Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— E agora, Gabriel, o que será de nós?

Aconteça o que acontecer, estaremos juntos. Somos jovens, po­demos trabalhar, refazer nossas vidas de maneira clara, limpa.

— Que vergonha! Todos os nossos amigos vão nos desprezar!

— Nós não fizemos nada. Não somos responsáveis pelo que papai fez. Aqueles que não souberem separar as coisas não merecem nossa amizade. Agora, Laura, é que vamos conhecer quem são nossos verdadeiros amigos.

Laura olhou para Lanira, cujos olhos estavam cheios de lágrimas, e disse:

— Desculpe, Lanira. Você não nos abandonou.

— Nem abandonarei. Podem contar comigo. Ficarei ao lado de vo­cês para o que for preciso.

— Tenho que ir agora — disse Rubinho. — Passarei na delegacia e informarei o Dr. Marques que não encontramos os documentos aqui. Pode ser que ainda assim ele mande alguém vistoriar. Quero ver se evito isso.

— Obrigado, Rubinho. Aproveite para perguntar-lhe se apareceu alguma pista.

— Jonas está trabalhando direto no caso. Ele vai encontrá-los.

— E isso que me importa. Se alguma coisa acontecer com mamãe, nunca me perdoarei.

— Você não teve culpa de nada.

— Ele se aproveitou de minha ausência. Eu deveria ter ficado ao lado dela o tempo todo. Nunca deveria tê-la deixado só.

Rubinho estendeu a mão a Gabriel dizendo:

— Se souber de alguma novidade, telefono. Acalme-se. Desse jeito vai acabar doente.

— Também acho. Vou ficar aqui e tomar conta desses dois de ver­dade. Vai ver que nem comeram — tornou Lanira.

— Não tenho fome — justificou-se Laura.

— Com fome ou sem fome, vocês precisam alimentar-se. Vou pro­videnciar alguma coisa e vocês terão que comer.

Gabriel olhou para Lanira e havia tanta ternura em seus olhos que ele estremeceu. Naqueles dias Gabriel evitara falar de seus sentimentos com relação a ela. Nunca mais tocara no assunto.

Por outro lado, Alberto telefonava para ela diariamente convidando-a para sair. Ao lado dele, Lanira sentia-se bem. Aos poucos ele foi fi­cando mais à vontade e perdeu aquela reserva que lhe era peculiar.

Quando a sós com ela, tornava-se alegre, comunicativo, delicado, mostrando-se muito diferente do Alberto que ela conhecera no escritó­rio de Daniel. Aos poucos Lanira foi percebendo o lado romântico e afe­tivo que ele procurava esconder quando estava com outras pessoas. Às ve­zes, ela ficava pensando como ele seria se aquela tragédia não houvesse amargurado sua vida.

Percebia que a cada dia ele parecia mais interessado nela. Sentiu vontade de posicionar-se, evitar o namoro. Mas ao mesmo tempo a pre­sença dele a seu lado a atraía. Se o empurrasse para longe, tinha certeza de que ele a deixaria. Não queria que isso acontecesse.

A tragédia de sua vida tornara-o desconfiado e fechado. Sentia que ela era a única pessoa com a qual ele começava a mostrar-se mais confian­te e aberto. Recusar seu afeto levá-lo-ia de volta às antigas atitudes que o tornariam solitário e infeliz.

Lanira estava confusa. De um lado estava Gabriel, vivendo um dra­ma familiar. Sabia que ele não falara mais em seus sentimentos por causa da situação. Sentia vergonha por não poder oferecer-lhe um nome limpo, nem boas condições financeiras.

Ele tinha alma nobre, e, embora houvesse se calado, Lanira sentia que a cada dia mais e mais ele a amava. A maneira como a olhava, o jeito como lhe falava eram mais convincentes do que as palavras.

Ela gostava muito dele. Mas não sabia até que ponto. Era um misto de ternura e vontade de confortá-lo. Impressionava-a o amor que ele sen­tia pela mãe e a maneira correta e corajosa como estava enfrentando tudo.

Com Alberto, era uma espécie de desafio. Sua personalidade a atraía fortemente. Quando ele fazia alguma narrativa, ela ficava encantada, pre­sa às suas palavras, às expressões de seu rosto, às emoções que se refletiam nele quando se entusiasmava.

Ele a beijara algumas vezes desejando maior intimidade, mas Lanira esquivara-se delicadamente. Temia deixar-se arrastar pelas emoções e con­fundir ainda mais seus sentimentos.

Acontecera com Gabriel, não se arrependia. Fora boa experiência. Mas com Alberto tinha medo de envolver-se. Não se sentia com forças de tomar nenhuma decisão. Se tivesse que escolher entre os dois, não sa­beria o que fazer. Precisava deixar o tempo passar para descobrir.

