Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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O Buda não foi o primeiro a fazer essas perguntas. Esses mistérios mantiveram homens e mulheres acordados em torno de fogueiras nas cavernas e dos churrascos em quintais, desde aproximadamente oitocentos anos antes da Era Moderna. De fato ele estava entre os pensadores que formavam uma pequena patrulha avançada que despertaram do sono de sua civilização antiga numa era que foi apelidada de Era Axial, que obteve esse nome porque esses inovadores criaram o eixo em torno do qual os conceitos sobre a vida começaram a girar e não pararam mais até o noticiário de ontem à noite.

E incluíram os profetas hebreus da Palestina: Isaías (cerca 740 a.C), Jeremias (por volta de 600 a.C), Daniel (cerca 600 a.C.) e Ezequiel (cerca 570 a.C). O persa pai do zoroastrismo, Zoroastro, também era ativo nesse período (por volta de 600 a.C). Mahavira, fundador do jainismo, nasceu em 540 a.C. Na China os filósofos Confúcio e Lao-tzu (século VI a.C.) deixaram sua marca com o confucionismo e o taoísmo, respectivamente. O Ocidente produziu os sábios gregos, Sócrates (cerca 469-399 a.C.) e seu protegido Platão (cerca 427-327 a.C), e mais tarde Aristóteles (384-322 a.C), que nos deu o pensamento crítico e racional.

"A Era Axial marca o início da humanidade como conhecemos hoje", escreve Karen Armstrong, ex-freira que escreveu alguns livros sobre as religiões do mundo, em Buddha, uma das biografias mais agradáveis que pesquisei.

Ela fez parecer que foi o big bang de um homem racional, uma explosão de consciência de 800 para 200 a.C. que nos faz imaginar o que eles deviam adicionar à água potável na época e de que maneira podemos aproveitar isso agora.

"Num mundo que de repente se tornou estranho e desolado...", ela escreve, "um número cada vez maior de pessoas passou a achar que as práticas espirituais dos seus ancestrais não funcionavam mais para elas... que o mundo estava todo errado... que a experiência da mais completa impotência no mundo cruel as impelia a buscar o objetivo maior...



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"Os grandes sábios daquele tempo ensinaram aos seres humanos como enfrentar o sofrimento da vida, transcender suas fraquezas e defeitos, e viver em paz no meio deste mundo imperfeito", ela conclui. "Eles buscavam mais introspecção em sua vida espiritual."

O século V antes de Cristo foi um período de transição na índia. A índia da época de Buda não era uma unidade política e sim uma coleção de países independentes, que muitas vezes competiam uns com os outros pela supremacia. Antigas repúblicas tribais se desfaziam sob o impacto de reinados predatórios e autocratas. Não é surpresa, portanto, que houvessem guerras freqüentes por território com diversos níveis de intensidade.

As cidades estavam crescendo e ficando mais sofisticadas. As pessoas deixavam suas aldeias e terras no campo e seguiam em bandos para os centros urbanos. Com a formação dos estados monárquicos e as cidades capitais que viraram pólos de atividades mercantis, nasceu uma classe de latifundiários ausentes que viviam quase o tempo todo nas cidades, mas tinham vastas propriedades nas áreas rurais. Esses latifundiários ausentes são mencionados no texto pali (pali era a língua falada na região de Buda naquela época e que acabou se tornando a língua aceita das escrituras budistas). Também não é de se estranhar que o suborno e a corrupção fossem a regra na política.

A sociedade indiana era dividida muito nitidamente pelo sistema de castas. As pessoas das castas nasciam com já determinados o trabalho que iam fazer, seu status na sociedade, com quem iam se casar, onde iam morar e com quem podiam comer - na verdade, quase todos os aspectos da vida eram preestabelecidos. A casta mais elevada era a dos brâmanes, os sacerdotes hereditários do bramanismo, os educadores e estudiosos.

No bramanismo, religião predominante na época de Buda, havia um criador supremo chamado Brahma e muitos deuses menores: Aggi, o deus do fogo; Indra, o rei dos deuses; Yama, o rei do inferno ou da morte; Suriya, deus do sol; e outros. Mas havia uma insatisfação generalizada com o bramanismo, e muitas pessoas,



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inclusive um grande número de intelectuais brâmanes, estavam se interessando por novas idéias religiosas. Paralela ao brama-nismo e muito mais antiga era a tradição dos mestres ascetas heterodoxos {samana), que começavam a atrair um interesse cada vez maior. O mais famoso desses ascetas era Nataputta, conhecido pelos seus discípulos pelo título de Mahavira Jain, o fundador do jainismo. Muitas pequenas facções religiosas também surgiram e desapareceram.

