CAPÍTULO 112
Gabrielle Ashe estava sentada na sala do senador Sexton, olhando para o monitor com um misto de raiva e desapontamento.
SENHA INVÁLIDA - ACESSO NEGADO
Ela havia tentado diversas outras senhas que pareciam prováveis, mas nenhuma delas funcionara. Depois de procurar em todo o escritório alguma gaveta destrancada ou outra pista deixada ao acaso, estava quase desistindo. Ia se levantar para sair quando viu algo estranho brilhando no calendário de mesa de Sexton. Alguém tinha assinalado a data da eleição com canetas fosforescentes das cores da bandeira americana: vermelho, azul e branco. Aquilo certamente não era coisa do senador. Gabrielle pegou o calendário para olhar de perto. Envolta em bordas vistosas havia uma exclamação em letras enfeitadas e cintilantes: POTUS!
A entusiasmada secretária de Sexton devia ter feito aquele desenho colorido como mais um pensamento positivo para o senador no dia da eleição. O acrônimo POTUS era o codinome do serviço secreto para President Of The United States. No dia da eleição, se tudo corresse bem, Sexton se tornaria o novo presidente dos Estados Unidos.
Gabrielle recolocou o calendário na posição em que estava antes, preparando-se para sair. Subitamente parou, com os olhos fixos na tela.
DIGITE A SENHA:
Olhando para o calendário, sentiu que ainda havia uma chance. De alguma forma, POTUS parecia o tipo de senha perfeita para Sexton.
Simples, positiva e auto-referente.
Digitou rapidamente as letras: POTUS.
Prendendo a respiração, apertou "Enter". O computador emitiu um bipe.
SENHA INVÁLIDA - ACESSO NEGADO
Gabrielle baixou a cabeça, desistindo. Desligou o computador e foi andando devagar em direção à porta do banheiro para sair da mesma forma que havia entrado. Na metade do caminho, seu celular tocou. Já estava nervosa por estar ali, e o som inesperado lhe deu um grande susto. Parou e pegou o telefone, olhando para uma das preciosidades de Sexton, o relógio de parede Jourdain. Quase quatro da manhã. Àquela hora, a única pessoa que poderia estar ligando era o senador. Ele certamente estaria à sua procura. Atendo ou deixo tocar? Se atendesse, Gabrielle teria que mentir. Mas, se não atendesse, Sexton poderia suspeitar de algo.
Decidiu atender.
- Alô?
- Gabrielle? - Sexton soava impaciente. - Por que você ainda não chegou aqui?
- Foi o Memorial de Roosevelt - disse ela. - O táxi ficou preso e agora estamos...
- Pelo som, você não está dentro de um táxi.
- Não - disse ela, rapidamente. - Não estou. Resolvi passar na minha sala para pegar alguns documentos sobre a NASA que podem ser importantes para a questão do PODS. Ainda não encontrei o que queria.
- Bom, ande logo. Pretendo agendar uma entrevista coletiva logo pela manhã e precisamos acertar os detalhes.
- Já estou chegando.
Houve um silêncio do outro lado da linha.
- Você disse que está em sua sala? - Sexton parecia intrigado.
- Isso. Mais uns 10 minutos e saio daqui.
Outra pausa.
- Tudo bem. Vejo você daqui a pouco, então.
Gabrielle desligou, preocupada demais para notar o som bem nítido do pêndulo do precioso relógio Jourdain a poucos metros dela.
CAPÍTULO 113
Tolland notou que Rachel tinha sido ferida no braço, ao puxá-la para um local protegido atrás do Triton. Ela estava tão catatônica que nem parecia sentir dor. Depois de ajudá-la, Michael virou-se para procurar Corky. O astrofísico vinha se arrastando pelo convés para juntar-se a eles, os olhos arregalados em completo terror.
Temos que encontrar algum esconderijo, pensou Tolland, antes mesmo de perceber a gravidade da situação.
