Português: contexto, interlocução e sentido



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. Acesso: 5 fev. 2016.

Um leitor habituado à estrutura dos gêneros discursivos que mais frequentemente circulam em publicações impressas ou em portais da internet provavelmente reconhecerá o texto apresentado como uma notícia.

Esse é apenas o primeiro passo a ser dado no momento de determinar quais procedimentos de leitura deve adotar para garantir uma interação adequada com o texto, condição necessária para sua compreensão.

Em linhas gerais, a determinação dos procedimentos de leitura está relacionada à observação de alguns aspectos associados aos textos produzidos nos vários gêneros: contexto discursivo (contexto de produção e de circulação, perfil de interlocutor), características que os definem (finalidade, estrutura, linguagem) e a necessidade de contar com conhecimentos prévios sobre a questão abordada.

No caso do texto transcrito, a observação desses aspectos nos permitiria identificar algumas informações importantes.

Contexto discursivo: o texto é voltado para um interlocutor universal; circula em um portal de notícias da internet; não há autoria definida, o que permite supor ter sido escrito por algum jornalista que integra a equipe desse portal.

Características do gênero discursivo: trata-se de uma notícia. Isso fica evidente pela finalidade do texto (informar sobre um acontecimento relevante); pelo fato de trazer um título e subtítulo que destacam os aspectos centrais do acontecimento noticiado; pela organização do parágrafo inicial, que procura organizar para o leitor as informações básicas (o que, quem, quando, onde) que serão detalhadas nos demais parágrafos; pela clareza e objetividade da linguagem.

Conhecimentos prévios: além do conhecimento de que animais costumam ser utilizados em pesquisas de laboratório, não se pressupõem outras informações para a compreensão do que está dito no texto.

Com base nessas observações, podemos concluir que, no momento da leitura, o texto de uma notícia não oferece grandes desafios. Como a finalidade desse gênero é informar, o próprio texto traz os elementos necessários para a sua compreensão. A ausência de conhecimentos prévios não será, portanto, um impedimento para a leitura dessa notícia.

Também podemos constatar que, uma vez que o perfil de leitor com que o texto trabalha é universal, não há, no contexto discursivo, nada que deva ser considerado por um leitor específico como algo que possa ter sido incluído para influenciar a sua opinião ou julgamento.

Com relação à linguagem, porém, é importante perceber que os termos utilizados do título, por exemplo, sugerem o modo como o autor do texto se posiciona frente ao fato noticiado. Isso ocorre porque, embora as informações básicas sobre um acontecimento sejam as mesmas (muitas vezes obtidas em material preparado por agências de notícias), a elaboração do título e do subtítulo costuma ficar a cargo de jornalistas do próprio órgão de imprensa. Investe-se nessas partes do texto para capturar a atenção dos leitores.


Página 251

Vamos considerar os dois títulos abaixo:

Ativistas libertam cães usados em pesquisas em laboratório de São Roque”

Disponível em: . Acesso: 21 jan. 2016.

Ativistas invadem laboratório para libertar cães usados em testes”

Disponível em: . Acesso: 21 jan. 2016.

No primeiro título, a decisão de utilizar o verbo libertar para caracterizar a ação dos ativistas pode sugerir que o autor do título da notícia simpatiza com os motivos que levaram à invasão do laboratório.

No segundo título, o uso do verbo invadir para caracterizar a ação dos ativistas provavelmente indica que o autor do título da notícia não reconhece como válidos os motivos que levaram essas pessoas a invadirem o laboratório.

Assim, ainda que o gênero notícia pressuponha neutralidade e objetividade por parte de quem escreve o texto, não devemos jamais esquecer que a linguagem nunca é neutra.

A leitura de notícias

Como vimos, conhecer a finalidade e a estrutura do gênero notícia ajuda o leitor a antecipar a maneira como o texto organiza e apresenta as informações, o que facilita sua leitura e compreensão.

O fato de as notícias não exigirem conhecimentos prévios por parte dos leitores é um aspecto que também influencia o modo como lidamos com o texto na hora da leitura.

A postura do leitor de notícias é a de alguém que recebe informações do texto e que, de posse dessas informações, começa a formar a sua própria opinião com relação aos fatos noticiados e às circunstâncias em que ocorreram.

Por fim, deve-se considerar ainda, no momento da leitura, a fonte da notícia, ou seja, o jornal, a revista ou o portal da internet onde o texto a ser lido foi publicado.

