CAPÍTULO 100
O Dolphin da Guarda Costeira ainda estava a três quilômetros das coordenadas do Goya, voando a três mil pés, quando Tolland gritou para o piloto:
- Este helicóptero tem sistema NightSight?
- Claro, é uma unidade de resgate - respondeu o piloto.
Era o que Tolland havia imaginado. Desenvolvido pela Raytheon, o NightSight é um sistema de visualização térmica do mar capaz de localizar sobreviventes de um naufrágio no escuro. O calor que se desprende da cabeça de uma pessoa na água aparece como um ponto vermelho contra o fundo preto do oceano.
- Ligue-o - pediu Tolland.
O piloto não entendeu bem o que ele queria.
- Por quê? Estamos tentando localizar alguém?
- Não, mas há algo que gostaria que vocês vissem.
- Não vamos conseguir enxergar nada no visor térmico a esta altitude, a menos que haja uma mancha de óleo pegando fogo.
- Por favor, ligue-o - insistiu Tolland.
O piloto olhou desconfiado para o apresentador e depois ajustou alguns controles, orientando o captador térmico na parte de baixo do helicóptero para varrer uma faixa do oceano cinco quilômetros à frente deles. Uma tela de LCD se iluminou no painel exibindo uma imagem incrível.
- Mas que diabos! - O helicóptero balançou ligeiramente por conta da
surpresa do piloto, que se recuperou logo em seguida e continuou olhando para a tela.
Rachel e Corky inclinaram-se para a frente, igualmente surpresos com o que estavam vendo.
O fundo negro do oceano estava iluminado por uma enorme espiral em movimento de uma cor vermelha pulsante.
Rachel virou-se para Tolland, preocupada.
- Parece um ciclone.
- De fato é - respondeu Tolland. - Um ciclone de correntes quentes.
Tem cerca de uma milha de diâmetro.
O piloto deu uma risadinha, espantado.
- Este é um dos grandes. Já vi alguns outros por aí, mas ainda não tinha ouvido falar deste em particular.
- Veio à tona semana passada e provavelmente não vai durar mais do que alguns dias - explicou o oceanógrafo.
- Qual é a causa? - perguntou Rachel, perplexa com o enorme vórtice de água em movimento no meio do oceano.
- Uma bolha de magma no oceano - respondeu o piloto.
Rachel virou-se para Tolland, nervosa.
- Um vulcão?
- Não. Em geral não há vulcões ativos na costa leste, mas ocasionalmente aparecem alguns bolsões de magma que se abrem no fundo do oceano, fazendo com que a temperatura se eleve em determinados locais. Esses pontos quentes criam um gradiente reverso de temperatura, ou seja, a água fica quente no fundo e fria na superfície. O resultado são essas gigantescas correntes em espiral. São chamadas de megaplumas. Elas giram durante algumas semanas e depois se dissipam.
O piloto olhou para a espiral que pulsava em sua tela.
- Parece que esta corrente está em plena atividade. - Fez uma pausa, consultou as coordenadas do navio de Tolland e olhou para ele, surpreso. - Senhor Tolland, parece que seu barco está estacionado perto do meio dela.
Ele assentiu.
- As correntes são mais fracas perto do olho do ciclone. Dezoito nós. É como estar ancorado num rio de correntezas rápidas. Nossa âncora trabalhou bastante esta semana.
- Nossa! - disse o piloto. - Correntes de 18 nós? Melhor ninguém cair na água! - disse ele, rindo.
Rachel não estava achando a menor graça.
- Mike, você não me falou de megaplumas, bolhas de magma e toda essa história de correntes quentes.
Ele colocou a mão sobre o joelho dela, com um gesto tranqüilizador.
- É completamente seguro, pode confiar em mim.
Rachel franziu a testa.
- Então o documentário que você estava fazendo por aqui era sobre esse fenômeno da bolha de magma?
- Megaplumas e Sphyrna mokarran.
