Parte IV
Práticas Discursivas Escolares
A Escola Como Cartão-postal
Armando Martins de Barros1
Ao início do século XXI, talvez a geração que ingressa na universidade seja a última que se utiliza dos serviços de correio em seu sentido mais tradicional: levando a carta a umposto; pagando a selagem; a carta sendo fisicamente transportada até a residência do destinatário; finalmente sendo lida por um leitor aberto ao acaso e ao que foi, em umanarrativa que relata experiências, partilhadas e consumidas em diferentes leituras. Todo esse processo pode estar fadado ao seu término, em um cenário tecnológico onde as comunicações em tempo real, via internet, sintetizam os contatos e a permanência das comunicações é "deletada" em benefício da disponibilidade de uma memória sempre descartável,medida em megabaytes.
A carta fala de um tempo outro. Nós a lemos de certa forma, como uma fotografia: na carta há um "ali", um "instante" cindido do agora em que a observamos mas que, a cada momento que a lemos, retorna e convive com o presente. Como diz João Cabral de Melo Neto, o tempo não se apreende senão pelas coisas que o preenchem e, carta e fotografia, preenchem essa materialidade. A carta, em seu papel, na tinta da caneta, na forma do envelope, na escrita que remete ao destinatário, seu envelope e selo detém uma "aura" a ponto de muitos, seus destinatários, guardarmos cartas em álbuns, com seus envelopes, como "documento" de um tempo.
Ao início do novo milênio, as comunicações realizam-se de forma planetária, em tempo real, implodindo com noções arraigadas de distâncias, de espaço e de tempo.
Nota de rodapé:
1. O presente artigo resulta da reelaboração de conteúdos presentes na parte da tese de doutoramento do autor. Da Pedagogia da Imagem às Práticas do Olhar: uma busca de caminhos analíticos. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Educação, 1997.
Fim da nota de rodapé.
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Como conseqüência, nossa percepção de comunicação com o espacialmente "distante" é pressionada e o tempo narrativo que as cartas permitiam, com as experiências sendo contadas como tesouro partilhado entre remetente e destinatário, vão sendo sitiadas como uma ilha que, em dia incerto, é encerrada em brumas, tal como Avalon.
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Breve História do cartão-postal
Na década de 1860, o Império Austro-Húngaro propôs a criação de uma forma simplificada de correspondência com o intuito de baratear os custos dos serviços postais, intensamente utilizados pelos diversos grupos étnicos que conviviam em seus territórios. A medida propunha a alternativa de suprimir-se o envelope que lacrava as cartas, transformando o papel de carta em cartão onde, de um lado, passava a constar do destinatário o nome, o endereço e, no verso, a mensagem do remetente. Normatizado em 1865, a primeira impressão dos cartões teve tal receptividade que sua venda alcançou mais de dez milhões de exemplares.2
Com o sucesso, em poucos anos os cartões-postais foram incorporados pelos correios dos principais estados europeus, obrigando à unificação de suas tarifas e dimensões pela União Postal Geral.3 Aliando à simplicidade ao baixo custo - menos da metade da tarifa cobrada pela carta simples - o uso do cartão-postal alastrou-se pelo restante da Europa, sendo incorporada ainda por países das Américas e Oriente.
Apresentado em 1874, na Exposição Universal de Chicago, sua consagração junto ao público levou editores a perceberem seu alcance comercial, estimulando-os a realizarem experiências formais permitindo, em curto espaço de tempo, o surgimento do cartão ilustrado. Os temas nas ilustrações dos postais rapidamente diversificaram-se envolvendo desde temas florais à cenas de guerras.4
Na França, somente ao início da década de 1880 o ministério das comunicações autoriza o uso do verso dos postais como suporte para impressos. O primeiro cartão fotográfico somente foi editado em 1889, na Exposição Universal em Paris. Editado pelo Le Figaro, o cartão-postal fotográfico continha a imagem da Torre Eiffel. Com uma tiragem de trezentos mil exemplares, foram vendidos duzentos e noventa e quatro mil.5
Notas de rodapé:
2. BELCHIOR, F. Introdução histórica aos cartões-postais, in BERGUE, Paulo. O cartão-postal no Rio de Ontem: 1900 1930. Rio de Janeiro: Rioarte. 1987.p.7.