Tudo parecia muito familiar: desilusão com os movimentos religiosos predominantes, experiências espirituais, corrupção política, guerras violentas, hierarquias sociais, centros urbanos com superpopulação, crescimento do capitalismo.

Eu não sabia exatamente o que era, mas me identificava com alguma coisa na vida e na época de Siddhartha, apesar das diferenças de dois milênios e 10 mil milhas, além do fato de ele ter sido príncipe de nascença e eu um príncipe judeu por autoproclamação. Mas agora as observações de Armstrong sobre a Era Axial faziam muito sentido. Algumas frases, literalmente, poderiam facilmente se referir — e até terem sido escritas por — à minha geração de baby boomers do pós-guerra. Nós éramos os beatniks contra o status quo, os peaceniks contra a guerra, os ativistas contra as bombas nucleares que viam o mundo se desintegrar por assassinatos, proliferação de armas nucleares e aumento do poderio militar. "Mundo imperfeito" seria um eufemismo no nosso ponto de vista. Desiludidos pelas instituições religiosas hipócritas e cada vez mais irrelevantes, arruinadas por evangélicos megalômanos na TV e escândalos sexuais, lançamos o que veio a se chamar o movimento da Nova Era na década de 1970. Exploramos a filosofia asiática, a cabala esotérica do judaísmo, o xamanismo, rituais dos nativos norte-americanos - qualquer coisa, menos as nossas tradições de anglo-saxões brancos e dos judeus da Europa oriental. Pensávamos que tínhamos escrito o livro sobre alienação, curtimos niilistas como Sartre, solitários como James Dean e um cantor popular que também desejava respostas que eram, infelizmente, meu amigo, sopradas pelo vento ("blowihin the wind" - de Bob Dylan).



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Nos anos seguintes as novas gerações diriam que aqueles sentimentos tinham sido apenas exacerbados. Daí o sr. Cobain e uma interminável linha de produção de anti-heróis culturais da música, da arte, do cinema e de outros mundos.

Havia tanta semelhança entre aquele tempo e este que cheguei a pensar se nós mesmos podíamos estar no meio de uma Nova Era Axial, que seria reconhecida apenas daqui a um ou cinco séculos. Só podemos imaginar quem seriam os ícones axiais dessa era. Freud? Stephen Hawking? O Dalai Lama? Ou alguém meio desconhecido como o cientista de computação da UCLA Leonard Kleinrock, que criou os princípios básicos de packet svuit-ching, a estrutura da Internet? Até especulo que talvez eu tenha descoberto no Buda o primeiro baby boomer do mundo, com tamanha capacidade de prever o futuro, que ele se antecedeu ao atual boom em cerca de dois milênios e meio.

Isso explicaria em parte por que o interesse pelo budismo tem crescido recentemente. Essa tornou-se a minha teoria de trabalho: em tempos como este, como naqueles tempos, quando as pessoas perderam a fé nas instituições espirituais existentes, nas estruturas sociais, na produção cultural e nos paradigmas intelectuais, há algo inerente na doutrina budista que a torna atraente. Que essa qualidade essencial passou a fazer parte do que eu esperava aprender. E não estava disposto a ter o meu raciocínio ofuscado por expressões enigmáticas como a de Antoine de Saint-Exupéry: "O que é essencial é invisível."

Eu vi o desabrochar do movimento engajado como mais uma peça do quebra-cabeça. O budismo sempre encontrou um jeito de ser contemporâneo e relevante, não importa em que cultura se insira. O budismo engajado foi a última ruga num rosto muito velho e sempre sorridente? Seria essa tendência parte do que contribuiu para criar a popularidade do budismo? Será que as pessoas sabiam de sua existência fora dos grupos de budistas? Seria exclusivamente um fenômeno ocidental, influenciado por aquela ética boa e antiga do cristianismo, das boas ações para os outros? Será que o Buda teria aprovado?

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