Com a liberação médica do CTI, o passo seguinte é a entrevista no Setor de Serviço Social. Outra estatística trágica: cerca de
Figura. A privacidade do paciente limita-se cama e a um punhado de objetos pessoais.
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Na figura temos duas pessoas, senque que uma esta deitada de costa e a outra sentada numa cama.
Ao lado temos varios objetos, como copo, livro e frutas.
Ao fundo vemos mais uma cama.
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60% dos doentes não mantêm contato com a família. A quebra do vínculo parte quase sempre dos próprios familiares, que evitam assumir as responsabilidades pelo doente mental. Quando são localizados, resistem ao máximo à sugestão de manter algum tipo de vínculo. Procuram o manicômio depois de anos, quando há partilha de bens ou ao saber da morte do interno. A comunicação de quase todos os enfermos com o mundo exterior se restringe ao serviço do correio. Circulam semanalmente mais de noventa cartas. Os poucos que mantêm o elo com os parentes escrevem sobre a rotina, solicitam visitas e imploram apoio jurídico. R. O. S., um dos pacientes, apelidado de Nóia, internado por homicídio, é quem mais recebe correspondência na colônia masculina: quatro envelopes por mês. Ao mesmo tempo em que sente orgulho pelo recorde, reclama da ausência de visitas. Em seus oito anos de detenção, a mãe e o avô foram vê-lo uma única vez, no feriado de Finados, em 1993. Nunca mais voltaram. Nóia não esquece aqueles vinte e poucos minutos eternos:
—Abracei mãezinha com força. O vô só dei a mão. O bigode dele é feio — conta, numa mistura de lembrança e delírio. — Depois que comi, falei que fugi de casa e fui dormir na Estação da Luz, porque o meu irmão queria me matar tirando a minha pressão várias vezes. Minha irmã também me perseguia e não adiantava meus pais trabalharem, porque o Brasil ia ser invadido pelas cobras.
Desde aquelas poucas palavras, a mãe achou por bem limitar o contato com Nóia apenas às cartas. Acreditava que ele ainda trazia riscos para o bem-estar da família. Pelas letras borradas do irmão caçula, o paciente renegado soube do novo emprego do pai,
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do nascimento do sobrinho e do atropelamento do avô. Por vezes, Nóia é recolhido na cela de isolamento devido a alguma notícia ruim. Os funcionários respeitam a dor do paciente. Até há alguns anos a situação era outra: havia um controle austero das cartas que chegavam ou saíam do manicômio. Toda correspondência, endereçada em geral aos familiares, amigos ou mesmo ao juiz corregedor, era garimpada pelo serviçosocial. O funcionário decidia, a seu bel-prazer, a interceptação ou não do material. A justificativa era controlar possíveis planos de fuga. Agora, a direção proibiu a violação de cartas.
A mutilação da cidadania, no entanto, prevalece por ordem da própria legislação brasileira. O Código Civil considera os doentes mentais de todo gênero absolutamente incapazes. Pacientes de manicômio não podem votar, casar ou exercer qualquer outro direito civil. A incapacidade se estende aos estrangeiros encarcerados em Franco da Rocha, já que quase todos acabam se naturalizando brasileiros depois de internados. Mesmo no auge da loucura, o empresário alemão B. B. D. não admitiu a hipótese de se tornar latino. Ele não se misturava com os demais doentes. A pele clara, os olhos verdes e a mente desvairada o convenciam de pertencer a uma raça ariana superior. Não aceitava que ninguém no hospital lhe dirigisse a palavra sem tratá-lo como Kaiser.