3. A normatização ocorreu em 1875. AUnião Postal inicialmente determinou que os cartões-postais incluissem apenas as insígneas do Estado, tendo um de seus lados reservado unicamente para a mensagem e, o outro, para a identificação do destinatário e seu endereço. Belchior, op. cit, p.7.
4. A primeira a ser documentada, na Europa, foi realizada por Leon Bernadeu, na guerra franco-prussiana. Belchior, op.cit., p.8-9. também em Fabris, op.cit.p.33.
5. REBERIOUX Madeileine. La carte postale de greve: propôs sur une collection et une exposition. Le Mouvement social, n. 131, avril-juin, 1985. Paris: Les Edition Ouviriéres.
Fim das notas de rodapé.
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Para Madeleine Reberioux, a dupla comunicação, de natureza verbo-visual, encontra-se permanentemente presente no cartão-postal embora ocorram predominâncias de uma ou outra em função da normatização do Estado quanto aos espaços destinados a cada uma. De fato, até 1903 a mensagem é predominantemente escrita mas, a partir de 1903, uma nova regulamentação faz a ilustração ocupar uma face completa do postal.6
Embora reduzindo o espaço à escrita - razão precipita de sua existência - ela estabeleceu outro vínculo de comunicação entre remetente e destinatário, reforçando o conteúdo da mensagem com o elemento visual. O acréscimo deu ao cartão dimensões surpreendentes, graças ao caráter documentário adquirido, deixando de ser apenas meio para constituir-se em um fim, desejável como objeto de colecionamento, preservação da memória de homens e coisas.7
No fim do século, a incorporação da fotografia às práticas do mundo estava condicionada ao surgimento de tecnologias que aumentassem sua reprodutibilidade. O reconhecimento pelas editoras da capacidade da foto estimular o consumo postal levou ao apuro de impressão e diversificação temática.8 Com o advento de novos recursos, tornou-se possível a simplificação do registro fotográfico, permitindo que os fotógrafos acompanhassem situações em lugares até então improváveis. Tudo tornava-se motivo de registros em postais, com séries de até cem cartões, focalizando revoltas populares, guerras, asseatas, festas.
Podia-se saber da última moda em Paris, as novidades de Londres, como acontece aquele horrível acidente ou, até mesmo, ser impactado por uma bela mensagem publicitária. Imprimiu-se em cartões-postais, principalmente na Europa, quase tudo sobre todos os assuntos. No caso da divulgação de acidentes, rebeliões e outras notícias que deveriam ser levadas mais rapidamente a público, a velocidade era espantosa.9
Notas de rodapé:
6. Até 1903, na primeira face situava-se o endereço do correspondente. No verso, um pequeno desenho, freqüentemente situado à esquerda, sendo o espaço livre reservado à mensagem.
7. BELCHIOR, op.cit.p.9
8. Observa Freund que "a idade de ouro (do cartão-postal) começou verdadeiramente a partir de 1900. Até então o preço do postal era elevado, pois os únicos processos de reprodução conhecidos eram a ponta seca, o buril e a litografia. Com a invenção da fotocolografia, que se subdivide em heliotipia, fotolitografia e fototipia, o postal tornou-se verdadeiramente popular pois o seu preço de compra estava ao alcance de todos". FREUND, Gissele. Fotografia e Sociedade. Lisboa, EditoraVeja, s.d.p.101
9. SILVA, Flávio Soares de Mello. JARDIM, Mariza Benevuto. O cartão-postal como veículo de comunicação. Rio de Janeiro: UFRJ. Monografia de final de curso apresentada à Escola de Comunicações. 1980.p.9.texto datilografado.
Fim das notas de rodapé.
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O cartão-postal fotográfico firmava-se assim por sua dimensão informativa e documental. Gradativamente, como observa Rebérioux, profissionais da fotografia se especializaram no fornecimento de imagens aos editores. Alguns trabalhavam por sua conta, outros sob contrato para o registro de paisagens idílicas, cenas de batalha na Europa, África, América ou Ásia. O postal, assim, tornou-se uma forma de jornalismo pois, muitas das séries voltavam-se a de grande comoção popular, vendidas por poucos dias.
