Práticas Discursivas ao Olhar Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo



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HQ de Millor Fernandes

Um homem de óculos, com uma bengala na mão. Ele diz:

- Se sou cego, é claro que ninguém me vê.

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HQ Grauna, de Henfil

Um boneco, com uma bengala na mão, diz:

- Preciso assumir minha cegueira....

Primeiro, ele vai andando, utilizando-se da bengala.

Em seguida, ele pára, com a bengala no chão.

Logo após, levanta a bengala e fala:

- Sstela bai sstarlaiti...

Continua parado, sorrindo.

Depois, diz:

- Se eu tivesse nascido nos Estados Unidos, eu seria um Ray Charles, um José Feliciano, um Stevie Wonder...

Continua sua caminhada, cabisbaixo. Diz:

- Aqui, sou estatística de carência de vitamina “A” na área prioritária da SUDENE...

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O Olhar no Tato e no Odor

Notas Preliminares sobre Livros Táteis e Caixas de Cheiro

Armando Barros, Michelle Ramos, Ivanoilson Lima, Edson Souza, Helena Tojal


A natureza é um templo onde se encontram vivas colunas.

Que deixam por vezes sair confusas conversas.

O homem transita através de florestas de símbolos

Que o observam com olhos familiares.

Como ecos longínquos que de longe se confundem,

Dentro de uma tenebrosa e profunda unidade.

Vasta como a noite e como a claridade.

Os perfumes, as cores, os sons se correspondem.

São como os perfumes, frescos, dirigidos à tez vistosa.

Doce como um oboé, verde como as pradarias,

E outros, corrompidos, ricos e triunfantes.

Tendo a expansão das coisas infinitas,

" Como o âmbar, o almíscar, o benjoin e o incenso,

Que cantam transportando o espírito e os sentidos."

Baudelaire em sua poesia observa uma sensoriedade que é chave para compreender novos significados e sentidos outros para o mundo. Quando falamos sobre a natureza, por sermos videntes temos involuntariamente associada a crença em uma verdade visível, numa relação onde o sentido da visão tende a sobressair. Todavia, como situarmos frente ao real, se condicionado apenas pelo visível, crianças com necessidades especiais em DV

Caso não aceitemos o pré-conceito que as marginaliza da percepção e interação no mundo, com o mundo e com o mundo, importa um desafio epistemológico e um deslocamento gnoseológico:



Nota de rodapé:

  1. BAUDELAIRE, Charles. Correspondência.

Fim da nota de rodapé.

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1) como podemos conceituar o mundo sem a visão?

2) quais os paradigmas que definem a apreensão do mundo pelo DV?

3) quais os passos metodológicos que podem estimular, favorecer sua sensibilização e significação do mundo como fenômeno?

O presente texto busca uma aproximação com tais desafios a partir de experiências preliminares em torno do uso de materiais paradidáticos que estimulem a sensoriedade, a representação, as linguagens e conceitos sobre o espaço e o tempo. Ao longo das presentes notas referimo-nos a experiências de pesquisa-ensino-extensão, realizadas no segundo semestre letivo de 2002 e no primeiro, de 2003, no âmbito da Atividade Disciplinar "Fotografia Brincante para crianças com necessidades especiais em DV", para o Curso de Pedagogia da UFF, campus de Niterói, articulada ao projeto de extensão de mesmo título, realizado no Instituto Helena Antipoff (SME RJ) ao longo de 2003.

A Atividade curricular envolve a construção de materiais paradidáticos singulares: caixas de cheiro e livros táteis. O exercício exploratório com esses materiais caracterizou uma etapa intermediária na construção de fotografias texturizadas as quais, à médio prazo, permitirão a elaboração de livros fotográficos táteis, detentores inclusive de odores específicos.

