Práticas Discursivas ao Olhar Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo


Desafios na formação dos profissionais de ensino



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Desafios na formação dos profissionais de ensino

Defendemos na formação do educador, a desconstrução do que é veiculado pela mídia, estimulando o exercício de ressignificação dos meios e das mensagens e a constituição de projetos educacionais que discutam as relações dos sujeitos sociais com a imagem, seus significados, sua ideologia. Favorecemos assim a articulação de diferentes campos do conhecimento, estimulando a reflexão sobre a relação entre educação e cultura, imagem e significação.

É na atividade de linguagem que os sujeitos se constituem. Buscar os pólos dessa interlocução implica constituir um conjunto de recorrências necessárias - objetivos, trajetos comunicacionais, contextos sócio-históricos, suportes - para que se dê o evento em linguagem. Se há uma ordem discursiva não verbal em diferentes suportes visuais, podemos fazer a crítica ao senso comum que toma a imagem como portadora de sentido único, à serviço apenas da ilustração de discursos verbais, manifestos na escrita ou oralmente.



Notas de rodapé:

19. Vale, como exceção parcial à regra, a permanência, com inúmeras dificuldades, da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional e, mais recentemente, da constituição no espaço da ANPED, do Grupo de Trabalho "Educação e Comunicação".

20. Nacontracorrente, registre-se desde 2000, a cooperação técnica entre a Faculdade de Educação da UFF (SFP Prodef) e a UFMG (CE4I-Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino daFaculdade de Educação, Departamento de Comunicação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), além da ONG Oficina de Imagens, desenvolvendo pesquisas, artigos, extensão, no âmbito de Diretório de Pesquisa.

Fim das notas de rodapé.

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O cinema, a história em quadrinhos, a fotografia, o jornal, o rádio, a revista, a televisão e a Internet - modalidades daquilo que hoje chamamos mídia - são exemplos desse tipo de prática que, existindo fora da escola, produz e difunde saberes que a seu modo conformam possibilidades de entendimento e posicionamento frente à experiência e ao real. As práticas educativas não escolarizadas abrem a possibilidade de atuação ampla de profissionais dos meios de comunicação para o exercício na instância educativa não escolar e também escolar.



Nosso desafio no presente é conseguirmos atuar em diferentes frentes de trabalho - todas urgentes - pelas quais nos seja possível refletir melhor sobre o estatuto epistêmico da imagem, elaborar pesquisas e conhecimentos em torno de sua produção social, apontando roteiros metodológicos para a pesquisa-ensino no âmbito das redes de educação básica, e ampliando a presença do campo temático na formação dos educadores À universidade, concomitante à formação de profissionais para a educação e para o exercício junto às mídias, cumpre refletir sobre o estatuto das imagens como discurso, desconstruindo concepções ideológicas subjacentes, numa desconstrução mediada necessariamente pela teoria.

Bibliografia

ABICALIL, Célia Belmiro. AFONSO Jr., Delfin. A imagem e sua dimensão cultural na formação de professores. In: Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte, Editora Dimensão, volume 7, n. 40, jul.-agos., p.46-55.

ABICALIL, Célia Belmiro. A Formação Docente e as Práticas Educativas do Olhar. Belo Horizonte, UFMG, Texto de Trabalho para o Grupo de Intercâmbio "Práticas Educativas do Olhar", setembro, 2000, texto digitado.

AFONSO Jr Delfin. Prismas na Formação do Educador. Belo Horizonte, UFMG, texto de trabalho para o Grupo de Intercâmbio "Práticas Educativas do Olhar", setembro, 2000, texto digitado.

BARROS, Armando M.; ABICALIL, Célia Belmiro; AFONSO Jr., Delfim. Práticas Educativas do Olhar. Justificativas para Projeto de Intercâmbio UFMG-Aecoi UFF-Prodef. Belo Horizonte, Niterói, fev. 2000.

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BARROS, Armando Martins. "Educação do Olhar: notas sobre o tratamento das imagens, como fundamento na formação do pedagogo". In: SAMAIN, Etienne (org.). O Fotográfico. São Paulo, Ed. Hucitec CNPq. 1998, p. 199:206. Coleção Linguagem e Cultura. N. 29.



FAIRCLOUG, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília, UNB, 2000.

ORLANDI, E. Análise do Discurso - Princípios e Procedimentos. São Paulo, Editora Pontes, 1999.

—. "Efeitos do Verbal sobre o Não Verbal". In: Revista Rua. Campinas, 1: 35-47, 1995.

Primeiro Seminário "Práticas Educativas do Olhar". Belo Horizonte, Faculdade de Educação. UFMG. Promovido pelo Intercâmbio UFMG Ceale-UFF Prodef. FAPEMIG FAPERJ. 9 e 10 de novembro, 2000.

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Atividades Complementares

Filme: Sociedade dos Poetas Mortos

Direção e Roteiro de Peter Weir. EUA, 1987. Escrito originalmente por tom Schulman. Produção Touchstone Pictures. Duração em vídeo: 90 min.

Na história, o professor Keating, iniciando sua docência na Academia Welton, leva seus alunos à sala de troféus e de fotos antigas propondo inicialmente a leitura no livro didático da estrofe de uma poesia:

As virgens para aproveitarem seu tempo, colham enquanto podem seus botões de rosa. A velhice vem voando. Esta flor viçosa amanhã estará murchando. Colham enquanto podem seus botões de rosa.

O professor solicita a seus alunos que observem as fotografias antigas, em preto e branco, expostas com a figura de antigos alunos, formados junto de seus professores, ou em equipes esportivas. A imagem focaliza, em close, silenciosamente, por alguns segundos, o rosto de diferentes alunos de outros tempos. Após alguns segundos, o professor sussurra para seus alunos "Carpe dien. aproveitem o dia rapazes. tornem suas vidas extraordinárias".

Keating sabia da capacidade das imagens, "congeladas" em um tempo outro, realizarem como sentido uma longa e estranha viagem, estimuladas pelo olhar do presente.Com a mediação das fotografias, Keating propunha uma espécie de ressurgimento do passado, convidando à uma conexão e sintonia entre os alunos do outrora com os do presente. Para o professor, as fotos dàquele momento serviam como um instrumento benjaminiano, tornando o passado inacabado e iluminador do presente.

O professor "capitain" sensibiliza seus alunos a assumirem a experiência de uma sociedade acadêmica adormecida - a "Sociedade dos Poetas Mortos" em uma transfusão de rebeldia contra o conformismo e de apropriação da poesia do mundo. O professor tem seu projeto pedagógico voltado a um desmonte didático extraordinário: a palavra torna-se uma estética, comprometida em dar boniteza ao mundo. Em suas aulas, o futebol transpira poesia, a música erudita regurgita literatura, os olhos comem a palavra, os ouvidos exalam versos, numa sinergia que repropõe a corporeidade tornando os sentidos estranhamente ampliados.

