RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
INTRODUÇÃO
Já se tornaram comuns as aglomerações de pessoas nas praias para saudar o Ano-Novo. O branco é a cor usual. Até no culto da virada de ano há quem vá de branco. O que talvez poucos saibam é que essas "tradições" são frutos da assimilação de elementos de cultos afro-brasileiros, como ir à praia de branco, cor de Oxalá, o orixá venerado nesse dia.
Essa religião de caráter mágico, iniciática e pragmática tem sido uma dura oposição ao evangelho em alguns lugares.
BREVE HISTÓRICO
Um dos grandes erros que podemos cometer na tarefa de demonstrar a razão da nossa fé apologeticamente é não saber discernir o que ou a quem estamos atacando. Isso acontece se ignoramos religiões e seitas que possuem semelhanças essenciais, mas que diferem nos detalhes, como as religiões afro-brasileiras. Geralmente colocamos todas elas - candomblé, umbanda, quimbanda, etc. Num mesmo nível, rotulando como "macumba".
Por isso, a nossa primeira tarefa hoje é entender o que torna tão diferentes as religiões afro-brasileiras. Todas as religiões afras têm em comum a base histórica e a religião trazidas dos porões dos navios negreiros, que foram secretamente mantidas nas senzalas, embora os escravos africanos fossem "batizados" contra a vontade. Por outro lado, a diferença se encontra na cultura religiosa de cada povo que foi trazido para o Brasil de Angola, Canga, Gege, Nagôs, Bantos, entre outros.
Algo que precisamos entender é que estamos estudando uma religião étnica, isto é, uma religião que está impregnada numa cultura. É uma religião "pagã", que nada tem a ver com o Cristianismo, mas é uma mistura feita com o catolicismo. Essa camuflagem ocorre quando os seus deuses ancestrais ficam por detrás dos santos do catolicismo. Mas seus fiéis sabem distinguir muito bem quem são seus deuses e seus santos.
OS CULTOS AFRO-BRASILEIROS
Embora os cultos afros sejam vistos e, por vezes, até ridicularizados como uma religião de ignorantes é preciso ter o cuidado estratégico de não desconsiderá-los. Todos os cultos afrobrasileiros, como toda religião, inclusive o Cristianismo, possuem o que chamamos cosmovisão. Cosmovisão é a compreensão que possuímos acerca da vida e do mundo, e que orienta e legitima nossa conduta enquanto pessoas. Por exemplo, quando somos levados a amar o próximo, auxiliando-o em suas necessidades, o fazemos porque somos exortados a isso pelo nosso Deus, mas também pela percepção que temos que todo homem é criado à imagem e semelhança de Deus e, embora esteja em pecado, ainda assim mantém essa imagem, mesmo que distorcida.
Todos os cultos afro-brasileiros, como toda religião, inclusive o Cristianismo, possuem o que chamamos cosmovisão. Os cultos afros impõem uma forte cosmovisão aos seus fiéis, que em muitos casos são pessoas simples, mas que se transformam quando assumem seus papéis no terreiro. Bastide diz: "Não são mais costureirinhas, cozinheiras que rodopiam ao som dos tambores nas noites baianas; os rostos se metamorfosearam em mascar, perderam as rugas do trabalho cotidiano... Não há mais fronteira entre o natural e o sobrenatural; o êxtase realizou a comunhão desejada".
Portanto, na apresentação do evangelho a pessoas desses grupos é necessário sensibilidade e entendimento de sua cultura. Em termos antropológicos, o contato com as religiões afro é um contato transcultural. O trabalho evangelístico é muito mais que dizer que "o candomblé é do diabo"; mas é um trabalho de desconstrução e reconstrução de uma cosmovisão cristã.
O Candomblé
A palavra candomblé significa "roda de dança" e designava qualquer manifestação dançante dos escravos, mas com o passar do tempo ganhou um sentido designativo da religião negra praticada, segundo Roger Bastide, do extremo norte do Brasil até às fronteiras com o Uruguai.