Instintivamente, seus olhos percorreram os níveis superiores do Goya. As escadas que levavam para a ponte ficavam a céu aberto, desprotegidas. A própria ponte se assemelhava a uma grande caixa de vidro - um alvo transparente para quem estivesse no ar. Subir seria suicídio, o que lhes deixava uma única opção.
Durante um rápido momento, o oceanógrafo olhou para o Triton, pensando se conseguiria colocar todos a salvo embaixo da água.
Absurdo. O Triton só tinha espaço para uma pessoa e, de qualquer forma, seriam necessários pelo menos 10 minutos para descê-lo pela abertura no convés até o oceano. Além disso, sem que suas baterias e compressores estivessem carregados, o submersível não teria condições de fazer qualquer manobra.
- Eles estão voltando! - gritou Corky apontando para o céu, sua voz trêmula de medo.
Tolland nem olhou para cima. Apontou para uma antepara próxima, onde havia uma escada de alumínio que descia para os conveses inferiores.
Não foi preciso dizer mais nada. Corky saiu correndo na direção da abertura e sumiu lá embaixo. Michael passou um braço em torno da cintura de Rachel e fez com que ela descesse com ele. Ambos
desapareceram no nível inferior segundos antes do helicóptero retornar, disparando balas para todos os lados.
Tolland ajudou Rachel a descer a escada até uma plataforma suspensa.
Quando chegaram, ele sentiu o corpo dela subitamente se enrijecer.
Virou-se, com medo de que tivesse sido atingida por trás pelo ricochete de um projétil, mas logo percebeu que o problema era outro.
Ao acompanhar seu olhar petrificado para baixo, Michael compreendeu imediatamente o que estava acontecendo.
Imóvel, sem conseguir dar nem mais um passo, Rachel encarava o mundo bizarro que se descortinava abaixo dela.
Por causa de seu design, o Goya parecia um catamarã gigante, apoiado sobre grandes flutuadores. Eles haviam acabado de descer do convés principal para uma passarela gradeada suspensa sobre um abismo: nove metros abaixo, o mar se agitava provocando um ruído ensurdecedor que ecoava até onde estavam. O terror de Rachel era ainda maior porque os holofotes do navio sob a água lançavam uma luminosidade esverdeada nas profundezas do oceano, evidenciando seis ou sete silhuetas fantasmagóricas. Eram enormes tubarões-martelo, suas longas sombras sempre no mesmo lugar enquanto nadavam contra a corrente - os corpos flexíveis como borracha remexendo-se na água.
Tolland aproximou-se e falou no ouvido dela:
- Rachel, está tudo bem. Olhe para a frente. Estou logo atrás de você.
Gentilmente, Mike tentou fazer com que ela soltasse os punhos do corrimão.
Foi quando Rachel viu um pingo de sangue vermelho-rubi respingar de seu braço e cair pelo gradeado. Seus olhos seguiram a trajetória da gota até o mar. Não chegou a ver o sangue bater na água, mas soube o momento exato em que isso aconteceu porque, em um segundo, todos os tubarões próximos se moveram ao mesmo tempo para aquele local, impulsionados por suas caudas vigorosas, chocando-se uns contra os outros numa fúria de dentes e barbatanas.
Lobos olfativos telencefálicos superdesenvolvidos...
Podiam sentir o cheiro de sangue a uma milha de distância.
- Olhe para a frente - repetiu Tolland, num tom de voz firme e reconfortante. - Estou logo atrás de você.
Rachel sentiu que ele estava segurando sua cintura, tentando encorajá-la a sair do lugar. Ela fez um esforço para esquecer o vazio lá embaixo e começou a andar. Em algum lugar acima deles, podia ouvir os rotores do helicóptero novamente. Bem à frente dos dois, Corky cambaleava pela passarela numa espécie de pânico cego.
- Vá até o suporte mais distante, Corky! Depois desça as escadas - Tolland gritou para orientá-lo.