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Leitura: O Menino do Olho Vivo

Ricardo Azevedo, São Paulo, Editora Ática.21

"Se a gente não tivesse olho não ia dar para enxergar nada. O mundo ia ficar escuro feito breu, como se tivessem apagado a luz e ainda por cima pintado tudo de preto.

Pouca gente repara como é gostoso acordar de manhã, se espreguiçar, abrir o olho e olhar para o teto. Por exemplo: no meu quarto, num canto perto do lustre, mora uma aranha das pequenas. Todo dia, quando eu acordo, ela está lá, caçando mosca, tem também, num outro canto, um furinho traiçoeiro, quase invisível. Sempre que chove forte, faz goteira. Meu pai disse que ia mandar arrumar, mas até agora nada.

Olho serve para ver as coisas lá longe, feito a Mariana, que mora no apartamento do outro lado, quase na esquina, e é a menina mais bonita da rua. É longe mas, apertando bem os olhos, dá para ver a Mariana de vez em quando. Outro dia, ela estava na sala escrevendo uma carta. Quase espremi os olhos tentando enxergar o que estava escrito, mas não deu. A Mariana é bonita, só que a letra dela é péssima, torta, pior que garrancho. Queria que fosse uma carta só para mim, mas já passou uma semana e o carteiro ainda não apareceu.

Olho também serve para ver de perto. Descobri umas formigas, daquelas bempequenininhas, morando escondidas atrás de umladrilho da cozinha.

Quando chega de manhã, elas passeando pela mesa, distraídas, catando restinhos de pão e grãos de açúcar. É só chegar perto e fazer toe toe na madeira com o dedo. Elas se reúnem na hora e parece um plano de ação. Depois, sai tudo correndo cada uma para um lado. Minha avó garante que formiga sabe falar. Ela contou que na casa dela também tinha formiga e que cansou de passar inseticida, elas sumiam por um tempo mas voltavam belas e formosas, como se nada houvesse acontecido.

Um dia, vovó desanimou e resolveu conversar com as formigas. Chegou bem perto. Pediu para elas terem juízo e irem morar no jardim. Disse que assim não era possível e que estavam atrapalhando muito o serviço da cozinha, disse também que ela tinha oitenta e sete anos e já estava velha para ficar catando formiga escondida todo santo dia no açucareiro. Minha avó explicou que falou baixinho, com jeito e educação e que as formigas pararam e ficaram só ouvindo. Contou que fez isso durante quase dois meses, até que um dia de manhã, chegou na cozinha e não encontrou mais ninguém.

Nota de rodapé:

21.Ricardo Azevedo é autor de livros infantis. Autor e ilustrador de uma série de seis livros que falam da poesia do mundo e da importância de cada um dos sentidos em nossa vida. Na coleção, Azevedo apresenta a importância da audição (na obra "Menino de orelha em pé"), do olfato (na obra "Menino de nariz esperto"), do paladar (na obra "Menino de Língua de fora"), do tato (no livro, "Menino meio arrepiado"), das sensações ("Menino sentindo mil coisas").

Fim da nota de rodapé.

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É inverno. Está tudo cinza. Um frio desgraçado. As pessoas encolhidas, passam tossindo de nariz pingando e meia de lã. De repente, o céu ficazul. As árvores sem folhas, envergonhadas e quase peladas, começam a ficar verdes. Flores amarelas, roxas e vermelhas brotam aqui e ali. Os passarinhos e as borboletas aparecem fazendo piruetas e dando gargalhadas no céu. Não precisa dizer nada. É só olhar prestando atenção: chegou a primavera!



Olhar o céu de noite para enxergar as estrelas, os vaga-lumes, a lua, os mosquitos, os aviões e as mariposas girando no alto dos postes de luz.

Fora filme de cinema, buraco de fechadura, televisão em cores, foguete de são João e o sol todo vermelho caindo no mar no fim do dia, acho que a coisa mais bonita, mais incrível, mais louca, mais misteriosa para a gente olhar é o olho de outra pessoa. Olho não. Olhar, porque o tio Nelson dormia de olho aberto e não tinha graça nenhuma aquele olho parado dele. Olhar o olhar dos outros é que é legal. Parece nada. Parece mixaria. Parece a coisa mais boba do mundo, mas não é. Pode reparar. A gente só encontra mesmo outra pessoa quando olha no olho dela. Pessoa que não olha no olho a gente não conhece. A gente, às vezes, olha para o olho do outro e sabe até o que vai acontecer. Se está junto. Se vai dar bode. Se está tudo certo".



Leitura: Pedagogia do Olhar: É Preciso que o Público Aprenda a Ver eRever o Novo de Forma Nova

Afonso Romano de Santana. Jornal O GLOBO, Caderno Prosa e Poesia, 2 de fevereiro de 2002.

"Outro dia estava no ateliê de Israel Pedrosa, lá em Icaraí. Ele é o pintor, que conheço, que mais pesquisa e estuda o mistério das cores. Está terminando um livro chamado "Dez aulas magistrais", estudando a obra de dez pintores, de DaVinci a Pollock, passando por Vermeer, Turner, Cézanne e outros, que nos legaram, magistralmente, lições que os mais novos não deveriam ignorar. Numa carta que me enviou, retoma o que chamei de necessidade de redescobrir o olho e o olhar, coisa que já para DaVinci era essencial. Penso, então, numa pedagogia do olhar.

Vllen Kerr, que era artista plástico, certa vez estava numa fazenda no Mato Grosso e resolveu pintar na parede uma cena em que aparecia uma paisagem, além de um jipe e dos peões. Chamou os trabalhadores para verem seu trabalho. E ficou pasmo. Eles olhavam e não decodificavam o que estava ali. Olhavam e não viam. Então, começou a explicar-lhes que isto aqui é um jipe, isto aqui um cavalo, etc.

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Algo semelhante foi narrado pelo falecido romancista cubano Severo Sarduy. Um projecionista começou a passar no interior de seu país um filme sobre técnicas agrícolas. Mas, como diz Alberto Manguel, relatando essa história, os habitantes do vilarejo contemplavam as imagens luminosas em movimento, mas aparentemente não viram nada nessas imagens, exceto a figura de uma galinha projetada no canto inferior esquerdo da tela, posto que não tinham nenhuma experiência de ver cinema, e nenhum conhecimento de como seguir uma série de tomadas longas, closes e travelings, os quais, aos seus olhos, converteram-se apenas em uma mixórdia de sombras e luzes.



