Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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vipassana. Eu a convenci de ouvir a minha tosca versão de uma daquelas fitas de orientação para meditação com voz suave. Abri meus olhos depois de dez minutos e ela estava de olhos arregalados para mim, como se eu fosse Woody Allen em Um assaltante bem trapalhão {Take the Money and Run), um dos preferidos dela. Ela não conseguiu levar nada daquilo... nem a mim... a sério.

Entre as pessoas que ela listou para eu entrevistar estava Chen Xiao Xu. Ela parecia a garota da capa menos provável para o budismo socialmente engajado, mas na China as opções eram poucas. Resolvi que apesar dos decretos do governo, qualquer pessoa aqui que pratique publicamente a sua fé já está fazendo uma declaração social que força o governo a assumir sua promessa de liberdade religiosa.

Chen era uma anomalia em qualquer sociedade. Celebridade, capitalista, mulher, budista - ela era tudo isso. O fato de ser chinesa a tornava ainda mais inédita. Aos 39 anos de idade, era presidente de uma das maiores agências de publicidade de Beijing, apesar de ser mais conhecida como uma das estrelas mais famosas da televisão chinesa. Em 1983, quando tinha 18 anos, ela interpretou a heroína trágica Lin Daiyu na versão para televisão de A Dream of Red Mansions {Memórias de uma gueixa), o romance clássico do século XVIII passado em um cenário de fundo do sistema feudal repressivo e moribundo da China. Quando cheguei à China, a série estava comemorando seu vigésimo aniversário de apresentações. Tinha ido ao ar cerca de setecentas vezes na televisão desde a primeira apresentação. Tocava um nervo, pensei, porque os chineses adoram histórias trágicas de amor; para eles não existe outro tipo de história de amor. E de certa forma, aquela época tem paralelo nesta: o declínio e a queda do feudalismo, o declínio e queda da era do presidente Mao. Quando nos preparávamos para a nossa entrevista, Jia se ofereceu para exibir para mim um episódio de Memórias de uma gueixa que tinha em sua coleção de DVDs. E uma saga de muitas gerações que tem incesto, luxaria generalizada, golpe político, casamentos arranjados para reforçar o poder, decadência e indulgência, assassinato, suicídio, doenças demoradas, histórias de pobres que viram ricos e viram pobres de novo, como numa montanha-russa. Essa família fazia The

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Sopranos parecerem The Waltons (Os Waltons). Moral da história: não confie em ninguém, é cada um por si, e todas as mulheres para todos os homens.

Para Chen o papel significava sucesso financeiro, muito além do que ela poderia ter sonhado um dia. Numa época em que a maioria dos chineses lutavam para sair da privação econômica extrema, ela comprava carros e apartamentos e casas para a família. Com o perfil definido como "jovem frágil apaixonada", quando fazia testes para outros papéis não era muito chamada.

- Comecei a pensar se eu não era mesmo Lin Daiyu - ela me disse quando estávamos na sala de conferências da empresa dela, ShiPang Advertising em Beijing, num moderno arranha-céu. O pescoço comprido e as feições delicadas lembravam um pouco a atriz de cinema com muita classe mas aparência frágil Audrey Hepburn, cujo retrato pendia na parede atrás dela. Os olhos doces, simpáticos e expressivos me faziam lembrar de quadros da Madona bíblica. Ela não falava inglês; mas entre sua tradução e a minha nós nos comunicávamos muito bem.

- Passei por um período na vida em que fiquei perdida. Tive de lutar para encontrar um novo caminho.

Então, em 1992, com o namorado, um fotógrafo, ela ajudou a abrir uma pequena firma de publicidade, numa época em que a propaganda na China ainda estava engatinhando. Havia então menos de cem agências no país. Agora há mais de 20 mil. Em 1999 ela já estava ganhando muito dinheiro de novo.

- Depois de sentir o gostinho, eu sempre queria mais e mais, símbolos de status cada vez maiores - disse ela.

E então, de uma maneira quase ilógica, a ficha caiu: aquela sensação de vazio que tanta gente sente, mesmo quando tem todos os bens materiais que deseja. No budismo, esse fenômeno tem um nome: o "fantasma faminto" (preta, em pali), referindo-se ao apetite que jamais pode ser saciado.

- Eu tinha tudo... um carrão, uma linda casa, viajava para onde queria, com luxo mais que suficiente para repartir com a minha família... mas mesmo assim eu ainda era infeliz - disse ela. - Descobri que quanto mais eu tinha, menos feliz ficava.

Mais ou menos nessa época alguém emprestou um livro para ela, sobre a vida e os ensinamentos de Sakyamuni, o Buda.

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- Ele nasceu em uma família rica, mas ele também tinha cada vez menos prazer com as coisas do mundo — disse ela. — Eu pude me identificar com essa parte do que o levou à busca de algo mais substancial, algo que me traria a verdadeira felicidade.

Ela se tornou uma estudiosa sincera do budismo, com um professor chamado Chin Kung, um monge de Taiwan que morava na Austrália. E agora sua vida gira em torno do budismo.

- Inicio cada dia lendo uma escritura budista chamada Apa-rimitayur Sutra — disse ela. - A noite leio outra. Na hora do almoço, quando estou trabalhando, faço um intervalo de trinta minutos de meditação.

As pessoas que trabalham para ela já sabem que nessa hora não devem passar nenhuma ligação. Uma parede inteira do escritório clean é dedicada a estátuas e quadros budistas e fotos do seu mestre. Na mesa da recepção da empresa havia lembranças com temas budistas para dar para os visitantes. ShiPang oferece bolsas e apoio financeiro para projetos de mídia relacionados com o budismo, como assistência a um jovem de Beijing que produz desenhos animados para a TV e DVDs, baseados na vida e nos ensinamentos de Sakyamuni.

- Uma budista na publicidade, uma profissional cujo objetivo é atiçar o apetite do "fantasma faminto" dos consumidores, está me parecendo um oxímoro também, não? - perguntei para ela, apesar de saber que traduzir essa palavra ia ser um pesadelo.

Ela entendeu imediatamente. Seja qual for a tradução, é bem conhecida dos chineses. Oxímoro é bem chinês.

- Sim, algumas pessoas perguntam como faço para conciliar a propaganda, que alimenta o desejo das pessoas de adquirir bens materiais, com o budismo, que promove o desapego a exatamente essas coisas. Não concordo que o budismo ensina as pessoas a levarem uma vida de privações. O Buda estava simplesmente incentivando as pessoas a criarem um mundo feliz para elas.

"Se nós colecionamos 'coisas', ou tentamos obter fortuna pessoal para nós e para a nossa família, podemos não encontrar a realização, mas podemos usar essas mesmas coisas para criar benefícios maiores para os outros, e isso está mais próximo do que é o budismo para mim."

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