- Claro. Você falou disso mais cedo... Como pude me esquecer?
Tolland deu um sorriso envergonhado.
- Os Sphyrna mokarran amam a água quente e, neste momento, todos os indivíduos dessa espécie que se encontram num raio de 100 milhas à nossa volta estão se reunindo neste círculo quente de uma milha no oceano.
- Ótimo - Rachel disse, sacudindo a cabeça com um certo desespero. - Mas, se não for pedir muito, você poderia me dizer o que é um Sphyrna mokarran?
- Um dos peixes mais feios do mar.
- Linguado?
Tolland riu.
- Não. Grandes tubarões-martelo.
Rachel ficou dura da cabeça aos pés.
- Há tubarões-martelo em volta de seu navio?
- Relaxe, não são perigosos - disse Tolland, com uma piscadela.
- Você não estaria me dizendo isso se eles não fossem perigosos.
Tolland deu uma risada gostosa.
- Acho que você está certa. - Chamou o piloto num tom brincalhão e perguntou: - Ei, qual foi a última vez que vocês salvaram alguém de um ataque de tubarão-martelo?
O piloto deu de ombros.
- Puxa. Acho que faz décadas que não salvamos ninguém de um tubarão martelo.
- Viu? Décadas! Não há com o que se preocupar - disse Tolland para Rachel.
- No mês passado, por exemplo - acrescentou o piloto -, tivemos um
ataque porque um mergulhador estava...
- Ei, espere aí! - disse Rachel. - Você acabou de dizer que não salva ninguém há décadas!
- Isso mesmo - respondeu o piloto -, eu disse que não salvamos ninguém. Sempre chegamos tarde demais. Aqueles safados matam muito rápido.
CAPÍTULO 101
Do helicóptero já era possível ver a silhueta do Goya crescendo no horizonte. A cerca de um quilômetro, Tolland podia distinguir as fortes luzes do convés que Xavia havia sabiamente deixado acesas.
Sentiu-se como um viajante cansado chegando em casa.
- Eu achei que você tinha dito que só havia uma pessoa a bordo - disse
Rachel, surpresa ao ver tantas luzes.
- Você não acende a luz quando está sozinha em casa?
- Só uma, não a casa inteira.
Tolland sorriu. Apesar de Rachel tentar parecer despreocupada, ele podia sentir que ela estava extremamente apreensiva. Michael queria abraçá-la e reconfortá-la, mas sabia que não havia nada que pudesse dizer para ajudar. - As luzes ficam acesas por segurança. Elas fazem com que o barco pareça estar em plena atividade.
- Com medo de piratas, Mike? - perguntou Corky, rindo.
- Não, o maior perigo, na verdade, são os idiotas que não sabem interpretar o que vêem no radar. A melhor defesa contra uma colisão é fazer com que todos possam avistar seu barco.
Corky apertou os olhos para enxergar melhor o barco.
- Ver o barco? Aquilo lá parece uma festa de réveillon num cruzeiro. Obviamente a NBC tem pago sua conta de eletricidade.
O helicóptero da Guarda Costeira reduziu a velocidade e voou em torno da embarcação, manobrando em direção ao heliponto que ficava na popa.
Mesmo lá de cima, Tolland podia ver a forte corrente puxando o navio.
Ancorado pela proa, o Goya estava a favor da corrente, tensionando sua enorme amarra como se fosse uma besta aprisionada.
- É realmente lindo - disse o piloto, rindo.
Tolland sabia que o comentário era sarcástico. O Goya era feio. "Esquisitão", segundo o comentário de um jornalista. Com casco duplo e pequena área de contato com a água, ele tinha todas as vantagens de ser uma das 17 embarcações do tipo SWATH (Small Waterplane Área Twin-Hull), mas certamente a beleza não era uma delas.