Rubinho chegou à delegacia e colocou o delegado a par de sua diligência.

— Ele teve tempo de esconder tudo tentando retardar a ação da jus­tiça — disse Marques. — Não vai conseguir. Eleutéria teve a prisão de­cretada. Para encerrar o inquérito policial falta apenas a acareação que fa­remos com ela e Bóris, depois do depoimento de Pola, a amante dele, que foi intimada. Ela virá hoje à tarde e pretendo apertá-la dizendo que eles já confessaram sua participação.

— Gostaria de assistir.

— Pode ficar ouvindo na outra sala. Não quero que ela o veja. Um policial avisou que Alberto havia chegado e pedia para falar-lhes.

— Mande-o entrar. É bom que ele fique com Daniel e ouça também o interrogatório.

Depois dos cumprimentos, Alberto e Daniel foram para o lugar in­dicado, onde já havia um operador e um policial para gravarem tudo. Den­tro de alguns instantes teve início a conversa entre o delegado e Pola. Ele alegou que não adiantava ela negar, porque Bóris já havia confessado.

— Não pode ser. Ele não poderia ter dito uma mentira.

— Ele afirmou que quem depositava o dinheiro todos os meses na conta de Eleutéria era você.

— Não nego isso. Mas eu não sabia a verdade. Ele me dizia que era uma mesada que seu patrão mandava para a ex-empregada porque ela lhe prestara grandes serviços. Eu acreditei.

— Você se tornou cúmplice nos crimes que eles cometeram.

— Eu juro que não sabia de nada. Ele me pedia dizendo que não ti­nha tempo de ir ao banco, e eu ia. Não tenho nada a ver com essa histó­ria que aconteceu antes que eu conhecesse Bóris.

— Há quanto tempo tem relações com ele?

— Quinze anos.

— Em suas declarações, ele disse que você era sua confidente.

— Ele me contou algumas coisas da guerra, mas nunca falou dos ne­gócios de seu patrão.

Bateram na porta e a uma ordem do delegado Jonas entrou:

— Essa mulher está mentindo — disse com voz firme.

— Não estou. Juro que estou dizendo a verdade.

— Você estava com Bóris na Itália quando os pais de Marcelo mor­reram naquele acidente de barco. Ou melhor, Bóris hospedou-se no mes­mo hotel em que eles estavam e você foi para lá alguns dias antes e em­pregou-se como arrumadeira.

Pola empalideceu e começou a tremer. Jonas continuou:

— Não adianta negar. Descobrimos tudo. E melhor contar como foi que planejaram a morte do casal. Quem foi que preparou a lancha para que ela explodisse?

Pola cerrou os lábios e olhando-os com raiva disse:

— Podem falar o que quiserem. Não direi nenhuma palavra.

A partir dali, ela não respondeu a nenhuma pergunta. Marques man­dou que a levassem detida, colocando-a em uma sala fechada. Daniel e Alberto procuraram pelos outros dois:

— Essa história que você contou é verdadeira? — perguntou Da­niel a Jonas.

— É. Há algum tempo fizemos contato com a polícia italiana pedin­do informações sobre esse acidente. Mandamos fotos de José Luís, Maria Júlia, Bóris e Pola. Descobrimos que, quando o acidente ocorreu, Pola era arrumadeira no hotel em que Cláudio e Carolina estavam hospeda­dos. Era encarregada da arrumação dos aposentos deles. Foi ela quem aju­dou a arrumar todos os pertences dos dois para serem enviados aos fami­liares no Brasil.

— É muita coincidência! — interveio Alberto admirado.

— E mais do que coincidência. É prova de que o acidente foi pro­vocado — tornou Daniel.

— Ainda há mais! O casal era muito estimado pelos donos do ho­tel. Iam para lá quase todos os anos e mantinham relações de amizade com o casal de proprietários. A comida era planejada pela esposa do dono e quan­do recebiam esses hóspedes, ela fazia os pratos de que eles gostavam. Aca­bava recebendo carinho e pressente deles. Trocavam cartas e até telefone­mas quando eles estavam no Brasil. Foi o dono do hotel que, procurado pela polícia internacional e colocado a par do que estava acontecendo aqui, reconheceu o retrato de Pola, embora agora ela esteja mais velha. Ele de­clarou que sempre suspeitara que aquele acidente fora provocado.

— Ele disse isso à polícia na ocasião? — perguntou o delegado.

— Disse. A lancha era do hotel e estava sempre muito bem cuida­da. Ele aventou a hipótese de uma bomba, mas os peritos não descobri­ram nada que comprovasse isso.

— Se não foi bomba, o que poderia ter sido? — indagou Alberto.

— Estive conversando com um mecânico especializado em lanchas a motor e ele me disse que se eles fizessem uma ligação elétrica em curto que se comunicasse com o tanque de gasolina, ao ligar o motor ele explo­diria. Foi o que eles fizeram.