As notas são apresentadas em quatro movimentos: no primeiro, apresentamos sucintamente a cooperação técnica realizada pela UFF Leio e o Instituto Helena Antipoff; no segundo, observamos a trajetória dos artistas neoconcretistas que nos subsidiam; no terceiro, apresentamos notas referentes à produção e metodologia com livros táteis; no quarto movimento, realizamos uma breve reflexão sobre a produção dos paradidáticos "caixas de odores" e "livros táteis". Em todos os segmentos, inserimos a fala das pedagogas em formação, seja na leitura da obra dos artistas, seja na produção dos livros táteis, seja na produção das caixas de cheiro.




  1. Cooperação UFF Leio e Instituto Helena Antipoff

A direção de nosso trabalho tem sido a de refletir sobre caminhos metodológicos que estimulem a criança em DV no plano cognitivo, na socialização e no desenvolvimento da subjetividade através de mediações associadas a experimentações plásticas, cênicas e narrativas, fundadas na educação estética e no design. O eixo pedagógico central é a investigação da construção de conceitos pela criança, mediada pelo lúdico, pela exploração plástica e fotográfica, pela construção narrativa, escrita e cênica, confluindo todas as dimensões para a experimentação do corpo (plano sensorial, perceptivo), seguindo possibilidades abertas pelo trabalho de Lygia Clark,

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Hélio Oiticica e Vyck Muniz (pesquisas sobre o corpo e do corpo, da natureza, sensibilização com texturas e exploração de passagens do bidimensional para o tridimensional).



O projeto, ao propor a exploração de novas possibilidades ao educador, em formação ou capacitação, define em sua metodologia a realização de quatro estudos de caso.5 Para tanto, iniciamos no segundo semestre de 2002 o acompanhamento de um conjunto de seis crianças passíveis de escolha para estudo de caso, a partir de março de 2004.6 Os estudos de caso permitem a aproximação de realidades escolares, o detalhamento do perfil familiar, clínico e pedagógico, possibilitando relações entre "pensamento e linguagem", "formas narrativas" (visuais, cênicas, plásticas, musical), "memória e história do olhar e da cegueira", "corporeidade", "gnose e cognição", "brinquedo e ludicidade", ao longo do período de 2004 a 2008.

A cada primeiro semestre letivo, a equipe de pesquisa do LEIO UFF acompanha os professores do serviço de DV do IHA bem como a professora docente direta das crianças em estudo de caso. No segundo semestre letivo discentes da disciplina "Fotografia Brincante", graduandos em Pedagogia, acompanham, sob supervisão, o grupo de estudo e os estudos de caso, produzindo informações que complementam banco de dados piloto, construído ao longo do período. Produtos e processos narrativos e lúdicos utilizados n o acompanhamento das crianças em observação em DV.

Simultaneamente, inicia-se o exercício da pesquisa interdisciplinar, com a presença na equipe de profissionais originados na Neurologia, na Educação Artística- Artes Cênicas, na Educação Artística

Artes Plásticas e na Teoria da Imagem aplicada à Educação.7 Os pedagogos em formação, acompanham em sua Atividade Curricular o percurso escolar das crianças em estudo de caso, com cegueira absoluta, matriculadas em estabelecimentos públicos municipal, estadual, federal.

Além dos pedagogos em formação terem a possibilidade de se apropriar de um histórico clínico e escolar desenhado de forma organizada previamente (ao longo do primeiro semestre letivo de 2004), participam na produção de materiais paradidáticos (fotos texturizadas, livros táteis, caixas de cheiro) que acrescentem de forma positiva ao atendimento pedagógico realizado pelo IHA junto as crianças, beneficiando seu crescimento afetivo, subjetivo, clínico e psicológico.



Notas de rodapé:

5. Os professores HelenaTojal e Edson Souza, pelo IHA, realizam acompanhamentos pedagógicos em sessões individuais para as quais o projeto UFF Leio oferece uma estrutura de registro para fins de acompanhamento, garantindo a elaboração, em conjunto, de banco de dados e estudo das relações entre as ações vinculadas à educação estética e o desenvolvimento escolar.