O barco era, essencialmente, uma grande plataforma horizontal flutuando cerca de nove metros acima do oceano, apoiado em quatro enormes suportes que, por sua vez, terminavam em flutuadores. Olhando de longe, parecia uma plataforma de petróleo bem baixa. De perto, se assemelhava a um catamarã suspenso. Os alojamentos da tripulação, os laboratórios de pesquisa e a ponte de comando ficavam localizados numa série de estruturas na parte superior, dando a impressão de que o barco era uma gigantesca mesa de café flutuante sobre a qual haviam sido empilhados diversos andares.
Apesar de sua aparência meio "quadrada", o projeto do Goya proporcionava maior estabilidade porque a área de contato com a água era bem menor do que na maioria dos barcos. A plataforma suspensa permitia melhores filmagens, facilitava o trabalho nos laboratórios e provocava menos enjôo nos cientistas. Mesmo assim, a NBC vinha pressionando Tolland a trocar seu navio por um mais moderno, o que ele se recusava a fazer. É verdade que havia embarcações melhores atualmente e até mesmo mais estáveis, porém o Goya tinha sido seu lar durante os últimos 10 anos. A bordo dele, Mike lutara para recolocar sua vida em ordem após a morte de Célia. Havia noites em que ainda podia ouvir a voz dela no convés, sussurrando no vento. Quando os fantasmas partissem, ele pensaria em outro barco.
Ainda não era a hora.
Quando o helicóptero pousou na popa do Goya, Rachel Sexton se sentiu apenas ligeiramente aliviada. A boa notícia era que não estava mais voando sobre o oceano. A má era que agora estava de pé sobre ele. Ao descer do helicóptero, tentou se desligar do tremor em suas pernas e olhou em volta.
O convés era incrivelmente atulhado, sobretudo com o helicóptero pousado ali. Olhando em direção à proa, Rachel examinou a peculiar estrutura de andares sobrepostos que constituía o grosso da embarcação.
Tolland aproximou-se e ficou ao lado dela.
- Eu sei - ele disse, falando alto para se fazer ouvir em meio ao forte barulho da corrente. - Parece maior na televisão, não?
Rachel concordou.
- Mais estável também.
- Este é um dos navios mais seguros do oceano. Eu juro. - Mike colocou sua mão sobre o ombro de Rachel e conduziu-a pelo convés.
Seu toque caloroso era mais tranqüilizador do que qualquer palavra. Ainda assim, quando ela olhou para a popa do navio e viu a corrente turva espumando atrás deles, como se estivessem a pleno vapor, sentiu um arrepio. Estamos sobre uma megapluma...
No centro da seção principal do convés de popa, Rachel viu o pequeno e familiar submersível Triton, suspenso em um grande guincho. O Triton - uma referência ao deus grego dos mares - não se assemelhava em nada ao seu predecessor feito de aço, o Alvin.
Tinha um domo acrílico na parte frontal, fazendo com que parecesse mais um aquário do que um submarino. Rachel não conseguia pensar em muitas coisas mais assustadoras do que submergir centenas de pés no oceano não tendo nada entre ela e o mar a não ser uma lâmina de acrílico transparente. É claro que, de acordo com Tolland, a única parte desagradável de andar no Triton era ser lentamente abaixado pelo guincho através de uma abertura no convés do Goya, pendurado como um pêndulo a nove metros da água.
- Creio que Xavia está no laboratório - disse Tolland, andando pelo convés. - Vamos por aqui.
Rachel e Corky seguiram Tolland. O piloto da Guarda Costeira ficou no helicóptero, com ordens estritas para não usar o rádio.
- Dêem uma olhada nisso - disse Michael, parando rapidamente na grade da popa do navio.
Hesitante, Rachel aproximou-se. Estavam bem alto sobre o mar, mas, ainda assim, era possível sentir um vento quente vindo da água, nove metros abaixo deles.
- Está quase na mesma temperatura de um banho morno - continuou Tolland. - Vejam só. - Ele acionou um interruptor na grade.