Rachel viu para onde se dirigiam. Logo adiante havia uma série de escadas descendo em ziguezague. Ao atingir o nível do mar, elas desembocavam num deque estreito, similar a uma prancha, que se alongava por todo o comprimento do barco. Partindo desse deque, várias docas pequenas e suspensas formavam uma espécie de marina em miniatura acoplada ao navio. Uma grande placa indicava:
ÁREA DE MERGULHO
MERGULHADORES PODEM EMERGIR SEM AVISO
BARCOS: MANOBRAR COM CUIDADO
Rachel esperava sinceramente que Michael não estivesse pensando em sair dali a nado. Seu medo aumentou quando ele parou na frente de uma fileira de paióis de trama de aço que ficavam ao lado da passarela. O oceanógrafo abriu as portas, deixando entrever roupas e material de mergulho pendurados, coletes salva-vidas e arpões. Antes que Rachel pudesse dizer algo, ele pegou um sinalizador.
- Vamos em frente.
Continuaram andando. Enquanto isso, Corky havia chegado às escadas em ziguezague e já estava na metade do caminho em direção ao deque lá embaixo.
- Já estou vendo! - gritou ele com uma voz quase alegre em meio ao ruído da água.
Vendo o quê? - pensou Rachel, observando Corky correr pela passagem estreita no convés. Tudo o que podia enxergar era o oceano infestado de tubarões ficando cada vez mais próximo. Tolland fez com que ela continuasse andando e, de repente, Rachel percebeu o que tinha deixado Corky tão animado. No outro lado do deque inferior havia uma pequena lancha ancorada. O astrofísico acelerou o passo em sua direção.
Rachel ficou olhando, incrédula. Fugir de um helicóptero numa lancha?
- Tem um rádio lá - explicou Tolland. - Se pudermos nos afastar o suficiente da interferência provocada pelo helicóptero...
Ela não ouviu mais nada. Acabara de ver algo que fez seu sangue gelar.
- Tarde demais - disse ela, apontando com um dedo trêmulo. É o nosso fim...
Quando Tolland se virou, soube que estavam liquidados.
No outro extremo do navio, como um dragão olhando para dentro de uma caverna, o helicóptero negro descera ao nível em que estavam, seu nariz voltado na direção deles. Por um momento, Tolland achou que seus agressores iriam voar sobre eles pelo vão embaixo do barco. Contudo, o Kiowa começou a virar, preparando sua mira.
Michael viu para onde os canos das armas estavam apontados. Não!
Agachado ao lado da pequena lancha, soltando as amarras, Corky olhou para cima segundos antes de as metralhadoras posicionadas sob o helicóptero começarem a cuspir balas violentamente. Ele caiu de lado, como se houvesse sido atingido. Desesperado, arrastou-se por cima da amurada e jogou-se dentro do barco, deitando para se proteger. As metralhadoras pararam. Tolland viu o amigo se esconder no fundo da lancha. A batata de sua perna direita estava coberta de sangue.
Agachado debaixo do painel, Corky estendeu a mão e tateou os controles até encontrar a chave. Ligou o motor Mercury de 250 HP.
Logo em seguida o helicóptero, ainda parado no ar, direcionou o laser vermelho para a pequena embarcação e se preparou para lançar outro míssil.
Tolland reagiu por instinto, usando a única arma que possuía.
O sinalizador que estava segurando sibilou quando ele puxou o gatilho e uma ofuscante linha luminosa percorreu uma trajetória horizontal diretamente para o helicóptero. Apesar disso, Michael sentiu que agira tarde demais. Enquanto a chama do sinalizador atravessava o ar em direção ao vidro frontal do Kiowa, um clarão partiu do lançador de foguetes sob o helicóptero. No exato instante em que o míssil foi disparado, a aeronave desviou bruscamente, saindo da linha de visão.
- Cuidado! - gritou Tolland, fazendo com que Rachel deitasse no chão da passarela.
Com a mudança de trajetória, o míssil errou Corky por pouco, atravessou o espaço vazio sob o Goya e chocou-se contra a base de um dos suportes do navio, nove metros abaixo de Rachel e Tolland.
O som foi apocalíptico. Água e chamas irromperam abaixo deles. Pedaços de metal retorcido voaram pelos ares espalhando-se pela passarela.
