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RAMATIS: Pode haver certa identificação com a majestosa serenidade que lembra as esferas paradisíacas, na execução bachiana, mas assim mesmo é composição acanhada para a mente expansiva dos marcianos, que está muito acima das for­mas dos mundos materiais. Contudo, a suntuosidade sonora peculiar a Bach já é espiritualizada mensagem que possui algu­ma sintonia com os anseios daquela humanidade. No entanto, haveis de convir que os êmulos de Bach, em Marte, conseguem maior alcance no "habitat" celestial.

PERGUNTA: E a grandeza sinfônica de Wagner, também não encontra eco nos corações marcianos?

RAMATIS: Embora Wagner ainda vos impressione por mais algum tempo, com sua força esotérica, seu simbolismo iniciático, e a sua mensagem telúrica vos prenda a atenção pelo seu vigor musical e epopéia transcendental, os marcianos não lhe encontrariam afinidade com o seu estado psicológico. Mesmo que atribuíssem os eventos musicais wagnerianos à concepção de música descritiva, ainda não lhe achariam base emotiva para vibrarem em uníssono com a mesma. A hipótese de uma tempestade wagneriana, como simbolismo da violência das paixões humanas, não encontraria eco na paisagem emoti­va, pacífica e tranqüila da alma marciana. Também se tornaria algo irrisório uma epopéia musical terrena, que tentasse con­quistar a admiração pública, no retratar fenômenos telúricos que a ciência de Marte cria artificialmente, como seja, o raio, o trovão e a chuva, através dos "centros pluviais". No sistema de vida marciano, destituído de melodramas clássicos e sem agita­ções telúricas imprevistas, a música imponente de Wagner pas­saria despercebida, como criação grandiosa. Interessaria tão-somente quanto ao esforço exigível do ouvinte em ter de "pen­sar, buscando senti-la", o que justifica a disposição marciana de "raciocinar em sons".

PERGUNTA: Os marcianos ouvem a música com certo enle­vo espiritual ou a consideram e julgam por um prisma estrita­mente intelectual?

RAMATIS: O seu dinamismo criador e a sua proximidade da verdade cósmica, dificilmente os condicionam à letargia contemplativa no mundo material. Pensam, refletem e sentem a sua música como o matemático que raciocina nas equações algébricas, buscando as soluções exatas.

PERGUNTA: Como nos será possível avaliar, comparativa­mente, essa disposição de "raciocinar em sons", dos marcia­nos?

RAMATIS: Quando vos entregais à música romântica e familiar, por efeito subjetivo e psicológico, o vosso espírito sub­jugado pela sua voluptuosidade, ouve música "sem raciocinar" porque essa música, pelo seu simbolismo romântico, vos des­pertando devaneios, nostalgia e saudosismos primaveris, vai direta ao coração. Se a música é mórbida, de temas introspecti­vos e trágicos, como ocorre às vezes na música de Tchaikovsky, as vossas angústias e outras emoções dolorosas do passado tomam conta da vossa alma, absorvendo-vos por completo, sem qualquer interferência mental. O marciano, no entanto, preferindo raciocinar sobre todos os fenômenos do presente, é avesso ao retorno do passado, mesmo através da evocação musical. Desinteressa-se de recompor lições, cenas ou situações já vividas; a sua mensagem sonora é sempre uma expressão progressista no caminho educativo da forma. Os seus composi­tores não evocam, eles pensam; é um "meditar em sons" essen­cialmente criador.

PERGUNTA: Como entenderíamos mais objetivamente esse assunto?

RAMATIS: O plano da composição musical é obviamente mental; os sons se ajustam, formam frases e melodias no silêncio da alma do compositor, assim como as idéias surgem no engenheiro, quando pensa na grandiosidade arquitetônica do futuro. A música pode ser materializada, em seguida, na com­binação física dos sons, impregnada da emoção, da sensibilida­de ou intuição do compositor, mas o seu primeiro conhecimen­to há de ser no campo invisível do pensamento. Os vossos com­positores românticos elaboram mentalmente o projeto musical e quando o transmitem para o mundo, imprimem-lhe a sua sensibilidade "psicoemotiva"; no entanto, os autores marcianos também "pensam" em suas composições musicais, mas as entregam ao público libertas de suas emoções e idiossincrasias. Realizam o melhor que podem e sabem, visando ao bem e à alegria do conjunto, sem interposição de seus dramas íntimos. É um trabalho unicamente em função do prazer e educação alheia, semelhando o ourives terrestre que confecciona custoso adereço para o cliente desconhecido. A sua música é mensagem de caráter genérico, isenta das emoções individualistas e pas­sionais preferidas pelos vossos compositores.