6. Aequipe UFF Leio acompanha uma vez por mês, em regime de observação e estudo de casos previamente selecionados, considerando o desenvolvimento do trabalho à luz dos debates no grupo de estudo, com base nos textos teóricos e na produção de recursos paradidáticos.

7. Seu estudo incorpora a dimensão clínica, neurológica, cognitiva, fisica motora, psicológica, assim como o percurso conteudístico que se realiza dentro do programa que a criança cursa na escola, junto à professora Marilene.

Fim das notas de rodapé.

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A adoção de "estudos de caso", com observação ao longo de 5-8 anos, pode permitir a constituição de um banco de dados intensivo sobre o atendimento pedagógico individualizado e em regime escolar de educação in-clusiva, com dados de acompanhamento clínico, psicológico, cognitivo, subsidiando a formulação de proposições metodológicas, cursos de capacitação e formação superior.




  1. Contribuições estéticas: Lygia Clarck e Hélio Oiticica

Sensação pressupõe sentimento de tal forma que ambos se confundem. A linguagem das sensações é um dos meios mais concretos, mais fecundos, de expressão de nossos sentimentos. Desalienar os sentidos embotados, adormecidos, massificados. Ver em profundidade, sentir com gostos, com cheiros afinados, concentrados, nos torna tão particulares, tão enraizados em nós mesmos que podemos assim recordar outros objetos além daqueles cotidianos que foram redescobertos. Cheiros e sabores conseguem produzir descrições que partem e crescem daquilo que fomos, daquilo que vivemos, daquilo que imaginamos e sonhamos em momentos que se tornam tão fecundos, que conseguem atravessar toda nossa existência."

No tratamento do objeto estético consideramos a incorporação dos próprios objetos do cotidiano, objetos de casa que desconhecem. Então, partimos desses objetos para o estímulo a uma percepção inicial do cheiro, da textura, da forma, da materialidade. Se é madeira, se é metal, se ele tem uma textura, se ele é leve, se é pesado, permitindo a emergência de questões antagônicas da forma para referência de observação.

Na proposta em construção, a criança em DV é colocada em relacionamento com o universo circundante, com os objetos do dia-a-dia, visando produzir experiências e informações. Por exemplo: a cozinha e, nela, na pia a espuma: como é a espuma? Ela tem um som? Ela é macia? Ela é dura? Ela é leve? Ela é pesada?

Nós ainda não estamos no objeto estético stricto sensus (considerado o objeto artístico na obra de arte). Nós partimos do objeto estético. Que objeto é esse?

Nota de rodapé:


  1. CASTRO, Fernanda. "O sabor tem memória?" In: Relatório Finalda disciplina "Educação eHistória". Angra dos Reis, Curso de Pedagogia, Neap 2.

  2. Fim da nta de rodapé.

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Objeto que tem forma, tem cor, tem volume, tem dimensão, tem textura, tem uma qualidade na superfície. Nesse contexto, ocorre uma aproximação com a obra de Hélio Oiticica, especialmente em sua fase voltada para a interação do sujeito com os objetos, em um processo que estimula sua exploração sensorial e sua construção como sujeito.9

Mediante essa aproximação com a obra do artista, é possível traçarmos uma abordagem metodológica mais próxima do objeto estético no cotidiano (e não, da obra de arte), em que pese, no futuro, ser possível pensarmos a dimensão de "arte", criando naturalmente adaptações para o acesso desse aluno com necessidades especiais.

Ainda que propostas de construção de materiais paradidáticos como "caixas de cheiro" e "livros táteis" sejam bastante difundidas em escolas de educação especial, principalmente para crianças em DV, optamos por retomar as possibilidades abertas pelo neoconcretismo fundado na inserção do sujeito no objeto, isto é, do sujeito no fenômeno, tal como apontado por Merleau-Ponty.