A variedade temática dos postais fotográficos possibilitou a superação dos limites geográficos, permitindo através das imagens, a posse do mundo pelo olhar.10 A diversidade de motivos facilitou a difusão de informações a grandes contingentes da população que não tinham acesso a jornais ou revistas. Como observa Fabris, o cartão-postal radicalizou a "missão civilizadora" que a fotografia detinha ao difundir uma profusão de imagens como signos de instrução e alavanca do progresso.11
De fato, o cartão-postal, na perspectiva republicana, apresentava-se como um excelente veículo de democratização do saber: era barato, de leitura fácil, com pleno acesso à todos. Partilhamos da posição de Rebérioux, quando afirma que a fotografia insere-se em torno da educação dos sentidos e das novas atividades econômicas produzidas pela revolução industrial, unindo arte e indústria.
"Arte para todos", este era o lema da Liga de Propaganda Estética, entre 1901 e 1904. Durante esses anos o cartão-postal ilustrado se instala no cruzamento da arte e do conhecimento, da imagem e do saber. Ele não é ainda peça de museu, mas discute-se seriamente sua capacidade de vir a ser: um sabão lhe foi consagrado em 1904. Seguramente lhe apresentaram séries batizadas "artísticas" como a célebre coleção dos 100 que La Plume encomendou em 1900 a uma centena de artistas em ruptura com seus mestres.12
Ao fim da década de 1910, o postal tornou-se elemento cotidiano nas relações, ocasião para comentários de viajantes. O postal torna-se uma prova de viagem, comprovando sua presença em lugares diferentes e pitorescos. Oferecidos em quiosques, hotéis, farmácias, bazares, restaurantes, cabeleireiros, cafés, charutarias, teatros, tabacarias e livrarias, o consumo dos cartões-postais alcançava números extraordinários. Com o barateamento do custo de impressão pela fototipia, essas pequenas empresas perceberam as vantagens de não apenas venderem os produtos das grandes editoras, com sua grande variedade temática, como também editarem e ofertarem alguns como propaganda, com imagens do estabelecimento e de seu em torno.
Notas de rodapé:
10. FABRIS, Annateresa. Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo, Edusp, 1991. op.cit.p.33
11.ibid.p.35
12. REBÉRIOUX, M. op.cit.
Fim das notas de rodapé.
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Apenas na França, em 1905, a produção alcança 450 milhões de exemplares, com mais de trinta e cinco revistas especializadas para atender aos colecionadores. Somente em 1900, a Alemanha produziu oitenta e oito milhões de postais para uma população de cinqüenta milhões e a Bélgica editou doze milhões, em uma população de seis milhões de habitantes.13 É expressão de uma prática interiorizada na França, mas não apenas no país - o sentido presente no poema de Franc-Nohain, impresso em cartão-postal de 1901:
O que existe de capital importância quando se atravessa uma região humilde, um lugarejo ou a sede de governo? É de acabar com o estoque local de cartões-postais ilustrados!.
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O cartão-postal e as práticas do olhar: editoras
Apesar de sua condição de segundo país a emitir selos, a impressão de cartões-postais em território nacional somente foi autorizada em 1880. Dez anos depois, o Ministério da Educação, Correios e Telégrafos permitiu a impressão de postais por particulares. Diante da complexidade técnica de impressão, inicialmente os postais vendidos no Brasil foram importados.15 Muitos teciam críticas à qualidade do cartão-postal nacional como também aos temas por eles utilizados. Belchior recupera os ácidos comentários feitos por Ferreira da Rosa, em 1905, a pretexto da qualidade dos postais e da cidade, quando esta sediava o Congresso Pan-Americano:
Notas de rodapé:
13. FABRIS, op.cit. p. 102. Também em KOSSOY, op.cit.p.95
14. apub REBERIOUX, M. op.cit.
15. Lei n.640, de 14.11.1899. BELCHIOR, op.cit.p.9. Quanto aos primeiros cartões impressos no Brasil, existe uma polêmica a respeito. Para Fabris, seguindo as informações presentes na obra de João do Rio, os cartões-postais fotográficos editados na cidade surgem em 1901. FABRIS, op.cit.p.33. Para Oliveira Jr., o primeiro cartão-postal fotográfico com carimbo postal identificado refere-se ao ano de 1898. OLIVEIRA JR., op.cit.p.138. Coube àCasa Albert Aust, de Hamburgo, deter a primazia na distribuição da primeira série completa, (a SudAmerika), contendo registros de fotógrafos como Marc Ferrez e Lindemann.
