Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



Yüklə 1,47 Mb.
səhifə3/64
tarix03.01.2022
ölçüsü1,47 Mb.
#41617
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   64
19

...

Organizei a expedição pensando na cronologia do budismo. Partindo do lugar em que Buda nasceu na fronteira da índia com o Nepal, eu seguiria seus passos pela índia. Depois acompanharia a passagem dos ensinamentos, primeiro no Sri Lanka, depois pelo Sudeste da Ásia e a cadeia do Himalaia até a China e o Japão, acabando na Europa e nas Américas. Com isso eu ia mesmo circunavegar o globo, do mesmo modo que os budistas rodam em círculos três vezes os locais ou templos sagrados. O ângulo que eu queria era fazer a reportagem sobre o movimento do budismo engajado por todo o mundo, sobre o qual pensava que conhecia alguma coisa, mas que se revelou muito mais disseminado do que eu imaginava. Em Budismo engajado no Ocidente {Engaged Buddhism in the West), Christopher S. Queen, professor de religiões em Harvard, define socialmente o budismo engajado de forma bem simples. Para ele é "pôr em prática o dharma, ou os ensinamentos budistas, como solução para os problemas sociais". Tendo como ponta de lança uma rede internacional interligada de ONGs e instituições sem fins lucrativos - desde o Buddhist Peace Fellow-ship (BPF) em Berkeley, Califórnia, à International Network of Engaged Buddhists (INEB), com sede em Bangcoc; do Center for Contemplative Mind in Society em Northampton, Massachusetts, à Greyston Foundation em Yonkers, Nova York; dos Zen Peacemakers em Montague, Massachusetts, até a Community of Mindful Living de Thich Nhat Hahn, com filiais no mundo inteiro - os praticantes do budismo estavam saindo dos mosteiros, literal e figurativamente. Estabelecem centros de tratamento para AIDS/HIV no Camboja, participam de protestos pacíficos contra as execuções na Prisão Estadual de San Quentin ao norte de San Francisco, lançam-se em iniciativas de reforma do sistema prisional na Tailândia e mais. Monges e leigos estão ativamente procurando diminuir o sofrimento no mundo.

E eu ia cobrir isso tudo.

Pois até mesmo um amador como eu diria que obter esse sinal verde de reportagem era como ganhar a trifecta do budismo. Eu ia galgar muitos níveis de "mérito", cacifes altamente desejáveis a serem resgatados nesta vida ou na próxima. Meu trabalho ia ser o



20
que os budistas chamam de "meio de vida correto", querendo com isso dizer que não só era meu dever não fazer mal a outros seres conscientes, mas também que o assunto do que eu ia escrever poderia beneficiar a humanidade e o meio ambiente. Eu entrevistaria alguns dos principais pensadores e praticantes do budismo, como se todos os dias freqüentasse um curso denominado "Ultimas palestras do dharma". Eu ia pisar em lugares onde o Buda pisou, sentar em cavernas onde ele sentou, atravessar plantações de arroz por onde ele passou... e Buda disse para seus seguidores que pelo simples fato de visitar esses lugares ganharíamos mérito e faríamos descobertas. Além do mais, eu estava sendo pago para fazer isso, poderia ver meu texto em uma das revistas mais respeitadas do mundo e com um pouco de sorte seria promovido à lista A de Convidados Interessantes para Jantares na pequena ilha onde moro. Será que o amor e o despertar estariam muito longe?

Na minha vida pessoal a oportunidade era excelente. As coisas começavam a entrar nos eixos. Até que enfim. A sensação que eu tinha era de que alguém tinha subitamente salpicado um pó mágico em mim e o efeito dele ia reverter a descida escorregadia por onde enveredara a minha vida. O que eu não sabia naquela época era que as coisas iam melhorar ainda mais. Por um tempo. E depois elas iam, bem, mudar. E mudar de novo.

Para entender o quanto essa expedição foi épica, temos de voltar para...

Julho de 2003, para o chão atapetado da sala de estar da casa da minha mãe em Nova Jersey, as minhas costas tendo um espasmo, minha mãe debruçada em cima de mim. Latitude zero, longitude zero na minha vida. Faz um ano desde a morte do meu pai e só agora está me alcançando o fato de eu sentir tanta saudade do homem que passei tanto tempo querendo afastar de mim. Eu tinha voltado para casa depois de ir ao ato de desvelar, a tradição judaica de visitar o túmulo um ano depois do enterro. Eu sou, para todos os efeitos, sem-teto, moro temporariamente num conjunto habitacional no Vale, a sala de espera de Los Angeles para o que já foram, os que querem ser e os que nunca vão ser. A mulher



21

que namoro me deu o apelido de sr. Tartaruga. Eu podia arrumar tudo que possuo na Costa Oeste em meu Subaru Forester, e fiz isso muitas vezes. Essa mesma namorada, cujo estilo de vida típico de Los Angeles eu jamais poderia bancar e que nem ela pode, me botou para fora quando descobriu algumas impropriedades que tenho vergonha demais para repetir até para mim mesmo.

A minha pretensa carreira está sendo ejetada pela descarga do vaso sanitário. Dois projetos de ghostwriting pelos quais me mudei para a Califórnia foram para o espaço. O New York Times, para o qual vinha contribuindo desde 1986 ultimamente passou a rejeitar todas as idéias de matérias que eu propus. Já passaram meses desde a última vez que escrevi algo significativo. Confiei minha vida aos cartões de crédito enquanto esperava que esse Santo Graal do contrato com a Geographic se concretizasse. Mas estou perdendo a esperança. A idéia de que essa tentativa pode ter sido um exercício de auto-engano me projetou em queda livre no esquecimento, para não falar da obscuridade literária. Uma das frases que minha mãe costumava dizer fica sempre voltando como um mantra recorrente: "Perry, você não tem um penico para mijar."

