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Ele já esperou quatro anos e meio pela audiência do seu caso de posse de cocaína, e continua no presídio Tihar em Nova Deli. Com quase 13 mil presidiários, mais de duas vezes sua capacidade, Tihar é talvez o maior presídio da Ásia. À superpopulação acrescente-se saneamento inadequado e guardas carcerários que foram treinados inicialmente para oprimir, privar, punir fisicamente, isolar e desumanizar os prisioneiros - em resumo, transformar a vida deles num verdadeiro inferno.
Mas para Hyginus e milhares de outros em todos os presídios da índia, "fazer" a meditação vipassana transformou a prisão, se não exatamente num paraíso, pelo menos num oásis para auto-reflexão e reabilitação.
O primeiro retiro vipassana de dez dias de silêncio aconteceu em Tihar em 1993. Junto com 96 presidiários, 23 carcereiros também participaram. Provou ser tão benéfico - tanto para os presos como para os guardas - que uma seçáo da Ala número 4 foi isolada para servir de local de retiro permanente. Agora dois cursos de dez dias cada são oferecidos todos os meses. Os presidiários podem repetir os retiros a cada três meses, e muitos fazem isso. Nos presídios em todo o mundo, administrados por pessoas iluminadas, os grupos de meditação budistas agora se encontram regularmente. Com a prática das técnicas budistas, estudos feitos por um professor do Instituto Indiano de Tecnologia mostram que os prisioneiros podem aliviar seu sofrimento e quando são soltos provocam menos sofrimento nos outros. Agora vipassana é ensinado não apenas nas prisões, mas também nas escolas, em agências do governo e nos departamentos de polícia, como também a uma faixa extensa de indivíduos por toda a índia.
Um homem tipo armário, de mais de um metro e noventa de altura, barba desgrenhada, careca e com sobrancelhas formidáveis que formavam uma marquise sobre os olhos, o nigeriano parecia mais com o lutador de boxe norte-americano Joe Frazier do que com qualquer um que faz meditação. Cercados pela equipe da prisão, presidiários e guardas curiosos, conversamos diante de um muro alto. Nele estava pintada uma roda amarela, o símbolo tradicional dos ensinamentos de Buda, a Roda de Dhamma.
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- Eu tinha pressão alta e não conseguia dormir - disse Hy-ginus. - Depois do meu primeiro retiro de dez dias aqui, minha pressão baixou e pude dormir dez horas. E vi imediatamente mudanças emocionais também. Costumava ter um pavio muito curto. Eu sempre reagia, era muito agressivo. Agora me sinto como um pombo, cheio de paz. Estou muito mais feliz.
"O meu caso não está progredindo - continuou ele, querendo falar da sua experiência —, mas estou muito mais desligado disso. E a ânsia que provoca os sofrimentos. E isso que aprendemos. Realmente me sinto abençoado de estar em Tihar. Se não, jamais teria aprendido o que é vipassana."
Por mais impressionado que eu estivesse de conversar com alguns presos que deram seus testemunhos tocantes sobre transformação pessoal, o maior impacto foi a conversa que tive com um administrador do presídio de Tihar, de 38 anos, que trabalhava lá havia 14. Ele fez três retiros de dez dias dentro da prisão, todos voluntários.
Entrevista com Hyginus Udegbe, prisioneiro nigeriano no presídio de Tihar em Nova Deli, onde já fez alguns retiros vipassana no centro de retiro permanente, J*-1") dos muros de um dos maiores e mais populosos presídios da Ásia.
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- Eu só queria ver por mim mesmo o que era essa coisa de que tinha ouvido falar, vipassana — disse ele, quando conversamos sentados numa sala do prédio do presídio. - Antes do curso eu era uma pessoa com muita raiva. Costumava espancar os prisioneiros sem precisar de grandes motivos. O estresse era tanto que acabei me transformando num monstro. Depois do curso passei a sentir mais pelos prisioneiros, a ter uma ligação com eles. Eu me senti mais humano.
Agora, ele disse, os prisioneiros o procuravam pedindo conselhos.
- Antes eu pensava na prisão como um instituto penal. Agora esse conceito mudou, trata-se de um ashram de recuperação -completou ele, usando a palavra hindu para o centro espiritual.
- Todos nós somos prisioneiros... das nossas mentes - disse Satya Narayan Goenka, um comerciante birmanês de 80 anos que virou mestre de meditação e foi um dos vanguardistas do renascimento do vipassana na índia. Isso aconteceu alguns dias depois, quando fui de avião para Mumbai encontrá-lo na casa dele.
- Há lugar melhor para reconhecer isso do que atrás das grades? Mas eu não estou ensinando budismo - disse ele enfaticamente, um homem grande mas elegante, com uma voz profunda e retumbante. - Não estou interessado em converter as pessoas de uma religião organizada para outra religião organizada. O meu interesse é converter as pessoas do sofrimento para a felicidade, da escravidão para a liberdade, da crueldade para a compaixão. Não me considero budista, mas sou um dedicado seguidor dos ensinamentos do Buda.
Essas palavras poderiam ter sido ditas pelo Buda em pessoa. Goenka queria enfatizar para mim que não era um proselitista religioso, que, em vez disso, promovia o objetivo final do budismo que era o fim do sofrimento.
- Não há nenhum mistério nisso — continuou ele dando uma risada, balançando a barriga volumosa. - Vipassana significa "ver as coisas como realmente são". Depois de observar a sua respiração alguns dias, você começa a prestar muita atenção nas suas sensações. E rapidamente percebe que está obcecado com desejos...
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de alimento, de conforto, todos os tipos de desejos... assim como aversão a coisas desagradáveis. Então você descobre a imperma-nência de tudo isso. Tudo muda. A dor no joelho passa para o pescoço. Uma obsessão ocupa o Jugar da outra e da outra.
Dito isso, ele pôs as mãos grossas uma de cada lado da barriga e fez um gesto de uma sensação de angústia nas entranhas.
- ímpermanência - ele gritou. - ímpermanência, imperma-nência.
Suas mãos apertavam cada vez mais, toda vez que repetia a palavra, como se quisesse enfatizar que aquela conclusão tinha de calar muito fundo nas nossas entranhas mesmo. Lembrei-me daquele gesto muito tempo depois de já ter esquecido grande parte das coisas que ele disse.
- Desses conhecimentos simples, todos descobertos empirkâ-mente por cada indivíduo, a começar pelo próprio Buda, acsh? surgindo uma doutrwa £M%pJá&.
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