Fim das notas de rodapé.
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Leitor amigo, já viste os bilhetes postais mandados fazer especialmente para circularem durante a reunião do Congresso Pan-Americano? Há ainda por esta Cidade umas ruas escuras, umas ruas travessas, casas sombrias, de aspecto desordenado, onde chocalha solitário, um prelo manhoso que faz a gente olhar para dentro e ver uns tipógrafos, chupados, guedelhudos, debruçados sobre os caixotins. Pois édesses pobres estabelecimentos que costumam sair trabalhos ruinzinhos, como este dos bilhetes postais comemorativos do 3º Congresso Pan Americano. Não acreditamos que o Governo os tenha encomendado a uma dessas modestas tipografias especialistas na impressão de rótulos para Capilé; e também não podemos saber onde foi executado o trabalho porque o impressor, envergonhado, ocultou o seu nome eodo estabelecimento. O certo é que não poderiam sair piores.16
Em 1904, com a importação de impressoras de linotipia, criou-se um parque editorial capaz de imprimir séries de alta qualidade. Entre as primeiras casas comerciais nacionais envolvidas em seu comércio encontrava-se a Marc Ferrez Filhos. Seu proprietário, Marc Ferrez, além de ser um dos mais importantes fotógrafos brasileiros da segunda metade do século XIX, foi pioneiro na importação, edição e distribuição de postais. Das editoras na cidade do Rio de Janeiro, a Rennes foi responsável pela formação de qualificados artífices, tornando-se detentora de criativas imagens postais. Também na cidade, a Gradin Cia especializou-se na distribuição de cartões-postais e na edição de obras de grande importância à época, como o Guide dos États Unis du Brésil (1904), de autoria de Olavo Bilac, Guimarães Passos e Bandeira Júnior. Ainda entre as maiores encontrava-se A.Ribeiro, fundada em 1902, especializada na compra de clichês diretamente dos fotógrafos. A Bevilacqua Cia, criada em 1904, além das inúmeras séries de cartões-postais, também imprimiu a Revista Renascença, periódico semanal ilustrado. Na mesma linha, a Editora J.Schmidt, criada no mesmo ano, editava a Revista Kosmos."
É significativo que o período de maior crescimento na edição dos cartões-postais foi também o da mais ampla reforma vivida pela cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século. A reforma alterou profundamente o cenário urbano, sendo uma resposta do Estado à crescente demanda pela solução da crise enfrentada pela cidade em sua infra-estrutura viária, de transporte, moradia, saúde, abastecimento.
Notas de rodapé:
16. ROSA, Francisco Ferreira da. Bilhetes e Cartões-postais. O Comentário, n.4, agosto, 1906, p. 317. Citado por Belchior, op. cit., p. 11
17.ibid.,p.10.
Fim das notas de rodapé.
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Não resta dúvida da oportunidade para o governo federal da disseminação para outras províncias e para o exterior, de imagens postais enfocando o cenário urbano reformado.18 De fato, no governo de Rodrigues Alves (1902-1906), com as obras realizadas por Pereira Passos e Lauro Muller (respectivamente prefeito do Rio e Ministro daViação e Obras Públicas), a cidade do Rio de Janeiro tornou-se vitrine do ingresso do país em uma era de progresso e de modernidade:
No Brasil, as editoras realizavam um tratamento das imagens que conotavam o seu apoio às relações de trabalho urbanas e a gestão do poder de Estado pelas elites. Nesse sentido, imagens de fábricas ou de escolas públicas expressavam valores distantes do anarquismo que se disseminava entre o operariado.19
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Construindo o remetente e o destinatário: perfis preliminares
Implementado o parque editorial, respondia-se à demanda de um mercado em expansão, ávido tanto em colecionar quanto em cartões fotográficos como correspondência. Determinar o perfil de seu remetente ou colecionador é um desafio. Existem apenas indícios sobre os possíveis segmentos sociais que mais utilizaram-se do cartão-postal.