PERGUNTA: Porventura se trata de música análoga a um tratado mecânico, sonoro, mas destituído de inspiração?

RAMATIS: Naturalmente aludis, como ausência de inspira­ção, à falta do prazer espiritual na música, fundamentado na emoção humana. O que para vós pode significar um "tratado mecânico sonoro", é para o homem marciano um conteúdo pródigo de indescritível prazer. A "Nona Sinfonia" de Bethoven, executada diante de uma tribo de zulus, os deixaria completa­mente apáticos e fatigados. Também a impossibilidade de atin­girdes a intimidade "mental criadora" das composições marcia­nas, o seu curso que lembra a miniatura de inúmeros processos cósmicos, a sua manifestação liberta da pauta e que desperta no ouvinte raciocínios brilhantes, vos deixariam tão apáticos como os zulus ante a sinfonia beethoveniana. Conseqüentemente, esse prazer espiritual ainda é mais dadivoso nessa música men­tal de Marte.

PERGUNTA: Em face da dificuldade de avaliarmos o efeito ou a mensagem que há nessa idéia de "música mental", poderá expor algumas considerações mais pormenorizadas?

RAMATIS: Reconhecemos a vossa dúvida, porque ainda não podeis compreender a gama de emoções sensíveis que des­perta a música mentalista entre eles. Os bugres, em seu enfadonho batuque de noites seguidas, sob gritos e trejeitos convul­sos, se espantariam dos vossos prazeres na audição de música sem aquele ritmo implacável e familiar. A impossibilidade de ajustarem os seus movimentos musculares e gritos ao conteúdo sinfônico, torná-los-ia desorientados e surpresos, na estulta dúvida de vossas reais faculdades. Deveis convir que o prazer varia na conformidade psicológica de cada um. Enquanto Nero vivia requintes de volúpia na degradação e perversidade humana, Jesus transfigurava-se em êxtase, no sacrifício pela salvação do homem. O místico usufrui delicias paradisíacas em contato com as expressões de religiosidade extraterrena, en­quanto o matemático inunda os olhos de lágrimas jubilosas, ao conseguir a solução do problema em que se empenhou incon­dicionalmente. As sinfonias marcianas, ouvidas com o cérebro e ignoradas pelo coração, centuplicam as emoções puras da alma, embora se façam entendíveis na frieza de pensar antes de sentir.

PERGUNTA: Os marcianos sentem prazer tão jubiloso, quando ouvem a sua música mental, conforme nós vibramos diante da "Nona Sinfonia" de Beethoven ou de uma "Tocata e Fuga" de Bach ou, ainda, ante uma composição de Mozart?

RAMATIS: É tessitura musical que exige o cérebro desperto, a mente em estado dinâmico e o raciocínio atento no desdobrar da composição. É música de vigília mental, contrária ao "auto-esquecimento", à evocação e devaneio saudosistas. Refere-se exclusivamente ao espírito eterno e criador; diz respeito à con­figuração futura do anjo, aprimorando a reflexão para um sen­tido cósmico. Cumpre-lhe a edificante função de desenvolver a razão humana para o mais breve desprendimento da escravi­dão material. A tendência da humanidade de Marte é de contí­nua atividade; há um gosto acentuado para tudo o que é fecun­do ou inventivo; razão por que em todas as suas expressões artísticas existe um teor dinâmico e criador. "O anjo não dorme!" – diz um conceito marciano. O seu nível mental exige emoções progressivas e não regressivas, fazendo-os preferir a música que planeja, edifica, coordena e eleva, em vez da melo­dia chorosa, romântico-mórbida ou melodramática, que obriga a alma a estacionar na subida à procura de sua consciência espiritual. Enquanto o homem terreno aprecia o doce devaneio da música poética no mundo de formas transitórias, o marciano prefere a mensagem sonora da realidade espiritual, que sobrevive à matéria. Ajusta-se, sempre, mesmo através da música, aos ideais futurosos; esquece-se, o mais que se pode, o passado irreal.