Embora se espere que a objetividade e a isenção sejam dois parâmetros norteadores do texto das notícias, é razoável supor que publicações ou sites tenham afinidades ideológicas que podem influenciar os textos neles divulgados. Um bom leitor sabe identificar as marcas discursivas que revelam tais afinidades.

2º exercício de leitura: o editorial

Um leitor que, ao abrir um jornal, procura o texto do editorial, deseja encontrar a análise e a opinião de um determinado órgão de imprensa sobre um assunto que tem merecido a atenção das pessoas e da mídia. O que ele busca, portanto, é mais do que a apresentação dos fatos e acontecimentos relacionados a esse assunto.

Vejamos o texto de um editorial que aborda a mesma questão tematizada na notícia aqui analisada: o uso de animais em pesquisas de laboratório. Destacamos, em azul, as passagens do texto que indicam a necessidade de conhecimentos prévios por parte do leitor. Em vermelho, destacamos as passagens em que o texto explicita uma opinião.

Comportamento animal

O uso de animais em experimentos científicos é um tema de debate público que pode ser facilmente enredado numa polarização estéril.

"debate público": Várias organizações de defesa dos animais lutam para que eles deixem de ser utilizados como cobaias em laboratórios de pesquisa.

Num extremo se aglutina o radicalismo sentimental dos que reputam defensável violar leis e propriedades para “salvar” animais de alegados maus-tratos.

"dos que reputam defensável violar leis": Ativistas que invadem e destroem laboratórios para libertar animais.
Página 252

No outro, o pragmatismo míope dos que tomam o avanço da pesquisa como um valor superior a justificar qualquer forma de sofrimento animal.

"dos que tomam o avanço da pesquisa como um valor superior": Cientistas que colocam a vida humana como um valor que está acima da vida dos animais.

O acirramento se repetiu em diversos países e, como no Brasil, o debate se desencaminhou — estão aí, para prová-lo, a invasão de um biotério em São Roque (SP) e a legião de apoiadores que encontrou.

"invasão de um biotério": Em outubro de 2013, defensores dos direitos dos animais invadiram os laboratórios do Instituto Royal para libertar 178 cães da raça beagle.

"a legião de apoiadores": Grande parte da opinião pública apoiou a ação das pessoas que libertaram os beagles do Instituto Royal.

Não se chegou aqui, ainda, ao paroxismo alcançado no Reino Unido em 2004, quando a Frente de Libertação Animal impediu, com ameaças e ataques, a construção de centros de testes com animais em Oxford e Cambridge.

Faz muito, entretanto, que a discussão se emancipou do extremismo irracional. Pesquisadores são grandes interessados em diminuir o uso de animais, porque isso custa caro e expõe seus estudos a questionamentos éticos.

Em alguns casos, porém, tal recurso ainda é inevitável, como testes de carcinogenicidade (capacidade de provocar tumores). Banir todas as cobaias implicaria impedir testes de segurança em novos produtos, muitos dos quais criados para aliviar o sofrimento humano.

É inescapável, assim, render-se a uma hierarquia de valores entre as espécies: uma vida humana vale mais que a de um cão, que vale mais que a de um rato. Os próprios invasores do instituto em São Roque, aliás, resgataram 178 cães e deixaram os roedores para trás.

Isso não significa autorizar cientistas a atormentar, mutilar ou sacrificar quantos animais quiserem. A tendência civilizatória tem sido submetê-los ao que ficou conhecido, em inglês, como a regra dos três Rs: “replacement” (substituição), “reduction” (redução) e “refinement” (aperfeiçoamento).

Em primeiro lugar, trata-se de encontrar substitutos. Muito progresso se fez com sistemas “in vitro”, como o cultivo de tecidos vivos para testar substâncias potencialmente tóxicas. Depois, quando os animais são imprescindíveis, cabe reduzir ao mínimo o número de espécimes. O terceiro imperativo é refinar métodos para prevenir sofrimento desnecessário.

São os princípios que governam várias leis nacionais sobre a questão, como a de número 11.794/2008 no Brasil. Numa democracia viva, como a nossa, há caminhos institucionais tanto para cumpri-la quanto para modificá-la, e invasões tresloucadas não se encontram entre os admissíveis.

"a de número 11.794/2008": A lei 11.794, de 8 de outubro de 2008, regulamenta o uso científico de animais no Brasil.



Folha de S.Paulo. 23 out. 2013. Disponível em:
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