Formular uma proposta de trabalho inclusiva, para DV, implica a incorporação do corpo como medida da percepção, aspecto presente nos trabalhos de artistas plásticos como Hélio Oiticica e Lygia Clark. Tomamos como ponto de partida a exploração das obras que mergulharam ou tangenciaram as relações com a fotografia, ao mesmo tempo em que tensionaram seus pressupostos na forma ou conteúdo, propondo um diálogo mais intenso com os espectadores.

Lygia e Oiticica rompem com o padrão limitador da obra artística de museu, onde o espectador é passivo, alterando seu papel a partir de um sentido inacabado da obra. Nesse sentido, suas obras convocam o espectador ao manuseio para, só então, ela ter um sentido. Essa manipulação, ao mesmo tempo em que viabiliza uma intensa experiência sensorial permite que cada espectador signifique a obra com sua subjetividade. A obra então é reconhecida em sua polissemia, fundada numa interação singular à cada indivíduo e em seu conjunto. Por outro lado, Clarck e Oiticica exploraram a confluência de linguagens, propondo exercícios de tensionamento do bi no tridimensional, tornando-o "penetrável" e "interativo", em relações de aproximação e estranhamento sensorial do espectador com os objetos expostos.10



Notas de rodapé:

9. No projeto de pesquisa, ensino, extensão, aproximamos ao longo de 2003 os participantes da obra e pensamento de Hélio Oiticica. No centro cultural Hélio Oiticica, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, responsável pela conservação da obra do artista realizamos levantamentos e visitas de levantamento bibliográfico, pesquisa da obra e filmografia referente.

10. Lygia observou "Qual é, então, o papel do artista? Dar ao participante o objeto, que em si mesmo não tem importância, e que só virá aTer na medida em que o participante agir. É como um ovo que só revela a sua substância quando o abrimos".

Fim das notas de rodapé.

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A partir de 1959, quando filia-se ao Neoconcretismo, Oiticica buscou engajar-se em um universo popular, colocando sua arte preocupada com o cotidiano, procurando retirar a pintura do quadro e levá-la para o espaço "através de proposições cada vez mais abertas visando fazer com que cada um encontre em si mesmo, pela disponibilidade, pelo improviso, sua liberdade interior, a pista para o estado criador".11

Particularmente, chamou-nos atenção o conceito de obras como "relevos espaciais", "bólides", "capas", "estandartes", "tendas"e "penetráveis"onde o espectador apropriava-se da obra e a ressignificava a partir de seu movimento singular, estimulado por sensoriedades que envolviam cores, sons e cheiros. Sobre seus "parangolés" observou Oiticica: "a obra requer a participação corporal direta: além de revestir o corpo, pede que este se movimente, que dance. O próprio ato de vestir a obra já implica uma transmutação expressivo-corporal do espectador".12

Lygia, como Oiticica, participou do movimento neoconcreto, ao fim dos anos cinqüenta, desenvolvendo obras relacionadas à poética do corpo e aos aspectos terapêuticos da arte. Sua obra, nesse recorte, alcança uma dimensão fenomenológica,13 procurando reencontrar o sentido da obra de arte na experiência do espectador

participante

coautor. A artista procurava cumpliciar o espectador com sua obra e viabilizando a produção autônoma de sentidos a partir de suas próprias vidas. Para ela, crítica do papel do artista na sociedade burguesa, a solução estaria na criatividade geral que o artista poderia estimular:

Mesmo no instante em que o artista digere o objeto, ele é digerido pela sociedade, que já lhe acho um título e uma ocupação burocrática: o engenheiro do ócio do futuro. Atividade que nada afeta o equilíbrio das estruturas sociais. A única maneira para o artista escapar da recuperação é tentar desencadear uma criatividade geral, sem nenhum limite psicológico ou social. Sua criatividade se exprimirá no vivido.14



Notas der odapé:

11. OITICICA, Hélio. "Para mim, na minha evolução, o objeto foi uma passagem para experiências cada vez mais comprometidas com o comportamento individual de cada participante; faço questão de afirmar que não há procura, aqui, de um "novo condicionamento" para o participante, mas sim, a derrubada de todo o condicionamento para a procura da liberdade individual.” In: Site XXIV Bienal de SP. Lygia Clarck. p.7.