Um dos pressupostos fundamentais da arte contemporânea diz que o público tem que aprender a ver de uma forma nova o novo. De fato cada momento artístico novo e cada autor relevante ensinam a ver e a reler o mundo. O artista autêntico cria seu público e ensina seu público a lê-lo. Contudo, entre os paradoxos da chamada arte contemporânea, citem-se dois. Primeiro, a obsessiva e excludente política de "desver" qualquer tipo de obra que não seja extravagância espetaculosa. Assim cega-se um olho. só se vê o que se rotula de experimentalismo e vanguarda.

O segundo paradoxo é também grave. Na maioria das vezes o painel na parede da fazenda ou o filme projetado não são apresentados a componeses analfabetos, mas expostos a outros "pintores" e a outros "cineastas", ou seja, a um público sofisticado que, no entanto, também não entende o sentido do que está sendo exposto. A esse público sofisticado cabe sair da passividade e demonstrar que o painel está mal desenhado e que o filme está montado às avessas com péssimos atores e script.

É urgente desenvolver uma pedagogia do olhar. Desautomatizar a falsa modernidade. Para usar um jargão que até Woody Allen já ironizou, temos que desconstruir a desconstrução. Uma pedagogia do olhar deve ensinar não apenas a ver e a rever, mas a exercitar astuciosamente o que chamo de terceiro olhar."

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Quando a Cegueira Guia o Olhar



Notas Sobre as Práticas Educativas Inclusivas

Armando Barros

Erica Cortes

Edson Souza

Marize Jordão

Priscila Bastos

Wayza Lima

Ivanoilson Mello

O presente texto surge no âmbito de novas demandas na formação dos profissionais de ensino, envolvendo a constituição de competências no trato com as linguagens não verbais, em práticas educativas inclusivas - sejam escolares, sejam não escolares (em instituições memória como centros culturais, museus ou bibliotecas), com a participação em equipes interdisciplinares que falem simultaneamente da psicologia cognitiva, do fenômeno estético, da memória e da história tendo como horizonte a discursividade na construção do sujeito.

É nossa intenção sinalizar para a necessidade dos cursos de formação de pedagogos e dos cursos para profissionais de ensino, em exercício, incorporarem a luta pela ampliação de acesso à educação brasileira, através de uma formação ampliada, com novas habilidades e novos conteúdos. Falamos a partir do reconhecimento de que existe uma demanda pela escola, oculta, originada em dois movimentos: 1) de uma população escolarizável, mas silenciada, caracterizada por necessidades especiais que precisa ser reconhecida; 2) de um segmento expressivo de profissionais de ensino em formação ou em exercício, que anseiam por novos espaços de discussão e qualificação - envolvendo o tratamento das linguagens e da subjetividade como objetos de estudo.



Notas de rodapé:

Professor-pesquisador da Faculdade de Educação, Docente da Atividade Curricular e de Projeto de Extensão "Fotografia Brincante para Deficientes Visuais".

Graduanda em Pedagogia UFF/Niterói. Auxiliar de pesquisa no projeto "Práticas Educativas ao Olhar: novas competências na formação do profissional de ensino.

Arte Educador e Pesquisador do Centro de Referência em Educação Especial do Instituto Helena Antipoff.

Musicoterapeuta. Coordenadora na área de DV da Escola Estadual em Educação Especial Anne Sulivan (SEE/RJ)

Graduanda em Pedagogia UFF/Niterói. Discente na Atividade Curricular"Fotografia Brincante"

Graduanda em Pedagogia UFF/Niterói. Auxiliar de pesquisa, projeto "Educação indigena" (CNPq/PBIC)

Fim das notas de rodapé.

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Essa demanda aponta para a necessária confluência e sinergia entre sujeitos institucionais comprometidos com a educação inclusiva e cidadã.



Identificadas as demandas quanto à novas habilidades e competências, entendemos necessária a exploração do estatuto epistemológico de linguagens e de discursos não verbais, notadamente quanto ao recorte das visualidades e da experimentação plástica, dirigidas às crianças e aos adolescentes com necessidades especiais quanto à visão, com cegueira absoluta (DV). Para tanto, defendemos a tese de que o debate sobre o lugar da educação inclusiva (em seu estatuto e proposições metodológicas derivadas), não se restrinja às fronteiras da Educação Especial mas amplie-se, convocando as ciências, acomodadas seja nos departamentos de "fundamentos pedagógicos", seja nos de "teoria e prática", seja nas pós-graduações, a pensarem as interfaces e as determinações que tornam a inclusão das crianças, dos jovens e dos adultos com necessidades especiais um objeto cujo pertencimento cabe a todos.

É desse lugar, descentrado - que remete à educação inclusiva mas que não se posiciona como Educação Especial - de onde articulamos a Educação Estética, a Memória e História do Olhar, e as práticas discursivas, dirigindo nossas preocupações para a afirmação do sujeito epistêmico que prescinde do domínio sensorial completo mas que trabalha sua apropriação do mundo na interação cultural e histórica.

Propomos confluir o ensino, a pesquisa e a extensão no que hoje denominamos como Memória e História das Práticas Discursivas ao Olhar, dirigida à novas competências na formação do pedagogo. Falamos a partir das explorações do fenômeno estético e das possibilidades formais que os objetos, retirados da pesquisa estética, podem viabilizar seja como expressões sensoriais que repropõem as formas, seja como interpretações plásticos sensíveis. Assim, o cenário de fundo de nossa trajetória tem os processos pedagógicos de sensibilização e interação dirigidos às crianças e aos jovens com cegueira absoluta, constitutivos da afirmação do indivíduo como sujeito que se reapropria do mundo e o ressignifica como seu co-autor, produzindo sua existência como sentido e trabalho.

Ao focarmos a cegueira como inclusão, ampliamos a qualidade da abordagem das práticas discursivas ao olhar especialmente em cursos para videntes - sejam eles pedagogos em formação ou profissionais de ensino em exercício. Nosso esforço remete ao desafio de fazer confluir as relações entre o ensino (para pedagogas em formação), a pesquisa interinstitucional (nas instâncias universitária e centros ligados às redes de ensino médio e básico) e a

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extensão, (incorporando professores em exercício nas escolas municipais e estaduais. Esse desafio é emoldurado pela complexidade e riqueza no cruzamento das experiências advindas das práticas educativas presentes nas três instâncias institucionais a partir das quais os autores constróem sua parceria: a federal, no plano universitário (via o curso de Pedagogia da UFF), a instância estadual (com o Colégio Estadual de Educação Especial Anne Sullivan) e a municipal (envolvendo o Centro de Referência em Educação Especial Helena Antipoff, de apoio à rede de escolas do município do Rio de Janeiro).