Ouviram o ruído de metal se atritando contra metal e o barco balançou até atingir um novo ponto de equilíbrio, ligeiramente torto.
Quando a fumaça se dispersou, Tolland viu que uma das quatro estruturas principais do Goya havia sido severamente danificada.
Fortes correntes passavam pelo flutuador, ameaçando arrancá-lo. A
escada em ziguezague que descia até o convés inferior parecia estar
presa apenas por um fio.
- Vamos! - gritou Tolland, puxando Rachel exatamente naquela direção.
Temos que descer!
Mas já era tarde. Com um ruído de metal se rasgando, as escadas se separaram da fixação danificada e caíram no mar.
Pouco acima do navio, Delta-Um lutou com os controles do Kiowa até estabilizá-lo. Temporariamente ofuscado pelo sinalizador, desviara por puro reflexo, fazendo com que o Hellfire errasse seu alvo.
Irritado, ele manteve o helicóptero parado sobre a proa do navio, preparando-se para descer novamente e terminar o serviço. Eliminar todos os passageiros. A exigência do controlador tinha sido clara.
- Merda! Ali! - Delta-Dois gritou do banco de trás, apontando para a janela. - Uma lancha!
Delta-Um virou-se e viu uma Crestliner crivada de balas afastando-se do Goya na escuridão.
Era necessário tomar uma decisão rapidamente.
CAPÍTULO 114
As mãos ensangüentadas de Corky seguravam o volante da lancha Crestliner Phantom 2100 enquanto ela saltava velozmente pelo mar. Ele tinha empurrado o acelerador até o limite, tentando atingir a maior velocidade possível. Só depois de deixar o Goya sentiu uma dor lancinante na perna direita. Olhou para baixo e ficou tonto ao ver o sangue jorrando da ferida.
Apoiando-se no volante, virou-se para trás, torcendo para que o helicóptero estivesse no seu encalço. Como Tolland e Rachel haviam ficado presos na passarela, não fazia sentido esperá-los. Teve que tomar uma decisão instantânea.
Dividir para conquistar.
Corky calculou que, se conseguisse fazer com que o helicóptero o seguisse até bem longe do navio, talvez os amigos pudessem usar o rádio para pedir socorro. Infelizmente, olhando para o navio iluminado atrás dele, viu que o Kiowa ainda estava pairando sobre o Goya, como se os atacantes estivessem indecisos.
Andem, seus filhos-da-mãe! Venham atrás de mim!
Mas o helicóptero não o seguiu. Em vez disso, manobrou até a popa do navio, alinhou-se com ele e desceu sobre o convés. Não! Corky olhava, aterrorizado, pensando que deixara Tolland e Rachel para trás, indefesos.
Seria ele, então, quem teria que enviar a mensagem de rádio pedindo ajuda. Tateou pelo painel e achou o rádio. Apertou o botão de ligar.
Nada aconteceu. Nenhuma luz se acendeu. Não havia sequer estática.
Virou o volume até o máximo. Nada. Droga! Largou o volante e se ajoelhou, gritando ao sentir uma fisgada na perna. Olhou para o rádio, mas não podia acreditar no que via. O painel de controle tinha sido atingido pelas balas e estava destruído. Havia fios saindo pela frente. Corky ficou sem ação.
Mas que azar desgraçado...
Tremendo, levantou-se novamente, pensando no que mais poderia dar errado. A resposta veio do Goya. Olhou para o barco e viu dois soldados armados saltarem do helicóptero. Depois a aeronave decolou novamente, vindo na direção da lancha a toda a velocidade.
O astrofísico ficou arrasado. Dividir para conquistar. Aparentemente não tinha sido o único que tivera aquela idéia brilhante.
Delta-Três atravessou o convés e aproximou-se da escada que levava ao nível inferior. Pela abertura, ouviu a voz de uma mulher gritando em algum lugar lá embaixo. Virou-se e fez sinal para Delta-Dois avisando que iria descer para verificar. Seu parceiro concordou e ficou no convés principal para cobrir os deques superiores. Os dois manteriam contato pelo CrypTalk, já que o sistema de bloqueio do Kiowa deixava uma faixa de freqüência pouco usual aberta para comunicações internas.