Apesar da aversão pelos brasileiros, B. B. D., nascido em Hamburgo, sempre apreciou a riqueza natural do país. Em março de 1988, desembarcou em São Paulo para acertar os detalhes da compra de uma casa em Ilhéus, litoral da Bahia. Ficaria hospedado por dois meses na casa do cunhado na Vila Mazzei, zona norte da
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cidade. Uma semana depois de desfazer as malas, surtou em pleno almoço de domingo. Começou a brigar reclamando que a comida lhe havia prejudicado o estômago. Quando o cunhado saiu, esfaqueou sua mulher e uma amiga e incendiou a casa. A fúria inusitada tinha antecedentes. Um ano antes, B. B. D. agredira a paneladas uma cozinheira de restaurante em Salvador, onde passava o carnaval. O alemão intransigente, que mal falava português, havia cismado com o tempero do vatapá. No dia do julgamento, o intérprete não precisou fazer a tradução num único momento. B. B. D. insistia em repetir uma das poucas frases que aprendera a pronunciar no país:
— Estou num mato sem cachorro. Quero voltar pra minha Alemanha.
Em vão: o imigrante psicótico ficou preso no manicômio de abril a dezembro de 1990, quando o consulado alemão conseguiu sua extradição para um hospital psiquiátrico de Hamburgo. Na hora de partir, mais habituado ao português, deixou um bilhete para o auxiliar de enfermagem, amaldiçoando “aquele monte de índios brasileiros malucos”. E fez uma ameaça ao hospital: “Meu pai era cientista
Figura. A solidão é uma ferida que não cicatriza no manicômio: a maioria nem sequer recebe visitas.
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Na figura observa-se um homem sozinho semi-deitado.
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e tinha grande influência junto a Hitier. Ele vai transformar isto aqui num campo de concentração. Kaiser B. B. D.”.
A cama do alemão, localizada no canto esquerdo do pavilhão 2, é ocupada hoje por um dos líderes do dormitório. O estatuto delega aos “faxinas”, pacientes que dormem nos cantos dos pavilhões, o controle das normas de convívio dos internos. Quando se trata de enfermos mentais, a tarefa não é fácil. Cada salão abriga até oitenta pacientes, e a distância entre uma cama e outra não ultrapassa 40 cm. Barbantes brancos amarrados da ponta da cama à parede fazem a demarcação do’espaço, como uma espécie de porta de entrada da casa — símbolo máximo da privacidade do indivíduo. O território delimitado pelos cordões guarda a cama, objetos de higiene, roupas e comida. Em hipótese nenhuma a área pode ser invadida. Ninguém desrespeita esse código.
— Muita visita pensa que é coisa de demente, faz até piada. É como quem trabalha neste lugar. Se a gente chora é porque está doente, se a gente ri é porque está doente também. Isto aqui é o cemitério dos vivos — afirma A. C. C., um dos “faxinas”.
Os pavilhões têm pouca luz. Pelas frestas das janelas, trancadas dia e noite, fazem caminho os raios de sol que clareiam a imensa nuvem de pó. Há fila para toda refeição no hospital. O café começa às 8h da manhã, mesmo horário em que os pavilhões são abertos. Antes das 7h há banho coletivo, O almoço é servido entre 12h e 12h30, e o jantar, por volta das 16h. Distribui-se o remédio em duas doses diárias: uma pela manhã e outra ao anoitecer. As trancas dos pavilhões são abaixadas, após a contagem dos pacientes, às 17h. Depois disso, os portões só abrem em último caso.
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O som do manicômio é esquisito de madrugada. Alguns gritos distantes do CTI quebram a cadência de ruídos do vento que balança as duas árvores do pátio. Os gatos correm aí de um lado para outro, em paz, e as pombas pousam e decolam tranqüilamente. Não há pacientes para persegui-los ou assustá-los. O barulho dos bichos é afogado por uma discreta confusão de gemidos — alguns inconfundíveis, como os risinhos e urros dos pacientes homossexuais.
É proibido o namoro entre doentes nas dependências da colônia, mas ele acaba acontecendo de forma natural. Diferentemente de todo o sistema penitenciário, não se permite o sexo no manicômio, tanto para homens como para mulheres. A legislação não prevê visitas íntimas, o que incentiva a prática homossexual. Em noites frias, algum interno sempre tenta se esquentar com outro à força, obrigando a intervenção da equipe de disciplina.