A diversidade de experiências subsidia a unidade de propósitos ao sinalizar novas competências para profissionais em exercício e em formação que pressupomos necessárias para atuação articulada nas esferas a partir das quais refletimos. Nesse contexto, o artigo propõe três instâncias de reflexão: 1) quanto à formação de pedagogos de novo perfil, orgânico às lutas pela educação inclusiva e pela competência no trato com a discursividade do olhar; 2) sobre as possibilidades quanto aos cursos para profissionais de ensino, em serviço; 3) das possibilidades teórico-metodológicas presentes no trabalho com a fotografia como estratégia de afirmação do sujeito.

  1. Novas competências ao pedagogo: o olhar recriado na cegueira

Quando quero sentir-me próxima a alguém, procuro sempre tocá-lo, senti-la, através de todos os meus sentidos. Para isso, quase que inconscientemente, fecho os olhos como uma forma de me deter naquele momento e permitir que meus outros sentidos sejam aguçados.

Procuro ouvir sua respiração, o pulsar do seu coração, toco em sua pele e reconheço cada detalhe, o seu odor torna-se um fator marcante (daquelas pessoas que sinto mais próximas sei exatamente o odor.). Fecho os olhos, sinto. O tempo começa a passar de forma diferente. Não é mais uma temporalidade demarcada por minutos: é diverso, profundo, lento, significativo. Posso passar horas assim e ainda parecerá que não vivi mais do que um minuto. Sinto-me então mais próxima do Outro.

Estudando a questão, comecei a ressignificar o que é "ver". Segundo Bavcar, não se enxerga nada quando não se tem uma representação interior relativa às coisas que se percebem tactilmente. Talvez seja por isso que vejo tanta coisa apesar de, muitas vezes, não visualizá-las. Se tal, a mim, acontece, o que então impede ao cego ver?

Muitos dizem que o cego não alcança toda a realidade. Mas, o que é o real? Caso nos detenhamos no ato de ver, a realidade será a interpretação da percepção que pode se diferenciar individualmente. O real, assim, é também subjetivo.

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O texto citado pertence a aluna do curso de Pedagogia, cursista da atividade curricular "Fotografia brincante para DV", realizada experimentalmente para seis discentes a cada semestre, objetivando explorar novas habilidades e competências ao pedagogo em formação. O curso foi criado no início de 2002, após uma trajetória de dez anos de pesquisas voltadas ao estatuto epistemológico das imagens técnicas e sua projeção na história da educação. Investigar o olhar na perspectiva da cegueira, expressa um momento de consolidação do Laboratório de Estudos da Imagem e do Olhar (Leio), vinculado ao Programa de Educação Fluminense (PRODEF), da Faculdade de Educação. O LEIO reúne pesquisa, ensino e extensão, envolvendo: 1) alunos do curso de Pedagogia, campus do Gragoatá e campus de Angra dos Reis; 2) professores pesquisadores de diferentes instituições, nucleados no Diretório de Pesquisa CNPq "Práticas Educativas do Olhar".22



A partir do primeiro curso (primeiro semestre de 2002), entendemos da oportunidade de ampliarmos nossa contribuição na direção da confluência entre ludicidade e fotografia como recursos pedagógicos com DV. Essa opção aproximou a linha de pesquisa da UFF de instituições como o Centro de Referência em Educação Especial Instituto Helena Antipoff, e o Colégio Estadual de Educação EspecialAnne Sullivan.

Pela cooperação técnica iniciou-se um grupo de estudo e definiu-se uma metodologia com estudos de caso, viabilizando novas competências seja aos graduandos, seja aos professores de nível médio mediante o aprofundamento da reflexão sobre linguagens, cognição e educação inclusiva. No âmbito do curso curricular oferecido na graduação de Pedagogia, o eixo metodológico do curso "Fotografia Brincante" volta-se à relação entre sujeito e linguagem fotográfica, pensada em sua expressão lúdica, sensorial e intersubjetiva.

O projeto do curso curricular, ao propor a exploração de novas habilidades ao pedagogo em formação definiu uma metodologia com ações que aproximam os discentes do cotidiano escolar com crianças DV em estudos de caso.23

Notas de rodapé:

22. Mediante cooperações técnicas distintas, o Diretório reúne os professores Célia Belmiro e Delfim Júnior, das Faculdades de Educação e de Comunicação, da Universidade Federal de Minas Gerais; o Professor doutorando Jefferson Silva, da Educação, da Universidade Federal de Natal; a Profa. Dra. Stela Borges, da Universidade Federal daBahia; a Profa. Roselaine Kuhn, da Universidade Federal de Sergipe; o Prof. Bessa Freire, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O diretório tem seus trabalhos socializados via o site: uff.br.imagemnolharcom links na área de Pedagogia da Imagem; Imagem e DV; História da Educação; Educação Indígena; Caminhos do Povoamento em Paraty.

23. Os estudos de casos, iniciados em 2002, com acompanhamento pelos próximos cinco anos, comportam uma revisão do estado da arte nas relações "pensamento e linguagem", "formas narrativas" (visuais, cênicas, plásticas, musical),"memória e história do olhar e da cegueira", "corporiedade”, "gnose e cognição", "brinquedo e ludicidade". Ao longo do curso, em cada semestre letivo, os discentes produzem informações que complementam um banco de dados em construção e, ao seu final, apresentam produtos e processos narrativos e lúdicos utilizados no acompanhamento das crianças em observação.

Fim das notas de rodapé.

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simultaneamente, realiza-se exercício dapesquisa interdisciplinar, com a presença na equipe de profissionais originados na Psicologia, naMusicoterapia, na Neurologia, na Educação ArtisticaTeatro, Artes Plásticas e Fotografia.24



Às pedagogas em formação, videntes, fala-se da cegueira como um princípio educativo que redescobre o olhar, numa dimensão que coloca emxeque o monopólio da percepção visual frente à sensoriedade do real. E porquê? Porque defendemos que também "vemos" sem os olhos. Mais. Somos sujeitos, inclusive de olhares, que atuam e transformam o mundo, ressignificando-o pela mediação de diferentes linguagens, que estimulam o pensamento e o traduzem. Acreditamos que nossa cognição, nossa forma de conhecer e nossa postura indagativa sobre o mundo, não estão condicionadas radicalmente à visualidade.

A visualidade é de tal forma impregnante que muitas vezes interdita nossa subjetividade, impedindo-nos de "significar". Temos buscado pois sensibilizar os discentes vinculados a atividade curricular com conteúdos que remetam à sua capacidade de significar expressões realizadas por diferentes sociedades, especialmente no plano estético. Isso tem levado-nos a estudar a história da arte, especialmente a narrativa pictórica e plástica, sobre texturas.

Partimos da tese que nossos pedagogos em formação detém uma lacuna em seu capital cultural e uma posição discursiva que interdita a compreensão das imagens que fujam ao naturalismo e à figuração, limitando com isso seu reconhecimento das subjetividades e uma experimentação sensorial que lhes permita abordagens inovadoras, fundadas no Cubismo, no Surrealismo, no Neo concretismo.

Isso é particularmente sensível quando são instados a se expressarem por desenhos ou analisarem o de outros, adultos, jovens ou crianças. De certa forma, os profissionais de ensino - como de resto, a população - encontram-se numa postura gnoseológica que os aproxima da Europa no século XIX, quando da resistência aos artistas cubistas propuseram um novo olhar. Nesse contexto, nosso compromisso é menos tornar o pedagogo um historiador da arte mas, permitir-lhe perceber na pintura, escultura, fotografia a confluência de práticas educativas, fundamentais à inclusão dos indivíduos na rede de relações da sociedades modernas.25



Notas de rodapé:

24. Os pedagogos, em formação, assim acompanham em sua Atividade Curricular as atividades escolares (em instituição estadual e municipal) de uma criança de 11 anos, um adolescente de 17 anos, uma adolescente de 12 anos, com cegueira absoluta. Seu estudo incorpora a dimensão clínica, neurológica, cognitiva, física, motora, psicológica, assim como o percurso conteudístico que se realiza dentro do programa da série que a criança cursa na escola.

25. Em uma perspectiva orgânica, histórico materialista, é possível compreender a emergência do Impressionismo nos quadros da sociedade industrial da Segunda metade do século XIX e o Cubismo e Surrealismo no contexto das transformações epistêmicas onde estavam presentes as rupturas.

Fim das notas de rodapé.

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A atividade curricularFotografia Brincante para crianças em DV aproximando pedagogos em formação dos professores de ensino fundamental, tem proporcionado a construção de estratégias e conteúdos que sensibilizam os pedagogos em formação para possibilidades narrativas verbo visuais, potencializando sua atuação com crianças videntes e, principalmente, em educação inclusiva.



Qual o impacto sobre a formação desses profissionais da convivência na fronteira entre a visão e a cegueira? Numa avaliação preliminar consideramos que ocorra uma sensibilização para linguagens que contemplam o verbal e o não verbal. A realização da atividade curricular, associando ensino e extensão tem permitido identificar de forma preliminar no perfil dos pedagogos em formação a demanda por um aprofundamento no tratamento da imagem, entendida não como positividade e sim, como expressão material de uma linguagem que constrói o sujeito.

2. Novas habilidades em educação inclusiva: o discurso fotográfico

São nossos profissionais de ensino estimulados a refletir sobre as possibilidades de serem, no cotidiano da escola, pesquisadores e epistemólogos? Desenvolvem possibilidades de reflexão originada na psicologia cognitiva, no universo das linguagens no domínio do corpóreo e da ludicidade? Contam eles com a apropriação competente de categorias indispensáveis a um trabalho cadenciado envolvendo o ensino regular de natureza inclusiva? É evidente que estamos muito aquém.

O tratamento da imagem, numa relação que convoca o olhar e a cegueira, viabiliza a resposta a demandas presentes entre os profissionais no ensino fundamental e na pesquisa universitária. A imagem, como sentido e discursividade, enquanto objeto de trabalho, atende a um duplo horizonte, envolvendo cognição e humanização. Envolve o cognitivo ao remeter às linguagens que nomeiam o mundo, trabalhando os signos que o ordenam simbolicamente, dando-lhe sentido. Refere-se à uma dimensão humanizadora ao favorecer o ato fotográfico o reconhecimento pelo indivíduo de seu pertencimento a uma rede social, estimulando sua auto estima, sua individualidade, sua subjetividade... irreversíveis materializadas pela física de Einstein, com novas proposições de espaço e tempo, bem como, a descoberta de um novo continente simbólico, nos termos de Freud, com o inconsciente. Essa nova e revolucionária concepção de representação, da qual a cultura ocidental contemporânea é tributária, expressa uma ruptura nos padrões de cognição pictórica sugerida por uma tênue linha que liga impressionistas como Cezanne a figuras propriamente cubistas como Picasso. Essas questões, presentes no âmbito da epistemologia do Olhar e da imagem, ainda não dispõem de um campo claramente constituído na formação de pedagogos.

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As fotografias podem servir à uma melhor compreensão do universo da escola? Responderíamos afirmativamente. As fotografias podem servir-nos como fontes históricas iconográficas, possibilitando a pesquisa sobre sociedades, remetendo a tempos e lugares, informando figurativamente sobre vestuário, tipos étnicos, composição de gênero, arquitetura, materiais e recursos pedagógicos. A tradição historiográfica com o uso da fotografia, apesar de recente, informa-nos sobre possibilidades instigantes a serem exploradas inclusive na formação de novos profissionais de ensino.



As imagens fotográficas podem servir como recursos didáticos ao tratamento de conteúdos curriculares? Responderíamos também afirmativamente pois é possível utilizá-las como "motivadoras" como "estratégia", permitindo a discussão de assuntos nas mais variadas disciplinas, possibilitando a abordagem de questões sociais amplas a partir da comparação entre a produção fotográfica privada, familiar e aquela produzida pelo Estado e pelas mídias.

As imagens fotográficas podem servir a uma "educação do olhar"? Sim, à medida em que a sociedade é saturada por imagens na mídia e não dispõe de espaços que permitam a apreensão dos códigos que as constróem a escola, entre outras atribuições, deve sistematizar conhecimentos voltados àhistoricização desses recursos.

Mas, as fotografias também podem ser pensadas como mediações na construção das subjetividades. A linguagem fotográfica, ponto de articulação entre linguagens próximas como a pictórica e a filmográfica, pode servir como sensibilização à crianças com necessidades especiais em sua inserção no mundo. Esse investimento é perceptível quando optamos em nos utilizar das fotografias familiares, permitindo a emergência da experiência pessoal.

A experiência da cegueira pode iluminar a formação de professores videntes? A trajetória do fotógrafo esloveno, Evgen Bavcar, cego desde sua infância, nos ajuda a refletir sobre a propriedade da linguagem fotográfica como instrumento de afirmação do sujeito em espaços de educação inclusiva, em DV Porque os cegos também vêem. E do que vêem, os videntes tendem a ser cegos.

Muitas vezes, nós, videntes, saturados pelo volume de imagens na mídia, somos paradoxalmente impedidos de vislumbrar a subjetividade que as objetivou ou o que, de fato, elas poderiam dizer-nos se possuíssemos um olhar outro. Nesse sentido, partilhamos da tese de Bavcar de ser a figuração apenas uma abordagem visual do real.26

Nota de rodapé:

26 A indústria cultural fere a construção de nossa subjetividade: "a abundância da imagem-clichê é desprovida de qualquer substrato subjetivo, ela destrói no nosso cotidiano a presença real das coisas, e sua representação de nossa interioridade". Para ele, existe uma dimensão cognitiva que é perdida, com a criticidade, em razão da proliferação de imagens-clichês, vazias pois "não se percebe nada se não se pode formular uma linguagem, e enxerga-se só aquilo que se sabe". Para Bavcar, "a imagem-clichê é a expressão visual do empobrecimento da linguagem", concomitante à uma "banalização da imagem". Nesses termos, a "proliferação das imagens causa prejuízo à narração". Bavcar, op. cit., pp.465.

Fim da nota de rodapé.

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Observa o fotógrafo húngaro que o ato biológico de "ver" depende do aparelho ótico, enquanto que o "olhar" constrói-se pela afirmação do subjetivo, pela crítica e pensar sobre a experiência sensorial do mundo. Sensoriedade que realiza-se não apenas via a visão mas também com a exploração táctil, sonora, olfativa, térmica.27



No Brasil, algumas experiências estimulantes tem realizado-se entorno do uso da fotografia como afirmação do sujeito com necessidades. No Rio de Janeiro, Ana Elisabete Lopes e Luciana Becker Sander desenvolvem exploração estimulante no âmbito de escola da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro, com alunos em DM. Associada a investigação acadêmica em doutoramento (PUC RJ), a pesquisadora Ana Lopes desenvolve acompanhamento de grupo de alunos no ensino fundamental, primeiro ciclo, favorecendo a afirmação dos indivíduos com necessidades especiais (DM) via o recurso à fotografia, realizando inúmeras exposições fotográficas.28 Também equipe interdisciplinar desenvolve projeto na mesma direção no Colégio São Rafael, em Belo Horizonte, com brilhantes resultados.

Como tornar esse processo fotográfico interessante à criança em DV? Junto aos professores que atuam no chão da escola, na trincheira das turmas específicas à necessidades especiais ou inclusivas, temos nos proposto a demarcar os percursos dos conteúdos curriculares, associando-os quando possível à esfera das narrativas imagéticas para as crianças em DV que estudamos.29

A direção que nortea nosso trabalho, unindo a UFF Prodef Laboratório de Estudos Imagem e Olhar, o Colégio Estadual Anne Sullivan e o Instituto Helena Antipoff, tem sido o de refletir sobre caminhos metodológicos que estimulem a criança em DV a se envolver com processos fotográficos em formas associadas a narrativas teatrais interativas.

Notas de rodapé:

27. BAVCAR, Evgen. Abertura da exposição fotográfica. Museu da República, 1994. p 464-465 Evgen Bavcar utiliza-se de algumas idéias presentes na Escola de Frankfurt, especialmente em Adorno eWalter Benjamin. Para ele, a constituição da câmara escura, base da fotografia, permitiu melhor compreender o fenômeno da imagem. Com o advento da fotografia, segundo o fotógrafo, a imagem tornou-se supostamente controlável e reflexo objetivo do mundo exterior.

28. Ver LOPES, A.; E. SANDER; SOUZA, Angela. A criação de narrativas na escola: uma abordagem através da fotografia. In: PAIVA, Aparecida. No fim do século: a diversidade-o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 2000. pp.(135:160)

29. Ao optarmos pelos estudos de caso temos obtido o "tempo" necessário à aproximação com o professor, buscando torná-lo parceiro e co-autor de conhecimentos, junto aos outros profissionais que atuam na escola, sinalizando para uma metodologia futura, quando da ampliação do campo de pesquisa e, mais distante, da elaboração de projetos que atinjam parcelas maiores das redes de ensino.

Fim das notas de rodapé.

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O elemento central é o lúdico e a fotografia encontra-se associada a uma experimentação do corpo, de texturas, de passagens do bidimensional para o tridimensional, seguindo possibilidades abertas pelo trabalho de Lygia Clark, Hélio Oiticica, Vyck Moniz.30 Essas experimentações tem levado a mudanças de atitude com os diferentes grupos envolvidos, seja o dos discentes, em DV seja o de pedagogos, em formação, apontando para possibilidades estimulantes na continuidade da parceria.



Optamos em partir dos fundamentos da fotografia (bidimensionalidade, seu aqui e agora) para sua implosão na tridimensionalidade (objetos fotografados saem da fotografia...) e texturização em alto relevo (partes do que foi fotografado é colado à superfície da imagem...), estimulando a audição, o toque. Exploram-se os sentidos possíveis e o mundo tátil fotografado estabelecendo-se relações entre o fotógrafo e o fotografado. Nessa instância é favorecida uma oralização do mundo, buscando-se a confluência verbo visual e estimulando a ampliação do campo do dizível, do discursivo, apreensível ao deficiente visual. Propõe-se assim, a ampliação de seu dizer sobre o mundo e, repensando-o, cindir-se continuamente como sujeito, superando-se.

Conclusões preliminares

Posicionamo-nos pela consolidação do estatuto epistemológico da imagem no âmbito da formação dos profissionais de ensino. Defendemos a necessidade de "competências" e a elaboração de estratégias que falem ao projeto político pedagógico dos cursos de Pedagogia, das licenciaturas e da capacitação aos profissionais em exercício nas redes públicas de ensino fundamental.

Trabalhar com a cegueira no ensino implica incorporá-la ao estatuto epistêmico do olhar, reconhecendo sua produção social, marcada por contradições e lutas no campo da significação. Torna-se imperativa uma prática interdisciplinar, envolvendo pesquisas conjuntas, interdepartamentais e interinstitucionais, num diálogo entre a Pedagogia, a Epistemologia, a Neurologia, a Fisioterapia, a Educação Artística, a Educação Física, a Fisioterapia, em equipes com professores, graduandos e pós-graduandos.

Nota de rodapé:

30. Tornando todo esse processo lúdico, uma brincadeira ou um brinquedo, no sentido de permitir a apreensão de procedimentos que implicam na tensão de apreender o novo e o desconhecido. Assim, exploramos a fotografia como ludicidade, mediando a exploração do mundo e a afirmação do sujeito. Lygia Clark em sua trajetória subsidia a investigação do corpo e das subjetividades. Oiticia tem sido explorado na possibilidade de gerar interações e co-autoria com formas e Moniz na capacidade de resignificar no plano da tridimensionalidade, com texturas em alto relevo, a fotografia que originalmente é bidimensional.

Fim da nota de rodapé.Quando â Cegueira Guia o Olhar

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Incorporar intensamente as relações entre imagem e olhar, visão e cegueira, visão e olhar, somente tem sentido se compreendidas no interior de práticas mediadoras que apreendam os discursos em seus gradiendes ideológicos. Somente assim, os indivíduos terão a oportunidade de captar o trânsito das subjetividade, estabelecendo as bases de uma sociabilidade fundada na confluência de linguagens que dizem o mundo para e entre os homens.