Segurando sua metralhadora de cano curto, Delta-Três moveu-se em silêncio. Com a atenção de um matador profissional, começou a descer a escada lentamente, arma em ponto de mira.
Como a visibilidade era ruim, Delta-Três resolveu agachar-se para enxergar melhor. Os gritos se tornaram mais audíveis. Continuou
descendo os degraus. Já bem perto da passarela, avistou a escada em ziguezague retorcida na parte inferior do Goya. Os gritos estavam cada vez mais altos.
Logo em seguida pôde vê-la. No meio da passarela que atravessava o barco, Rachel Sexton estava olhando por cima de uma antepara para o mar lá embaixo, gritando desesperada por Michael Tolland.
Tolland teria caído? Talvez durante os disparos?
Se fosse isso, o trabalho de Delta-Três seria ainda mais simples. Só precisava percorrer mais alguns metros para ter uma mira perfeita. Sua única preocupação era que Rachel estava perto de um paiol de equipamentos, o que significava que podia estar armada - talvez com um arpão ou um rifle contra tubarões -, mas nada que pudesse fazer frente à sua metralhadora. Confiante de que tinha total controle da situação, o soldado se moveu com cuidado.
Rachel Sexton estava quase totalmente visível agora. Ele preparou a arma.
Apenas mais um degrau.
Delta-Três ouviu um ruído de movimento abaixo dele. Ficou confuso, mais do que assustado, ao ver Michael Tolland arremessando um bastão de alumínio em direção a seus pés. Apesar de ter sido enganado, quase riu daquela tentativa tola de fazê-lo cair.
Então sentiu a ponta do bastão chocar-se contra sua bota, no calcanhar.
Uma dor terrível percorreu seu corpo quando seu pé direito explodiu debaixo dele com um forte impacto. Perdeu o equilíbrio e caiu no chão, rolando pela escada. Sua metralhadora escorregou ruidosamente, caindo no mar, enquanto ele se espatifava na passarela. Em total desespero, dobrou a perna para segurar seu pé direito, que não estava mais lá.
Um instante depois Tolland estava de pé sobre seu agressor, sua mão ainda segurando o bang-stick fumegante. O bastão de alumínio de um metro e meio trazia, na ponta, uma bala de escopeta calibre 12, que era disparada quando pressionada. Geralmente era usado por mergulhadores para autodefesa em casos de ataque de tubarão.
Tolland já recarregara o bang-stick com outra bala e mantinha a ponta fumegante encostada na garganta de seu agressor. Deitado de costas, paralisado, o homem olhava para Tolland com uma expressão de surpresa, à qual se misturavam raiva e enorme dor.
Rachel veio correndo pela passarela. O plano original era que ela pegasse a metralhadora, mas infelizmente a arma havia caído no oceano.
O dispositivo de comunicação no cinto do homem fez um barulho e transmitiu uma voz robótica:
- Delta-Três? Responda. Ouvi um tiro.
O homem não se moveu para responder. A voz retornou.
- Delta-Três? Confirme. Você precisa de ajuda?
Quase simultaneamente, uma nova voz surgiu na linha. Também era robótica, mas era fácil saber de onde vinha por causa do som dos rotores ao fundo.
- Aqui é Delta-Um - disse o piloto. - Estou perseguindo a lancha em fuga. Delta-Três, confirme. Você está ferido? Precisa de ajuda?
Tolland pressionou o bastão contra a garganta do soldado.
- Diga ao piloto para voltar e deixar a lancha partir. Se matarem meu amigo, você também morre.
O homem gemeu de dor ao pegar seu dispositivo de comunicação e aproximá-lo da boca. Olhou nos olhos de Tolland ao apertar o botão e dizer:
- Delta-Três falando. Estou bem. Destrua a lancha.
