, e eu duvido muito que estejam, por que vocês simplesmente não divulgam isso tudo?
- O que você acha?
- Porque obtiveram todos os dados ilegalmente.
- A forma como foram obtidos não faz a menor diferença.
- Mas claro que faz! Seriam inadmissíveis como provas em um inquérito.
- Inquérito? Quem falou em inquérito? Nós simplesmente deixaríamos isso vazar para a imprensa, que publicaria a história como sendo procedente de "fontes anônimas", incluindo as fotos e a documentação. Sexton passaria a ser culpado até provar sua inocência. Sua forte posição anti-NASA subitamente se tornaria uma evidência clara de que vinha aceitando subornos.
Gabrielle não tinha o que responder.
- Está bem - disse ela, sem se deixar intimidar. - É sua vez, então, de me dizer por que vocês não deixaram vazar a informação.
- Simples: porque é publicidade negativa. O presidente prometeu não usar publicidade negativa na campanha, e ele vai se manter fiel a esse princípio enquanto for possível.
- Ah, deixa disso! Não venha me dizer que o presidente é tão "certinho" a ponto de não querer revelar essas informações porque seriam vistas como publicidade negativa!
- A questão é que seria negativo para o país. Há dezenas de empresas privadas envolvidas, muitas das quais são gerenciadas por pessoas honestas. Um escândalo assim denigre a imagem do Senado norte-americano, além de ser ruim para o moral do país. Políticos desonestos afetam negativamente toda a classe política, e os americanos precisam confiar em seus líderes. Revelar as informações iria desencadear uma investigação muito dura e provavelmente levaria à cadeia um senador, além de vários executivos importantes do setor aeroespacial.
O raciocínio tinha uma certa lógica, mas ainda assim Gabrielle duvidava que as acusações fossem verdadeiras.
- E o que isso tem a ver comigo?
- Colocando a coisa toda de forma bem simples, senhorita Ashe, se esses documentos vierem a público, seu candidato será indiciado pelo financiamento ilegal de sua campanha, terá seu mandato cassado e, muito provavelmente, terminará na cadeia. - Tench fez uma pausa. - A menos, é claro...
Gabrielle viu um brilho traiçoeiro no olhar da consultora.
- A menos quê...
Marjorie deu uma longa tragada em seu cigarro.
- A menos que você nos ajude a resolver as coisas de outra maneira.
Um silêncio pesado envolveu a sala. Tench tossiu.
- Gabrielle, preste atenção. Há três razões pelas quais decidi compartilhar essas informações desagradáveis com você. A primeira foi para lhe mostrar que Zach Herney é um homem decente, que coloca o bem-estar do governo acima de seus ganhos pessoais. A segunda foi para lhe informar que seu candidato não é tão confiável quanto você poderia estar pensando. E, por último, para convencê-la a aceitar a proposta que tenho a lhe fazer.
- Que é...?
- Gostaria de lhe dar uma chance de agir da forma correta. Da forma patriótica. Quer perceba ou não, você está numa posição única, que lhe permite evitar diversos escândalos desagradáveis aqui em Washington. Se puder fazer o que vou lhe pedir, talvez até consiga um lugar na equipe do presidente.
Um lugar na equipe do presidente? Ela está brincando.
- Senhora Tench, seja lá o que for que tem em mente, não gosto de ser chantageada, ameaçada ou coagida. Trabalho na campanha do senador porque acredito em seus princípios políticos. E, se isso que você está me mostrando é uma indicação clara de como Zach Herney costuma conduzir suas negociações políticas, não tenho o menor interesse em me associar a ele! Se você tem algo contra o senador Sexton, eu sugiro que deixe vazar para a imprensa. Sinceramente, acredito que tudo não passa de uma grande armação.
Tench soltou um suspiro pesaroso.
- Gabrielle, o financiamento ilegal de seu candidato é um fato. Lamento, pois sei que você confia nele. - Ela baixou o tom de voz. - Olhe, deixe-me simplificar isso. O presidente e eu levaremos a questão do financiamento a público se formos obrigados a tal, mas vai ser um escândalo de grandes proporções, envolvendo diversas empresas que estão agindo ilegalmente. Muitas pessoas inocentes terão que pagar por isso. - Tragou novamente seu cigarro e soprou a fumaça. - O que eu e o presidente estamos tentando é... encontrar uma outra maneira de desacreditar a ética do senador. Uma solução mais... contida, digamos. Algo que não cause problemas para os inocentes. - Ela apagou o cigarro e cruzou os braços. - De forma bem direta, gostaríamos que você admitisse publicamente que teve um caso com o senador.
Gabrielle congelou. Tench parecia absolutamente segura do que dizia.
Impossível. Gabrielle sabia que era impossível. Não havia provas. Só tinham feito sexo uma vez, atrás das portas trancadas do escritório do senador. Ela não tem provas. Está blefando. Gabrielle lutou para manter um tom firme na voz.
- Você presume muitas coisas, senhora Tench.
- É? Em relação ao seu caso com Sexton? Ou quanto a abandonar seu candidato?
- Ambos.
Tench deu um sorrisinho irônico e levantou-se.
- Bem, acho que é melhor esclarecermos pelo menos uma dessas hipóteses agora, não é? - Andou novamente até o cofre na parede e retornou com um envelope vermelho. Trazia impresso o selo da Casa Branca. Ela abriu o fecho, virou o envelope e deixou o conteúdo cair sobre a mesa, na frente de Gabrielle.
Dúzias de fotos coloridas se espalharam pela mesa, e Gabrielle viu toda a sua breve carreira indo por água abaixo na frente de seus olhos.
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