Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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Grover Gauntt III de frente para a Primeira Verdade Nobre de Buda no campo da morte de Birkenau na periferia de Óswiccim, na Polônia. Ele é um dos principais organizadores dos Bearing Witness Retreats, patrocinados por Zen Peacemakers, no antigo complexo nazista.

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Quase toda a minha juventude pensei que "polaco burro" era uma palavra só. É um fato da minha vida que raramente reconheci, menos ainda encarei. Mas ali não havia como me esconder. E também não era possível escapar do sofrimento. Ele ainda está no ar, uma nuvem negra permanentemente suspensa sobre a entrada de Auschwitz: "Arbeit Macbt Frei" - "O Trabalho Liberta". Esse slogan nazista escrito em arco sobre o portão não tinha ligação, eu concluí, com a liberdade sobre a qual Andrzej e Malgosia falavam mais cedo.



Quando entramos no campo de Auschwitz, hoje um museu, Andrzej explicou de que forma a ironia debochada de Hitler ia até mais além, talvez sem querer.

- Existe uma explicação num livro de história daqui em que alguns historiadores associam o nome Óswiccim ao tempo em que os cristãos, há mais de mil anos, jogavam a imagem esculpida do deus pagão Swiatowid no rio Sola - disse ele. - E depois santi-ficavam o lugar, oswieconc ou "abençoado". Mas a palavra também significa "forte" no polonês antigo. Para nós budistas oswieconc significa "iluminado". Luz, santidade, poder. Há uma pequena vírgula pregada embaixo da letra e na palavra, como um rabinho. Essa vírgula modifica um pouco o som e denota um aspecto também um pouco diferente: sem a vírgula é oswiecic, iluminar; com a vírgula, tornar sagrado, abençoar.

Essa observação etimológica é mais irônica ainda quando justaposta à nova definição dessa cidade, tirada de alguma literatura do museu:

Criado na primavera de 1940, Auschwitz foi ao mesmo tempo o mais extenso dos cerca de dois miJ campos de concentração nazistas e o maior campo no qual os judeus foram assassinados com gás venenoso. Em pouco tempo Auschwitz ficou conhecido como o mais cruel dos campos de concentração nazistas. Em março de 1941, Himmler ordenou a construção de uma segunda seção do campo, bem maior, localizada perto do campo original. Chamaram esse campo de Auschwitz II, ou Birkenau. Em Birkenau funcionavam as câmaras de gás e os fornos crematórios do centro de matança de Auschwitz. Auschwitz foi o maior cemitério na história da humanidade. O número de judeus mortos nas câmaras de gás de Birkenau



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devem chegar a uma estimativa de um milhão e meio de pessoas: homens, mulheres e crianças. Quase um quarto dos judeus mortos na Segunda Guerra Mundial foi assassinado em Auschwitz. Dos 405 mil prisioneiros registrados que receberam números de Auschwitz, apenas cerca de 65 mil sobreviveram. Dos 16 mil prisioneiros de guerra soviéticos que foram levados para lá, apenas 96 sobreviveram. De acordo com diversas estimativas, pelo menos 1.600.000 pessoas foram assassinadas no centro de matança de Birkenau.

São os pequenos detalhes que intrigam. Sim, seis milhões, esse número está marcado a ferro e fogo na consciência de todos os judeus, mas isso apenas ofusca a realidade em nível individual. Essa ilusão se desfaz por completo quando vemos a exposição em vitrines de vidro dos objetos da vida na prisão - um balcão inteiro cheio de óculos das pessoas, outro com pés de sapatos. No acampamento das crianças, eu me imaginei uma criança apavorada, encolhida no canto mais escuro da minha cama beliche, contando apenas com a minha imaginação para espantar a cruel realidade a poucos metros dali.

Como uma múmia ambulante, meu corpo parecia tão pesado que eu mal conseguia levantar as pernas nos corredores da exibição e nos alojamentos do campo. A minha testa não desfranzia mais. Fiquei balançando a cabeça o tempo todo, sem poder olhar nos olhos dos outros participantes, completamente sem palavras, naquele momento e agora também. Vi outros grupos passando, aparentemente no mesmo estado entorpecido e pensei por que alguém passaria por aquela experiência voluntariamente.

Foi mais duro ainda quando entramos em fila indiana numa câmara enorme que os nazistas chamavam de Sauna. A Sauna, explicaram, era uma instalação criada em Birkenau para desinfec-ção de todos os prisioneiros. Ali as mulheres eram levadas em bandos a cada quatro semanas para matar piolhos. Nesses dias elas eram arrancadas de suas jaulas a pancadas, depois levadas para a Sauna, onde tinham de ficar sentadas nuas o dia inteiro até terminarem a desinfecção de suas roupas. À noite elas tinham de marchar de volta, nuas, para seus blocos sob a supervisão dos guardas da SS. Só recebiam as roupas de volta tarde da noite. O número de mortos aumentava muito depois de cada dia na Sauna.

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Agora o piso de concreto está coberto com um vidro grosso, alto-reflexo e escuro. Algumas paredes foram levantadas para a exposição e cobertas de fotos resgatadas da bagagem confiscada: famílias em retratos formais em tons de sépia, ou em instantâneos casuais sobre toalhas de piquenique, ou ainda reunidos em quintais de amigos. Os narizes proeminentes, as maças do rosto salientes da Europa oriental - traços que me fazem lembrar da minha família.

O ritual que estávamos fazendo em certos pontos do campo recomeçou. Pusemos nossas almofadas em semicírculo no chão de vidro e sentamos de frente para a parede que tinha um conjunto de fotos. Acenderam velas. Mas dessa vez o ritual não seguiu a rotina. Deram-nos uma folha com uma lista de nomes, cada folha diferente da outra e todos nós lemos nossas listas ao mesmo tempo.

- Israelevitch, Abraham. Israels, Salomon. Issakowitsch, Alexandre. Issler, Ichel... - recitei, caindo naturalmente num ritmo hebraico familiar de cântico.

Um nome se juntava ao outro, uma voz se harmonizava com a outra, todas as nossas vozes reverberavam nas paredes vazias, um coro sobreposto de morte.

Tocaram um sino e ficamos em silêncio. Muito depois de o sino deixar de ressoar os nomes ainda ecoavam nos meus ouvidos. Na tradição Soto, você senta com os olhos semicerrados, mas virados para baixo, focalizando apenas um ponto. O meu olhar pousou numa foto refletida no vidro do piso, de uma mulher loura de uns vinte e poucos anos, agarrada aos dois filhos. Aos vinte e poucos anos a minha mãe era uma linda mulher loura, com queixo voluntarioso e nariz marcante, como Meryl Streep na adaptação cinematográfica do livro de William Styron A escolha de Sofia. E de repente entendi: além de carregar o testemunho daqueles que morreram ali, também éramos testemunhas dos que nunca chegaram a viver, das crianças que não nasceram e dos filhos dessas crianças que nunca nasceram - para nós mesmos refletidos no futuro. A história podia ter perdido composições musicais jamais escritas, curas na medicina nunca descobertas, romances que não foram escritos e possíveis ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, mas eu perdi tias, tios e primos não nascidos: lembranças, experiências, amor, sabedoria. Eu tinha perdido meu passado, meu presente e meu futuro. Quando isso chegou tão perto assim de mim, compreendi. Naquele




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