CAPÍTULO 115
Gabrielle Ashe voltou ao banheiro particular de Sexton e preparou-se para fazer o caminho de volta até seu escritório. O telefonema do senador a deixara ansiosa. Quando Gabrielle lhe dissera que estava na sala dela, ele hesitara como se soubesse, de alguma forma, que era mentira. De qualquer maneira, ela não havia conseguido descobrir a senha do computador de Sexton e agora não sabia bem como proceder.
O senador está me esperando.
Quando subiu na pia, preparando-se para entrar pelo buraco no teto, ouviu alguma coisa caindo no chão de lajotas. Ela olhou para baixo, irritada ao ver que tinha derrubado um par de abotoaduras de Sexton que estavam sobre a pia.
Deixe tudo exatamente como você encontrou.
Gabrielle desceu, pegou-as e recolocou-as sobre a pia. Quando ia subir de novo, parou de repente e olhou para as abotoaduras. Normalmente a assessora as teria ignorado. Mas naquela noite um detalhe chamou sua atenção. Como a maioria dos objetos pessoais de Sexton, elas tinham seu monograma: duas letras entrelaçadas - SS. Lembrou-se da primeira senha que o senador havia usado: SSS. Depois lembrou-se de seu calendário... POTUS... e a proteção de tela com imagens da Casa Branca e a mensagem positiva que se repetia infinitamente:
Sedgewick Sexton, Presidente dos Estados Unidos... Sedgewick Sexton, Presidente dos Estados Unidos... Sedgewick Sexton...
Gabrielle pensou durante alguns segundos. Ele seria arrogante a este ponto?
Ela não levaria muito tempo para descobrir. Correu de volta para a mesa do senador, ligou o computador e digitou uma senha de sete dígitos:
POTUSSS
A proteção de tela sumiu imediatamente.
Gabrielle olhou, incrédula.
Nunca subestime o ego de um político.
CAPÍTULO 116
Na parte de trás da Crestliner Phantom, que sacolejava sobre as ondas, Corky analisava o ferimento em sua perna. Ele havia abandonado o volante, pois sabia que a lancha seguiria em linha reta mesmo sem ninguém na direção.
Uma bala tinha entrado pela parte da frente de sua panturrilha, errando por pouco o osso. Não havia nenhuma ferida na parte posterior da perna, então ele concluiu que o projétil ainda estava alojado lá dentro. Procurou em volta por alguma coisa que pudesse deter o sangramento, mas não achou nada de útil. Encontrou algumas nadadeiras, um respiradouro e dois coletes salva-vidas. Nenhum kit de primeiros socorros.
Nervoso, abriu uma pequena caixa e encontrou algumas ferramentas, panos, fita isolante grossa, óleo e outros itens de manutenção. Olhou para sua perna sangrando e ficou pensando o quanto ainda teria que andar para sair do território dos tubarões.
Certamente bem mais do que isso.
Delta-Um estava fazendo um vôo rasante com o Kiowa sobre o oceano, procurando na escuridão pela lancha que havia escapado. Supondo que o barco em fuga seguiria em direção a terra firme tentando se distanciar o máximo possível do Goya, Delta-Um havia seguido a trajetória original da Crestliner, afastando-se do navio.
Eu já deveria ter passado por ele a essa altura.
Normalmente seria muito simples encontrar a lancha: bastaria usar o radar. Contudo, com os sistemas de interferência do helicóptero transmitindo um cobertor de ruído térmico num raio de vários quilômetros, o radar era inútil. Por outro lado, ele não podia
desligar o sistema de interferência até que soubesse que todos a bordo do Goya tinham sido eliminados. Ninguém iria transmitir um chamado de emergência naquela noite.
O segredo sobre o meteorito vai morrer. Aqui e agora.
Felizmente Delta-Um tinha outras formas de procurar a lancha. Mesmo contra o pano de fundo do oceano quente, descobrir a assinatura térmica de uma lancha era fácil. Ligou a varredura térmica. O oceano em volta dele estava a 35°C. O motor externo de 250 HP a plena potência estaria centenas de graus mais quente.