PERGUNTA: A música marciana não se assemelha porven­tura à que hoje se denomina "música moderna"?

RAMATIS: Moderno é apenas um simbolismo, porque a arte é atualista e sempre corresponde ao estado artístico exigí­vel no momento. Naturalmente vos constrangem certas dispo­sições cacofônicas dessa música contemporânea, e que soa completamente diferente das melodias tradicionais. Sabeis, no entanto, que Beethoven e Wagner escandalizaram os seus con­temporâneos e conservadores, com suas composições moder­nas e futuristas, na época em que predominava a música ondu­lada e as sinfonias dos salões, delicados "tricots" de sons meló­dicos e saltitantes. Embora ainda detestada pela maioria dos admiradores clássicos, na intimidade profunda dessa música "cerebral" e inóspita, bruxuleiam contornos da mensagem sin­fónica e mentalista do terceiro milênio.

PERGUNTA: Somos avessos a essas composições gritantes e heterogêneas que deixam o ouvido desamparado, fora da har­monia melódica. É possível tratar-se de mensagem tão supe­rior, cujo sentido ignoramos e por isso a detestamos?

RAMATIS: É mensagem avançada, mas falha ainda quanto à sua exata exposição, pelo que provoca opiniões tão contradi­tórias. Os seus autores "sentem" na intimidade da alma o ver­dadeiro sentido da música futura, para quando o homem terrá­queo possuir o equilíbrio intelectual e o sentimento completa­mente aprimorado. Buscam dar forma a essa idéia musical que lhes canta no âmago do espírito. Essa "fala sonora", vigorosa, dinâmica e criadora, é a luta para vencer o recalque emotivo das tradições hereditárias; desejam compor exclusivamente pelo raciocínio e não sob o domínio emocional do coração. É mensagem superior e mal percebeis os seus fragmentos, devido à interferência ou reflexos de vossas emoções inferiores, ainda indomináveis.


PERGUNTA: Quais as expressões dessa música, que nos identifiquem com os rudimentos da futura música mentalista?

RAMATIS: Fundamentalmente, já podeis verificar a sua força libertadora dos cânones tradicionais e secundariamente,

pelo dinamismo instrumental que exige harmonias discordan­tes, rebeldes e choques melódicos. Embora ainda extravagante e detestável para os ouvidos condicionados aos longos feixes de melodias flutuantes, conduzidos por conjuntos de violinos e violoncelos, há certa poesia do movimento, que lembra fugazes sons marcianos. Nessa música, realmente, o coração é sacrifica­do ao espírito. Exige do ouvinte mais atenção para ser "com­preendida", do que realmente para ser gozada. É razoável que ainda vos sintais apáticos, ou aturdidos, pois há supressão do lirismo tradicional e também deliberada ausência do fator humano. A velocidade, a cor, a harmonia nas discordâncias e a elasticidade na arquitetura de certos trechos, exigem que a sen­sibilidade do ouvinte esteja plenamente sob o controle da mente vigilante. Em vez dos devaneios emotivos, requer o raciocínio alerta ante as imprevistas liberdades de cada instru­mento.



PERGUNTA: Existe a música folclórica em Marte?

RAMATIS: Sim, e de acordo também com os costumes, con­dições psicológicas e temperamentos da região; é, na realidade, a sua música emotiva.


PERGUNTA: Suas características se assemelham ao padrão terreno?

RAMATIS: Estão em certa analogia com as do vosso mundo; refletem os anelos, as disposições emotivas, os júbilos e os sentimentos artísticos que identificam a fisionomia de cada ambiente. Mas é assunto sadio, próprio de um povo liberto de ciúmes, vaidades, orgulhos, avareza e outras deprimências. Embora música popular, destituída do conteúdo de referências ou alusões fesceninas de malícia, e despudor de que os compo­sitores terrícolas, inescrupulosos, têm por hábito impregnar as suas produções.


PERGUNTA: Quais os motivos básicos que os marcianos usam para a música popular?