Um grande arco de luz se espalhou pela água atrás do navio,
iluminando-a por dentro como uma piscina acesa à noite. Rachel e Corky engoliram em seco ao mesmo tempo.
A água em torno do navio estava cheia de sombras fantasmagóricas.
Poucos metros abaixo da superfície iluminada, um exército de formas escuras e esguias nadava em paralelo contra a corrente, com suas inconfundíveis cabeças em formato de martelo balançando de um lado para o outro, como se estivessem acompanhando algum ritmo pré-histórico.
- Meu Deus, Mike - gaguejou Corky. - Que bom que você nos mostrou essa coisa linda.
Rachel ficou paralisada com aquela visão. Queria sair correndo dali, mas não conseguia se mover.
- Eles são incríveis, não? - disse Tolland, passando o braço pelos ombros dela. - Vão ficar circulando nessa área quente durante semanas. Esses caras têm o melhor olfato dos mares, possuem lobos olfativos telencefálicos superdesenvolvidos. Podem sentir o cheiro de sangue a uma milha de distância.
Corky ficou olhando para ele, desconfiado.
- Lobos olfativos telencefálicos superdesenvolvidos?
- O que, não está acreditando? - Tolland começou a remexer numa caixa de alumínio próxima ao local onde estavam. Pouco depois, tirou de dentro um peixe pequeno e morto. - Perfeito. - Pegou uma faca lá dentro e fez alguns talhos no peixe, que começou a pingar sangue.
- Mike, pelo amor de Deus - disse Corky. - Isso é nojento.
O oceanógrafo jogou o peixe ensangüentado no mar. Assim que bateu na água, seis ou sete tubarões arremessaram-se em sua direção, numa disputa feroz, suas fileiras de dentes brancos arrancando pedaços do peixe sangrento. Em poucos instantes não havia mais nada.
Horrorizada, Rachel virou-se para Tolland, que já estava com outro peixe nas mãos. Mesmo tipo, mesmo tamanho.
- Olhem, desta vez não haverá sangue - disse, jogando o peixe na água sem cortá-lo. O peixe bateu na superfície, mas nada aconteceu. Os tubarões pareceram nem notar. A isca foi levada pela corrente, sem despertar nenhum interesse.
- Eles atacam apenas por conta do cheiro - disse Tolland, levando-os para longe da grade. - Vocês poderiam até nadar aí em total segurança, contanto que não tivessem nenhuma ferida aberta.
Corky apontou para os pontos em seu rosto. Tolland franziu o rosto.
- Tudo bem. Você, não!
CAPÍTULO 102
O táxi de Gabrielle estava preso no engarrafamento perto do Memorial de Roosevelt.
Olhando para os carros de bombeiros ao longe, ela tinha a impressão de que uma bruma surreal baixara sobre a cidade. As reportagens que chegavam pelo rádio diziam que um funcionário de alta patente do governo podia estar dentro do carro que havia explodido.
Gabrielle pegou o celular e ligou para o senador. Ele com certeza já
devia estar preocupado com a demora dela.
A linha estava ocupada.
Ela olhou para o taxímetro correndo e pensou no que fazer. Alguns dos outros carros que estavam presos no trânsito começaram a subir pelas calçadas para dar a volta, em busca de um caminho alternativo.
O motorista olhou para ela.
- Quer esperar? É você quem está pagando.
Gabrielle viu que havia mais veículos de emergência e da polícia chegando ao local.
- Não, é melhor darmos a volta.
O motorista resmungou que estava tudo bem e começou a manobrar o carro para sair dali. Ela tentou ligar para Sexton de novo.
Continuava ocupado.
Alguns minutos depois, tendo feito uma grande volta, o táxi estava subindo a Rua C. Gabrielle viu o edifício de gabinetes do Senado se aproximando. Pensara em ir diretamente para o apartamento do senador, mas já que seu escritório estava tão próximo...
- Pode parar ali na frente - pediu ao motorista. - Aí mesmo. Obrigada.