12.OSÓRIO, Luis Camilo. "Posto 9 - Ernesto Neto e o corpo-experiência". In: Revista Arte Futura Companhia. Brasília, Distrito Federal, n.6, out., 2002.

13. Afenomenologia, enquanto sistema filosófico, foi proposta pelo alemão Edmundo Husserl (1859-1938), que busca a volta "às coisas mesmas", procurando reencontrar a verdade nos dados originários da experiência.

14. CLARK, Lygia. In: SiteXXIVBienal de SP

Fim das notas de rodapé.

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Clark defendia a necessidade do "diálogo": "o diálogo e as atividades propostas à partir da experiência com a obra, investigando sensações e experimentando o corpo, são meios de gerar questionamentos e construir conhecimentos acerca da identidade". Em outras palavras, "conhecer e desenvolver algumas possibilidades expressivas do corpo do desenho e da pintura". Para Lygia, existe uma relação de co-autoria do espectador para com a obra de arte, entendida como discurso, como sentido polissêmico:

Cada obra de arte comporta uma infinidade de percepções e possibilidades de compreensão. As possibilidades de leitura serão ampliadas à partir de suas próprias dúvidas e necessidades reflexivas edas manifestas por seus alunos durante a realização do percurso.

Lygia preocupou-se em aprofundar as sensações do homem, seu domínio sobre seu corpo, sua humanização a partir do corpóreo pois importaria "estudar as relações entre o modo como nos percebemos e a forma como enxergamos os outros". A artista observava que o homem encontraria sua sensibilidade corporal por meio de sensações táteis realizadas em objetos exteriores a si. Assim, o homem "torna-se objeto de sua própria sensação".

A incorporação da "caixa de cheiros" em nossa metodologia considera sua dimensão mediadora no trato do indivíduo com o mundo, ao mesmo tempo em que se adequa como exercício de texturas olfativas para incorporação futura em livros táteis, construídos com fotografias, envolvendo texturas plásticas e de odor.

O conceito inicial de "caixa interativa" foi recuperado no trabalho de Lygia Clark: a "Cabeça coletiva", de 1975. Sua obra dispõe de uma estrutura com base de madeira e com armação de arame forrada com tecido de malha, formando uma grande cabeça. Em sua base há um orifício pelo qual o participante coloca a própria cabeça e apoia o objeto em seus ombros.

No interior da cabeça de arame existem pequenos compartimentos que Lygia Clark preenchia com os mais diversos materiais. Essa proposta foi, inicialmente chamada de "Cabeça cosmogônica" pelo crítico Mário Pedrosa: "a cabeça, de enorme dimensão, foi construída no apartamento da artista, que era constantemente visitado por seus alunos, que foram também acrescentando novos objetos nos compartimentos da cabeça: frutas, cartas de amor, biscoitos, sapatos, fitas de pano, bilhetes etc."15

Em 1966, Lygia Clark construiu o Livro Sensorial composto por folhas feitas com sacos de plástico transparente, contendo em seu interior diferentes materiais, visando proporcionar uma leitura sensorial táctil diversificada.

Nota de rodapé:

15. XXIV BIENAL DE SP. Educação estética aos trabalhos de Lygia Clark.

Fim da nota de rodapé.

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As páginas são recheadas de elementos destinados à leitura tátil, tais como conchas, pedacinhos de tubo plástico, lã de aço, pedras alternadas com páginas de alumínio rígido". Em 1968, elabora as "Luvas Sensoriais", feitas de vários materiais e tamanhos, usadas pelos participantes, que seguram bolas de dimensões e texturas diferentes, levando-os a redescoberta do tato à medida que repetem a experiência sem a luva. Como as pedagogas em formação, participantes da Atividade, e que até então desconheciam a obra dos artistas, perceberam a contribuição dos artistas?

Quando pensamos propostas alternativas de trabalho em sala de aula, buscamos maneiras de superar limitações da própria sociedade. Lygia Clark desafia o próprio corpo, instigando sensações, impulsionando relações que questionem a nossa individualidade na tentativa de auto conhecimento e reconhecimento da própria identidade. (Wayza)

“Em suas propostas, Lygia utiliza-se de experiências táteis, a interação do corpo com objetos exteriores, como mecanismos de auto-conhecimento e produção artística, partindo do pressuposto de que a obra de arte apresenta a função de estimular sensações no espectador, que recria e reconstrói a obra original, sendo desta, seu co-autor. (Wayza)

De tal modo, pensando o corpo como uma porta para o conhecimento do mundo eentendendo-o como uma mensagem, um discurso que exprime aquilo que somos. Nesse contexto, devemos pensar educação com propostas similares, envolvendo a expressão corporal, possibilidades de comunicação através de vários sentidos, estando sempre atentos à participação e influência do mundo exterior na constituição do indivíduo. (Wayza)

Nos trabalhos que Lygia sugere, como olivro táctil ou asluvas sensoriais ou acabeça coletiva, vi aproximações com o que nós já estamos discutindo. Todavia, em seu trabalho, senti falta de um trabalho mais centrado na questão da deficiência visual. (Fabiane Ribeiro)
3. A construção de livros táteis
O professor Ivanoilson, pesquisador do Instituto Helena Antipoff observa a importância dos livros táteis para crianças em DV Para ele, o livro tátil estimula a imaginação da criança a partir da sensoriedade tátil:

ela precisa ser estimulada a imaginar, precisa de estímulos externos, vindos do mundo dos objetos, de estar transferindo, relacionando, convertendo informações". A partir do momento que você começa a estimular a conversão das experiências táteis, mediadas pela narrativa

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em imaginação ocorre um processo de criação e de crítica. A criança passa a expressar-se tipo "-ficou legal o desenho", "- gostei daquela textura". Depois, o processo propicia a representação, elemento fundamental na construção do conhecimento e da linguagem.



Quando o professor desenvolve no aluno a criatividade, o interesse em conhecer objetos, estimulando-o a interagir com objetos presentes em um livro tátil, este vai ter primeiro uma sensação de procura, de busca, tentando conhecer aquilo que está sendo trabalhado ali. O professor terá que construir um processo de aproximação. Terá que "quebrar o gelo" do aluno. O livro tátil viabiliza uma aproximação com o aluno pois estimula sua curiosidade e convoca a capacidade narrativa do professor, articulando sua imaginação, sua habilidade de contar histórias à oportunidade de realizar exercícios de cognição e de psicomotricidade.

O livro tátil torna-se um material de apoio, não como ponto de chegada mas, de partida, como estratégia facilitadora na apreensão de conceitos. O livro tátil é um excelente instrumento para tratamento em cursos de capacitação, em oficinas, em formação para a licenciatura em educação especial e inclusiva. Isso porque o uso do material como paradidático deve estar inserido em um projeto metodológico. Não basta apresentar à criança um livro tátil e deixá-la explorá-lo. O livro é mediador desde que haja um direcionamento, uma clareza quanto ao momento no qual a criança encontra-se. O livro viabiliza uma formação mais trabalhada, envolvendo a conjunção de elementos mais abstratos com elementos concretos, desde que mediados pela narrativa do professor e pela incorporação da experiência do aluno.