RAMATIS: Servem-lhes as tradições inerentes à mentalida­de ou ambiente de cada comarca; os períodos festivos, come­morativos das épocas das flores, frutos, e também as melodias e cânticos dos pássaros. Festejam, igualmente, os acontecimen­tos comuns de noivados, aniversários e casamentos. As mela dias, por vezes, guardam na sutileza da frase sonora, um espíri­to folgazão e humorístico, cujas filigranas delicadas não podereis conjeturar. É música que não se prende exclusivamente ao texto que descreve; impõe-se pela linguagem viva e cintilante em que os sons têm vida própria.


PERGUNTA: Possuem eles hinos de expressão pública?

RAMATIS: Os seus hinos são de maravilhosa disposição fraterna, executados sob tácita combinação coral, imprevista, inconcebível aos mais adiantados conjuntos das vossas evolvi­das agremiações religiosas. São cânticos de serena beleza, em que toda a população toma parte, nas épocas de nostalgia espi­ritual e que a impelem a um contato sonoro de maior intimida­de com o Pai. Seu adiantamento espiritual torna-os afeitos à procura constante de alimento divino. Comumente, nos dias festivos, uma voz dispersa inicia a melodia fundamental, num cântico de saudade sidérea. Não tarda, em seguida, que outras vozes se juntem a esse tema, desde a voz terna da mulher e o coro cristalino das crianças itinerantes, até à voz grave e pro­funda dos homens. O conteúdo se encorpa, cresce e avoluma-se, para se desdobrar qual manto sonoro sobre a cidade ilumi­nada.

PERGUNTA: Não conservam hinos pátrios ou comemorati­vos de nacionalidade?

RAMATIS: Como não há separatividade de raças, nações ou grupos, esses hinos só poderiam ser chamados de "hinos de comarcas". Os hinos, cânticos ou melodias referem-se apenas aos encantos do seu ambiente, ao gênero de vida e aconteci­mentos costumeiros. Não aludem a ideologias políticas, tradi­ções racistas ou fronteiriças, nem cantam heroísmos e sucessos belicosos. A pátria significa-lhes todo o Universo e consideram todas as almas como componentes da mesma família espiritual. Os hinos pátrios, de motivos nacionalistas, ser-lhes-iam excres­cências dispensáveis na vida do planeta.

PERGUNTA: E nos educandários não se cultuam hinos escolares?

RAMATIS: É óbvio que sim, mas diferem dos vossos, pela natureza do assunto preferido. Não há hinos de louvores aos patriotas exaltados, bandeirantes, guerreiros, administradores públicos, governadores, fundadores de cidades, higienistas, artistas, filósofos, poetas, educadores ou líderes religiosos. Na humanidade marciana, "cada um deve fazer o melhor que pode, dentro do que sabe", sob a disposição comum de ser útil e verdadeiro, sem visar a louvores ou agradecimentos. Não se concebem "atos excepcionais" na coletividade; a realização mais extraordinária, consideram-na como produto natural da capacidade de quem realiza. Só nos mundos onde o cumpri­mento do dever é um fato de exceção, se endeusa ou se pres­tam homenagens àqueles que fazem o que tinham obrigação de fazer.

PERGUNTA: E quais os assuntos preferidos para os hinos escolares?

RAMATIS: Os temas fundamentais são os convites frater­nos para o bom entendimento entre os estudantes; o apelo de amor aos pássaros, o cuidado para com a flor e o fruto, inclusi­ve o respeito público e a cooperação espontânea para o bem alheio. São verdadeiras estrofes de educação moral e cívica; e também operam no sentido de compreensão espiritual da vida física, como ensejo de aperfeiçoamento da alma imortal. Os estudantes formam a memória musical sob um sentido educati­vo e de perfeita associação com as idéias elevadas e conceitos espirituais, sentindo em si mesmos a mensagem "exata" do som.

PERGUNTA: Que significa essa mensagem "exata" do som?

RAMATIS: É o aprendizado dos valores intrínsecos do som, pois em Marte se conhece o efeito e a significação de cada nota musical, inclusive a sua variação na escala de intensidade sono­ra, em perfeita correspondência com a manifestação psíquica humana. Os "clarividentes" marcianos podem ouvir a nota musical, ver-lhe a cor, sentir-lhe o perfume, notar-lhe a disposi­ção tátil, o peso e a temperatura no campo etérico. A música atinge a todos os sentidos humanos, bastando que sejam eles desenvolvidos sob a férrea disciplina iniciática que aprimora o homem interior. A combinação de cores, sons, perfumes e luzes nos estabelecimentos escolares marcianos tem por escopo desenvolver a acuidade psíquica da criança e facilitar-se o aces­so mais breve aos valores sutis das esferas espirituais.

PERGUNTA: Será possível uma demonstração mais objeti­va, a fim de podermos entender essa variedade de som em diversos campos vibratórios?

RAMATIS: Os clarividentes do vosso mundo devem com­preender que, fundamentalmente, as sete notas musicais cor­respondem a sete sons e sete cores diferentes e igual a mesmo número de perfumes, temperaturas astrais, densidades e até volumes assinaláveis no éter. As incontáveis combinações melódicas que se produzem numa orquestração sinfônica, pro­porcionam aos olhos crarividentes verdadeiros espetáculos fe­éricos de luzes, cores e perfumes, em face de os sons correspon­derem a inúmeras outras vibrações. O "dó" é vermelho-fogo e corresponde à vibração física do mundo material; o "fá" é de um verde-seda e desperta o sentiment.o poético pela natureza terráquea; o "si" é azul-celeste e se refere ao êxtase, à emoção espiritual. A composição musical em "dó maior" apresenta um fundo constante de Vermelho, que oscila entre o chamejante, claro, até à cor de sangue escuro; predomina ao olfato clarivi­dente a tonalidade de um perfume enérgico, parecido ao cravo; a tessitura astral é compacta no volume, áspera no tato e bem aquecida à recepção etérica. Sob tais aspectos, a música sob a regência de "dó maior" se manifesta para os espíritos primiti­vos do vosso mundo, livres no astral, como expressão sonora enérgica e mais ou menos física. No entanto, a composição em "fá menor", além de sua suavidade no campo físico para o ouvinte, no plano "etereoastral" manifesta sedativa e tranqüila mensagem pastoral, lembrando o perfume das rosas, as cores das campinas verdejantes e uma temperatura refrescante. É mais um convite à doçura e à poesia, enquanto a tonalidade "dó maior" expressa acentuada força algo física.

PERGUNTA: De que modo a música pode formar um con­dicionamento educativo na criança?

RAMATIS: As nossas comunicações não devem ser aceitas "ipsis literis", mas aproximadas da realidade marciana, pois examinamos assuntos complexos e muito além do vosso enten­dimento. Vemo-nos compelidos a vos expor o teor marciano sob dificultosa analogia terráquea, e é o que ora fazemos com relação à educação da criança sob a ação da música. Suponde que todas as lições morais, de educação, no tema "amor aos pássaros", sejam proferidas sob um fundo musical em "mi menor". Toda vez que a criança ouve melodias em "mi menor", o seu subconsciente desperta-lhe a afetividade espontânea pelos pássaros.

PERGUNTA: Em Marte, não se faz exceção à criança que traz o dom inato para a música?

RAMATIS: O estudo da música, em Marte, é tão imprescin­dível como a alfabetização no vosso mundo. No entanto, nem todos os que se alfabetizam, na Terra, se tornam escritores, ora­dores ou educadores excepcionais. Também nem todas as crianças marcianas efetuam realizações geniais na esfera da música, apenas porque estudam a música. As que manifestam dom inato são submetidas a testes evolutivos, a fim de ser iden­tificada a disposição mental predominante de outras vidas. Os "dons inatos", na realidade, em quaisquer latitudes, são apenas conquistas de existências anteriores.

Há que desenvolver fortemente a vontade num curso de adestramento psíquico, a fim de desenvolver a vidência astral. Damos-vos uma pálida idéia das contingências educativas, acentuando que só depois que a criança adquiriu pleno equilí­brio e absoluta familiaridade com todas as possibilidades cria­doras da mente, é que passa a agir na instrumentação objetiva dos sons. Evitam-se-lhe os motivos de sentimentalismo e os de natureza patética comuns aos terrícolas nas suas produções musicais.



PERGUNTA: Qual a natureza psicológica do artista marcia­no, no campo musical? Como se considera ele? Um criador, um improvisador ou imitador?

RAMATIS: Não há um tipo único e especifico, pois isto seria nivelar os prazeres humanos, mesmo em Marte. Existem de todos os matizes e operando em todas as expressões musi­cais.

PERGUNTA: Qual o tipo mais evolvido e que atrai maior admiração?

RAMATIS: É aquele que se considera um simples instru­mento vivo, capaz de receber pela via da intuição pura as melo­dias das altas esferas, traduzindo-as, no orbe, embora palida­mente, mas destituídas de qualquer expressão individual. A maioria de vossos compositores, embora se afirmem criadores ou inspirados, ainda não podem ir além de acanhados "arran­jos musicais" da realidade divina. Captam as harmonias celes­tiais e as transferem pela instrumentação, matizadas de suas emoções e hábitos psíquicos. O excelso artista marciano que atinge a maravilhosa função de "médium" puro da beleza sonora dos mundos superiores, atingiu um grau de sensibilida­de impossível na vossa concepção. A melodia toma-o como um canal vivo e pousa, exata, no instrumento superorquestral que serve para os grandes momentos sinfônicos. A sua alma tem a transparência do cristal perfeito e abdicou de qualquer'emoção pessoal. Vive, única e exclusivamente, para esses momentos santificados de beleza cósmica; é uma existência de absoluto franciscanismo à Harmonia Paradisíaca! Hipersensível, plásti­co, cristalino e puro, consegue sintonizar-se com a Mente Divina, perdendo o contato físico da forma, diluindo-se na mensagem etérea de sons, para revelar, em absoluto "transe" angélico, a mensagem excelsa das esferas superiores!

PERGUNTA: Não seria um inspirado improvisador?

RAMATIS: O improvisador ou mesmo o compositor tem os seus dias decepcionantes, as suas produções geniais ou ridícu­las. O virtuose marciano é filtro que melhora sensivelmente no contínuo intercâmbio com as melodias superiores. Quanto mais lhe flui a música do imponderável, na consciência perfeita de ser instrumento transmissor da pureza sonora, mais treinado se encontra para o futuro.

PERGUNTA: Esse artista parece-nos algo mecânico, um transmissor nobre e excepcional, sem dúvida, mas lembra-nos o carteiro terrestre que entrega a mensagem alheia sem dela tomar conhecimento. Estaremos exagerando?

RAMATIS: O carteiro terrestre entrega a sua mensagem sem tomar conhecimento do seu conteúdo, é verdade. Mas esse insigne artista marciano é um prolongamento vivo da própria melodia que lhe flui pela mente. Ele a entrega em sons, depois de haver assimilado o conteúdo mental. Os mais famosos artis­tas terrenos não sentem maiores emoções e nem as usufruem mais intensamente, porque a música, quase sempre, lhes é um acessório, enquanto o intérprete marciano vive realmente só em função da música. No vosso mundo, desaparece o prazer espiritual do artista que se esgota no instrumento, com a casa vazia, sentindo até uma ofensa à sua arte; sofre a cantora consa­grada, quando a velhice já lhe cansa a laringe; falta o fogo sagrado do entusiasmo ao solista que repete pela milésima vez a mesma melodia; inverte-se o prazer e a volúpia artística da pianista ovacionada pelo público, mas que tocou freneticamen­te, atacada por violenta cólica digestiva. Essas situações artísti­cas e aparentemente prazenteiras podem ser apenas situações de tédio e insatisfação dos seus executores. Se a arte terrena já

fosse realmente um estado permanente de volúpia e êxtase espirituais, revelando nas criaturas sentimentos e preferências "extraterrenas", tantos artistas não abandonariam os palcos e os seus instrumentos, em troca das vulgaridades do comércio e da indústria. A maioria dos vossos talentos artísticos são ape­nas produtos de hercúleos esforços de disciplina, perseverança, ânimo e incentivos de glórias, enquanto o virtuose marciano é "música viva" em toda a sua plenitude humana.



PERGUNTA: Existem orquestras sinfônicas, conjuntos musicais à semelhança dos nossos? Ou a música é executada de modo "sui generis"?

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