Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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12 ENTREVISTA COM O DALAI LAMA

Ele me cativou ao dizer alô

A esperança de todos os homens, em última análise, é simplesmente ter paz de espirito. - Sua Santidade o Dalai Lama, MyLandandMyPeopk

É difícil encontrar uma pessoa nobre; tal pessoa não nasce em todo lugar. Quando nasce uma pessoa sábia assim, a família floresce de felicidade.

- O Buda, O Dhammapada

Levei quase um ano para conseguir marcar uma entrevista com Sua Santidade, o 14? Dalai Lama. E apesar de enviar meus melhores clipes, um livro que escrevi e, é claro, a minha carta oficial de apresentação da National Geographic, com uma pomposa fita azul junto. Creio que ele é um homem muito ocupado que simplesmente não precisa de publicidade. No e-mail de confirmação, seu secretário, Tenzin Taklha, que também é seu sobrinho, pediu-me que enviasse a lista das perguntas que eu ia fazer.

Isso não pretende censurar suas perguntas, e sim garantir que, se marcarmos uma entrevista, ela será bem-sucedida e poderemos evitar perguntas desnecessárias. No passado tivemos entrevistadores que fizeram perguntas que Sua Santidade já explicou detalhada-

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mente e que são facilmente encontradas em obras publicadas ou em tópicos que Sua Santidade explicou muitas vezes nesses últimos anos. Com muitos anos de experiência, aprendemos que as entrevistas funcionam melhor sem muitas dessas perguntas. Esperamos que o senhor entenda. Ao mesmo tempo, penso ser importante mencionar aqui que, se uma entrevista for concedida, será por cerca de 45 minutos, no máximo. Por isso recomendamos que o senhor prepare cerca de oito a dez perguntas e que sejam feitas por ordem de prioridade, pois talvez nem tenha tempo suficiente para fazer todas as dez. Quero avisar que Sua Santidade costuma dar longas respostas para as perguntas. E isso muitas vezes faz com que os entrevistadores não possam fazer as perguntas que pretendiam no tempo determinado da entrevista.

Atenciosamente,

Tenzin Taklha

Secretário Adjunto

Gabinete de S. S. o Dalai Lama

Parecia razoável e delicadamente escrito, embora um pouco impositivo. Mas fiquei tão animado que respondi como um cachorrinho bem treinado, e não o obstinado jornalista durão que nem finjo ser, sugerindo obedientemente algumas perguntas mais leves que também podiam ser diferentes das outras:

• Hoje há mais de três milhões de norte-americanos que no último censo declararam ser budistas, três vezes mais do que há dez anos. A que o senhor atribui essa crescente popularidade do budismo entre os ocidentais?

• O senhor pensa que o Buda ia gostar de como o budismo está sendo interpretado no Ocidente?

• Há uma linha de produtos de tratamento de pele chamada Zen, um restaurante da moda em Nova York chamado Tao e outro em Paris chamado Buddha Bar. Taco Bell (uma rede de lanchonetes de comida mexicana nos Estados Unidos) agora exibe um comercial de TV que promove a "enchilada nirvana", com um

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homem levitando na posição de lótus. Como o senhor se sente em relação ao que eu chamo de avenida Madisonização do budismo? Isso dilui a mensagem do budismo? E uma coisa boa?

• Compreendo que o seu interesse agora é espalhar a filosofia do budismo por todo o mundo, e que isso é até mais importante do que divulgar o "budismo" em si, como um movimento religioso. Essa é a sua esperança? O senhor pode elaborar um pouco isso? E isso também poderia levar a uma diluição da mensagem do Buda?

• Estive lendo sobre a Era Axial, o tempo em que o Buda nasceu, junto com Zoroastro, Confúcio, Sócrates, Platão e Aristóteles. O senhor acha que talvez ainda aconteça outra Era Axial como é chamada? É possível que estejamos nela agora?

Não eram as melhores perguntas que eu já tinha feito na vida, em parte porque naquele ponto eu tinha dúvida se a entrevista ia acontecer mesmo, e em parte porque é impossível inventar perguntas novas para um homem que já foi entrevistado bilhões de vezes, talvez em mais de bilhões de vidas, por isso para que tentar? Toda aquela idéia de entrevistar o Dalai Lama era assustadora. E também impressionante. Tente dizer em voz alta na frente de um espelho como se dissesse para amigos num jantar: "Eu vou fazer uma entrevista exclusiva com o Dalai Lama mês que vem." Lá sozinho no banheiro, vai impressionar até você mesmo. Eu fiz isso. Depois pense em fazer a entrevista concretamente, procurando mantê-lo interessado, e logo vai sentir um medo paralisante. Eu fiz e senti.

Para me preparar comecei a ler uma das autobiografias do Dalai Lama, My Land and My People {Minha terra e meu povo). Mas não passei do primeiro parágrafo:

Nasci em uma pequena aldeia chamada Taktser, nordeste do Tibete, no quinto dia do quinto mês do Ano do Porco do Mato do calendário tibetano, isto é, em 1935. Taktser fica no município chamado Dokham e esse nome é bem descritivo, pois Do significa a parte

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mais baixa de um vale que se perde nas planícies, e Kham é a parte oriental do Tibete onde uma raça distinta de tibetanos chamada khampa vive. Sendo assim, Dokham é a parte do Tibete em que nossas montanhas começam a descer para as planícies do Oriente, em direção à China. A própria Taktser fica a cerca de 2.700 metros acima do nível do mar.



Aí estava o meu gancho. Eu ia encontrar esse lugar e ir até lá, uma espécie de paralelo "seguindo os passos do Dalai Lama", mesmo que fosse apenas para usar a experiência como um ótimo início de conversa. Mas eu pensava seriamente que com isso obteria informações para entendê-lo melhor. Ele mesmo não via aquela aldeia desde o dia que foi reconhecido como o próximo Dalai Lama e levado embora de lá em 1939, aos 4 anos de idade.

Não tinha idéia do que esperar do lugar nem sabia onde era, mas isso só servia para torná-lo mais atraente. Depois de garantir a entrevista com Sua Santidade, convenci a revista de que essa viagem para o Tibete era essencial, e assim ela subsidiou talvez o quebra-gelo mais caro da história do jornalismo. Para encontrar a aldeia e levar-me até lá contratei Jia Liming, a tradutora de Beijing com quem já havia trabalhado na minha primeira viagem à China, que falava um pouco de tibetano e que adorava tudo que era tibetano. Ela também cuidaria de obter toda a papelada necessária para entrar no Tibete. Não era uma tarefa fácil, mais difícil ainda para jornalistas. Por meio de seus vários contatos (e eu nunca quis saber o quem e o como da metodologia dela), ela conseguiu os papéis necessários.

Fui de avião da Costa Leste para Beijing, onde peguei Jia. Então pegamos outro avião de Beijing para Lhasa, a capital do Tibete, onde passamos quatro ou cinco dias fazendo as coisas que se faz em Lhasa: Palácio Potala, Templo Jokhang, a tankha mais longa do mundo no Museu do Tibete, acostumei-me à altitude (Lhasa fica a 3.600 metros de altitude, ou 11.200 pés), aprendi a beber o chá de manteiga de iaque com seu gosto estranho, agrido-ce e quase rançoso, e depois aprendi como recusar educadamente uma segunda dose apesar da insistência do anfitrião.

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De lá fomos de avião também para o nordeste, 1.260 quilômetros até a cidade de Xining, capital da província chinesa de Qinghai, metade da qual fica em cima de Sichuan, a outra metade ao norte de Xizang (também conhecida como Região Autônoma do Tibete). Hoje é uma região disputada e era chamada Amdo, considerada parte do Tibete, quando Sua Santidade nasceu. Continua sendo tibetana, culturalmente. Parte da dificuldade e confusão em chegar até a encontrá-la no mapa, pelo menos para mim, era que tem seu nome chinês para os chineses e tibeta-no para os tibetanos.

Partimos com um motorista de Xining bem cedo de manhã. Quando saímos da cidade, com população de mais ou menos um milhão de pessoas, as montanhas tibetanas tomaram conta da paisagem. Campos verdejantes de fazendas e campinas ondulantes subiam até o pé das montanhas e depois aos céus, aquela era sem dúvida a parte mais deslumbrante da China que eu tinha visto, a China dos sonhos antigos e dos murais dos restaurantes chineses de Nova Jersey. Eu não ligava a mínima se aquilo era Tibete ou China: eu estava na província da euforia da paisagem.

Numa curva qualquer vi uma placa que dizia: "Nós devemos desenvolver uma civilização espiritual e uma civilização material", conforme Jia Liming traduziu. Ela disse que a placa tinha o emblema do governo local embaixo.

E enveredamos por ali. Não havia nenhuma outra placa de estrada para identificar nada, mas parecia que o motorista sabia que aquele era o caminho para a aldeia do Dalai Lama. A estrada foi ficando mais estreita, as curvas mais traiçoeiras e em poucos minutos estávamos reduzindo a marcha para enfrentar uma subida íngreme. A cada curva a vista ia ficando mais e mais incrível. E mais e mais longínqua. Do outro lado do vale seguinte pude ver aldeias como pontos, nada que pudesse parecer o tipo de vilarejo onde um homem da estatura do Dalai Lama poderia ter nascido. A estrada asfaltada deu lugar a uma estradinha de terra e depois de lama. Agora estávamos numa via única que parecia suficientemente larga para uma vaca passar. De fato, quando comecei a perder a esperança de que aquilo fosse nos levar ao nosso destino,

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depois de uma curva no caminho paramos de repente, cara a cara com uma família de cinco pessoas em cima de um pequeno trator.



- Estamos completamente perdidos, Liming - disse eu. -Não pode ser aqui. Por favor, pergunte para essas pessoas se elas sabem o caminho.

Ela perguntou. Sem hesitar eles apontaram para um ponto logo atrás de nós, uma pequena trilha enlameada que subia para um amontoado de casas de lama e tijolos construídas na encosta de um despenhadeiro.

- Lá para cima - o jovem pai disse para ela.

- Lá para cima o que*. — Duvidei que ele tivesse entendido a pergunta. - Diga para ele que estamos procurando a aldeia onde o Dalai Lama nasceu.

- Foi o que perguntei. - Liming se esforçou para responder com paciência, mas deu para ver os olhos dela rolando nas órbitas. - Ele diz que aquilo - e então ela apontou para a trilha - é z aldeia onde nasceu Sua Santidade.

- Não pode ser. Pergunte para ele de novo. Não, pergunte para ela, ela parece mais inteligente.

Liming nem fez a pergunta. Começou a pegar nossas malas, mais animada do que eu e certamente mais convencida de que aquele devia ser o lugar. Não tive escolha a não ser segui-la. Dei instrução para o motorista esperar ali por nós e partimos a pé.

Era uma aldeia humilde como as que tinha visto na China, ou em muitas outras partes do mundo. Não havia uma praça central. Nenhum comércio. Nenhum carro. Pouquíssimas cores além do marrom.

- E isso? - eu ficava resmungando. - O homem que bilhões de pessoas acreditam ser a pessoa mais espiritualizada do mundo hoje, o homem que os tibetanos esperam que possa liderá-los de volta ao país do qual foram exilados, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1989, autor de uns setenta livros e de umas trinta fitas gravadas, o ícone que viaja incansavelmente para se encontrar com dignitários internacionais, que dá palestras para estádios de futebol lotados nos Estados Unidos... foi aqui que o Dalai Lama nasceu?

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Se isso é verdade, torna a vida dele ainda mais espantosa.

E era verdade. Ali, em 6 de julho de 1935, Lhamo Dhondrub nasceu de uma família de pobres plantadores de batata. Foi reconhecido como o Dalai Lama ("Oceano de Sabedoria" na língua mongólica) aos 2 anos de idade, depois de reconhecer o rosário do Dalai Lama anterior. No budismo tibetano, acreditam que o Dalai Lama é a encarnação de Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão. Quando morre o Dalai Lama, dizem que sua essência passa para o corpo de um bebê. Depois de reconhecido, Lhamo Dhondrub recebeu o nome de Jetsun Jamphel Ngawang Lobsang Yeshe Tenzin Gyatso e se referem a ele como Yeshe Norbu, Jóia que Satisfaz Desejos, ou Kundun. Em 1939, quando tinha 4 anos, ele foi levado de sua casa e iniciou os estudos como monge em Kumbum. Quando o Dalai Lama era adolescente tornou-se o líder do governo tibetano que lutava contra as forças de ocupação da República Popular da China. Desde 1959 o Dalai Lama tem sido o líder do governo no exílio. Uma única vez, em toda a sua vida, ele retornou para visitar a aldeia onde nasceu, mas apenas por duas horas.

Chegamos ao topo da trilha e vimos uma construção que parecia ser um mosteiro... o mosteiro. Entramos meio ressabiados e fomos recebidos por uma mulher que Liming determinou que era casada com um sobrinho de Sua Santidade. O nome dela é Tsekutze. Sim, aquele era o lugar onde ele havia nascido, ela confirmou. Seguia sempre atrás dela o lindo neto com 10 anos de idade, Tezín Sonan que, segundo ela, recebeu esse nome de Sua Santidade.

Entramos e a parte interna era parecida com muitos outros templos, com pequenas salas que davam para um pátio central, com bandeiras coloridas e puídas de oração, de tecido fino, balançando e desafiando os elementos. A espera do sobrinho do Dalai Lama, fomos levados para "o quarto", o local em que ele nasceu. E um quarto relativamente despojado, com piso de linóleo. No centro há uma roda de oração de madeira, que nós fizemos rodar. As paredes são cobertas de fotografias de Sua Santidade, tankhas e lenços de seda branca, o presente tradicional de troca entre Sua Santidade e os convidados. O teto é um dossel de tapeçaria tibe-

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tana. Sobre a mesa que serve de altar, encostada na parede atrás da roda, havia oferendas de biscoitos, maçãs e algumas notas de dólar norte-americano. O que eles poderiam comprar ali com moeda norte-americana?, eu pensei. E então lembrei que não tinha levado nenhuma dádiva. O meu presente, raciocinei, seria levar aquelas imagens e sons para Sua Santidade pessoalmente.

No altar há uma foto do líder espiritual no exílio, alguns potes de bronze ritualísticos que ele enviou da índia e uma carta escrita a mão por ele. "Eu nasci aqui com o nome de Lhamo Dhondrub", diz a carta. "Fui considerado a reencarnação do Dalai Lama anterior e fui embora. Nunca esqueci minha aldeia natal. Rezo pelo seu povo e espero que todos estejam bem."

Quando chegou o sobrinho, sentamos no que devia ser a sala de estar da família, com retratos da própria família. Para tristeza do meu estômago, serviram chá de manteiga de iaque. Bebi bem devagar.

O sobrinho, Gongbu Tashi, um homem de 58 anos que nasceu e foi criado ali, tinha sido professor e diretor da escola fundamental do lugar. Agora era vice-presidente de uma associação municipal que organiza conferências, mas não consegui saber com que propósito. Há cerca de cinqüenta famílias, talvez trezentas pessoas, que moram na aldeia. A maioria ainda é de fazendeiros simples, como no tempo em que o Dalai Lama nasceu. Eletricidade e água encanada chegaram a Taktser no final da década de 1970. Água quente em 1989. A aldeia é chamada de Hong Ai, ou Dang Cai; e o município é Ping An.

Gongbu Tashi explicou que o governo do Tibete tinha construído a casa em 1943 para a família do Dalai Lama. Com a Revolução Cultural, foi tudo destruído. Mas em 1986 o governo a reconstruiu. Apesar de terem nos dito que o quarto que acabávamos de ver era onde Sua Santidade tinha nascido, isso não era exatamente correto, ele disse. Ele nasceu em um quarto que existia naquele exato lugar, Gongbu garantiu.

Desviei a conversa para problemas mais complicados. Perguntei até onde ia a tolerância do governo chinês com a prática e crença no budismo.

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- Agora é praticamente livre - ele me disse. - Não é só um problema religioso, é político também. O nosso país faz um trabalho muito bom pela liberdade de crença.



Será que ele estava brincando? Dizia aquilo só para mim? Será que tinham feito uma lavagem cerebral nele? Será que conhecia as violações dos direitos humanos registradas regularmente por vários grupos, não só pelo governo tibetano em exílio? Será que tinha ouvido falar do movimento Libertem o Tibete? Será que estava na folha de pagamento e escondia a verdade? Não fiz nenhuma dessas perguntas e permaneci respeitosamente em silêncio.

Gongbu então nos levou lá para fora. Parados na frente do mosteiro vimos os vales que subiam e desciam como ondas verdes. A distância, ele observou que as montanhas faziam parte da cordilheira Kunlun.

- Aquela montanha com as nuvens é a mais alta de toda essa região e sagrada para os tibetanos - disse ele.

Era o monte Tsongkhapa, cujo pico, ele disse, parecia uma flor de lótus.

- O lugar parece todo cheio de flores de lótus e esta aldeia fica no caminho das lótus. Muito bom feng shui para esta aldeia.

A direita, na vertente de uma pequena colina podíamos ver uma stupa branca e solitária, com uma pequena torre subindo para o infinito céu de azul néon.

- Aquela stupa — disse ele. — é o centro das lótus. Há coisas que são mágicas, nunca saberemos por que acontecem - continuou ele, e então nos contou uma história do décimo terceiro Dalai Lama, Thupten Gyatso (1876-1933), que também teve de fugir do Tibete, primeiro em 1904 quando o Tibete foi invadido pelas tropas britânicas da índia, outra vez para a índia para escapar de uma conspiração chinesa para depô-lo. Ele, diferente do décimo quarto Dalai Lama, venceu, e em 1911a influência militar chinesa no Tibete praticamente desapareceu. Como o atual Dalai Lama, Thupten Gyatso tinha uma visão muito progressista e ajudou o Tibete a entrar na era moderna, instituindo um sistema postal, o papel-moeda, estradas e a primeira usina hidrelétrica do país. Creditam a ele ter revitalizado a instituição do Dalai

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Lama com seu caráter forte e visão política, e ter procurado acabar com os séculos de isolamento do Tibete.

Uma vez, viajando com seu séquito de Kumbum para um mosteiro na província de Gansu ao norte, Thupten Gyatso ficou um tempo descansando naquela pequena stupa que estávamos vendo. Conforme a história, ele disse que achava que a aldeia próxima era tão tranqüila que um dia gostaria de renascer ali.

E assim aconteceu. Apócrifa ou não, era matéria dos sonhos da Câmara do Comércio. Mas ali no Tibete, no teto do mundo, o desenvolvimento do turismo acontece ao longo de sensibilidades promocionais totalmente diferentes.

— O que você diria para o seu tio se ele estivesse aqui agora? -perguntei espontaneamente para Gongbu. - Aliás, diga para ele agora — eu disse e apontei o gravador para a sua boca. — E eu toco essa fita para ele quando encontrá-lo no mês que vem.

Ele sorriu e imediatamente começou a falar em tibetano, que mais tarde Liming traduziu para mim.

- Nós aguardamos, temos esperança e contamos com que venha para cá todos os dias. O senhor é meu tio, está ficando mais velho, e é hora de voltar. As estátuas e os retratos do Buda que o senhor me deu na índia, nós exibimos aqui e todos os dias muita gente vem para este lugar com devoção. Não são poucos, são muitos. Aqui, especialmente, somos livres para acreditar no budismo ou em qualquer religião. Hoje está muito bom. Isso eu digo do fundo do meu coração. Agora o governo está fazendo um trabalho realmente bom e nos deu toda a liberdade.

Fiquei muito comovido com a sua sinceridade e acabei esquecendo aquelas perguntas duras de antes. Não importava se ele tinha sofrido lavagem cerebral, se estava com medo ou ganhando para isso. O homem se sentia livre. Quem era eu para negar?

Agora, seis semanas depois, com as fitas e fotos de Taktser na mão, eu estava na sala de Tenzin Taklha, olhando para algumas estantes cheias de pastas com etiquetas como "Pedidos de entrevistas 2002-2003". "Pedidos da mídia de entrevistas: aceitas", "Pedidos

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da mídia de entrevistas: negadas". Tinha de anos antes e chegava até a minha.



Eu já havia passado pela segurança e, Tsuglag Khang, o complexo em McLeod Ganj que inclui os templos, as salas de adoração, o mosteiro, os dormitórios dos monges e o sanctum sancto-rum que compreende o Gabinete de Sua Santidade o Dalai Lama (OHHDL). E seguindo a estrada dos ventos de Dharamsala, onde o governo do Tibete em exílio tem um conjunto próprio de prédios, com diversos para o ministério e o parlamento. Antes de o governo tibetano ir para lá em 1960, Dharamsala era apenas mais uma aldeia sonolenta no estado indiano ao norte chamado Himachal Pradesh, encarapitada no platô da cordilheira do Himalaia com as imensas montanhas Dhauladhar acima, com altitudes de até 5.200 metros (17.000 pés). Hoje a chamam de Lhasa Pequena. As ruas têm fileiras de lojas que vendem tecidos fabricados ali, jóias e outros objetos locais. Os muros pelas ruas são cobertos de protestos por justiça na luta tibetana pela independência do governo chinês.

A caminho da entrevista parei para ler um ou dois cartazes, e refleti na expressão sensível de Gongbu. Eu vi "Libertem o Tibete" - a frase, a camiseta, o adesivo de pára-choque, o movimento - e agora precisava perguntar: "Libertar de quê?" Claro, libertar o Tibete do bem documentado controle opressor comunista chinês. Libertá-lo da aniquilação ainda mais devastadora e sistemática de sua herança cultural. Mas alguns milhares de anos de vida independente, isolados geograficamente, separados politicamente, num vácuo cultural e com auto-expressão religiosa, já os tinha libertado. Se você conheceu algum tibetano em Boulder, ou em Seattle, ou em Boston, deve ter se surpreendido com a facilidade deles de rir, com a luminosidade do seu rosto, como seus olhos parecem dançar e como os mais velhos exalam algum conhecimento para o qual você ou eu jamais encontraremos o site na Internet. Eles parecem leves e não parecem se incomodar com o incessante ruído branco que os ocidentais chamam suas mentes. Se Gongbu pensava que era livre, ele era livre. A liberdade é um estado mental.

Turistas, peregrinos, tibetanos, indianos, ocidentais, orientais, todos perambulavam pelos templos que cercavam o pátio do lado

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No lugar em que Sua Santidade o décimo quarto Dalai Lama nasceu, eu ensino ao sobrinho-neto do líder tibetano Tezin Sonan coisas do Ocidente: o cumprimento batendo as mãos abertas, o high five.

de fora do Gabinete de Sua Santidade. Eles giram a roda mais uma vez para ter sorte. Observam monges estudantes engajados em seus antigos debates teológicos. Pequenos grupos de jovens carecas de mantos bordo se reúnem em torno do monge. Batendo palmas exuberantemente, eles desafiam a posição de cada um sobre a doutrina budista. A palma significa o ponto de interrogação para enfatizar alguma pergunta como: "O que é o vazio?"

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Tenzin levou-me para mais uma sala de espera. Nessa sala cada centímetro de espaço nas paredes era cheio de citações e prêmios e fotografias com presidentes, astros e estrelas; placas de bronze com agradecimentos, cartas elogiosas com belas molduras, medalhas, medalhões, cidadanias honorárias de lugares como o condado de Orange na Califórnia, diretoria de supervisores. Eu estava com o homem que seria meu tradutor, Lhakdur, que explicou que a minha entrevista ia atrasar por causa de dois cinegrafis-tas da BBC que faziam um documentário sobre Sua Santidade.



Estou em companhia de gente muito influente, pensei. E logo em seguida concluí: difícil ser o próximo ato.

Fiquei imaginando se eles pediriam para filmar a minha entrevista com Sua Santidade. E curti a idéia: teria o documento para a posteridade, um clipe para meu arquivo de relações públicas. Mas estava principalmente preocupado porque o tempo deles estava reduzindo o meu. Tenzin tinha sido bem claro ao dizer que eu teria apenas 45 minutos para fazer a minha entrevista.

A dupla da BBC finalmente saiu de lá e veio direto na minha direção.

- Você é da National Geographiâ — perguntou Jonathan, o mais alto, que se parecia com Hugh Grant.

Eu fiz que sim com a cabeça, humildemente.

- Soubemos que você estava aqui - ele quase gritou. - Bom trabalho! Estou honrado de conhecê-lo. Meu pai assinou a revista anos a fio.

- Leu a revista recentemente? — perguntei.

- Cara, não. Quem tem tempo? Só quando estamos no consultório do dentista.

Jonathan não era bem o tipo de inglês tímido e introvertido, mas fiquei surpreso com a rapidez com que ele foi ao ponto.

- Olha, será que podemos filmar a sua entrevista? Sabe... — e aqui ele formou dois Ls com os polegares e os indicadores e varreu uma tela de TV imaginária para mostrar para onde iria o filme - National Geograpbic entrevista Sua Santidade.

Esse cara era bom. Será que eu era tão transparente assim? Agora eu tinha de lutar contra o meu ego. Devia deixar os dois fazerem o filme e logo receber tanta atenção que a BBC me ofere-

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ceria um emprego para vagar pelo mundo entrevistando pessoas fascinantes? Ou será que devia proteger a privacidade da entrevista pela qual tinha esperado tanto tempo para conseguir e manter a minha integridade? Eu sei: a escolha parecia óbvia. Mesmo assim, estava morrendo de vontade de dizer sim. Você não estaria? Até o Buda teve de resistir à tentação sob a Arvore Bodhi, lutando contra o poder de sedução de Mara, que perseguiu o jovem Sidartha: "Você não é puro, você imagina que é puro. O caminho da pureza está longe de você."

Então ouvi a letra de "Lose Yourself" cantando no meu ouvido. Eu aproveitaria aquela oportunidade única? Ou estragaria tudo?

Lhakdur não saberia distinguir Eminem de um enema, mas ele me analisou como se pudesse entender minha perturbação interna.

- O que vai fazer sobre a BBC? - perguntou ele.

- Acho que vou recusar a oferta - disse eu.

- É uma sábia decisão - respondeu, balançando a cabeça em sinal de aprovação.

Ele devia pensar que aquilo era sinal da minha integridade, mas eu sabia qual era a verdade: eu queria o Dalai Lama só para mim. Não queria que ele se distraísse com outra coisa a não ser comigo.

— Sua Santidade vai recebê-lo agora — anunciou um assistente.

Eu fiz milhares de entrevistas nesses 35 anos como jornalista. Esta provocava um medo enorme em mim. Na noite anterior tinha revisado as minhas perguntas e a minha estratégia. Rolei a fita para a parte com o comentário do sobrinho do Dalai Lama e ensaiei como ia sugerir que ele pusesse os fones de ouvido no lugar. Meditei e procurei só ter pensamentos puros, sabendo muito bem que se tivesse um único pensamento impuro ele seria capaz de perceber isso em mim e cancelar a entrevista na hora. Comi apenas um pouco de frutas e nozes e fui para a cama cedo.

Agora, ali de pé pegando a minha parafernália, entrei em pânico. Não tinha estudado nem me preocupado em perguntar para ninguém os protocolos que precisava seguir no encontro com um lama tibetano, menos ainda com o lama de primeiríssi-

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mo escalão. A regra número um, que parece ser apropriada em encontros com qualquer sacerdote budista de qualquer patente em toda a Ásia é: "Olhe mas não encoste." Resolvi que ia me curvar com as palmas das mãos juntas, mas não estender a mão para ele, o gesto quase involuntário que os homens ocidentais fazem com os outros.



Saímos pela porta da sala de espera e chegamos a uma varanda com vista para um jardim e um gramado. Eu estava esperando uma longa caminhada para outra sala de espera e depois, talvez, ser levado para a sala de entrevistas de Sua Santidade. Quando dobramos a esquina da varanda eu olhava para o chão porque quando fico nervoso costumo ficar encabulado. Olhei para cima e quase atropelei Sua Santidade. Dei rápido um passo para trás, juntei as palmas das mãos e modestamente curvei o corpo na altura da cintura. Quando ia me curvar outra vez (lembro que devemos nos curvar três vezes, uma para cada uma das Três Jóias da sabedoria budista, o Buda, o Dhamma e a Sangha), vi que ele se aproximou de mim com a mão estendida, possivelmente para apertar a minha, no estilo ocidental. Olhei confuso para o sr. Lhakdur. Mais uma vez ele leu a minha mente, sorriu e meneou a cabeça para eu ir em frente, e concluí que queria dizer que não fazia mal ter contato físico.

O Dalai Lama - a décima quarta reencarnação do Buda da Compaixão, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, reverenciado como um ser iluminado — segurou a minha mão e apertou com força. Primeiro sem jeito e depois entusiasmado, apertei a mão dele - e acrescentei um pouco da minha força. Ainda procurei manter o decoro e, por sentir um enorme respeito (e medo de que minhas palmas molhadas de suor negariam minha calma exterior), tentei tirar a mão, raciocinando com base na suposição de que também devia haver algum protocolo para definir o tempo que é apropriado apertar a mão do Dalai Lama. Mas para minha surpresa e prazer, ele apertou minha mão ainda mais.

Claro que sim, pensei, segure a minha mão... para sempre. Ele diminuiu a força da pegada um pouco, mas não soltou. Em vez disso foi me levando assim, sua mão direita segurando a minha mão direita, caminhando lado a lado, desde a varanda até o fim de

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uma sala bem comprida, quando paramos na frente da cadeira dele. E finalmente ele me soltou, naquele ponto para alívio meu. Se não soltasse — e na metade da sala eu resolvi que ia ficar assim até ele soltar, não antes -, eu já estava planejando como manejar o gravador com uma mão só.

Devemos ter ficado de mãos dadas por quase um minuto. Eu nunca tive uma experiência igual àquela com outro homem e já abracei mais homens do que a maioria dos homens. Aquilo me desarmou completamente - como homem, como jornalista, como ser humano — e ao mesmo tempo fez com que me sentisse totalmente abraçado e aceito. Foi assexuado, mas muito sensual. A gentileza dele era palpável. E de algum modo a calma dele fez com que eu me sentisse calmo também. Era como se ele estivesse fazendo uma transfusão de tranqüilidade da mão dele para a minha.

Ele me cativou ao dizer alô.

E pensei, lá se vai a minha objetividade jornalística. Eu era como massinha nas mãos dele e qualquer idéia de entrevista isenta desapareceu. Ele sentou no seu lugar, uma cadeira de madeira de costas altas que parecia dura, desconfortável, coberta com as tapeçarias espessas que caracterizam a mobília tibetana. Sentei ao lado dele num sofá alto e grande demais que me fez sentir como um garoto de nove anos, com as pernas balançando no ar.

Ao vê-lo assim tão de perto, a uns 60 centímetros de mim, fiquei hipnotizado. Ele tinha um rosto enorme, dominado pelos óculos, e um rosto muito expressivo. Mudava de interessado para sábio, para brincalhão, numa única frase. Tinha poucas rugas da idade, apenas as de expressão.

Entrei imediatamente no roteiro que havia ensaiado umas seis semanas inteiras.

- Sua Santidade, sei que enviei algumas perguntas e vou fazer quantas o senhor me permitir. Mas quero prescindir delas e pedir a sua indulgência primeiro.

Rapidamente expliquei a minha viagem para Taktser.

— E então eu trouxe de volta uma coisa de onde o senhor nasceu - eu disse, e aí peguei as fotografias que tinha mandado ampliar em Washington D.C. e mostrei para ele. Entre elas havia

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uma foto da stupa branca na montanha vizinha à de Taktser. Ele parou nessa e disse:

- Alguém lhe contou ou não...? - ele começou a perguntar.

Eu conhecia a história que pensava que ele ia começar a contar, mas balancei a cabeça indicando que não. Queria ouvir a versão dele, já preparado para fazer uma pergunta sobre isso.

- Foi nesse lugar que o décimo terceiro Dalai Lama... Eu não sei exatamente, mas me disseram que o décimo terceiro Dalai Lama estava passando por esse lugar. Então ele parou para descansar e olhou para a minha aldeia. E exclamou: "Ah, essa aldeia é muito linda." As pessoas disseram que o décimo terceiro Dalai Lama determinou que sua próxima reencarnação acontecesse naquele lugar.

Ele contou a história com toda a simplicidade, cuidando para escolher expressões como "me disseram" e "as pessoas disseram". Esperei um segundo para ver se ele ia continuar, pronto para fazer a minha primeira pergunta potencialmente irritante, que seria: "O senhor acredita nessa história?" Mas antes de poder perguntar ele fez uma pausa com tempo perfeito de comediante e acrescentou:

- Quem pode saber?

Então deu sua risada registrada, um riso contínuo que durava tanto que parecia ter vida própria. Apesar de obviamente acreditar na reencarnação, ele considerava tais previsões com certo realismo.

Eu peguei a fita cassete do sobrinho dele.

- Agora tenho aqui um recado para o senhor de alguém que conhece em Taktser — eu disse e dei para ele os fones de ouvido, que ele pegou e ajustou na cabeça sem hesitar, parecendo feliz com a brincadeira.

Foi uma visão estranha, por nenhum motivo especial: o Dalai Lama com fones de ouvido. Bem pouco próprio de um Dalai Lama.

Pus a fita do sobrinho dele. O recado durava cerca de três minutos. Ele ouviu atentamente, sua expressão ficou mais suave, em certo ponto as sobrancelhas se juntaram quando ele franziu a testa. Ele sorriu e balançou a cabeça, concordando.

- Eles pensam nisso todos os dias - disse ele e depois ficou em silêncio.

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- Quando caminhava para chegar à aldeia - disse eu -, pensei que era incrível que de um nascimento tão humilde um homem pudesse chegar a tamanho reconhecimento no mundo todo. Isso também o surpreende?



- Sim, olhando para trás, uma pessoa de uma aldeia muito pequena acaba chegando a Lhasa com o nome de Dalai Lama. E então nas últimas décadas o interesse da nação tibetana fica de certa forma muito ligado àquele menino da aldeia.

Ele riu como se tivesse acabado de pensar no quanto a idéia era implausível.

E isso me fez lembrar de Abraham Lincoln, que toda criança norte-americana sabe que nasceu num barraco de um cômodo só, filho de lavradores pobres do Kentucky, e em quem toda criança norte-americana pobre se inspira para sonhar que também pode chegar a ser presidente dos Estados Unidos. Mencionei isso para Sua Santidade e recordei o apelido de Lincoln, o Grande Eman-cipador, o defensor da liberdade para os escravos de descendência africana nos Estados Unidos. Agora eu estava diante de um homem com o mesmo passado humilde que pode um dia ser reconhecido como o emancipador do país dele. É claro que não esqueci a principal diferença entre os dois: Lincoln foi eleito pelo povo norte-americano, e o Dalai Lama foi eleito milhares de vidas atrás.

- Acreditamos que não temos apenas uma vida, mas muitas -continuou ele -, por isso podemos explicar algumas coisas como certezas ou como coincidência... É claro que em geral todos os seres humanos possuem o mesmo potencial, todo indivíduo, não importa onde essa pessoa ou menino nasceu. Eu não sei se é facilidade, ou oportunidade, ou circunstância. Do ponto de vista budista, temos vidas passadas ilimitadas. Por isso durante, digamos, as últimas centenas ou milhares de anos, ou de vidas, criamos car-mas diferentes, ou elos, de modo que acabamos criando destinos diferentes... Algo assim.

Algo assim como? Aquilo parecia baboseira budista para mim. Procurei encaminhar alguma coisa que eu pudesse compreender.

- Então talvez os seres humanos comecem a vida encaminhados para um destino, mas então, como bolinhas de pingue-

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pongue, levam uma raquetada e se movem em outra direção? É algo assiml



- Isso mesmo - confirmou ele. - Além disso, do ponto de vista budista, daqueles milhares de vidas ou de anos certas formas acabam se desenvolvendo, mas até o último momento outros fatores podem surgir e provocar mudanças. Muitos fatores. Como uma semente que cresce e se transforma numa flor, até o último momento tudo é possível.

- Como o vento carregá-la em outra direção e o senhor podia ser um lavrador em Taktser? - perguntei.

- Ohhhh, é isso mesmo. - Sua Santidade deu uma risada.

- Mas tenho a impressão de que o senhor não seria um lavrador até agora naquela aldeia - propus, e ele riu ainda mais. — Bem, fico feliz de poder trazer essas coisas de Taktser.

- Obrigado, obrigado - disse ele.

Agora eu estava pronto para lançar as perguntas que havia preparado. Mas como seus assistentes tinham previsto, ele levara tanto tempo para responder à primeira pergunta que eu mal consegui formular o resto. O Dalai Lama é um pensador sistemático. Lembrei que um dos passatempos dele era participar ativamente na montagem de relógios. Isso ficava evidente no modo que ele organizava suas respostas. Quando perguntei a que atribuía o crescimento do budismo no Ocidente, a pergunta de 64 mil dólares que eu fazia no mundo inteiro, ele começou a criar "categorias", como ele mesmo chamou. Elas surgiam rápida e furiosamente.

- No Ocidente as pessoas têm a visão de que o Tibete é uma terra misteriosa. E também penso que há uma geração que entrou no sistema agora e que por isso deseja algo novo. Na época dos happies...

Aqui Lhakdur o corrigiu:

- É hippies. Todos nós rimos.

- Gosto da sua pronúncia — disse eu. — Happies é melhor do que hippies.

- Ah, ah, ah! - Sua Santidade entendeu. - Acho que eles são bastante livres, bastante felizes. Então essa é uma categoria. Outro fator, talvez outra categoria, é que o conceito genuíno do budis-

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mo é autoconfiança e autotransformação. Por que eu digo "genuíno"? Num nível popular muitas pessoas veneram coisas como flâ-mulas de oração ou... essas pessoas costumam se satisfazer com essas coisas, mas esse não é o conceito genuíno do budismo. "Genuíno" significa olhar para dentro em busca da autotransformação. Não só verdadeira oração ou recitação, mas meditação, análise, raciocínio. Acredito que a técnica budista genuína é apenas uma ampliação da consciência: qual é a realidade com base na lei das casualidades?

"Outra categoria: alguns descrevem o budismo como um tipo de humanismo, que apenas enfatiza as boas qualidades humanas.

"Depois: algumas pessoas que não se preocupam muito com a próxima vida ou com o nirvana. Elas querem algum tipo de transformação emocional. Resultado: mais feliz, mais calmo.

"E mais uma categoria: raciocínio, realidade. A explicação budista para a mente é bem sofisticada. Agora alguns cientistas estão fazendo experiências."

- Sim - interrompi, morrendo de vontade de impressioná-lo com meus contatos e conhecimento. — Talvez o senhor esteja se referindo a alguns dos meus amigos, Richie Davidson e Dan Goleman, que conheço há muito tempo.

Por sorte ele não reclamou de meu egocentrismo.

- Sim — continuou ele —, eles descobriram algum efeito, novas descobertas, novos fatos. Então, incluindo alguns cientistas, isso atrai os intelectuais e filósofos que estão demonstrando interesse cada vez maior e mais profundo na explicação budista.

"Outra categoria: o budismo tem deuses e deusas diferentes, de riqueza e saúde e vida longa e que curam doenças. Algo assim. Cordões de proteção. Reze para os deuses curarem uma doença ou para ter sucesso nos negócios. [Aqui ele deu uma risadinha.] Isso é superficial. Não é o principal."

Então apresentei minha teoria:

- Nas minhas entrevistas pelo mundo, notei que as pessoas e até os países encontram historicamente o budismo quando estão cheias de dinheiro, sucesso, poder político. Cheias até da religião. Elas questionam as religiões baseadas na fé. O budismo não pede para você "mergulhar na fé", como dizemos. É tudo empírico,

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como o senhor disse. O senhor acha que essa idéia é válida? Que as pessoas aderem ao budismo quando estão cheias, mas não satisfeitas? E agora, o Ocidente está nesse mesmo ponto... cheio mas vazio.



- Sim - disse ele. - Essa é uma nova categoria. Antes de mais nada, o material. Há limites. No princípio nós sentimos: "Ah, quando tivermos prosperidade, todos os problemas poderão ser resolvidos." Depositamos todas as esperanças no dinheiro ou no poder. Então, quando temos essas coisas, por meio das próprias experiências entendemos suas limitações. Você pode ser bilioná-rio, mas sentirá falta de alguma coisa.

- Nós chamamos isso de rendimentos reduzidos - sugeri.

- Então, com a consciência mais profunda, por meio das próprias experiências, essas pessoas se viram para os valores internos. O valor interno não é necessariamente só do budismo, mas de outras tradições também. Tenho amigos cristãos que adotam técnicas budistas de meditação, ou para reduzir a raiva e aumentar a paciência. É muito bom ampliar alguns dos valores humanos básicos, sem perder sua fé principal. Isso deve ser aceitável para um cristão de mente aberta.

"E isso leva a mais uma categoria: a curiosidade das pessoas. Quando chegam a níveis mais profundos, elas perguntam: 'O que é a realidade? O que sou eu? O que é Deus? O que é o começo? Qual é a maior realidade da natureza?'"

- O senhor está me descrevendo - disse eu.

- Bem, finalizando, costumo descrever o budismo como uma combinação de ciência, filosofia e religião. Tudo combinado. Como ciência, procuramos sinais externos da mente ou das emoções. Do ponto de vista do budismo, acho que isso é ciência. O que é realidade? É uma energia sutil. Nós a chamamos de vento. Vento significa movimento, energia. Na escritura é mencionado o vento que é energia. A descrição da realidade é uma ciência. Com essa base, a própria realidade deveria mudar. Por natureza há contradições. Então primeiro as coisas sempre mudando, depois segundo movimento contraditório. Portanto a transformação é possível. Essa é a base do Dharma Buda. Tiramos os valores de bom e mau dos opostos. Agora posso agir. Carma. Mas não podemos fazer a distinção na própria ação... a demarcação da ação certa ou da ação errada, ou

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da ação positiva ou da ação negativa... e sim da motivação. Motivação é muito importante. Motivação significa ódio, inveja, compaixão, perdão, medo, todas essas emoções. Algumas ações partem de servir sem interesse próprio, serviço e auxílio genuínos, não devidos ao dinheiro, ou à fama, mas a uma motivação genuinamente altruísta. Isso realmente gera ações positivas, úteis e benéficas. Portanto, quando entendemos isso, passamos a procurar transformar ou reduzir o que é negativo e aumentar o que é positivo. Como? Compreendendo a contradição das forças.



- E lutando contra essas contradições - disse eu, mas o que pensei foi: "Nossa, que petulância a minha."

Ele procurou reduzir para voltar a termos simples.

— Você quer dizer que uma vez que reconhecemos que a raiva é ruim, para nós mesmos, para o nosso corpo, para a nossa paz de espírito e mental, para nossos amigos e para o mundo inteiro em nível global, então consideramos qual é a força contrária? Compaixão, amor. Procure aumentar o amor e a compaixão. E por que preciso ser amoroso e bom com os outros? Porque isso traz mais benefícios para mim. Não para a próxima vida, mas neste momento mesmo. A mente mais compassiva se torna mais plena: de autoconfiança, determinação indômita.

Isso era algo que eu podia entender. Apesar de ele falar em círculos e frases fragmentadas, com gramática imperfeita, mesmo assim ele transmitia o sentido do que queria dizer. O homem é brilhante, sem dúvida nenhuma. Parte do brilhantismo dele é que ele explica os conceitos budistas, e especificamente as complexidades do budismo tibetano, de um modo que os ocidentais podem compreender. Era difícil não vê-lo como ídolo.

- Como o senhor evita que as pessoas o considerem um herói? - acabei perguntando.

— De modo realista — respondeu ele e explicou com um pequeno exemplo: - Ontem conheci uma menina doente. Eles a trouxeram até mim com alguma expectativa. Eu disse: "Não posso ajudá-los, mas posso dar um conselho." Essa é a minha limitação. Apenas compartilho a preocupação deles, sinto o mesmo. Não posso fazer nada, aceito a realidade. Então, quando me descrevo como um simples monge budista, isso é a realidade.

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Não me importa o que os outros digam ou sintam. O importante é a minha consciência plena. Não devo exagerar a realidade. Sou um ser humano, sou budista. Mas em nome da humildade, nos arriscamos a nos subestimar demais e isso também não é realista. Um dos objetivos importantes da educação é procurar reduzir o espaço entre a aparência e a realidade.



Pude testemunhar a habilidade dele com essa "realidade" depois que a minha entrevista acabou e cerca de 12 ocidentais, recém-chegados de um retiro de três meses ali perto, entraram em fila, curvados, em adulação. O líder deles pegou uma folha de papel com as perguntas que cada um deles tinha elaborado para Sua Santidade. As perguntas eram precedidas por introduções formais, tais como: "Sua Santidade, em sua infinita sabedoria e com o maior respeito por seus milhares de vidas, curvando-me aos deuses da compaixão e..." Apesar de saber que cada pergunta devia estar provocando um grande sofrimento neles, a maioria parecia inócua e egoísta, ou de natureza tão pessoal que não haveria como Sua Santidade dar uma orientação sem passar horas (em alguns casos anos) fazendo psicanálise com cada um deles. Uma mulher queria saber de que tipo de tradição budista devia ser o próximo retiro que faria. Outro tinha problemas de relacionamento com o padrasto, com quem não se dava bem. E assim por diante. A cada pergunta o Dalai Lama ouvia pacientemente, cocava o queixo e até fazia uma ou duas perguntas. Depois, com grande delicadeza e discrição, ele deu recomendações simples. A maior parte das sugestões dele podia se resumir em duas palavras: continue meditando. Mas eu vi como aquelas pessoas, vulneráveis como costumam ficar quando saem de longos retiros espirituais, se agarravam a cada palavra dele. Eu sabia que iam fazer o que ele dissesse. Iriam para casa e a sugestão simples dele seria o mantra que usariam meses a fio, a sua bússola na vida. Que peso. Que responsabilidade. Mas ele também sabia que eles fariam o que quer que dissesse, por isso teve cuidado e foi conservador em suas respostas. Isso só fez com que eu o respeitasse ainda mais.

Resumindo, eu gostaria de registrar primeiro que a entrevista de 45 minutos acabou sendo de noventa minutos. Mais tarde me disseram que isso foi bastante excepcional.

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- Ele realmente simpatizou com o senhor - disse Lhakdur.



Ele gostou de mim. Ele realmente gostou de mim. Depois disso passei meses respondendo de brincadeira quando me perguntavam como tinha sido a entrevista: "Nós realmente nos entendemos."

Também gostaria de informar todos os detalhes do encontro, mas a verdade é que a coisa toda passou como um filme vago. Tempos depois, quando transcrevi a gravação da conversa, e esperei seis meses para fazer isso, como uma criança que guarda a cereja do sundae para o fim, descobri que muita coisa do que ele disse eu mal conseguia interpretar. Às vezes em entrevistas as pessoas expressam o que querem dizer muito mais nas inflexões da voz, nas pausas e em olhares significativos, ou até por meio de gestos físicos e maneirismos, ou por meio das dobras da roupa ou da mobília de onde estão. Mas isso era o extremo. Juntei frases segmentadas para dar um sentido a tudo.

Numa tentativa de captar uma compreensão mais profunda de tudo, observei quantas vezes ele usava certas palavras, pensando que ele poderia estar falando em uma espécie de código. De fato as palavras que ele mais usava, realidade, realista, raciocínio, inteligência, intelectual, diziam muito do ponto mais profundo que ele transmitia sobre a natureza essencial do budismo.

Saí de lá acreditando que Sua Santidade o Dalai Lama é um homem de ciência, um homem de intelecto, um homem de raciocínio, um homem de ética, e que ele mesmo faz parte do motivo de o budismo ter se tornado tão popular. Se ele não fosse o décimo quarto Dalai Lama, acho que mesmo assim teria se tornado um cidadão valioso no planeta. Ele é um homem que tem uma compaixão profunda, a compaixão entranhada em todas as religiões. E finalizando, ele é um homem religioso. É o líder de um país não por instinto ou desejo, mas porque a história exigiu isso dele. Ele tinha me dito que não proselitiza o budismo, que em vez disso promove os "valores humanos". Mesmo assim, sem jamais pretender, ele é o melhor agente de publicidade do budismo.

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13 RESPIRAR, SOLTAR O AR

A busca continua

Antes de buscar a iluminação, corte a lenha, carregue a água. Depois de buscar a iluminação, corte a lenha, carregue a água.

- PROVÉRBIO ZEN-BUDISTA



Para quem chegou ao fim da jornada, que está livre do sofrimento, liberado de tudo, livre de todas as amarras, não existe febre.

- O BuDA, O Dhammapada



No meu fim está o meu começo.

- T. S. Eliot, Four Quarters

Entre a entrevista com Sua Santidade e minhas esperanças românticas, eu estava tão eufórico que podia ter voado para Paris batendo os braços no ar.

Vou poupá-lo do suspense: Anh Thuy e eu nos encontramos em Paris e em poucos dias nos apaixonamos loucamente. Só que havia complicações. Ela estava terminando com um namorado. Ela lia inglês melhor do que falava; não falava francês, vietnamita menos ainda. Tinha um projeto imenso para escrever à minha frente que ia ocupar-me um ano inteiro. Desempregada, ela estava à espera do fim de um processo de indenização. Ela queria ter filhos, eu não tinha certeza. A diferença entre nós era de 18 anos.

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Resumindo, era o típico romance internacional. Mas achávamos que a força budista estava conosco. Vivíamos à base da crença que, com o manual de relacionamento de Thây, poderíamos superar qualquer obstáculo. A palestra que ele deu, de fato, no dia em que ela e eu nos encontramos pela primeira vez em Plum Village era sobre os segredos para se ter um relacionamento feliz: compreensão e comunicação. Resolvemos ignorar os abismos intrínsecos da língua, culturais, de geração e geográficos na nossa compreensão e comunicação mútua.



Vou poupá-lo de mais suspense. Namoramos a distância oito meses. Ela era maravilhosa para mim. Chamava-me de seu "ideal". E então, oito meses depois, no mesmo dia que soube que a minha história tinha sido aceita pela National Geographic, ela telefonou de Paris e, sem mais nem menos, terminou comigo. Ela disse que "tinha de ser racional". Suspeitei que ela não disse "racional" com o mesmo sentido que o Dalai Lama tinha dito. Ou talvez sim.

Apesar de ficar de coração partido, reagi bastante bem, tão bem que meus amigos concluíram que eu não a amava de fato. A verdade é que eu entendia tudo isso num nível mais elevado. Ela entrou na minha vida no exato momento em que sentei para escrever, um trabalho solitário que é melhor realizado se acompanhado do amor e do apoio de uma boa mulher. Ela saiu da minha vida exatamente quando completei esse trabalho. "O Buda enviou Anh para me proteger", eu pensava. "Acho que ele a levou embora quando eu terminei."

Na realidade ela havia se transformado na minha Thây, o professor mais novo do curso de Budismo 101 que tinha começado com Carl Taylor nos idos do Projeto de Asilos Zen em San Francisco. Ele me ensinou a impermanência, se você lembra, mas devo ter pensado que poderia me safar com as Anotações Budistas de Cliff, pois lá vinha ele novamente. A essa altura eu já sabia o suficiente para prever que aconteceria de novo. E de novo. O Buda disse que nada dura para sempre. E ele quis dizer nada mesmo.

Mais do que Thich Nhat Hahn, dr. Ariyaratne e Sulak Sivaraksa combinados, Anh Thuy me deu a aula mais pessoal da

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aplicação do budismo socialmente engajado. Atribuo a minha capacidade de deixá-la ir, em vez de repassar as fitas obsessivas de fins de relacionamentos passados, à minha faculdade mundial de budismo e agora com ela no corpo docente. Anh Thuy, eu deposito uma flor de lótus aos seus pés.



Essa aceitação da realidade - como as coisas são, sem afastar o que chamamos de ruim, sem puxar para mim ou me agarrar ao que chamamos de bom - é a prova de como mudei, só que se você me conhecesse antes de partir nessa viagem, eu não pareceria diferente agora. Exceto por um quilo a mais e o cabelo mais curto, as minhas fotos de "antes" e "depois" seriam praticamente iguais. Tenho a mesma voz, os mesmos maneirismos, senso de humor distorcido, a mesma vulnerabilidade na região dorsal, e muitos dos problemas pessoais são os mesmos. Na verdade estou de volta ao ponto onde comecei. Vivendo na ilha que pensei ter deixado para sempre dois anos atrás, ainda cheio de dívidas, ainda sem namorada, ainda caindo de vez em quando da almofada de meditação.

O que mudou foi o meu relacionamento com tudo isso, mas especialmente o meu relacionamento comigo mesmo. Respirar... soltar o ar... isso me dá um milésimo de segundo de distanciamento dos meus pensamentos. Nesse momento consigo separar o corpo da mente, a sensação da reação à sensação. E ali - nesse refúgio momentâneo de "mim mesmo", entre o respirar e o soltar o ar - encontro a salvação do ego, do apego, da ânsia, da dependência, do desejo e de todo o resto.

E percebi mais uma coisa: troquei meus mantras mais antigos por um novo conjunto. Antes era:

"Você pode fazer qualquer coisa que decidir fazer, cara."

"Estabilização do tronco."

"Você não tem nem um pinico para mijar."

Agora a sabedoria que me serve de guia é mais esotérica, a não ser que você tenha seguido meus passos de perto, como eu segui os passos do Buda:

"Entre o agora e o agora existe apenas o agora." - Grover Gauntt III

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"Um cão só pode ser um cão. "

- Hoitsu Suzuki



"A realidade é..." - Sua Santidade o Dalai Lama

"O que é bom? O que é ruim?"

- Eido Shimano

"Qual é a diferença entre percepção eperspectiva?" - Vinsor Kanakaratne

"Você passar de existir para viver?" - Jon Kabat-Zinn via Helen Ma

"Impermanência, impermanência, impermanência..." - Satya Narayan Goenka

Se encontrei a verdade, o significado das coisas, a felicidade? Sim. E não.

Sim, encontrei a minha verdade, o meu significado para as coisas, a minha felicidade, não a sua. Não, porque eu sei que essas minhas descobertas também vão mudar na hora em que você chegar ao fim desta frase. E as suas também.

"Não tenho nada a informar, meus amigos", escreveu Ryo-kan, um poeta eremita japonês do século XVIII. "Se vocês quiserem encontrar o significado, parem de querer tantas coisas." Eu concordo. Por isso em certo aspecto, a minha busca terminou. Em outro, vai continuar — até meu último instante. Eu espero estar, como disse Bob Dylan para Martin Scorsese em No Direction Home, "sempre em transformação".

Por esse último motivo, o meu incessante e, admito, irritante questionamento - de como as coisas são, de como eu sou, da relação entre os dois - também não vai acabar. E sinal de que me tor-

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nei um bom aluno do budismo o fato de pensar que a maior parte das minhas perguntas ficaram sem resposta. E que, numa demonstração de que assumo o compromisso com esse caminho, tenho mais perguntas, inclusive aquela que se tornou meu koan atual:

"Por que não há perguntas agora?"

Sentado ao lado de Carl no hospital Laguna Honda em San Francisco, cheguei à conclusão de que "no presente não há perguntas; há apenas ser". Mas por quê? Essa pergunta me ocorreu logo depois que terminei de escrever a história da National Geographic. Meu amigo Arlan Wise e eu estávamos comemorando o sucesso do fim da empreitada, sentados diante de uma magnífica paisagem típica de Marthas Vineyard. Muitas vezes, quando fico assim entretido com meus pensamentos, passo de carro por cenários similares por aqui e observo bem todos eles. Mas, através da minha nova porta de percepção, o que era comum assumia um significado extraordinário. Estávamos perfeitamente satisfeitos, sem ter para onde ir, nada para fazer, nenhum papel para representar. As perguntas vinham da insatisfação, das dúvidas e das incertezas, de pensar que há mais ali do que estamos vendo. Mas viver completamente o momento, em tal estado alterado de satisfação, já basta. Mesmo o jornalista, "despido de suas perguntas", pode se desapegar de sua identidade. Até aquele momento passar. Como aconteceu aquele dia.

E disto eu tenho certeza: assim como o budismo mudou e evoluiu, com o tempo e em cada cultura, ele continuará a mudar e a evoluir. Não é estático; ele também é impermanente. O movimento mundial que acompanhei, do budismo engajado, também vai mudar com as necessidades e as exigências de tempo e lugar. Estou ansioso para registrar sua nova divulgação vindo da lua em breve.

Enquanto isso, de volta a San Francisco, alguém mais ocupou o leito do asilo onde um dia deitou Carl Taylor. E ao lado dessa pessoa está outro voluntário budista, apenas meditando.

319


I

VOCABULÁRIO BUDISTA BÁSICO

A maior parte das palavras associadas ao budismo aparecem com duas grafias diferentes, uma em pali, a língua falada pelo Buda, e a outra em sânscrito, a língua indiana usada para transcrever os textos. A seguir a primeira grafia é em pali.


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