O táxi parou. Gabrielle pagou a corrida e acrescentou 10 dólares.
- Você pode me esperar 10 minutos?
O motorista olhou para o dinheiro, depois para o relógio.
- O.k., mas nem um minuto a mais.
Gabrielle se apressou. Estarei fora daqui antes disso.
Os corredores de mármore desertos pareciam quase um cemitério àquela hora. Os músculos de Gabrielle estavam tensos ao passar rapidamente pela fileira de estátuas austeras alinhadas no corredor de acesso do terceiro andar. Aqueles olhos de pedra pareciam vigiá-la, como sentinelas.
Ao chegar à porta principal do conjunto de cinco salas que compunham o gabinete do senador Sexton, Gabrielle usou seu cartão magnético para entrar. Havia um abajur aceso na recepção que iluminava suavemente o ambiente. Atravessando a sala de espera, andou até seu escritório.
Entrou, acendeu as luzes fluorescentes e foi direto para os arquivos.
Ela tinha uma pasta inteira sobre o Sistema de Observação da Terra da NASA, incluindo várias informações sobre o PODS. Sexton certamente iria querer todos os dados disponíveis sobre o projeto assim que ela lhe contasse sobre Harper.
A NASA mentiu sobre o PODS.
Enquanto procurava em seus arquivos, seu telefone celular tocou.
- Senador? - falou, sem checar o número no visor do seu aparelho.
- Não, Gabi, é Yolanda. - A voz de sua amiga estava ligeiramente diferente.
- Você ainda está na NASA?
- Não, estou no escritório.
- Descobriu algo por lá?
Você não imagina o quê. Gabrielle, no entanto, sabia que não podia dizer nada a Yolanda enquanto não tivesse falado com o senador. Ele certamente teria idéias muito específicas sobre a melhor maneira de lidar com aquela informação.
- Eu lhe conto tudo depois que tiver conversado com Sexton. Estou indo para o apartamento dele agora.
Yolanda ficou em silêncio.
- Gabi, sabe aquelas coisas que você me contou sobre o financiamento da campanha de Sexton e a SFF?
- Ah, mas eu lhe disse que estava errada e que...
- Bom, eu acabei de descobrir que dois de nossos repórteres que fazem a cobertura da indústria aeroespacial estão trabalhando numa história bem parecida.
Gabrielle ficou surpresa.
- E o que isso quer dizer?
- Não sei. Mas esses caras são bons e parecem estar convencidos de que Sexton está recebendo algum dinheiro por trás dos panos do pessoal da SFF. Achei que era melhor avisá-la. Eu sei que lhe disse, mais cedo, que a idéia toda era maluca. Marjorie Tench me pareceu uma péssima fonte neste caso, mas nosso pessoal... Não sei, acho que você deveria falar com eles antes de se encontrar com o senador.
- Se os repórteres estão tão convencidos disso, por que não divulgam a informação? - questionou Gabrielle, mais na defensiva do que teria desejado.
- Eles não têm provas. O senador conseguiu cobrir seus rastros de forma muito eficaz. Algo que quase todos os políticos sabem fazer.
- Acho que não tem nada aí, Yolanda. Eu lhe falei que o senador admitiu estar recebendo doações da SFF, mas todas elas dentro do limite permitido.
- É, eu sei que foi isso que ele lhe disse, Gabi, e não estou afirmando que sei qual a verdade nisso tudo. Só me senti na obrigação de lhe contar o que estava acontecendo porque falei que Marjorie Tench não era uma fonte confiável, mas acabo de descobrir que há outras pessoas que também acham que o senador pode estar na folha de pagamentos da SFF. Só isso.
- Quem são esses repórteres? - Gabrielle sentiu uma raiva enorme tomando conta dela.
- Sem nomes. Posso providenciar uma reunião. São espertos e conhecem a fundo as leis de financiamento de campanhas... - Yolanda parou, hesitando.
- Sabe, eles realmente acham que o senador está desesperado por dinheiro. Talvez até mesmo falido.