E agora isso. Estou me contorcendo no chão, comendo fiapos do tapete. Minutos antes tinha me curvado em uma manobra desajeitada - estava de bicicleta e parei para me inclinar e recolher uma tartaruga que caminhava pelo meio da rua - e senti o que parecia um tambor rolando sobre o lado esquerdo das costas. E minhas costas ruíram. O lado esquerdo se esfarelou como um biscoito seco e não consegui mais ficar de pé. Não sei como consegui voltar para a casa da minha mãe a poucas quadras dali e agora estou caído no chão. Não me escapa a ironia de que foi a tentativa de salvar minha xará, a tartaruga, que provocou esse mal.

Não existe uma posição confortável. Conheço bem essa sensação. Esse é o terceiro "evento de coluna" em dois anos que me deixou tão debilitado que tive de ficar de cama por dez dias, com dosagem até o limite legal de Advil, reduzido a ir me arrastando até o banheiro porque não conseguia ficar de pé. E já mencionei a dor e o sofrimento?. Reconheci imediatamente a seriedade da situação e, na minha cabeça, já estou cancelando o vôo que tinha

22

reservado de volta para Los Angeles no dia seguinte, pretendendo dar mais uma chance, a última, para a vida na Costa Oeste. Estou imaginando dias entrevado num mundo infernal suspenso chamado Nova Jersey, não obstante aquele mundo infernal do tapete felpudo.

Minha mãe está lá sentada e me bombardeia com seus "você devia".

- Você devia ter feito as malas ontem à noite. Você devia ter mais cuidado. Por que sempre adia tudo para o último minuto?

E a aceleração para a crítica que ela faz à minha vida inteira, e já é previsível que vai terminar com a frase de efeito "penico para mijar".

Minhas costas tinham estalado. Agora era a minha cabeça que estalava. Ela se transforma no inimigo maligno e num ato darwiniano de autopreservação, eu me fecho emocionalmente por completo. Para ela, para mim mesmo, para a realidade das profundezas desesperadoras nas quais agora despenquei literalmente.

A realidade concreta é que tenho o que foi diagnosticado como degeneração de disco. Além de um caso leve de escoliose agora estão aparecendo esporões ósseos. O último raio X mostrou claramente as primeiras duas camadas do que parece um pagode chinês sendo construído entre duas vértebras lombares. Logo se transformará num lugar de veneração. Chegarão os quiropráticos de perto e de longe, e ficarão maravilhados com essa construção. Mas nem é preciso ser um escritor talentoso sempre em busca de uma boa metáfora para ver a situação como é realmente: uma metáfora. Não consigo me sustentar. Não tenho infra-estrutura. Minha vida está desmoronando. Não posso nem ficar de pé para mijar no penico que não tenho. Na próxima semana e meia, dias vividos numa névoa de negação, de Advil e da humilhação de ter de rastejar até o banheiro, o monstro de duas cabeças que mora dentro de mim — o humorista sombrio e o eterno otimista — erguerá suas horrendas cabeças e dirá: "Daqui não há mais para onde ir, a não ser para cima."

Voltei para Los Angeles tendo assumido o compromisso de me empenhar em consertos. Consertar as minhas costas e reescrever



23

a metáfora. Fui ver um nutricionista de Santa Monica, ex-halterofilista, que me convenceu primeiro a mudar a minha dieta e depois tentar corrigir meus problemas estruturais. Sua galeria cheia de fotos publicitárias de celebridades assinadas sorriam para mim com desprezo — eu juro que a do Xavier Cugat chegou a rir de mim —, e elas me seguiram quando saí do consultório dele com cápsulas para queimar gordura, um menu diário com teor elevado de proteína e baixo de carboidratos e uma orientação para beber o meu peso de água todos os dias, junto com a recomendação insistente para não ficar nunca muito longe do banheiro. Nas semanas seguintes ele me enviaria e-mails com bobagens inspiradoras da Nova Era como "P.S. Fique ligado no domínio do seu nível mais elevado de perícia. Reconheça que você é a essência dessa experiência".

Mas me confidenciaram um mantra mais relevante que ia me seguir na volta ao mundo, como um Grilo Falante só meu. Chegue bem perto que vou sussurrar baixinho, quebrando as regras de privacidade do Culto à Reabilitação: "Estabilização do tronco." Essa série de exercícios simples feitos no chão, destinados a dar força aos músculos em torno de toda a região pélvica, foi demonstrada por uma terapeuta de educação física em Encino, uma daquelas cidades que parecem todas iguais ao longo do Ventura Boulevard no Vale. A estabilização do tronco me mantinha na posição vertical pelo tempo das minhas viagens e faz isso até hoje. Toda vez que eu fazia os exercícios, no chão mesmo de algum hotel chinfrim na índia, no chão maravilhosamente atapetado do Four Seasons George V em Paris, eu pensava naquela terapeuta de Encino, presa num centro comercial em cima de uma loja Pep Boys e uma Taco Bell, e enviava muitas flores de lótus de gratidão para ela.

O Buda devia estar observando esse meu esforço para me cuidar porque umas seis semanas mais tarde um editor da National Geographic telefonou para mim e disse que eu estava contratado para escrever a matéria. A primeira coisa que passou pela minha cabeça não foi se eu ia poder encarar o pesadelo logístico de marcar entrevistas em oito países de acordo com um horário que ainda não tinha criado; de telefonar, enviar e-mail e ainda ter




Yüklə 1,47 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   64




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin