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reservado de volta para Los Angeles no dia seguinte, pretendendo dar mais uma chance, a última, para a vida na Costa Oeste. Estou imaginando dias entrevado num mundo infernal suspenso chamado Nova Jersey, não obstante aquele mundo infernal do tapete felpudo.
Minha mãe está lá sentada e me bombardeia com seus "você devia".
- Você devia ter feito as malas ontem à noite. Você devia ter mais cuidado. Por que sempre adia tudo para o último minuto?
E a aceleração para a crítica que ela faz à minha vida inteira, e já é previsível que vai terminar com a frase de efeito "penico para mijar".
Minhas costas tinham estalado. Agora era a minha cabeça que estalava. Ela se transforma no inimigo maligno e num ato darwiniano de autopreservação, eu me fecho emocionalmente por completo. Para ela, para mim mesmo, para a realidade das profundezas desesperadoras nas quais agora despenquei literalmente.
A realidade concreta é que tenho o que foi diagnosticado como degeneração de disco. Além de um caso leve de escoliose agora estão aparecendo esporões ósseos. O último raio X mostrou claramente as primeiras duas camadas do que parece um pagode chinês sendo construído entre duas vértebras lombares. Logo se transformará num lugar de veneração. Chegarão os quiropráticos de perto e de longe, e ficarão maravilhados com essa construção. Mas nem é preciso ser um escritor talentoso sempre em busca de uma boa metáfora para ver a situação como é realmente: uma metáfora. Não consigo me sustentar. Não tenho infra-estrutura. Minha vida está desmoronando. Não posso nem ficar de pé para mijar no penico que não tenho. Na próxima semana e meia, dias vividos numa névoa de negação, de Advil e da humilhação de ter de rastejar até o banheiro, o monstro de duas cabeças que mora dentro de mim — o humorista sombrio e o eterno otimista — erguerá suas horrendas cabeças e dirá: "Daqui não há mais para onde ir, a não ser para cima."
Voltei para Los Angeles tendo assumido o compromisso de me empenhar em consertos. Consertar as minhas costas e reescrever
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a metáfora. Fui ver um nutricionista de Santa Monica, ex-halterofilista, que me convenceu primeiro a mudar a minha dieta e depois tentar corrigir meus problemas estruturais. Sua galeria cheia de fotos publicitárias de celebridades assinadas sorriam para mim com desprezo — eu juro que a do Xavier Cugat chegou a rir de mim —, e elas me seguiram quando saí do consultório dele com cápsulas para queimar gordura, um menu diário com teor elevado de proteína e baixo de carboidratos e uma orientação para beber o meu peso de água todos os dias, junto com a recomendação insistente para não ficar nunca muito longe do banheiro. Nas semanas seguintes ele me enviaria e-mails com bobagens inspiradoras da Nova Era como "P.S. Fique ligado no domínio do seu nível mais elevado de perícia. Reconheça que você é a essência dessa experiência".
Mas me confidenciaram um mantra mais relevante que ia me seguir na volta ao mundo, como um Grilo Falante só meu. Chegue bem perto que vou sussurrar baixinho, quebrando as regras de privacidade do Culto à Reabilitação: "Estabilização do tronco." Essa série de exercícios simples feitos no chão, destinados a dar força aos músculos em torno de toda a região pélvica, foi demonstrada por uma terapeuta de educação física em Encino, uma daquelas cidades que parecem todas iguais ao longo do Ventura Boulevard no Vale. A estabilização do tronco me mantinha na posição vertical pelo tempo das minhas viagens e faz isso até hoje. Toda vez que eu fazia os exercícios, no chão mesmo de algum hotel chinfrim na índia, no chão maravilhosamente atapetado do Four Seasons George V em Paris, eu pensava naquela terapeuta de Encino, presa num centro comercial em cima de uma loja Pep Boys e uma Taco Bell, e enviava muitas flores de lótus de gratidão para ela.
O Buda devia estar observando esse meu esforço para me cuidar porque umas seis semanas mais tarde um editor da National Geographic telefonou para mim e disse que eu estava contratado para escrever a matéria. A primeira coisa que passou pela minha cabeça não foi se eu ia poder encarar o pesadelo logístico de marcar entrevistas em oito países de acordo com um horário que ainda não tinha criado; de telefonar, enviar e-mail e ainda ter
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■'■:■' ' .. alguma influência sobre todos os contatos que estabeleci nos últimos trinta anos nessa área; de ler tudo que estivesse ao meu alcance sobre o movimento do budismo engajado. Não, o que pensei foi: "Será que as minhas costas vão agüentar arrastar bagagem pelos terminais dos aeroportos, em trens e ônibus, dormir em camas com integridade estrutural questionável?" A resposta ressoante que tentei me convencer a acreditar: "Elas não podem deixar de agüentar!" (E quase pude ouvi-las suspirando aliviadas quando recebi minha passagem da classe executiva pelo correio.) Por sorte, eu teria uma ajuda com a bagagem, a logística e a língua em cada país através dos serviços de coordenadores culturais de cada país - o codinome deles na Geographic é "consertadores" ("fixers") — que trabalham com redatores e fotógrafos de fora que têm contrato com a revista. O que está implícito nesse apelido é que eles consertam o que os ocidentais incultos quebram - sejam tradições culturais, gafes sociais, regras de frigobares de hotéis — ou arranjam vistos onde são impossíveis de conseguir, quartos de hotel quando não estão disponíveis, ou acesso a pessoas importantes que sem eles nem responderiam. Fiquei pensando se os portfólios deles incluíam conserto de costas quebradas.
Foi então que jogaram o pozinho mágico em mim. E praticamente na mesma hora também descobri a trilha sonora do filme que minha vida ia se tornar no próximo ano. Tenho certeza que você não vai adivinhar a música. Eu mesmo não teria adivinhado em 10 mil vidas. Ia pensar em alguma composição de Dylan ("How does it feeeeel/To be onyour ooooown?"). Mas na verdade é uma canção chamada "Lose Yourself", do cantor de rap Eminem, de quem eu só sabia que era branco, de Detroit e polêmico por causa de algumas letras de suas músicas que eram contra os homossexuais. Eu também sabia que "Lose Yourself" era a música mais tocada do filme 8 Mile (8 Mile - Rua das ilusões), no qual Eminem estrelou fazendo um personagem idêntico a ele. Assisti ao filme mais por curiosidade. Saí do cinema e fui direto para a Tower Records e comprei o CD.
Detesto música rap e hip-hop em geral. É tudo muito violento, muito cheio de testosterona e macheza, muito misógino.
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Coisas do tipo: "Puta isso", "porra aquilo", "minha galera encheu a sua de porrada".
Mas essa música era diferente. Nessa história de um cantor de rap fracassado que se prepara para recuperar a fama, para redimir sua honra, a letra revela um homem inseguro e vulnerável, no fundo do poço, uma contradição completa da imagem machista que a maioria dos rappers procura cultivar. O início já a separa imediatamente do resto do gênero: um piano inspirador solando em oito acordes, estabelecendo delicadamente a base harmônica que permeia a melodia. Então uma guitarra corta acordes em tempo duplo com urgência temerária. Eminem fala baixo, pergunta o que você faria se tivesse apenas uma chance de conquistar tudo que almeja. Agarraria essa oportunidade? Ou a jogaria fora?
Ele falava diretamente comigo, ou será que eu estava sofrendo de um caso extremo de narcisismo budista, no qual tudo que acontecia comigo, à minha volta ou ao alcance da minha audição, continha uma referência tangencial a alguma ideologia budista? Ou será que ele estava falando com todos que estavam no fim da linha? E a isca:
Você deve se perder na música, no momento...
E a frase final sussurrava em meus ouvidos:
Você pode fazer qualquer coisa que resolver fazer, cara.
Toquei a música enquanto me exercitava, quando estava escrevendo, nos programas noturnos constitucionais, parado no trânsito na 101 ou na 405, e em qualquer outro momento em que precisasse de uma dose de autoconfiança. Primeiro ouvia apenas pela motivação - eu posso fazer qualquer coisa que resolver fazer. Mas então a letra começou a se comunicar comigo de outro lugar. Apesar de duvidar muito que Eminem pudesse distinguir um bodhisattva de uma boazuda, detectei ali um tema budista de fundo. Perdendo-se no momento, isto é, estando presente no momento, ele se encontra. Se ele se concentrar poderá fazer tudo
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que quiser. Para mim soava como a prática budista da plenitude da mente, que é prestar muita atenção no momento.
Eu sabia que tinha deixado passar oportunidades demais. Sabia que meu tempo estava quase acabando, que um homem com mais de cinqüenta já está na descida da montanha-russa e que o sucesso era minha única opção.
Você pode fazer qualquer coisa que resolver fazer, cara.
Essas últimas palavras, no tom de voz baixo de um homem que tenta se vender para si mesmo, transformaram-se no meu outro mantra.
Estava pronto para tentar.
Havia mais forças por trás disso do que apenas o momento ruim que eu estava passando e o resto do monólogo "nada vale um tostão furado nesse mundo maluco". Tinha sido sorte e uma grande oportunidade para mim receber esse contrato quando uma onda de budismo se avolumava no mundo inteiro. Nas últimas décadas do século XX o budismo estava florescendo e penso que vai continuar assim no novo milênio. Reuni alguns fatos:
• Em 1987 havia 429 centros budistas na América do Norte. No fim do século XX o número tinha crescido 260 por cento, totalizando 1.062 centros, conforme relata o dr. Coleman em The New Buddhism.
• Havia cerca de 400 mil pessoas que se declaravam budistas nos Estados Unidos em 1990. Em 2001 estimativas deram conta de que esse número tinha dado um salto para três milhões, segundo um estudo feito pelo sociólogo Barry Kosmin, quando estava na City University de Nova York.
• Num estudo feito em 2004 e publicado no Journal for the Scientific Study ofReligion, os sociólogos Wendy Cage e Robert Wuthrow descobriram que um em cada oito norte-americanos acredita que os ensinamentos ou práticas budistas exerceram influência significativa em sua espiritualidade.
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Em um nível mais anedótico, a explosão do budismo se torna evidente em toda parte.
A avenida Madison, o principal barômetro da cultura moderna do que está em voga e do que não está, abraçou o budismo e se curvou diante dos seus poderes comerciais. A palavra "zen" agora aparece em dezenas de produtos, desde linhas de produtos para tratamento da pele até uma firma na Internet e um relógio despertador. Zen Cart é um pacote de software com carrinho de compras de comércio virtual grátis.
A palavra "karma" também foi incorporada. Karma é o nome de um MP3 player novo e muito difundido (Zen é a marca fantasia de um MP3 player concorrente). E o nome de um sabonete ("Karma não é apenas uma fragrância, é mais uma opção de vida", diz o texto promocional). Karma Labs é a firma que cria jogos de aventura para a Macintosh and PC. O Laboratório de Interface do Usuário e o departamento de Computação Gráfica da Universidade de Colômbia estavam desenvolvendo um produto que receberia o nome de KARMA (acrônimo de Knowledge-based Augmented Reality for Maintenance Assistance - Realidade Aumentada com Base no Conhecimento para Assistência de Manutenção), um sistema acoplado à cabeça para auxiliar na manutenção de impressoras a laser.
Nenhum desses produtos tem qualquer coisa a ver com a real definição de carma, que é o correspondente em sânscrito para a palavra "ação". Tanto no hinduísmo como no budismo, segundo a lei do carma, os atos físicos e mentais de um indivíduo determinam as conseqüências na vida dele, e na próxima vida dele. Resumindo, o carma é a lei da causa e do efeito. Cada ação provoca uma reação.
O mesmo acontece com a palavra "nirvana", o estado budista da iluminação espiritual, uma palavra reconhecida universalmente e praticamente mal compreendida universalmente também, mas que mesmo assim batiza muitas embalagens de produtos. Junto com os indefectíveis produtos de cuidados para a pele, para o cabelo e para a saúde, Nirvana era, entre outras coisas, o nome de um distribuidor de sementes de maconha e outros produtos feitos com a planta. Nirvana Golf Technologies fabrica tacos de golfe.
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Nirvana é a divisão da biblioteca digital da General Atomics, que desenvolve sistemas de alta tecnologia de fissão e fusão nuclear.
E havia também a banda grunge de Seattle que se chamava Nirvana. De certa maneira o líder da banda, Kurt Cobain, levou a palavra ao pé da letra quando apontou uma arma para a própria cabeça e se matou. A tradução mais próxima dessa palavra na língua inglesa é "apagado" ou "assoprado", como quando apagamos uma vela. Anos depois de a banda se formar, Cobain explicou que para ele a palavra significava "paz completa depois da morte", como ficou registrado em Never Fade Away: The Kurt Cobain Story {A história de Kurt Cobain), escrita por Dave Thompson. O Buda provavelmente considerava que era a paz completa antes da morte. O bilhete deixado por Cobain quando se matou continha essa distorção grunge da sabedoria budista: "E melhor se consumir em chamas do que desaparecer."
Foi num quarto de hotel em Washington D.C., assistindo à TV na véspera da minha última reunião com os editores da Geographic que eu vi como "nirvana" tinha penetrado e se difundido no coração dos Estados Unidos - quer soubéssemos ou não o que realmente significava. Estava estudando minhas anotações, levantei a cabeça e vi um anúncio do Taco Bell com uma promoção de "enchilada nirvana". Havia um cara de camisa branca e gravata, de pernas cruzadas e levitando no ar, praticamente enlevado com um sorriso de comedor de enchilada de orelha a orelha. Subliminarmente - caramba, bem ali ao vivo e em cores - eles sugeriam que o consumo de uma tortilla de milho recheada com queijo, frango, arroz e feijão, salsa e coentro (guacamole e coalhada eram opcionais) podia produzir um estado psicológico de realização pessoal muito além do que a religião judaico-cristã que você escolheu estivesse proporcionando. A parte mais engraçada (mais assustadora?) foi que muito depois encontrei um estudo feito em 2003 pelo Intermedia Advertising Group de Nova York, que controla inserções na televisão para o Nations Restauram News, atribuindo ao anúncio da Enchilada Nirvana do Taco Bell para a Chicken Enchilada Bowl o quarto lugar entre todos os anúncios da TV quanto à eficácia.
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No mundo das artes o Buda era quente também. Em Los Angeles naquele verão de 2003, três museus importantes — o Fowler Museum da UCLA, o Los Angeles County Museum of Art e o Bowers Museum of Cultural Art em Santa Ana - anunciavam exposições budistas e, aliás, obtiveram bastante publicidade. Em San Francisco o Asian Art Museum recentemente mudou de endereço, foi para o centro da cidade e montou uma exibição em torno da história do budismo. Na outra costa, no bairro nova-iorquino de Chelsea, o Rubin Museum of Art, construído como obra de amor de Donald e Shelley Rubin foi inaugurado em outubro de 2004 no que antes era a loja de departamento para homens chamada Barneys, era o primeiro museu do mundo ocidental dedicado à arte da região do Himalaia. Imagens de Buda dominavam todas as exibições.
O budismo certamente cativou a imaginação das artes e das comunidades intelectuais. Um consórcio de vinte organizações e instituições em Nova York participou de uma série chamada de O Projeto do Budismo: Arte, Budismo e Cultura Contemporânea, com exposições, palestras, performances e outros eventos. Ao mesmo tempo um grupo sediado em San Francisco organizava programas budistas por toda a região periférica da baía sob o nome Despertar: Arte, Budismo e a Dimensão da Consciência.
O budismo possui as características que eram de se esperar numa religião cósmica para o futuro: transcende um Deus pessoal, evita dogmas e teologia; cobre o que é natural e o que é espiritual, e se baseia num sentido religioso que nasce da experiência de todas as coisas, naturais e espirituais, como uma unidade significativa. O budismo atende a essa descrição. Se existe alguma religião capaz de enfrentar as necessidades científicas modernas, é o budismo.
- ALBERT EINSTEIN, EM ALBERT ElNSTEIN: TheHuman Side, publicado por HELEN DUKAS E BANESH HOFFMANN
Mas as coisas começaram a ficar interessantes mesmo para mim, que há muito tempo escrevia sobre saúde e psicologia, quando tomei conhecimento das descobertas de pesquisa pioneira para
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investigar os efeitos da meditação budista no corpo e na mente, conhecida como medicina holística do corpo e da mente.
Primeiro conheci um pesquisador, Jonny KabatZinn na década de 1970, freqüentador da Dance Free, uma instituição semanal de Cambridge, onde todos se remexiam feito loucos ao som de rock no pátio de uma igreja em Harvard Square — sem parceiros —, numa expressão física do movimento cultural neotho-reauviano de autoconfiança e vale-tudo daquela época. Também fiquei sabendo que ele era ávido praticante zen, de artes marciais e ioga, e que tinha doutorado em biologia molecular. Quando os amigos dele souberam que ele ia para Worcester, cidade da classe trabalhadora na região central de Massachusetts, para montar uma clínica a fim de testar suas teorias de que essas disciplinas orientais podiam ajudar a reduzir o estresse e as dores crônicas, e até o que era quase impossível, convencer a classe médica firmemente entrincheirada nos antigos paradigmas, eles (ou talvez apenas eu mesmo, com o meu ceticismo) pensaram, boa sorte, Jonny.
Agora, trinta anos depois, ele é o dr. Jon Kabat-Zinn, nome familiar para qualquer pessoa envolvida com holística e/ou medicina preventiva, e para muitos de fora dessas disciplinas. Ele é professor emérito de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, onde foi diretor-executivo e fundador do Centro de Consciência na Medicina, na Saúde e na Sociedade, e diretor fundador em 1979 de sua clínica famosa no mundo inteiro, Stress Reduction Clinic. A clínica apareceu no documentário de Bill Moyers na PBS, Healing and The Mind {A cura e a mente), em Dateline na NBC, em Chronicle da WCVB e em muitos outros veículos de comunicação. Os livros dele, como Full Catastrophe Living: Using the Wisdom ofYour Body andMind to Face Stress, Pain and Illness (Delta, 1990) e Wherever You Go, There You Are: Mindfulness Meditation in Everyday Life (Hype-rion, 1994), são best-sellers. Para aqueles 13 mil pacientes que completaram o Programa de Redução do Estresse pela Consciência Plena (MBSR - Mindfulness-Based Stress Reduction Pro-gram) de oito semanas, ele é um enviado de Buda, apesar de essas pessoas talvez nunca terem usado o nome de Buda.
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O MBSR se transformou em modelo no mundo inteiro. O cerne desse programa é a técnica budista de meditação bem simples chamada de vipassana. Para ajudar os não-espiritualistas a se adaptarem à prática, Jon resolveu logo no início chamá-la de consciência, e não vipassana ou meditação. Na época achei aquilo um erro, uma diluição da prática o fato de ele usar essa nomenclatura, mas mais uma vez era eu que estava errado. Ele (que agora se aposentou do programa) e sua equipe, além de se manterem fiéis às raízes do budismo, também tornaram a consciência budista acessível ao público em geral.
Documentos de pesquisas publicadas informam que a maioria dos pacientes da Clínica de Redução de Estresse relatou diminuição duradoura dos sintomas tanto físicos como psicológicos, além de capacidade aumentada para relaxar, mais energia e entusiasmo pela vida, aumento da auto-estima e capacidade maior para enfrentar com eficiência tanto as situações estressantes pontuais como as duradouras.
Outra pessoa que conheci naquela época animada de Cambridge foi um recém-formado da faculdade de psicologia de Harvard. Hoje o dr. Richard Davidson é diretor do Laboratory for Affective Neuroscience, Waisman Laboratory for Brain Imaging and Behavior da Universidade do Wisconsin, onde ele usa análise funcional de ressonância magnética e eletroencefalograma para estudar as interações entre o córtex pré-frontal e a amígdala cerebral no controle da emoção. Em Proceedings ofthe National Academy of Sciences em 2004, por exemplo, ele (e outros) publicou que "pessoas que meditam muito tempo são auto-induzidas à sincronia de ondas gama de alta amplitude durante a prática da meditação". A tradução é que ele está criando ondas que mostram os efeitos da meditação budista nas ondas do cérebro. Com eletrodos ligados à testa de lamas budistas tibetanos enquanto eles meditavam, os pesquisadores descobriram que a atividade do estímulo em algumas regiões de seus córtex pré-frontais esquerdos - uma área do cérebro logo atrás da testa que pesquisas recentes associaram a emoções positivas — era especialmente elevada. Isto é, ele provou neurologicamente que a meditação podia de fato tornar as pessoas mais felizes.
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I
Em algum ponto do caminho o budismo se transformou de movimento religioso para fenômeno cultural popular e acabou virando um tipo de panacéia universal. Como aqueles antigos vendedores superanimados de óleo de cobra, algumas pessoas procuravam o budismo para consertar qualquer problema que tivessem. E outras achavam que era o bilhete premiado. Está tendo dificuldade para encontrar o amor da sua vida? Leia Iftbe Buddha Dated: A Handbook for Finding Love on a Spiritual Path, escrito por Charlotte Kasl. Quer se tornar diretor-executivo de uma empresa? Assista ao seminário "Buda na Diretoria", oferecido por Lloyd Field, diretor-presidente de uma organização chamada Performance House. Quer ser um pai ou uma mãe melhor? Siga os conselhos de Buddha Mom, de Jacqueline Kramer.