Tem preocupado a equipe médica o aumento do número de infectados com o vírus da aids — em outubro de 2000 havia 26 internos soropositivos. Os portadores da doença recebem tratamento no Centro de Orientação e Apoio Sorológico (Coas) de Franco da Rocha. O trabalho de prevenção, com palestras e entrega de preservativos,
Figura. Inscrição no muro do pátio avisa sobre a proibição, que nem sempre é entendida pelos enfermos.
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Na figura temos a imagem de um muro, que esta escrito Proibido fumar, e um homem caminhando ao lado da inscrição.
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é realizado em conjunto pelos profissionais de saúde e pelo departamento de psicologia.
Cada pavilhão tem dois agentes de segurança de plantão 24 horas por dia. Dos 500 funcionários do manicômio, 215 são agentes de segurança e pelo menos 100 se dedicam exclusivamente à função disciplinar. São em geral indivíduos autoritários — fortes e altos. Com baixos salários e precárias condições de trabalho, a maioria dos funcionários revela sua insatisfação, O turno é de doze horas e não há nenhuma formação profissional para lidar com doentes mentais. São inúmeros os registros de funcionários feridos por pacientes, mas até hoje não houve caso de morte. Episódio recente foi o de uma enfermeira esmurrada por um interno que a confundiu com sua ex-mulher — ela desistiu da profissão depois do incidente.
Superar a rotina hostil do manicômio é o maior obstáculo para quem aceita o desafio de trabalhar com doentes criminosos. Um ex-agente penitenciário da Casa de Detenção de São Paulo, Orlando da Silveira Júnior, agora em Franco da Rocha, conta que, no início desse emprego, ao voltar para a casa, sua mulher lhe perguntava como tinha sido o dia de trabalho, e ele simplesmente dizia: “Bom”. Desconversava, em velocidade que queria ser maior que a do trem que o leva do trabalho para Perus, bairro onde mora com a família.
— Quando tive uma úlcera nervosa depois de alguns meses no manicômio, minha mulher parou de perguntar. Acho que entendeu que o dia de serviço nunca seria bom, afirmou.
A chefe dessa equipe de brutamontes, incoerentemente, é uma mulher franzina. Uma mulher de muitas faces. Austera quando há
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brigas internas ou ameaças de rebelião; companheira, ao convencer um funcionário novato a não desistir do serviço; sempre determinada, ao defender o papel da disciplina no Manicômio Judiciário. A advogada Silvana Helena Gil, há dois anos e meio na função, também se dedica à sua casa.
— Meu marido me aconselha a pedir licença porque acha que o trabalho me deixa estressada — conta ela, que é casada com um mecânico e tem uma filha de 5 anos.
Ela explica que o objetivo do setor de segurança é evitar desordens na instituição. A última fuga, informa com orgulho, aconteceu há mais de um ano, mas as tentativas são corriqueiras. Os pacientes pulam muros, escalam telhados e saltam arames em busca da liberdade. Acabam pegos em flagrante e logo se desmotivam.
P. 5. S., o Magriça, e D. M. F., o Zoião, convenceram-se de que não seriam mais dois na lista dos fujões frustrados. A manhã daquela segunda-feira de dezembro de 1999 era propícia para escapar da clausura de Franco da Rocha. Os dois amanheceram acordados, planejando a forma de desviar a atenção do agente responsável pela vigia do muro que dá para o matagal. Contariam com a ajuda de F. R., o Zulu, interno com retardamento mental, que fingiria uma briga com outros dois pacientes. Fizeram-lhe a promessa — que certamente não seria cumprida — de voltar para resgatá-lo na semana seguinte. O plano entraria em vigor pouco antes do almoço, quando todos ainda estivessem nos pavilhões. Magriça trocou doze pacotes de cigarro por lençóis e roupas velhas. Zoião montou a “teresa’ (uma corda improvisada) na surdina de quatro noites, escondendo-a embaixo da cama. Na hora combinada, Zulu começou
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a briga com dois pacientes enquanto gritava para chamar a atenção do funcionário. Outros doentes, pensando que a luta era verdadeira, meteram-se na confusão com os três falsos briguentos. A baderna foi geral. Camas viradas, pacientes despidos, muito falatório. Não só o segurança do muro que dá para o matagal veio acalmar o alvoroço, como vieram outros seguranças. Tudo estava saindo conforme o combinado. Diante do muro, Magriça jogou a imensa corda, que enroscou numa das árvores, e começou a escalar a parede. Zoião pedia pressa, ao mesmo tempo em que olhava em derredor. Já quase no topo, Magriça gritou:
— Pára! Pára! Não posso mais subir.
