Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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Joshua Mulder, que supervisionou a construção da Dharmakaya, retoca o Buda dentro da stupa.

mercadores compraram as mangueiras e doaram para o Buda. Algumas centenas de anos mais tarde o grande rei indiano Ashoka visitou esse lugar em peregrinação budista e erigiu ali um pilar, como era seu costume.

Naquele lugar que ficava a cerca de duas horas de carro de Sarnath, ao norte da antiga cidade de Rajagriha, uns mil anos depois da morte do Buda, foi fundada a primeira universidade residencial internacional pública do mundo. Dois mil professores e 10 mil alunos de todo o mundo budista moravam e estudavam nessa Universidade de Nalanda. Aqui estudaram os melhores e mais brilhantes do mundo, debatendo as escolas Mahayana e Hinayana do budismo, os textos bramânicos e védicos, filosofia, lógica, teologia, gramática, astronomia, matemática e medicina. Vendo hoje aquelas ruínas de tijolos vermelhos, restos de stupas, templos, mosteiros e celas de monges com paredes grossas intactas, mal se tem noção da intensa comunidade acadêmica que um dia floresceu ali.

Um dos alunos mais famosos que estudou em Nalanda foi um jovem príncipe chamado Naropa, que viveu de 1016 até 1100. Um retrato gigantesco de Naropa está pendurado no saguão com pé-direito de dois andares da sede da Universidade de Naropa, uma casa de escola centenária que foi reformada no cam-pus de Boulder que é como um bonsai.

Parei nesse saguão e olhei para cima, para o principesco Naropa. Tinha visitado as ruínas da Universidade Nalanda na índia. Tinha conhecido os tailandeses que viajavam para cá para aprender com esses professores. Eu agora estava em Boulder. Os pontos da minha viagem estavam se ligando entre eles - do oeste para o leste, para o oeste e tudo de novo. Eu imaginava que dali a algumas centenas de anos alguns jornalistas, parados ali onde eu estava, diante do que seriam ruínas, também ficassem espantados com o fato de a Roda ter girado até tão longe e por tanto tempo.

Estou de joelhos numa posição de cachorro, com a bunda empi-nada para o alto, o queixo apoiado entre as palmas das mãos, no

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meio de uma sala dois por dois sem janelas com as paredes pintadas de verde-vômito e iluminação fluorescente combinando, com um tom igualmente nauseante. Talvez seja a posição mais esquisita que já permiti que meu corpo adotasse.

Instruíram-me para ficar nessa posição por 45 minutos, contemplando os estados de inveja e de sabedoria, os dois lados da moeda emocional que essa cor deve evocar, segundo a teoria budista tibetana.

- Eu queria era ver o Buda atingir a iluminação nesta posição - resmungo para mim mesmo.

Então me lembrei daqueles monges maratonistas Tendai e não me senti tão mal. Pelo menos esse tapete é macio.

Há mais quatro salas em torno desta, cada uma pintada e iluminada de cor diferente, cada cor evoca outro conjunto de emoções, e a coisa toda foi criada para replicar uma mandala tradicional tibetana.

Esses cubículos coloridos, chamados de salas Maitri, ficam no porão do prédio administrativo de Naropa, no fim do corredor do centro de computação. Fazem parte do programa de treinamento de graduação em psicologia transpessoal, e integram a sabedoria milenar budista com a psicologia moderna e a magia da iluminação fluorescente. A idéia se baseia na filosofia, ou mais especificamente, psicologia, das Cinco Famílias de Buda. Cada sala corresponde a um dos cinco traços psicológicos humanos (raiva, soberba, paixão, inveja e ignorância) e seus opostos (sabedoria, equani-midade, discernimento, realização e consciência plena). Cada traço tem seu elemento correspondente próprio, sua cor e orientação geográfica. Os tibetanos contemplam mandalas quando meditam - pinturas imensas e circulares, muito coloridas, detalhando as histórias da vida do Buda -, e essas cores e histórias evocam associações que os ligam à sua cultura e à sua história, aos representantes de sua linhagem até o próprio Buda. E finalmente, à essência deles. Isso não acontece com o resto de nós, por mais tempo que fiquemos olhando fixo para elas, por maior que seja o número de canecas de chá de manteiga de iaque que bebamos. Em geral nos encantamos com elas nos museus ou as vemos nas salas de estar dos amigos e perguntamos:

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- Onde conseguiu? Quanto pagou por ela?



Trungpa sabia disso. Mas ele também sabia que se conseguisse fazer com que os ocidentais passassem de alguma forma por aquela experiência que os tibetanos já conheciam num nível intuitivo, ele poderia nos ensinar duas lições pelo preço de uma. Primeira: nós acertaríamos as contas pessoalmente com os nossos demônios e santos - reconhecer, possuir e abraçá-los. A outra: caso estivéssemos entre os pouquíssimos da nossa espécie que não têm nenhuma percepção das emoções aqui mencionadas, poderíamos desenvolver empatia por aqueles que as sentem. Isso, por sua vez, seria benéfico para toda a humanidade. Seria um bem especialmente valioso para aqueles cujas profissões são ajudar os outros.