No contato inicial com livros táteis as pedagogas em formação os perceberam como uma novidade pedagógica, uma vez que não tinham experiência em escolas de educação especial ou com trabalho de educação inclusiva. Foram então instadas a explorarem com as mãos o livro, de olhos fechados. Eis algumas de suas apreciações:

Foi interessante e difícil, pois toda hora tinha vontade de abrir os olhos para confirmar o que estava sentindo. Acho uma ótima idéia o trabalho de construção de livros táteis. O problema é como saber o que o cego reconhece. Por exemplo, eu só descobri que tinha uma tartaruga no livro porque já havia possuído uma (isto é,já tinha o conceito formado mas, e um cego que nunca construiu isso nele?) (Priscila Bastos)

Foi emocionante o momento em que o professor pediu para que eu fechasse os olhos e sentisse o livro feito especialmente para as crianças deficientes visuais, ressaltando que também são livros bastante procurados por crianças sem deficiência. Fiquei feliz de ter conseguido sentir

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bastante o que havia no livro e fiquei pensando também quanta sensibilidade deve ter o cego para sentir o sistema de escrita em braile. Achei muito interessante a impressora que imprime em alto relevo. Nunca havia me passado pela cabeça que existia algo deste tipo. É muito bom descobrir coisas novas. (Michelle Ramos)

Iniciado o processo de elaboração de livros táteis, especialmente com alunas do curso de Pedagogia, disciplina "Fotografia Brincante para DV" no primeiro semestre de 2003, foi possível perceber a capacidade criativa e a produção de conhecimentos que o professor, mesmo sem formação especializada dispõe, indiciando a viabilidade de tornar a produção de livros táteis uma estratégia bem sucedida de discussão teórico-prática em oficinas e cursos de capacitação. Há no processo de utilização de sucata uma grande possibilidade de estimulação:

Percebi que havia tantas coisas escondidas na minha produção. Uma delas é que no fundo, do fundo mesmo, eu tive mais preocupação com o visual do que com o sensorial. Tudo bem, problema de vidente!

Já tendo listado os materiais: lixa, palito, lacre de latinha, farinha ou areia, papel cartão. Veio a questão: qual será o enredo?(Patrícia Bastos)

Alguns materiais que pretendíamos usar não deram certo, gostaríamos de ter colocado vidro na janela do quarto, para que fosse possível sentir que aquele desenho era uma janela parcialmente fechada, mas não deu certo, depois num mesmo momento ainda na janela, pensamos em colocar no lugar do vidro, uns palitos (usado no trabalho) em cima do outro para que desse o efeito de uma persiana, mas esteticamente achamos que ficou feio, por fim pensamos em colocar cortina, e assim deu certo. (Carina de Souza)

Usamos também folhas e flores de verdade, no início ficamos com dúvida se colocaríamos ou não porque as folhas ficariam murchas e as flores desmanchariam, por fim resolvemos colocar, pois nossa proposta é que o deficiente visual possa sentir diferentes tipos de texturas nas folhas e flores, não queríamos colocar algo artificial no livro, nossa idéia seria de estar trocando essas folhas ou ao apresentar o livro estar trazendo diferentes folhas com diferentes texturas, trabalhando com a tridimensionalidade, essa é a idéia da fruta que também colocamos na árvore em isopor, pensamos em estar trazendo a maçã ou outra fruta para trabalhar com os cheiros também. (Carina de Souza)

No que diz respeito à concepção que norteia o enredo, a necessidade de um "olhar" a partir do que o vidente "vê" e o que a criança em DV "olha tornou-se um rico desafio:

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Pensando um pouco nas descobertas feitas por Marco Pólo em sua extensa viagem e desejando que o nosso interlocutor tivesse a mesma possibilidade, surgiu o desejo de criarmos um passeio de carro. (Ana Patrícia Bastos)

Pensamos na noite... a partir das estrelas. Pensamos numa menina dormindo e que uma estrela falasse com ela, em sonho ou não, deixamos em aberto essa questão para que a criança que estiver lendo imagine da maneira que quiser, sendo assim esta pode imaginar que tudo não passava de um sonho ou que realmente aconteceu. Assim depois de ter feito a história, fomos pensando e desenhando como ficaria o livro, anotando o material que usaríamos, para então irmos a busca deles. (Carina de Souza)