Propor um saber aprendiz, que aprende como as crianças desenvolvem sua cognição, envolve um largo e profundo desafio. Impõe que reeduquemos nosso olhar, nossa audição, nosso olfato, nosso tato e nosso paladar os quais, como adultos, supomos prontos para nominar e dar conta do mundo. Nos aprender aprendizes de um mundo que transborda a cada dia novos sentidos, nos obriga à uma sensoriedade inacabada, à uma reeducação dos sentidos, a um descentramento permanente. Ver com os corações e ver pelo enredo dos sentidos, seguindo alinha de uma imaginação imaginante. Vendo sem o ver, vendo pelo verso, vendo pelo seu reverso:

A luz e a escuridão Fazem par,

verso e reverso Nos percursos da visão.

A luz que corta qual faca afiada e bem precisa

E a escuridão, faca cega Que só apalpa ealisa31

Bibliografia

ABICALIL, Célia Belmiro; AFONSO Jr., Delfin. "A imagem e sua dimensão cultural na formação de professores". In: Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte, Editora Dimensão, volume 7, n. 40, jul.-agos., p.46-55.

ABICALIL, Célia Belmiro. A Formação Docente e as Práticas Educativas do Olhar. Belo Horizonte, UFMG, Texto de Trabalho para o Grupo de Intercâmbio "Práticas Educativas do Olhar", setembro, 2000, texto digitado.

AFONSO JR, Delfin. Prismas na Formação do Educador. Belo Horizonte, UFMG, texto de trabalho para o Grupo de Intercâmbio "Práticas Educativas do Olhar", setembro, 2000, texto digitado



Nota de rodapé:

31. Gilberto Gil. Poesia dedicada às 3 irmãs cantoras cegas de coco, personagens do documentário "A pessoa é para o que nasce", de Roberto Bressman.

Fim da nota de rodapé.

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BARROS, Armando M. ABICALIL, Célia Belmiro. AFONSO JR., Delfin. Práticas Educativas do Olhar. Justificativas para Projeto de Intercâmbio TJFMG-Aecoi UFF-Prodef. Belo Horizonte, Niterói, fev. 2000.



BARROS, Armando Martins. "Educação do Olhar: notas sobre o tratamento das imagens, como fundamento na formação do pedagogo". In: SAMAIN, Etienne (org.). O Fotográfico. São Paulo, Ed. Hucitec

CNPq. 1998, p. 199:206. Coleção Linguagem e Cultura. N. 29.

BAVCAR, Evgen. Entre a luz e a cegueira, tradução de Rubens Machado. Rio de Janeiro, Very Special Arts do Brasil. 2000.

BRAUNE, Fernando. O cego, a fotografia e a sociedade contemporânea. In: O Surrealismo e a estética fotográfica. Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 2001.

FAIRCLOUG, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília, UNB, 2000.

JORNAL DO BRASIL, Caderno Domingo. A visão interior. Reportagem de Jefferson Lessa

LOPES, Ana E., et alli. "A criação de narrativas na escola: uma abordagem através da fotografia". In: PAIVA, Aparecida (org.) No fim do século: a diversidade - o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 2000. (135:160).

LURIA, A. R. "Diferenças culturais de pensamento". In: VIGOTSKII, Lev Semenovich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, ícone, Editora da Universidade de São Paulo, 1988. (39:58)

ORLANDI, E. Análise do Discurso - Princípios e Procedimentos. São Paulo, Editora Pontes, 1999. —. "Efeitos do Verbal sobre o Não Verbal". In: Revista. Rua, Campinas, 135-47, 1995.

QUINET, Antônio. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

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Atividades Complementares

Filme: Janela da Alma

Direção João Jardim. Co-direção: Walter Carvalho. Direção de fotografia: Walter Carvalho. Música: José Miguel Wisnik. Pesquisa e desenvolvimento: Renne Castelo Branco. Duração: 73 min., 2002.

O filme apresenta um conjunto de entrevistas com músicos, atores, escritores, cineastas, políticos que detém deficiências visuais ou que são cegos de nascença ou ficaram cegos a partir de algum momento de suas vidas.

O filme propõe a indagar: o que é o ver? O que distingue o "ver" do "olhar"? Como é produzida socialmente a visão? Qual a participação do "ver" na construção da subjetividade humana?

Os quatorze depoentes são entrevistas de forma não linear mas suas falas alternam-se, retornam, em função dos temas tratados.

A fotografia, em muitos momentos, propositadamente desfoca, escurece o ambiente, cria pausas escuras, como que educando o espectador para a ambiência onde vivem os personagens entrevistados.

São entrevistados, entre outros, José Saramago, Hermeto Paschoal, Wim Wenders, Eugen Bavcar, Olive Sachs, vereador Godoy, Marieta Severo.

Filme: Cão Guia

Rio de Janeiro, 1999. Duração: 19 min, cor, 35 mm. direção: Gustavo Aciolli.

Ficção: Narra o romance que nasce de um encontro inesperado entre uma mulher, cega, assistente no Instituto Benjamin Constant, e um rapaz, em uma rua da Urca. Ela o salva de ser atropelado e acaba dando início a uma relação conturbada, onde gradualmente ocorre uma atração mútua.

O vídeo é distribuído gratuitamente pela BR Distribuidora, para sessões, mediante empréstimo, junto com três outros curtas, dentro do ciclo "Curta o Olhar", nos quais são igualmente abordadas questões em torno de pessoas com necessidades especiais.

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Texto: Oliver Sacks, Neurologista e escritor

Depoimento ao filme "Janela da Alma"

O ato de ver e de olhar não se limita a ver para fora Não se limita ao olhar visível mas, também, ao invisível. De certa forma, é o que chamamos de imaginação.

Se dizemos que são os olhos ajanela da alma firmamos com isso que nossos olhos são passivos. E que a luz dos objetos apenas ingressam em nossos olhos. Mas nossa alma e nossa imaginação tem também uma participação.

O que vemos é modificado por nosso conhecimento, nossos anseios, nossos desejos, nossas emoções e, até, pelas teorias científicas mais recentes. Veja, se um de nós ver raspas de ferro sobre um imã e soubermos do comportamento do campo magnético, acredito que isso entre no nosso imaginário e, assim, vamos "ver"o campo invisíveldo imã. Posso vê-lo sem o ver. Posso vê-lo com os olhos da mente.

Todos nós somos criaturas emocionais e creio que todas as nossas percepções, as nossas sensações e experiências, são carregadas de emoção pessoal. Acredito que a emoção fique, por assim dizer, codificada na imagem.