O candomblé é uma religião de "imigração", uma vez que ela veio da África nos navios negreiros e, apesar da catequização católica, foi mantida em segredo, mas a partir de meados do século passado começou a se desvencilhar de elementos católicos assumindo-se como culto independente. Com uma grande influência entre os movimentos de valorização negra do país, que têm incentivado a percepção de uma espécie de africanismo, o candomblé é a religião que procura representar a etnia negra, contudo, é uma religião que não faz acepção, embora também não faça proselitismo.
lniciática e ritualista, o candomblé possui uma cosmovisão da realidade que a torna uma cultura dentro da cultura. A realidade social construída pelo candomblé é paralela à realidade que os cristãos ocidentais vivem. Nesse sentido, é que o candomblé ganha força entre os seus fiéis. Ela vai além da religião, ela é a construtora da vida dos seus membros.
A UMBANDA
Umbanda é uma religião eclética e sincrética que assumiu vários elementos de outras tradições religiosas em sua formação, como o catolicismo, a pajelança indígena e o kardecismo. Enquanto o Candomblé permaneceu conservador aos elementos africanos, a Umbanda não teve receio algum de inserir no seu cabedal religioso elementos do kardecismo, como a mediunidade e o conceito de carma. Além disso, forçosamente apela para algumas afirmações no Pentecoste e no uso do Espírito Santo para revelar aos profetas do AT sua vontade.
Enquanto no candomblé apenas os orixás são invocados, a umbanda traz figuras do imaginário religioso popular como o preto-velho, o caboclo e o índio. Estes são considerados espíritos desencarnados que servem aos vivos com conselhos, adivinhações e passes. O Exu tem grande destaque na umbanda, assim como sua versão feminina, a Pomba-gira, encantado feminino e esposa do Exu, destacada pela sensualidade.
Poderíamos dizer que a magia é o controle da realidade mediante de meios naturais. Ou seja, a manipulação de ervas, elementos da natureza (água, terra, fogo e ar), para criar encantamentos e manipular os acontecimentos. Não é sem propósito que a faculdade de teologia da umbanda possui em sua grade curricular uma vasta gama de estudos em biologia. Por esses meios, o que se espera é alcançar a cura para os males, doenças, problemas financeiros entre outros.
QUIMBANDA
A Quimbanda, que literalmente significa "do lado do feiticeiro", é voltado para a "magia-negra". Trabalhos e rituais que visam infligir males sobre pessoas. Encantados de caráter perverso surgem: o Exu Caveira, senhor da morte, Exu Tranca-Rua, o Exu das Sete Encruzilhadas, Omulu, senhor dos cemitérios, a quem é consagrado o ritual da calunga, que consiste em dormir sob túmulos em cemitérios, firmando, por meio desse ritual, um pacto entre os vivos e os mortos.
O objetivo da quimbanda é a prática do mal sobre as pessoas com doenças e até a morte. Sem negar o lado espiritual, a magia é também saber usar as plantas para fins escusos, como por exemplo, no envenenamento.
PRINCIPAIS PONTOS DOUTRINÁRIOS
Como se trata de uma religião diferente do Cristianismo, temos que, primeiramente, entender o campo doutrinário da mesma, e a partir daí fazer contrapontos com a fé cristã. Vejamos estes tópicos doutrinários que são comuns aos três grupos em destaque:
OS ORIXÁS
Como toda religião pagã, as religiões afrobrasileiras possuem seus mitos da criação dos deuses (teogonia) e do mundo (cosmogonia). Estes mitos dão sentido à sua religião, bem como ao modo de vida adotado pelos seus praticantes. O grande deus ou orixá é Olorum. Seu nome significa em nago "aquele que é senhor do mundo sobrenatural- o orun". Olorum criou o ayié, isto é, o mundo físico, como também o homem. É um orixá transcendente que não se relaciona com os homens, seu culto não se dá nos terreiros, mas apenas na alma do homem. O acesso a Olorum é por meio dos orixás menores, em número de 16 ou 17, algo que varia entre os mitos.