No silêncio de seu escritório, Gabrielle podia ouvir as acusações
ácidas de Tench ecoando. Depois da morte de Katherine, ele desperdiçou quase toda a sua herança em investimentos malsucedidos, luxos pessoais e na compra ao que parecia ser uma vitória certa nas primárias. Há cerca de seis meses, seu candidato estava falido.
- Nossos rapazes adorariam conversar com você - disse Yolanda.
Aposto que sim, pensou ela.
- Eu te ligo depois.
- Você parece irritada.
- Nunca com você, Yolanda. Nunca com você. Obrigada.
Desligou.
O segurança adormecera numa cadeira no hall, do lado de fora do
apartamento do senador Sexton. Levou um susto ao ser acordado pelo toque de seu celular. Ajeitando-se melhor, esfregou os olhos e pegou o telefone no bolso do blazer.
-Alô?
- Owen, aqui é Gabrielle.
O segurança reconheceu a voz dela.
- Ah, oi.
- Preciso falar com o senador. Você poderia bater na porta dele para mim, por favor? Não estou conseguindo falar por telefone. A linha está ocupada o tempo todo.
- Já está bem tarde.
- Ele está acordado, eu tenho certeza. - Gabrielle parecia ansiosa. - É uma emergência.
- Outra?
- Não, a mesma. Passe o telefone para ele, Owen. Eu tenho uma pergunta importante a fazer.
O segurança suspirou e levantou-se.
- Tudo bem. - Esticou o corpo e caminhou até a porta do senador. - Mas só vou fazer isso porque ele ficou feliz por eu ter deixado você
entrar hoje mais cedo. - Um pouco relutante, fechou a mão para bater
na porta.
- O que você disse? - perguntou Gabrielle.
O segurança parou, punho levantado no ar.
- Disse que o senador ficou feliz por eu ter deixado você entrar mais cedo. Você estava certa, não havia problema nenhum.
- Você e o senador falaram sobre isso? - Gabrielle ficou surpresa.
- É. Por quê?
- Não, é só que eu não achei que...
- Bom, na verdade foi meio estranho. O senador levou um tempinho para se lembrar de sua visita. Acho que ele e os outros caras andaram bebendo.
- Quando você falou com ele, Owen?
- Ah, logo depois que você saiu. Tem alguma coisa errada?
Silêncio na linha.
- Não... não, nada. Olhe, estava aqui pensando... é melhor não incomodarmos o senador agora, sabe? Vou continuar tentando falar com ele por telefone e, se não conseguir, volto a procurá-lo e peço para bater na porta.
O guarda-costas olhou para o alto, com uma expressão de impaciência.
- Como quiser, senhorita Ashe.
- Obrigada, Owen. Desculpe incomodar.
- Sem problemas. - Ele desligou, se jogou de volta em sua cadeira e
voltou a dormir.
Sozinha em sua sala, Gabrielle ficou parada durante algum tempo antes de desligar o telefone. Sexton sabe que estive lá... e não me disse nada?
Aquela noite estava ficando cada vez mais estranha. Gabrielle repassou mentalmente a chamada do senador para seu celular quando ela estava nos estúdios da ABC. Ele a surpreendera com sua admissão espontânea de que estava se encontrando com companhias do setor aeroespacial e recebendo dinheiro delas. Sua honestidade havia feito com que Gabrielle voltasse a confiar em Sexton e ficasse até mesmo envergonhada por ter pensado mal dele. Agora sua confissão parecia bem menos nobre.
As doações estão abaixo do limite permitido, Sexton dissera. Tudo perfeitamente legal.
Subitamente todos as dúvidas de Gabrielle a respeito do senador vieram à tona de uma só vez.
Do lado de fora, o táxi estava buzinando.
CAPÍTULO 103
A ponte de comando do Goya era um cubo de plexiglas que ficava dois níveis acima do convés principal. Dali, Rachel tinha um panorama de.360° do mar escuro que os cercava, uma visão aterradora que tentou afastar de sua mente para concentrar-se nos problemas imediatos.