No nosso livro, começamos primeiro por tudo o que precisava de palito de sorvete, como as casas, as camas da menina e as janelas do seu quarto. Cortamos os palitos, pintamos e colamos. Era difícil pensar nos materiais que mais se aproximavam do real e alguns desses materiais, como o vidro, não puderam ser utilizados, já que a cola não iriaprendêlo de jeito nenhum. Fizemos em seguida, a representação do rio, da lua, das estrelas, etc. Foi interessante fazer eu e Carina porque temos uma boa sintonia. Quando uma não sabia cortar isopor, a outra fazia, ou quando a outra não conseguia montar a boneca, a outra montava. A nossa troca de idéias também foi boa. (Michelle Ramos)

Tentamos no livro, nos aproximar ao máximo do real, até o meu cabelo foi usado para ser o cabelo da boneca. O mais difícil na minha opinião foi fazer a menina, e colar tudo, pois quando fomos entregar, muitos objetos já estavam descolando, como a flor de verdade e a terra. Usamos folhas e flores de verdade, pensando também em trabalhar com a tridimensionalidade, no caso o jardim. Quando a criança passasse a mão sobre a flor, as folhas e os frutos, pensamos em estar trazendo folhas, flores e frutos novos e soltos, para que fosse trabalhado, também a questão do cheiro e do próprio tato, ao ver a diferença entre a folha e a flor já seca e a que a inda não está. (Michelle Ramos)

Consideremos finalmente, a produção de conhecimento implícita nessa modalidade de produção de materiais paradidáticos, considerando a instância da produção de conceitos, numa dimensão cognitiva, e o exercício sensorial. Foi significativa a produção pelos pedagogos em formação na criação de espaços tridimensionais dentro do campo bidimensional do livro.

Tomemos o caso, por exemplo, do livro tátil sobre o espaço cósmico. A criança não tem a experiência sensorial para esse conceito. Na medida em que a página do livro, ao falar do ”buraco negro” rompe-se no bidimensional

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e a mão da criança cai em um espaço vazio, tridimensional, cercada pelo objeto ”meia” ou ”coador” (que buscam simular com o tato a experiência do salto no vazio, dentro de um buraco), é possível pensar-se o trabalho em torno de aspectos mais abstratos. É possível trabalhar-se com o sentido de ausência no espaço. Quando um livro tátil tematiza o espaço e constrói na folha bidimensional do livro um buraco onde prende um coador de café, transformando aquilo num ”buraco negro” que atrai e prende os objetos no espaço, torna-se a apreensão dos conceitos pela criança muito mais fácil. A partir da experiência oralizada, memorizada, ela pode ser capaz de projetar essa experiência cognitiva, oral, sensitiva e socializadora (pois mediada pela linguagem) para outras experiências no mundo, envolvendo, por exemplo, quantidades, a matemática, talvez, até, o sentido do zero.16



Não obstante soluções originais na incorporação de materiais com texturas especiais - como cola quente para sugerir elementos moldáveis (simulando fossem gotas de chuva, fossem espinhos em árvores...), os alunos conceberam a existência junto ao livro, ligado a ele por um cordão, de um objeto tridimensional que ”ingressasse” nas histórias, ”passeando”, participando da história pela mão da criança que o lê: na obra sobre o espaço sideral, utilizou-se de um pequeno brinquedo com forma de foguete; no livro sobre uma flor, foi feito de papel uma pomba; no livro sobre estradas, anexou-se um pequeno carrinho de plástico, na escala condizente com a possibilidade do brinquedo ser deslocado pela criança cega dentro do livro, percebendo pela fricção as diferentes texturas sugeridas nas estradas: de terra, de areia, cruzando ferrovias (feitas de tampas de cervejas), de pontes (compalitos de sorvetes), de asfalto (com lixas mais lisas).


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