Esses orixás nasceram de Iemanjá e representam as forças naturais, como em qualquer forma de paganismo. Entre os principais estão:
Oxalá, o deus das almas e do céu; Xangó, senhor dos raios e trovões, Iansã, deusa dos temporais, Exu, o menor orixá e senhor das encruzilhadas. Aos orixás são oferecidos sacrifícios, que se transformarão em alimentos cerimoniais, também servidos aos participantes do culto.
Os orixás, além de governar o qyié e suas forças (trovões, sol, chuva), são mediadores entre os homens e entre o inacessível Olorum. Eles são como os homens: iracundos, bondosos, invejosos, bem humorados, mal-humorados, ou seja, à imagem e semelhança dos seus adoradores.
O CULTO
Embora haja grandes diferenças entre os cultos afro-brasileiros, a liturgia deles é basicamente a mesma. Todos eles começam com o chamado padé. O padê é uma oferenda de alimentos que tem como venerado o orixá Exu. Este tem o poder de atrapalhar todo o culto aos orixás caso não seja ele primeiro agradado. O chamado despacho de encruzilhada é o padê de Exu, que é levado para distante do terreiro para manter longe o orixá encrenqueiro.
Como já foi dito, os orixás recebem sacrifícios que se transformam em alimentos a eles dedicados, por exemplo, uma galinha sacrificada pode virar o xinxim consagrado a Oxum, orixá das águas doces. Desse modo, o culto começa muito antes da batucada. Desse momento em diante, todos os batuques, cânticos, danças e demais rituais terão como finalidade atrair os orixás da África para o terreiro, para que estes se manifestem aos seus filhos e filhas. Não há nenhum elemento redentor nos sacrifícios. Seu objetivo é agradar o orixá com aquilo que ele gosta, mas também promover a socialização por meio do banquete posterior. A quimbanda, contudo, parece que o sacrifício envolve mais os aspectos sombrios do ocultismo.
O ponto alto do culto é o êxtase. Uma vez invocados, os orixás descem sobre os seus filhos que ritualisticamente dançam, não existindo, segundo seus seguidores, fronteira entre o natural e o sobrenatural; os deuses estão presentes e revelam o futuro, dão consultas e conselhos. As possessões são o sinal de que o culto foi aceito.
A VIDA E A MORTE
Considerando a afirmação de Ronaldo Lidório, que o modelo religioso africano é relativista, isto é, não existem verdades absolutas, é possível afirmar que não existe o princípio ético de certo ou errado dentro das religiões afrobrasileiras, que possuem um caráter muito mais funcionalista que necessariamente ético. Aliás, a ética é bastante subjetiva.
A personalidade do fiel é a personalidade do seu orixá. Na iniciação, o fiel, principalmente do candomblé, assumirá um orixá como o seu cabeça. Daí se falar em filho-de-santo ou filho de Ogum. Todos os rituais servem para que a influência do orixá penetre na vida do seu filho. O status social está mais difundido dentro dos cultos afros pela força do orixá e respectiva autoridade do seu filho do que pela situação financeira.
Em relação à morte, existem duas interpretações. No candomblé, a alma ascende a uma espécie de reino espiritual, onde será mais um ancestral ao qual os vivos apelaram por auxilio. Na umbanda, que assimilou o conceito reencarnacionista do kardecismo, há uma ascensão como no candomblé, com a possibilidade de uma reencarnação ou se torna um "encantado", que a umbanda possui seus cavalos como os orixás, o que parece não ocorrer no candomblé.
Não existe nenhuma preocupação com a salvação, uma vez que no entendimento dessas religiões não há do que ser salvo. A vida se torna um constante reviver, como os orixás fazem, esperando apenas o fim, sem maiores expectativas. O controle da magia dá aos seus adeptos arrogância e grande autoconfiança, já que podem fazer que os orixás, encantamentos e outras forças trabalhem para si, realizando os seus desejos.
I Roger Bastide. O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, p. 15.
2 Bastide. op. cit., p. 26. 3 Bastide. op. cit., p. 15.
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