Tolland e Corky tinham saído à procura de Xavia, e ela ficou na ponte para contatar Pickering. Rachel prometera ao diretor que ligaria quando chegasse e estava curiosa para saber o que ele havia descoberto em seu encontro com Marjorie.
O sistema de comunicações digitais do Goya, um Shincom 2100, era um equipamento que ela conhecia bem. Sabia que, se não passasse muito tempo na linha, sua comunicação dificilmente seria detectada.
Ligou para o número pessoal de Pickering e esperou, segurando o fone do Shincom no ouvido. Achou que o diretor fosse atender ao primeiro toque, mas a linha estava apenas chamando.
Seis toques. Sete. Oito...
Rachel olhou para o oceano lá fora. O fato de não estar conseguindo alcançar o diretor não melhorava em nada sua apreensão por estar no mar.
Nove toques. Dez. Atenda!
Ela andou de um lado para o outro, ansiosa. O que está acontecendo?
Pickering levava seu telefone com ele o tempo todo e havia dito expressamente a Rachel que ligasse para ele.
Após 15 toques, ela desligou.
Com uma preocupação crescente, pegou novamente o fone do Shincom e ligou outra vez.
Quatro toques. Cinco toques.
Onde ele foi parar?
Finalmente ouviu um clique, indicando que a conexão tinha sido feita.
Rachel sentiu um grande alívio, mas durou pouco. Não havia ninguém na linha. Só silêncio.
- Alô? - perguntou. - Diretor?
Três cliques rápidos.
- Alô?
Uma forte estática surgiu na linha, soando bem alto no ouvido de Rachel e fazendo-a afastar o fone. A estática parou de repente e ela aproximou novamente o fone. Ouviu uma série de tons oscilando rapidamente, pulsando em intervalos de meio segundo. Sua confusão foi substituída por compreensão. E depois por medo.
- Merda!
Virando-se para trás, na direção dos controles da ponte, socou o fone de volta em seu gancho, terminando a conexão. Ficou alguns minutos olhando para o aparelho, aterrorizada, tentando calcular se havia desligado a tempo.
No meio da embarcação, dois deques abaixo, estava o laboratório do Goya. Era uma grande área dividida por longas bancadas e algumas estações de trabalho entupidas de equipamento eletrônico: varredores de fundo, medidores de corrente, bancadas para análise, fluxos laminares, um enorme freezer para preservar espécimes, diversos computadores e uma pilha de caixas rotuladas para armazenar os dados das pesquisas, além de equipamento eletrônico sobressalente para manter tudo em funcionamento durante as viagens.
Quando Tolland e Corky entraram, a geóloga de bordo, Xavia, estava reclinada na frente de uma televisão a todo o volume. Ela nem se virou.
- E aí, o dinheiro para as cervejas já acabou? - disse ela sem olhar, achando que alguns dos membros da equipe tinham voltado.
- Xavia - disse Tolland. - Sou eu, Mike.
Ela se virou, engolindo um pedaço do sanduíche que estava comendo.
- Mike? - Ela estava surpresa por vê-lo ali. Levantou-se, diminuiu o volume da televisão e caminhou na direção deles, ainda mastigando. - Achei que parte do pessoal tivesse chegado da noitada. O que vocês estão fazendo aqui?
Xavia era corpulenta e tinha uma pele morena. Sua voz era aguda e tinha um jeitão meio grosseiro. Ela apontou para a televisão, que continuava passando reprises do documentário de Mike sobre o meteorito.
- Vocês não ficaram muito tempo lá pela geleira, não é? Tivemos algumas surpresas, pensou Tolland.
- Xavia, você certamente já ouviu falar de Corky Marlinson.
Ela acenou com a cabeça.
- É uma honra conhecê-lo.
Corky não parava de olhar para o sanduíche que ela estava segurando.