— Você está louco? Por quê? — disse Zoião, aflito.
— Eles estão do outro lado e voando no céu. A minha cabeça vai cair no chão.
Magriça estava sofrendo um surto psicótico. Como no dia em que disparou três tiros no vizinho, ele delirava com gafanhotos que soltavam fogo pelas narinas. Era necessário proteger-se. Se fugisse, os insetos voadores o alcançariam. Precisava de proteção. O remédio da manhã não havia produzido efeito, devido à carga de
Figura. A hora da refeição, preparada por internos e funcionários, é um dos momentos mais esperados.
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Na figura temos a imagem de varias pessoas, sendo que algumas estao servindo comida.
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ansiedade a que o paciente estava submetido. Desesperado, Zoião suplicou ao colega:
— Depois eu acabo com eles, deixa comigo. Mas sobe logo, antes que os caras venham aí.
Tempo perdido. Um outro doente viu os fujões e alertou a segurança. A dupla acabou presa na cela de castigo por várias semanas. Enquanto eram levados ao CTI, Magriça, já medicado, repetia para o enfurecido Zoião:
— Eu juro! Eram eles! Aqueles monstros que voam e assustam. Aquele nariz cheio de fogo. Era um sinal, sabe? A gente não podia ir assim. Gafanhotões, sabe?
O fim desastroso dos pacientes é o mais comum nas tentativas de evasão do manicômio. A fuga mais misteriosa na história do hospital aconteceu em julho de 1994. Benedito Gomes Rodrigues, o Vampiro, então com 44 anos, desapareceu sem deixar rastro. Internado desde novembro de 1969, tinha hábitos diferentes. Vivia isolado no escuro e não suportava a iuz. Nasceu na cidade mineira de Três Corações, e aí foi abandonado pela mãe, ainda criança. Cresceu mendigando comida pelas ruas até ir morar com a jovem Francisca da Silva. Certa noite, sentiu algo estranho e atravessou uma lâmina de aço pela garganta da mulher. Deitou-se sobre o corpo e passou a sugar-lhe o sangue. Cortou a barriga dela e bebeu o que pôde dali também. Em janeiro de 1967, cometeu outro crime: esquartejou uma criança de 8 anos, que brincava perto do sítio onde morava. O ritual se repetiu, com o sangue servindo para matar a sede do Vampiro. Nos dez meses seguintes, estripou mais seis crianças, sempre da mesma forma, esquartejando o corpo e sugando o
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sangue. Os crimes do Vampiro ficaram famosos no interior de São Paulo e no sul de Minas Gerais. Sua foto no arquivo psiquiátrico criminal justifica a alcunha: os dentes caninos eram os únicos existentes na boca, fiéis ao estereótipo de Drácula.
No distrito policial, a falta de sangue atormentava o doente. Andava de um lado para outro, nervoso, murmurando, Os policiais eram obrigados a jogar galinhas vivas na cela para acalmá-lo. Imediatamente, o Vampiro as agarrava, decepava-lhes a cabeça e bebia o sangue. Logo se acalmava. Os psiquiatras dessa época registraram o fenômeno como um dos raros casos de vampirismo no Brasil. Pessoas de Aguaí e de São João da Boa Vista, cidades próximas da região paulista onde foi detido, reuniram-se em bando com estacas de madeira, cruzes e muito alho. Acreditavam que o assassino havia saído de uma sepultura qualquer.
Seu paradeiro atual é desconhecido. Os pacientes mais antigos do manicômio evitam tocar no assunto. Fazem o sinal-da-cruz e afastam toda alusão à história. Alguns mais supersticiosos afirmam que o Vampiro bateu asas em noite de lua cheia — com o empurrãozinho, é claro, de algum carcereiro.
Último degrau
Centro de Terapia Intensiva, CTI. A designação é a mesma da
área dos hospitais destinada à internação dos pacientes em risco. O drama de estar com a vida presa a tubos e aparelhos de respiração, lado a lado com a morte, no entanto, parece irrelevante se comparado ao que se passa no universo do CTI de um manicômio.
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A insanidade alcança aí o seu último degrau. Não há mais portas ou saídas. A psiquiatria perdeu a guerra contra a demência e esgotaram-se os recursos da medicina. Seres humanos miseráveis, mal vestidos ou nus expressam-se com gestos incompreensíveis. Canções religiosas. Códigos indecifráveis. Desespero. Ou a calma opressiva, mais angustiante do que a agonia dos agitados. O CTI é assim: a imagem da face caótica da loucura.
O repórter acompanhou, por alguns meses, a rotina de enfermeiros, médicos, agentes de segurança e pacientes com os quais ainda era possível manter contato. “Corredor da morte” foi o apelido mais adequado que os internos encontraram para identificar o CTI. Chega-se lá depois de atravessar os principais pátios do manicômio, com as portas de ferro dos pavilhões abrindo e fechando, enquanto um dos carcereiros recomenda cautela:
— Fique atento aos movimentos dos loucos. Diante de qualquer reação estranha, não pense duas vezes em chamar os funcionários. Aqui todo cuidado é pouco.
O corredor mal cimentado e ao ar livre desemboca num pequeno prédio amarelo. A estrutura de madeira sustenta a antiga
Figura. Os doentes em surto costumam se auto-agredir com socos e cabeçadas.
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Na figura observa-se um homem atrás de grades, como se fosse uma sela.
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cobertura de telhas de barro avermelhadas. No alto da porta de entrada, em preto fosco, a inscrição “Clínica Médica”. Como em todo hospital, as tentativas de fuga acontecem quando menos se espera. Duas semanas antes da primeira ida do repórter ali, S. C. E, conhecido como China, tentou pular a cerca nas primeiras horas da manhã, depois de um ataque de epilepsia. A certa altura, perdeu o equilíbrio e despencou. Sofreu traumatismo craniano e morreu antes de chegar ao Hospital de Franco da Rocha. A fronteira entre a vida e a morte no ponto mais extremo do manicômio é tênue.
O ambiente é frio no CTI, com o odor dos remédios e das seringas se misturando ao cheiro de cigarro dos funcionários, O efeito da combinação no ar incomoda a respiração. Todos caminham com pressa de um lado para outro. Tensos. Os membros da equipe de saúde ocupam três pequenas salas de estruturas precárias: atendimento médico, enfermaria e perícia. Passam o tempo conversando sobre receitas, doentes e laudos psiquiátricos. Procuram a todo custo administrar a preocupação perceptível diante do primeiro sinal de confusão na ala dos pacientes. “Todo cuidado é pouco”, disse bem o carcereiro. Alguns se vestem com longos aventais brancos. Outros, como se estivessem na rua, talvez a melhor forma de fugir da rotina insensata.
— Conto os minutos para bater o cartão na hora de ir embora. Quando pego o caminho de casa, sinto um alívio — diz o auxiliar de enfermagem, Irineu Benedito Prado.
A maioria dos funcionários coloca sempre como condição para mudança de cargo a não-transferência para o CTJ. Alguns até aceitam o desafio, mas dois ou três dias depois pedem afastamento,
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ou mesmo demissão. Tanta aversão e medo se justificam. Grande parte dos visitantes passa mal ao primeiro contato com o local. Recentemente, integrantes da pastoral carcerária, habituados ao convívio com as mazelas do sistema penitenciário, disseram nunca ter visto algo semelhante.