Por isso Trungpa e, segundo a história, um amigo sacerdote japonês meio louco bolaram esse sistema, projetaram as salas, inventaram as posições originais vagamente parecidas com as asa-nas da ioga, e uma metodologia de imersão. Como era explicado no resumo do curso, a prática no Espaço Maitri de Consciência exige que os alunos fiquem nas salas cinco horas por semana, 45 minutos em cada sala, seguidos imediatamente por 15 minutos de "caminhada sem rumo". Os alunos que conheci em Naropa disseram-me que a experiência pode ser mais do que irritante, pois libera sentimentos sufocados e acumulados que provocam pensamentos neuróticos que eles preferiam não ter de encarar dentro de si mesmos. O segredo é dar tempo para curtir. Perguntei se eu podia fazer o processo Maitri completo, que em geral se diluía no curso de um semestre, em três dias. E isso talvez não tivesse sido uma boa idéia. Era como ficar embaixo de uma lente de aumento no deserto do Saara. Eu ficava com dor de cabeça e de estômago depois de cada sessão, como se tivesse engolido leite estragado. E as costas que estavam se comportando tão bem de repente começaram a doer. Seria a viagem de 12 horas de carro de San Francisco até Boulder? Ou será que era pelo fato de estar carregando a minha bagagem emocional tempo demais? Ou seria apenas a posição estranha que Trungpa havia selecionado ao acaso?

Longa ou curta, foi uma experiência poderosa. Mas havia uma coisa nela que me incomodava. Mais uma vez a palavra

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"fraude" me veio à cabeça. Parecia obra de uma mente hiperativa e complexa. Será que Trungpa tinha ido longe demais? Será que havia exagerado uma tradição para torná-la atraente para outra tradição? Ao modificar a embalagem de uma experiência interna oriental para uma experiência externa ocidentalizada, será que ele estava sabotando as suas próprias melhores intenções? Seria o instrumento falando mais alto do que a mensagem? Saí das salas Maitri fascinado com o efeito que as luzes fluorescentes e o verdadeiramente inspirado gênio de marketing eram capazes de provocar na compreensão de nós mesmos. Sabia que não tinha dado tempo suficiente para a experiência. Tenho certeza de que com o tempo eu ia acabar rompendo aquela estranha sensação de estar no cenário de algum filme de ficção científica pós-moderno de terceira categoria. Mas descobri que os sinos e assobios ambientais me distraíam da exploração mais profunda de mim mesmo.

Nesse meio tempo me disseram que agora eles desenvolveram óculos de plástico de 3-D com lentes coloridas que combinavam com as cores das cinco Famílias de Buda, de modo que a pessoa pudesse ter a mesma experiência visual das salas Maitri em qualquer lugar. Ouvi dizer que os tibetanos que moravam em Boulder estavam levando esses óculos para os tibetanos que moravam na índia. Agora a interpretação ocidental do budismo seria apresentada aos tibetanos, que por sua vez interpretariam isso de outro jeito. As permutações dessa polinização cruzada podiam deixar qualquer um tonto.

Fiquei imaginando se os tibetanos que praticavam com os óculos Maitri perderiam exatamente aquilo que os ocidentais mais queriam: a capacidade de interiorizar a sabedoria. Será? Essa linha de raciocínio lembrou a descoberta de Peta McAuley, a psicóloga australiana que conheci em Hong Kong e que liderava grupos com base na metodologia da Redução do Estresse pela Consciência Plena de Jon Kabat-Zinn. Ela observou que os asiáticos são introvertidos e que os norte-americanos são extrovertidos. Portanto, seguindo o pensamento junguiano, os primeiros são mais atraídos pelas práticas externas do budismo e os últimos pelas práticas mais internas. Então, de acordo com a teoria dela,

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os tibetanos teriam naturalmente mais inclinação para essa prática externa. A meditação mandala em si mesma é exatamente essa prática externa.



Deixando de lado as inconsistências da análise dela, as minhas experiências pessoais nas salas Maitri na Universidade Naropa, combinadas com a teoria de McAuley, sugerem uma resposta possível para uma pergunta que ainda me deixava perplexo: Por que o movimento budista socialmente engajado tornou-se mais popular nos Estados Unidos do que na Ásia?

Uma resposta pode ser encontrada na diferença que há entre o que as culturas do Oriente e do Ocidente mais valorizam. No Oriente a ênfase é dada ao "ser". No Ocidente, é ao "fazer". No Oriente interiorizamos: nós somos. No Ocidente, externaliza-mos: nós fazemos. Nos países budistas do Oriente, ser uma boa pessoa é considerado uma realização notável e invejável. Nos países judaico-cristãos do Ocidente, não basta ser bom - você tem de fazer o bem. Profundamente entranhado nos valores dos judeus e dos cristãos está a idéia de que as "boas ações" ou "atos de bondade" conquistam os pontos meritórios que os budistas conquistam caminhando sobre as pegadas do Buda. Alguns podem argumentar que no Ocidente o fazer tornou-se um modo conveniente de evitar o ser. No entanto, sem esse ethos de fazer o bem, muitos dos programas e iniciativas que encontrei - não só nos Estados Unidos e na Europa, mas também por toda a Ásia - talvez nem existissem. E sem eles, posso garantir que haveria mais sofrimento no mundo.

Dessa forma, o budismo socialmente engajado mescla o melhor do Oriente e do Ocidente, do desejo budista de acabar com o sofrimento e do impulso judaico-cristão de fazer algo de concreto sobre isso. Como tal, o movimento é a continuação lógica do padrão histórico do budismo de adotar e adaptar-se aos comportamentos das culturas locais. A minha esperança é que, enquanto o Oriente puder seguir as deixas do Ocidente sobre como revigorar as grandes tradições do budismo em seus próprios países, essa aplicação das práticas budistas em áreas socialmente relevantes da vida contemporânea encontre maior expressão na Ásia.

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GAUTAMA VAI PARA A GÁLIA




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