- Isso aí parece gostoso.
A geóloga olhou para ele sem entender.
- Recebi sua mensagem - Tolland falou. - Você disse que eu cometi um erro na minha apresentação? Queria conversar com você a respeito.
Xavia soltou uma gargalhada aguda.
- Foi por isso que você voltou? Ah, Mike, pelo amor de Deus, não foi nada demais. Só queria te perturbar um pouco. A NASA obviamente te deu alguns dados ultrapassados. Nada relevante. Sério, somente três ou quatro geólogos marinhos no mundo devem notar o furo.
Tolland prendeu a respiração.
- Esse furo... por acaso teria a ver com os côndrulos?
A geóloga olhou para ele, espantada.
- Minha nossa! Algum maluco já ligou para você?
Tolland ficou preocupado. Os côndrulos. Olhou para Corky e depois de volta para ela.
- Xavia, preciso que você me conte tudo o que sabe sobre os côndrulos. Que erro eu cometi?
Ela percebeu que Tolland de fato estava falando sério.
- Mike, não é nada mesmo. É só um pequeno artigo que li em uma revista técnica há algum tempo. Mas não entendo por que você está tão preocupado com isso.
Ele suspirou.
- Xavia, por mais estranho que isto possa parecer, quanto menos você souber esta noite, melhor. Peço apenas que nos conte o que você sabe sobre os côndrulos e, depois, vamos precisar que examine uma amostra de rocha.
Ela ficou olhando, perplexa e levemente chateada por não lhe contarem os detalhes.
- Tudo bem, vou pegar aquele artigo. Está na minha sala.
Ela deixou o restante do sanduíche sobre uma mesa e dirigiu-se para a porta. Corky gritou:
- Posso comer o resto?
Xavia parou no meio do caminho e disse:
- Você quer comer o resto do meu sanduíche?
- Não, eu estava só pensando que você talvez já tivesse...
- Ah, vá pegar o seu próprio sanduíche! - disse ela, saindo. Tolland riu e apontou para o freezer do laboratório.
- Prateleira de baixo, Corky. Entre a garrafa de Sambuca e os sacos com as lulas.
Do lado de fora, no convés, Rachel desceu a escada que saía da ponte e foi em direção ao helicóptero. O piloto tinha adormecido, mas acordou quando ela bateu na cabine.
- Já terminaram? - ele perguntou. - Isso foi rápido. Rachel balançou a cabeça, nervosa.
- Você tem radar de superfície e aéreo?
- Claro. O alcance é de 10 milhas.
- Ligue-o, por favor.
Sem entender muito bem, o piloto apertou alguns botões e a tela se acendeu. O traço de varredura do radar começou a girar lentamente na tela.
- Pode ver algo? - perguntou Rachel.
O piloto deixou que o traço completasse várias voltas. Ajustou alguns outros controles e observou. Não havia nada.
- Há algumas pequenas embarcações bem no limite de nosso alcance, mas todas estão se afastando de nossa posição. Não há nada perto. Somente milhas de mar aberto se estendendo em todas as direções.
Rachel suspirou, ainda que aquilo não a deixasse particularmente tranqüila.
- Por favor, se alguma coisa se aproximar - barco, avião, qualquer coisa -, me avise imediatamente.
- Certo. Está tudo bem?
- Acho que sim. Só gostaria de saber se vamos ter companhia.
- Vou ficar de olho no radar, senhorita. Se alguma coisa aparecer, aviso em seguida.
Os sentidos de Rachel estavam zunindo quando entrou no laboratório.
Corky e Tolland estavam sentados, na frente de um monitor, comendo sanduíches.
Corky disse para ela, com a boca cheia:
- O que você prefere? Frango com gosto de peixe, peito de peru com gosto de peixe ou salada de ovo com gosto de peixe?
Rachel não prestou atenção.
- Mike, de quanto tempo você precisa para obter as informações e podermos sair deste barco?
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