Por que não há outra escolha? Porque no Todo não existe outro modelo, mas um só: o do S. Este é o modelo do Todo-Uno-Deus. A criatura não é o Criador e, por isso, não tem o poder de gerar outros modelos. Tudo o que existe tem de girar ao redor de Deus, tudo está incluído e fechado dentro do sistema de forças da Sua obra. Outra obra não há, nem pude haver. Então a única coisa que pode existir é o Sistema de Deus ou uma alteração naquele modelo, mas não um novo. Nunca um sistema de outro tipo, uma ordem diferente, mas só um deslocamento, uma desordem dentro da ordem de Deus. Daí o emborcamento da revolta. Quando este acabar por se ter realizado, nem por isso aquele processo pode sair do sistema de forças do Todo, que tudo abrange, fora do qual não há existência e no qual tudo está enclausurado. Se Deus é tudo e este é o modelo do Todo, não é possível sair deste sistema. Por isso quando o impulso da ida se tiver esgotado, não lhe resta para sobreviver senão repetir o mesmo motivo do emborcamento e, desemborcando-se, voltar para trás. Esta é a razão pela qual a negatividade do AS tem que endireitar-se na positividade do S.
Observando a figura vemos que no ponto Y, se a negatividade se expandiu, a positividade ficou comprimida naquele ponto, acima do qual gravita o triângulo, convergindo para ele todas as suas forças. É lógico que, neste ponto Y, que é o de mínimo poder na negatividade (porque se encontra na sua maior expansão que a enfraquece), e do máximo da positividade (porque se encontra na sua maior concentração que a fortalece, dado que o ser nada pode criar ou destruir), esta prevaleça sobre aquela, e exatamente este seja o ponto onde se inicia o caminho da volta.
Começa assim o regresso. Por este automático jogo de forças contidas no próprio seio do processo, tudo continua desenvolvendo-se deterministicamente, pré-ordenado pela sabedoria de Deus que tudo tinha previsto, e aprontado o remédio do mal, no caso de a criatura desobedecer. Trata-se de leis que regulam todo o movimento do ser livre, dentro das quais estamos situados. Leis benfazejas e consoladoras, porque querem e sabem dirigir a loucura dum ser livre, à sua salvação. A compreensão desse processo: regresso do AS ao S, nos mostra e garante que, no fundo do mal, o ser não pode encontrar senão o caminho para o bem; no fundo da culpa não pode haver senão o arrependimento, porque é da Lei que no extremo do afastamento de Deus tem que iniciar-se o processo da aproximação; no máximo da revolta começa a obra da reconciliação.
Chegamos então a compreender e podemos aqui afirmar que existe uma lei que poderemos chamar a "lei do regresso", pela qual, obedecendo a um princípio geral de equilíbrio, tudo o que se afasta de Deus tem de recuar, retrocedendo para trás até ao seu ponto de partida, agora de chegada, que é Deus, único ponto de referência e tudo o que existe. Por esta lei de regresso a revolta não pode acabar senão na obediência, o emborcamento no endireitamento, a perdição na salvação. A nossa admiração não terá nunca limites perante tão profunda sabedoria pela qual o erro se resolve numa experiência para aprender a verdade, no fundo da descida desponta o impulso para a subida, no âmago do sofrimento se abre o caminho para a felicidade.
Assim o ser, indiretamente constrangido por esta lei de regresso, não pode deixar de realizar a sua salvação. Em todo momento, qualquer que seja a posição que atingiu, ele permanece sempre filho do S, com as suas indeléveis qualidades que ele aí possuía. Elas foram desviadas, torcidas na negatividade, mas nem por isso destruídas. O ser se tornou um exilado, mas a sua pátria ficou sendo sempre o S. A sua natureza permaneceu a da positividade, da qual no fundo da negatividade não subsistiu para ele senão o vazio e a sensação da falta, a saudade e o choro do instinto
insatisfeito. As qualidades positivas do S ficaram escritas na sua alma, qual anseio de vida e de felicidade, qual desesperada lembrança do paraíso perdido. O desenfreado desejo de crescer fora
da sua medida e da ordem do S, lançou o ser no AS, onde ele ficou mergulhado às avessas, na negatividade. Assim ele perdeu o seu tesouro que ficou no S, e quanto mais ele se aprofunda no AS tanto mais se torna ansioso de recuperá-lo. Mas o ser é rebelde e então o vai procurando na descida, afastando-se assim sempre mais e perdendo em positividade, ao invés de recuperá-la. Eis o que vemos de lado acontecer em nosso mundo. Depois destas elucidações podemos compreender a irracionalidade dum trabalho assim tão contraproducente .
Mas eis que para salvar a criatura desta loucura, intervém a sabedoria da lei do regresso. Quanto mais o ser desce, tanto mais aumenta a carência de tudo o que ela possuía no S; e quanto mais ele empobrece, tanto mais aumenta o seu anseio de enriquecer novamente. Mas quanto mais ele desce na negatividade do AS, tanto menos positividade ele encontra no seu ambiente e com isso tanto menor possibilidade de ficar satisfeito. Quanto mais ele se torna faminto, tanto mais se torna difícil satisfazer a sua fome. Quanto mais o ser procurar perseverar na sua loucura de querela encontrar a positividade do S dentro da negatividade do AS, tanto mais ele ficará traído e desiludido porque, como é lógico, não terá encontrado senão o contrário do que está procurando. Não está tudo isto confirmado pelos fatos que vemos acontecer em nosso mundo a todo momento?
Mas o tormento deste mal-entendido não pode durar para sempre. Nada há que nos constranja a pensar tanto como a desilusão, e que acorde a inteligência como o sofrimento. Então eis que no meio de todas as dores abre-se a mente fechada pelo orgulho, a alma começa a vislumbrar a luz de Deus que chama de longe e assim se inicia o caminho da volta a Ele. Quem é filho Dele, feito da Sua mesma substância, não pode deixar de se ser tal e, mais cedo ou mais tarde, acaba voltando ao Pai.
Eis como o ser se encontra impulsionado a enfrentar o trabalho de reconstrução. A estrada é longa e cheia de dificuldades. Mas pelo fato de que o ser, como vimos, encontra-se mergulhado nesse jogo de forças, não há como fugir. É necessário superar os obstáculos com o próprio esforço. Se o supremo objetivo do ser é o de voltar à plenitude da vida e à felicidade no S, não há outro caminho senão o da evolução. O roteiro da viagem está todo marcado de antemão. O ser, feito da vida do S, não pode permanecer para sempre nas angústias do AS. Ele tem de subir, e por isso tem de lutar e vencer. O paraíso perdido está esperando-o, mas ele tem de reconquista-lo com o seu esforço. O ambiente é hostil, a existência é dura. Ao anseio de felicidade e vida, responde apenas uma realidade de sofrimento e morte. Para sobreviver, o ser tem de lutar a cada passo contra mil inimigos.