Curiosamente, às vezes, a emoção pode se separar da imagem. As pessoas que tem esse problema sofrem de Síndrome de Kagras. Podem deixar de reconhecer o marido, a esposa, os filhos e passam a acreditar que estão sendo enganados. Aparentemente, o que nesses casos é, é que o sentimento de ternura efamiliaridade desaparece. O reconhecimento visual existe, mas não o emocional e, nestes casos, o indivíduo mergulha em toda uma contradição, sendo forçada a concluir que está sendo enganada.

Isso para mim reforça a ideia de que o reconhecimento que a memória visual permite, e toda forma de percepção, devem estar ligados à emoção, quando a memória visual é desconectada da emoção pode ocorrer uma grave crise nervosa.

(Oliver Sacks é neurologista e autor dos romances "Patch Adams" "A primeira Vista", os quais serviram como ponto de partida para filmes de longa metragem.)

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Texto: WinWenders, cineasta

Depoimento no filme "Janela da Alma"

Felizmente, a maioria de nós é capaz de ver com os ouvidos e ver com o cérebro, com o estômago e com a alma. Creio que vemos em parte com os olhos, mas não exclusivamente.



Texto: Manoel de Barros

Depoimento no filme "Janela da Alma"

Eu fui muito humilhado pelo primitivo. Eu acho que o primitivo é o que manda na minha alma, mais do que os olhos.Eu não acho que seja pelo olho que entram as coisas minhas. Elas não entram, elas vêm. Elas aparecem, de dentro, não entram pelo olho.

O olho vê. A lembrança revê. E a imaginação, transvê, transfigura o mundo. Para o poeta, para o artista, essa transfiguração é a coisa mais importante do mundo.



Filme: Dirigindo no Escuro

Título original: "Hollywood ending". EUA, 2002. Duração: 110 min. Cor, 35 mm.Direção e roteiro: WoodyAllen. Atores principais: Woody Allen, Téa Leoni e Debra Messing.

Sinopse: Comédia. Diretor que fez muito sucesso nos anos setenta e oitenta, agora só é chamado para dirigir comerciais de TV quando, finalmente um grande estúdio o convida para rodar um blocbuster, ele perde, subitamente, a visão, numa crise psicossomática (justamente quando tem a chance de reconciliar-se com os grandes estúdios).

Como observa o crítico de cinema Arnaldo Bloch, de certa forma, Allen está contando sua própria história, esteve sempre cego para Holywood, colhendo os louros da autenticidade. E pagou caro. Woody Allen é diretor de alguns clássicos que questionam a indústria cultural americana: "Manhattan", "Zelig", "Desconstruindo Harry", "Annie Hall".

A partir do momento em que perde a visão, Wallen apresenta todos os elementos presentes nos exercícios realizados com professores em capacitação: andar inseguro, crise de orientação espacial. O argumento tem procedência científica quando pensamos na tese de Oliver Shacks, sobre a natureza emocional do ato de "olhar". O roteiro supõe uma censura psicológica ao personagem à medida em que o filme que roda, no enredo, fala na verdade

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de uma crise entre pai e filho que, de fato, o personagem de Wallen tem com seu filho no filme.



Finalmente, a situação no enredo do diretor, já cego, contar com um assistente que narra o que está ocorrendo, auxilia cursos de capacitação discutirem a necessidade do professor dispor de apuro na linguagem e objetividade quando em comunicação dirigida a crianças com necessidades especiais, em DV.

Oficina: Narração para Não Vidente

- Titia, diga-me alguma coisa, estou com medo porque está muito escuro.

- O que isso adiantaria, já que você não me pode ver?

-Não faz mal: quando alguém fala, fica claro.

(S. Freud, Trois essais sur La Théorie de La sexualitê)

Falar, é transpassar a escuridão? O exercício de narração visa estimular a apreensão de elementos objetivos e subjetivos presentes na cena, envolvendo inclusive os silêncios, as mudanças de planos, atmosferas, diálogos. Narração de filmes com diferentes enredos e temporalidades. Seus ouvintes podem ser outros discentes ou professores convidados, com cegueira absoluta. Ao narrar, podemos selecionar fatos, expressões, movimentos, num processo que amplia a comunicação e sociabilidade entre narrador e ouvinte.

Percebemos que os detalhes importantes para um cego são diferentes do que seria para um vidente. Através da interferência do ouvinte vendado, atentamos para o fato de que é importante situar em que planos estão os personagens nas cenas.

Na experiência de ouvir um filme narrado com os olhos de Outro, nós que estamos de olhos vendados percebemos que os detalhes são importantes para que se componha uma imagem próxima ao que é proposto. Informações quanto ao rosto dos personagens, expressões de corpo, maneiras de caminhar são fundamentais como também informações sobre o contexto em que ocorrem os fatos, preferencialmente numa fala seqüencial. Uma experiência que temos utilizado para iniciar esse trabalho é nos utilizarmos do filme "A Prova", o que tem permitido aos alunos uma maior clareza quanto a importância do exercício. A leitura de trechos da obra de José de Alencar tem também sido muito favorável a essa compreensão tal o estilo do escritor, atento às características que temos valorizado ao ledor de filmes para cegos. Vejamos o impacto dessa oficina em relatórios de pedagogas em formação, quando cursando a disciplina:

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No primeiro momento senti estranhamento pois eu estava "cega". Senti uma grande agonia de estar escutando a narração, ouvindo os ruídos do filme e não poder abrir os olhos. Queria saber se tudo aquilo que estava sendo criado na minha mente era o real” (Érica Cortez)



Particularmente, senti dificuldade em narrar com as minúcias que tenho consciência, são importantes informar como opção e possibilidades ao DV. Acredito que estou muito presa a simplesmente ver e assimilar o filme, tornando seu transmitir ao DV um pouco difícil. (Fabiana Ribeiro)

Após o exercício, fiquei mais detalhista, presto mais atenção em tudo, pensando como seria contar isso para alguém ou como seria imaginar isso. Estou dando mais valor às descrições. Estou mais perceptiva depois de ver o filme cega. Fico mais atenta aquilo que não foi descrito.

O exercício ajuda muito a nos colocarmos no lugar do Outro, buscando entender suas perspectivas e suas angústias para que assim possamos estabelecer uma relação mais igualitária, traçada pelo respeito ás diferenças. (Priscilla Bastos)

Vivi uma experiência diferente. Comecei ouvindo o filme de olhos fechados e, só depois, o narrei, fiquei um pouco perdida mas, melhorei minha narração no segundo momento. Na Segunda parte, quando comecei a ver o filme, fiquei surpresa pelo fato de que, enquanto ouvia o filme como cega havia imaginado pessoas, lugares totalmente diferentes do que apresentavam-se na figuração do filme. Achei esse exercício muito bom! (Michelle Ramos)

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