— Depois de tanto tempo será difícil provar isso na justiça. — dis­se o delegado.

— O dono do hotel reconheceu o retrato de Bóris, dizendo que ele se hospedara no hotel um dia antes do acidente. Ele se lembrava porque Cláudio o convidara para jantar em sua mesa naquela noite apresentando-o como empregado de seu primo que cuidava de seus negócios no Brasil.

— Naquele tempo meu avô já havia morrido e eles cuidavam mes­mo dos negócios da família.

— Não resta dúvida de que eles planejaram tudo. Mataram todos da família — concluiu o delegado.

— Obtive o atestado de óbito do Dr. Camargo — prosseguiu Jonas. — A causa mortis foi parada cardíaca. Quem assinou foi José Luís.

— Estamos diante de assassinos perigosos — comentou o delegado.

— Precisamos encontrá-lo — disse Alberto. — Precisa responder por esses crimes na justiça. Não pode ficar solto.

— Infelizmente ainda não temos nenhuma pista. Eles desapareceram. Vou continuar procurando. Para mim é um caso de consciência.

— O que vai fazer para Pola confessar? — indagou Daniel.

— O de sempre. Não deixá-la dormir nem descansar. Interrogar mil vezes, pressioná-la até que seus nervos não suportem mais. Estou certo de que ela sabe de tudo. Está querendo salvar a pele, mas está na lama até o pescoço.

— Isso mesmo. Ela vai acabar contando tudo. Agora temos que ir. Se tiverem alguma novidade, telefonem — disse Daniel despedindo-se.

Eles saíram. Daniel estava com pressa. Iria passar no escritório rapi­damente e ir para casa. Havia combinado encontrar-se com Lídia às sete e meia. Iriam assistir a uma sessão em casa de tia Josefa.

Capítulo 23


Alguns minutos antes das oito horas, Daniel e Lídia chegaram a casa de Josefa. Depois de abraçá-la eles foram para a sala de reuniões. Sur­preendido, Daniel viu que lá estavam Lanira, Laura, Gabriel e Alberto. Eles haviam se encontrado durante o dia e ninguém comentara a inten­ção de ir até lá.

Laura, abatida, olhava um pouco assustada para os outros partici­pantes sentados ao redor da mesa e nas outras cadeiras da sala. Nunca havia ido a uma sessão espírita. Gabriel costumava conversar com a mãe dizendo que via coisas, mas ela nunca se detivera para pensar nis­so. Não acreditava.

Tanto seu irmão e Lanira insistiram que ela concordara em ir até lá. Gabriel dissera-lhe que os espíritos viam tudo quanto acontece na Terra e poderiam, se quisessem, dizer onde seus pais estavam.

Assim que chegaram, depois de apresentá-la a Josefa, Gabriel pediu ajuda para descobrir o paradeiro dos pais. Queria saber se sua mãe estava bem. Ao que a dona da casa respondeu:

— Vamos pedir com fé e confiança e ver o que conseguimos.

— Eles dirão onde meus pais estão? — indagou Laura.

— Só se tiverem permissão de seus superiores.

— E se eles não quiserem dar? — insistiu Laura, pensando que essa resposta seria uma desculpa caso a informação fracassasse.

Josefa olhou-a nos olhos com firmeza e respondeu:

— Tudo no universo funciona obedecendo à ordem divina. Cada acontecimento tem sua razão de ser. Por isso, para interferir nesse proces­so eles precisam de permissão de quem conhece mais do que eles, para não atrapalhar o andamento das coisas. Nem sempre o que nós desejamos é o melhor para nós e para os outros envolvidos. A vida é mais sábia do que vocês podem imaginar. Tem seus próprios caminhos, mais perfeitos e adequados do que os nossos. Aceitar os fatos que não podemos mudar é pru­dente e sábio.

Laura calou-se e eles foram conduzidos à sala. Quando Alberto chegou, Laura fez menção de levantar-se. Gabriel segurou seu braço dizendo baixinho:

— Sente-se e fique quieta.

— Não sabia que esse aventureiro viria. Vou embora. Não posso fi­car na mesma sala que ele.

— Acalme-se. Está sendo injusta. Ele é que poderia não querer fi­car conosco aqui. Afinal foi o maior prejudicado. Se ele fica aqui apesar de nós, você também pode ficar.

Laura mordeu os lábios e não respondeu. Seria mesmo verdade tudo aquilo? Seu pai teria feito tantas maldades? Se ao menos ela pudesse ter certeza!