No fim do século XIX, a população brasileira era composta principalmente de libertos da escravidão, africanos e seus descendentes, tradicionalmente excluídos da escola. Embora o uso do postal fosse condicionado ao domínio do ler e escrever, as motivações para seu surpreendente consumo distinguia-se dos suportes tradicionais da escrita. Diferentemente da leitura de jornais ou revistas, o envio de postais mobilizava relações de fraternidade e de parentesco. Além disso, as imagens impressas nos postais serviam como moldura e complemento à mensagens mesmo quando precariamente redigidas em razão fosse do espaço reduzido do postal, fosse pelo pouco domínio da escrita entre os remetentes. Em termos de custos, tanto o valor do postal quanto o de sua tarifa estimulavam sua aquisição em detrimento dos custos de uma carta em envelope lacrado. No primeiro caso, seu custo era metade da carta simples.
Apesar das limitações ao acesso da maioria da população ao domínio da escrita e, mesmo, da baixa renda, foi extraordinária a adesão popular.
Notas de rodapé:
18. Infelizmente, encontra-se perdida a documentação produzida pelas editoras e, com ela, melhores condições para uma avaliação das verdadeiras relações com a Prefeitura do Distrito Federal na década de 1900 e que, supomos, envolviam facilidades fiscais e financiamento para aquelas que incentivassem um olhar favorável à cidade e às reformas realizadas.
19. BARROS, Armando Martins de. O esgotamento das propostas de escolarização no movimento anarquista e social-democrata no Rio de Janeiro do início do século. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 1988. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação. 1988.
Fim das notas de rodapé.
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Em termos nacionais, os serviços de correio brasileiros coletaram entre 1907 e 1912, em torno de cinqüenta e sete milhões de cartões-postais, distribuindo no mesmo período, oitenta e um milhões.20 A partir desses números, numa subtração simples, chegamos a mais de vinte e quatro milhões de postais remetidos do exterior - uma vez que a coleta feita pelo serviço de correio nacional era feita apenas nas agências dentro do território nacional. Considerando o período, é razoável supor que a maior parte do volume recebido do exterior fosse dirigida a membros da elite e a segmentos médios, grupos sociais em condições de manter viagens de estudo, passeios, interesses comerciais ou vínculos de parentesco com residentes no exterior.
Convém lembrar contudo que no mesmo período concentravam-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, centenas de milhares de imigrantes espanhóis, italianos, alemães e japoneses. Embora a leitura e a escrita não fossem regra no perfil daqueles que migraram para o país, o uso da escrita na língua materna era uma forma de manter laços com a terra natal e tática de resistência política e identidade cultural. Não é improvável que esse perfil imigrante fosse destinatário de um volume expressivo de cartões-postais, remetidos do exterior. Embora no Brasil fosse incomum, a Europa assistiu no início do século XX a edição e a circulação de postais com mensagens dos movimentos operários. NaFrança, entre 1901 e 1914, chegaram a ser editadas séries completas referentes apenas à uma greve.21 Os postais fotográficos divulgavam mensagens escritas da militância, para difusão entre seus familiares.
Em Paris, diferentes séries de postais realizaram um verdadeiro mapeamento das profissões que atendiam ao público consumidor nas ruas. Embora as imagens sugerissem uma liberdade de atuação, o exercício profissional nas ruas era controlado e organizado pela Prefeitura. Trabalhadores de rua como vendedores de aves, empalhadores de cadeiras, funileiros, latoeiros, jornaleiros tinham suas imagens registradas com a mesma ênfase em que outras, concernentes à ação do Estado, passavam a figurar em fotografias e cartões-postais - policiais, bombeiros, militares, enfermeiros, ambulâncias.
4. A Cidade das Imagens: impactos sensoriais
A fotografia em sua suposta objetividade, simbolizava a atmosfera de civilização e ordem assegurada pelas novas avenidas e prédios públicos, significando e dignificando a ação do Estado.
Notas de rodapé:
20. BRASIL, DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Anuário Brasileiro de Estatística. Ano I, v.II, Rio de Janeiro, p. 11.