A bordo da lancha, Corky estava perdendo a sensibilidade na perna e no pé. Sem saber o que fazer, ele havia limpado a ferida na panturrilha com um pano e depois recoberto o machucado com várias camadas de fita isolante. Usou o rolo de fita até o fim, envolvendo toda a parte inferior da perna, do tornozelo ao joelho, criando uma apertada tala prateada. O sangramento havia parado, mas suas roupas, o curativo improvisado e suas mãos ainda estavam recobertos de sangue.
Sentado no chão da Crestliner, o astrofísico tentava entender por que o helicóptero ainda não tinha conseguido encontrá-lo. Levantou o rosto para olhar por cima da balaustrada, examinando o horizonte atrás dele.
Esperava ver o Goya ao longe e o helicóptero se aproximando.
Entretanto, não podia ver nenhum dos dois. As luzes do navio tinham sumido. Não poderia ter ido assim tão longe, não é?
Corky sentiu-se esperançoso de que pudesse escapar. Talvez não fosse tão fácil detectar a lancha no escuro. Talvez ele conseguisse chegar até à costa!
Então notou que a trilha deixada pelo motor da lancha não era reta.
Parecia curvar-se gradualmente, como se estivesse navegando num arco aberto e não em linha reta. Confuso, seguiu com a cabeça o arco formado pela espuma atrás do barco, extrapolando uma curva aberta sobre o mar. Logo em seguida ele compreendeu.
O Goya estava a bombordo, a menos de uma milha de distância.
Apavorado, Corky entendeu seu erro, mas já era tarde. Sem ninguém ao volante, a lancha havia se alinhado o tempo todo na direção da forte corrente - o fluxo circular de água gerado pela megapluma. Estive andando num maldito círculo.
Ele estava retornando ao ponto de partida.
Sabia que ainda estava dentro da megapluma e, portanto, no território dos tubarões. Corky lembrou-se das palavras sombrias de Tolland: Lobos olfativos telencefálicos.superdesenvolvidos... os tubarões-martelo podem sentir o cheiro de sangue a uma milha de distância.
Bastaria uma gota para atraí-los. Corky olhou para a perna, envolta em fita isolante mas ainda assim ensangüentada. Depois para o sangue em suas mãos.
O helicóptero logo o encontraria.
Rasgando a roupa, arrastou-se, nu, em direção à popa. Sabendo que nenhum tubarão poderia nadar tão rápido quanto a lancha, lavou-se da melhor forma possível no jato d'água que saía do motor.
Uma única gota de sangue...
Levantou-se, secando o corpo no vento noturno. Ele sabia que só havia uma coisa a fazer. Havia aprendido que os animais marcavam seu território com urina porque o ácido úrico era o fluido com o cheiro mais forte que o corpo podia produzir.
Mais poderoso do que sangue, ele esperava. Queria ter tomado muito mais cerveja naquela noite. Esforçou-se para apoiar sua perna ferida sobre a balaustrada da lancha e tentou urinar sobre a fita. Vamos! Ele esperou. Não há nada como a pressão de ter que urinar sobre si mesmo com um helicóptero caçando você.
Finalmente conseguiu. Encharcou toda a fita isolante. Usou as últimas gotas de sua bexiga para molhar um pano, que passou, então, por todo o corpo. Muito agradável.
No silêncio do céu acima dele, um feixe de laser surgiu, pairando sobre a lancha como a lâmina brilhante de uma enorme guilhotina. O helicóptero apareceu vindo de um dos lados da Crestliner, provavelmente confuso quanto ao curso que o astrofísico havia tomado.
Corky enfiou-se rapidamente num colete salva-vidas e moveu-se para a popa da lancha. Um ponto vermelho e brilhante apareceu no chão manchado de sangue, bem próximo de onde ele estava.
É agora ou nunca.
A bordo do Goya, Michael Tolland não viu quando a Crestliner Phantom 2100 irrompeu em chamas e voou pelos ares em espirais de fogo e fumaça. Mas ele ouviu o som da explosão.
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