E só escolher a sua obsessão budista. A cerimônia do chá, arqueiros zen, origami, ikebana, kung fu: tudo isso e muito mais talvez seja oferecido no centro comunitário do seu bairro. Deve haver também perto de você algum mestre de longa linhagem, de quem você poderá aproveitar os ensinamentos. Tudo que precisa fazer é Google a sua cidade para encontrar o que há de budismo.
Então por quê? Por que budismo, e por que agora? Quer chame de religião, ou filosofia, ou opção de "estilo de vida", por que o budismo está cada vez mais popular? Na grande tradição judaica com a qual fui criado, essas perguntas geram outras perguntas: Como foi que isso tudo começou? Quem era o homem responsável por este fenômeno? Quem era o Buda?
2 BEM-VINDO À NOVA ERA (AXIAL)
Buda foi o primeiro baby boomer do mundo?
Ao intuir que a experiência da dor era inseparável da consciência e da vontade, o Buda demonstrou uma profunda sabedoria psicológica. O hinduísmo considera o universo do homem uma ilusão; o Buda, prevendo algumas escolas de psicólogos modernos do Ocidente com cerca de 24 séculos de antecedência, achava que a alma era uma ilusão também.
- Arnold Toynbee
A sua tarefa é descobrir a sua tarefa e depois se entregar a ela de todo o coração.
- O Buda
Estou olhando para uma pilha com as melhores biografias do Buda quando subitamente percebo que essa expedição é impossível. As discrepâncias sobre muitos fatos da vida dele são a regra, não a exceção, inclusive até quando e onde ele nasceu. Não há relatos de muitos anos da sua vida. A prova mais antiga da sua existência, de seus discursos ou ensinamentos surgem quinhentos anos antes da vida dele. Não podemos mapear com precisão seu itinerário. Não temos idéia alguma de como era a personalidade dele. Aqui estão, mais ou menos, os fatos básicos.
Siddhartha Gautama, que mais tarde veio a ser conhecido como o Buda, nasceu por volta de 563 a.C. ao pé das montanhas
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do Himalaia, na aldeia de Lumbini no que hoje é o Nepal, próxima da fronteira com a índia. Filho do rei Suddhodana do poderoso clã Shakya, o príncipe nasceu em circunstâncias muito auspiciosas — a começar pelo sonho de sua mãe, a rainha Mahamaya, que ao engravidar sonhou com um grande elefante branco que enfiava seis presas no ventre dela pelo lado do corpo -, pois sábios previram que ele se tornaria um monarca muito poderoso ou um homem iluminado. (Siddhartha traduz isso como "aquele que realizou seus objetivos".) O rei Suddhodana esperava que fosse a primeira previsão e começou a criar o filho para aquele destino, cercando-o de todo o conforto humano que existia e também a tutela dos homens mais sábios da terra. Protegido da agitação da sociedade, ele passou as primeiras três décadas da sua vida sem que nada de mais acontecesse. Em algum momento ele se casou. Sua esposa, Yasodhara, era uma linda jovem de família nobre.
Nos séculos após a sua morte aos 80 anos de idade, à medida que sua reputação crescia, os fatos se misturaram aos mitos e nasceu também um Buda lendário. Este Buda saiu andando do ventre da mãe ao nascer, plenamente consciente, e apareceram flores de lótus sob os pés dele nos sete primeiros passos que deu. Ele tinha poderes sobre-humanos. Tinha poder mental para domesti-car animais selvagens apenas olhando para eles. Podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Há histórias que contam que ele viajava para lugares muito distantes em uma noite.
Mas os dois relatos concordam que aos 29 anos de idade, já pai e entediado com a opulência em que vivia, ele se aventurou para fora do palácio pela primeira vez e descobriu a velhice, a doença e a morte. Ficou tão emocionado com esse primeiro encontro com as realidades dolorosas da vida que deixou o conforto da sua casa e partiu buscando um fim para o sofrimento humano. Num período de seis anos suportou todas as provações dos indianos que procuravam a iluminação - jejuou, observou o silêncio, passou um tempo vivendo em uma caverna —, até que percebeu que não estava mais feliz do que antes. Devia haver outro caminho, ele pensou, um "caminho do meio" entre a indulgência e o ascetismo. Resolveu então sentar e meditar embaixo de
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