21. Rebérioux se reporta à exposição "Cartes Polstales de Greve. 1901-1914", realizada pela Biblioteca R.Lesnos, de Motreuil, com sessenta cartões-postais envolvendo comemoração do 1 de maio.
Fim das notas de rodapé.
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As imagens da Escola de Belas Artes,do Teatro Municipal, da Biblioteca Nacional, dos novos e modernos prédios para a educação primária construídos pelo governo, disseminavam informações visuais da reforma que fora realizada na capital do país e, por outro lado, atuavam sobre as representações do conjunto da população, ainda habituada à uma cultura monárquica, escravista. Nas mensagens escritas nos versos dos postais é possível apreender ao início do século o impacto dos visitantes diante de um novo cenário urbano, cuja arquitetura e modernidade associava-se à República:
Alguns dos brasileiros, em visita ao Rio da Exposição de 1908, escreveram aos parentes e amigos das suas aldeias, cartões postais inteiros contando-lhes que tinham visto na avenida o "Barão" do Rio Branco, a caminho do restauranteBrahma, sempre vivado pelos patriotas; ou Rui Barbosa, feínho, pequenininho, de pince-nez e fraque cinzento, a descer de sua charrete para ir comprar livros ou assistir sua fita de cinema; ou Lopes Trovão, de monóculo; Pinheiro Machado, de chapéu-do-chile, aspecto senhoril, o ar másculo, os pés de moça; Estácio Coimbra, formoso, pálido, romântico, de luvas; a irmã Paula, de hábito severamente escuro e coifa branca, a recolher dos ricos esmolas para os pobres, cujo número vinha aumentando na cidade tanto quanto o de cocottes francesas, o de meretrizes mulatas e o de pederastas que podiam ser encontradas à noite na Praça Tiradentes.22
É significativo como em 1908 a Exposição Comemorativa da Abertura dos Portos reuniu diversos signos para expressar a modernidade atingida pelo país. De um lado, o governo buscava aos convidados estrangeiros o que de melhor se produzia no país, de outro, a cidade, era invadida por milhares de cartões-postais, focalizando em fotografias todos os ângulos da exposição e tendo permanentemente como fundo e moldura a cidade reformada. Através das mensagens escritas nos postais é possível indiciar uma percepção de cidade, presente nos visitantes originários das províncias, em seu estranhamento e fascínio pelos novos costumes que a República promovia com a reforma da cidade capital:
Do Rio da Exposição de 1908 espalharam-se pelo Brasil milhares de cartões-postais: vistas menos do Corcovado ou das matas da Tijuca ou das palmeiras do Jardim Botânico – maravilhas da natureza antes para inglês ver do que para brasileiro admirar - que do Palácio Monroe, da avenida Central, do Hotel Avenida. Nesses postais do que os provincianos em visita ao novo Rio mais insistentemente falavam à gente de casa ou aos velhos da família, era dos progressos urbanos - urbanos e industriais – da Agora chamada capital da República;ou Capital Federal; e pelos antigos ainda denominada uma vez por outra a "Velha Corte".
Nota de rodapé:
22. FREYRE, Gilberto. Ordem eProgresso. Rio de Janeiro: ed. Record. 1990. p. 477.
Fim da nota de rodapé.
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Era das docas,dos estaleiros, dos animais, das coisas vistas nos mostruários da Exposição; das águas minerais brasileiras já industrializadas pelo Brasil e bebidas nas terrasses dos cafés da avenida, junto com os refrescos e as cervejas. Era dos bondes elétricos, das luzes elétricas, dos elevadores, dos automóveis, dos novos carros e das novas escadas de bombeiros, que às vezes se exibiam como se fossem acrobatas de um novo tipo, capazes de salvar do fogo os edifícios novos, as fábricas, as indústrias, as lojas já cheias de produtos brasileiros ao lado dos estrangeiros. Era das confeitarias, dos vestidos das mulheres bonitas, do trajo dos homens, alguns desses elegantes, de monóculo e de polainas, para espanto ou escândalo dos provincianos mais simples. Pareciam, de longe, ingleses de figurinos, embora horrorizassem os ingleses de fato seus excessos de anéis e de jóias, de pomada ou brilhantina no cabelo, e de perfume de mulher nos lenços e nas pontas dos dedos.
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