Eu me refugio no Buda. Eu me refugio no Dhamma. Eu me refugio na Sangha.
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Você recita isso três vezes, nessa ordem, enquanto se curva diante de uma estátua de Buda. Pode dizer isso antes, depois e até durante a meditação. Ou sempre que sentir que a tentação está chegando. Ou quando a solidão apertar. Quando nada parece estável ou seguro, o Buda, o Dhamma e a Sangha oferecem um lugar de proteção e consolo. Também chamados de Três Jóias, Três Tesouros e de Pedra Preciosa Tripla, são os abrigos budistas para a tempestade, refúgios do nosso sofrimento. O equivalente cristão poderia ser Jesus Cristo, a "boa nova" que Jesus trouxe de Deus e a congregação da igreja, de acordo com o monge beneditino e veterano praticante zen, o irmão David Steindl-Rast, co-autor com Robert Aitken Roshi de The Ground We Share: Everyday Practice, Buddhist and Christian. Os votos budistas foram criados algumas gerações depois da morte do Buda como parte da cerimônia de ordenação dos praticantes radicais preparados para se desfazerem de suas posses domésticas e materiais e partir para a vida monástica.
O Buda é a principal fonte de autoridade e de inspiração. A experiência pessoal dele demonstra que existe uma saída do mundo de sofrimento que é alcançada por meio do esforço de cada um.
O Dhamma é a totalidade dos ensinamentos do Buda. Esses ensinamentos são a bússola com a qual orientamos nosso caminho através da tempestade de sofrimento. (Quando escrita com d minúsculo, dhamma significa "a lei" ou "como as coisas são".)
A Sangha é a comunidade espiritual, o grupo de monges e freiras e mestres da sabedoria budista, assim como seus alunos. Interpreto que também significa a família e a rede de amigos, já que todos são mestres se fizermos esse negócio de budismo direito.
Admito que tenho problema com autoridade, por isso acatar o Buda poderia ser inerentemente contra o meu credo. Seja por profissão ou inclinação, tenho o hábito de procurar as falsidades por trás da verdade. Mas foi o terceiro refúgio — a Sangha — que me deu mais problemas. O jornalista paira à beira da multidão e olha para dentro. Ele transforma o subjetivo em objetivo e acaba "objetificando" até a si mesmo, na verdade separa-se de si mesmo.
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Para obter essa perspectiva o escritor recua e se distancia e faz de si mesmo uma ilha. Levo isso mais adiante ainda. Opto por viver numa ilha de verdade. Então estou numa ilha (minha mente) que está numa ilha (essa gloriosa restinga). Escrevo em casa, de modo que há dias em que não converso nem vejo qualquer pessoa. Se não fossem os e-mails, eu podia estar completamente isolado da humanidade, ou de qualquer Sangha, e não estaria infeliz por isso. Pelo menos procuro me convencer disso.
A minha disposição e capacidade de evitar julgamentos nessa questão da Sangha foram postas à prova e me saí melhor do que pensava, apesar de algumas gafes no início. Esse grupo acabou se revelando bastante interessante, mas até pessoas interessantes podem se tornar sufocantes e chatas depois de pouco tempo. Entre elas havia um homem de Seattle de 37 anos que reconheceu tranqüilamente que tinha se aposentado recentemente e também nos contou que ele era bipolar (como se o fato de não parar de se mexer e seu comportamento errático não indicassem claramente isso); uma ex-freira católica, mulher adorável que tinha se casado e depois, como costumam dizer, tinha se divorciado bem; uma mulher cuja família do marido havia fundado uma escola de belas-artes no Maine, que tinha uma postura regia mas era extremamente ingênua; e o advogado muito bem-sucedido de Portland, cuja clientela, ele informou mais de uma vez, incluía algumas instituições sem fins lucrativos (como se isso pudesse perdoar seu problema com controle). Havia também alguns psicoterapeutas da Costa Leste, duas mulheres que eram viúvas recentes e um fotógrafo, além de algumas mulheres aposentadas. Socioeconomicamente era um grupo com muita renda à disposição; espiritualmente a maioria tinha tido alguma exposição à prática budista nos Estados Unidos. Uns poucos estavam muito envolvidos com a prática budista. E esse era exatamente o tipo de corte demográfico de ponta sobre o qual o sr. Kant & Cia teriam babado.
Mas o mais interessante para mim era o guia da excursão, Shantum Seth, um homem bonito e magro de quarenta e tantos anos, com feições delicadas e uma voz melíflua que misturava os sotaques hindu e inglês. Shantum era de uma família hindu proe-
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