A entrada para o corredor central do CTI é protegida por duas portas de aço cerradas, distantes uma da outra pouco mais de 2 m. A partir da segunda porta, começa a viagem à mais remota das fantasias. São dez celas fortes, isoladas e individuais: no lado direito, as pares — 2, 4, 6, 8 e 10 — e, no esquerdo, as ímpares — 1, 3, 5, 7 e 9. É terminantemente proibido trancar dois pacientes na mesma cela. Na última vez que isso aconteceu, no antigo CTI, instalado no pavilhão 9, E. M. M. estrangulou outro interno até a morte. Após o assassinato, o doente continuou a bater no defunto durante horas, chegando a arrancar partes da perna, do braço e da cabeça. Contido o surto de violência, ele passou a acariciar com ternura o corpo deformado e a chamá-lo insistente- mente de “minha mãe”.
Os pacientes do CTI permanecem praticamente o tempo todo em crise de esquizofrenia e psicose; por isso são proibidos de conviver com os demais. Estão detidos por medida de segurança, seguindo ordens do departamento médico. Quase todos ficam trancados nus, para evitar tentativas de suicídio. O desejo da morte é um sintoma freqüente em certas enfermidades mentais. Os presos recebem apenas dois colchões: um para se deitar e outro para se cobrir. Ainda assim, periodicamente, alguém se suicida ateando fogo no colchão ou se enforcando com a própria roupa. O último caso
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foi o de um doente neurótico que se asfixiou com o cadarço do sapato na cela 2.
Naquela fatídica madrugada, os funcionários lembram que os gritos agonizantes e o barulho dos pacientes que batem nas grades, tão comuns no decorrer do plantão noturno, silenciaram por volta da 1h da madrugada. Ninguém entendeu exatamente por quê. Um doente maníaco-depressivo, que atravessava as noites cantando “Ave, Maria”, permaneceu calado. Outros pacientes, acostumados a soltar grunhidos de madrugada, não abriram a boca. Os guardas acharam estranho, mas não acreditaram que algo trágico poderia ter acontecido. Quando, pela manhã, os enfermeiros levaram o remédio, encontraram o corpo estendido no canto da cela, com o pescoço amarrado a um dos ferros da grade. Os peritos do Instituto Médico Legal constataram que a morte ocorreu entre a meia- noite e as 2h da madrugada, exatamente na hora em que as celas foram dominadas pelo silêncio.
Os mistérios do CTI são tão inescrutáveis quanto a mente dos encarcerados. Mesmo em dias ensolarados, a escuridão é predominante. O sol bate no lado das celas ímpares pela manhã e nas
Figura. O doente em crise divide a cela de Isolamento do CTI com uma latrina.
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Na figura temos a imagem de um homem sentado no chão num canto de uma sala, sendo que ao seu lado tem uma latrina.
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pares à tarde, formando penumbras por todas as extremidades durante o dia.
J. R. é o paciente que possui a maior tendência de esconder- se nas sombras. Sofre de crises cuja origem está ligada a uma possível homossexualidade e síndrome do pânico em estado avançado. Tudo o que cai em suas mãos acaba colocado em seu ânus. Teve inúmeras perfurações na região anal ao introduzir isqueiros, talheres e ossos de frango. Quando entra em crise, não admite a presença de ninguém por perto. Repete sem parar que “as trevas o conduzem ao centro do cosmos”.
No CTI, a luz parece tão ofuscada como a vertigem de J. R. As celas, cubículos com pouco mais de 3 m de comprimento por 2 m de largura, são iluminadas por uma lâmpada bem fraca, embutida no teto, e os portões de aço estão descascados pela incontável quantidade de socos, chutes e cabeçadas. Chamuscados de fumaça nas paredes, causados pelas tentativas de incendiar colchões, quebram o tom da pintura em cinza e branco. Nas celas ímpares, há portões de madeira inteiriços, com portinholas por onde os doentes são alimentados e medicados. Têm vasos sanitários por dentro, no chão, com descarga por fora. A janela gradeada de menos de 1 m é a única comunicação com o mundo exterior.
Muitos pacientes andam na cela 24 horas, inquietos, indo e vindo, reproduzindo a agitação dos funcionários fora das grades. Sacodem as mãos em conversas imaginárias, intercaladas de risinhos nervosos. Outros permanecem agachados, estáticos, em absoluto silêncio. O psicótico J. P. C., conhecido como “furador de olhos”, é assim: pacato, pouco conversa ou reclama, mas, quando começa a
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