Tentou dominar a angústia. Sentia vontade de sair correndo dali, de gritar seu desapontamento, sua desilusão. Mas controlou-se. Não podia fra-quejar diante de estranhos e principalmente diante de seus inimigos. Apertou a boca com mais força quando viu Daniel entrar com Lídia. Sen­tiu-se acusada. Procurou não demonstrar. Eles não iriam ter o prazer de vê-la sofrer.

Josefa sentou-se à cabeceira da mesa, fez pequena prece, apanhou um livro e pediu a Laura que o abrisse ao acaso. Ela obedeceu e devolveu-o a Josefa, que leu:

— A fé remove montanhas.

Após ler o pequeno trecho do livro, Josefa falou sobre a fé, dizendo que ela é a força que alimenta o espírito. Que se juntarmos a fé em Deus à sinceridade e pureza de nossa alma, removeremos todos os obstáculos para nosso progresso e felicidade. Porém a fé só age com toda a sua força em nós quando estamos voltados à verdade e ao bem. Os conceitos da verda­de e do bem são relativos ao entendimento de cada um, contudo a verda­de é absoluta e o bem é o bem. Ambos independem de nosso relativismo, que ainda pode estar cheio de enganosas ilusões. Para destruí-las, a vida cria desafios para que a consciência descubra os valores eternos do espíri­to. Quando chegamos a esse ponto é que a fé e o bem possuem a força ir­resistível que transporta montanhas.

As luzes apagaram-se, ficando acesa apenas pequena lâmpada azul. Uma médium começou a falar:

— Finalmente encontramo-nos. Tenho procurado falar com você, mas nunca me deu atenção. Esqueceu nosso trato. Preciso que me ajude! Eles pensam que estou morta, mas é mentira. Tenho gritado que estou viva, mas parece que não me ouvem.

— Você está viva — disse Josefa —, mas seu corpo morreu.

— Não acredito. Como pode ser isso? Eu sou a mesma. Por que não me entendem?

— A vida continua depois da morte do corpo. Você morreu, mas seu espírito vive.

— Não pode ser verdade! Laura, fale comigo, diga que aquele acidente não me matou. Eu estou viva!

Laura estremeceu enquanto seu coração se descompassava. Sentiu arrepios pelo corpo enquanto em sua mente aparecia o rosto de sua cole­ga de colégio morta em um acidente de carro dois anos antes.

Assustada, segurou a mão de Lanira, que estava a seu lado apertando-a com força. Vendo sua aflição, Lanira sussurrou a seu ouvido:

— Calma, Laura. Está tudo sob controle. Não tenha medo. A médium continuava:

Sou jovem, quero viver! Por que tudo aconteceu comigo?

— Vamos orar em favor dela — pediu Josefa aos presentes. Aos poucos a médium diminuiu os soluços e por fim disse:

— Agora estou percebendo o que me aconteceu. Sinto-me melhor. O pesadelo acabou. Obrigado, Laura, por ter me trazido aqui.

— Vá em paz. Deus a ilumine — disse Josefa.

O silêncio se fez. Pouco depois outra médium começou a falar sobre os desafios da vida que promove a renovação espiritual de cada um, colo­cando-os frente a frente com suas necessidades de progresso. Por fim, res­saltou a importância da fé e da confiança em Deus. Quando ela se calou, Josefa fez ligeira prece de agradecimento e encerrou a reunião.

Quando a luz acendeu, Josefa aproximou-se de Laura oferecendo-lhe um pouco de água, dizendo:

— Beba.

Laura obedeceu e depois perguntou:



— Mencionaram meu nome. Estavam falando comigo?

— Sim.


— Como pode ser se a pessoa que falava nem me conhecia? Como sabia meu nome?

— O médium não a conhecia, mas o espírito que se comunicou por meio dele estava com você. Trata-se de uma jovem de estatura média, ca­belos castanhos lisos, pele clara e olhos cor de mel. Morreu em um aci­dente. Vocês eram muito amigas tempos atrás.

— Milena! Minha colega de ginásio. Morreu há mais de dois anos em um desastre de carro. Ela era como você disse. E extraordinário!

— Ela disse que vocês tinham um trato. Lembra-se?

— Lembro. Fizemos um pacto de amizade. Estaríamos sempre em contato. Fiquei muito chocada com a morte dela. Apesar da promessa, fui a seu túmulo só no dia do sepultamento, depois nunca mais voltei. Será que foi por isso que ela disse que não cumpri nosso trato?

— Não. Ela se encontrava em estado de semiconsciência. Nem se­quer sabia que havia morrido.

— Como pode acontecer isso?

— Resistência às mudanças. Medo de perceber a verdade. Falta de conhecimento sobre a vida após a morte. É comum acontecer com pessoas muito apegadas à vida na Terra, aos familiares e aos bens que deixaram.

— Ela disse que eu a trouxe aqui. Como?

— Apesar de perturbada, ela percebeu que precisava de ajuda. Pro­curou a família mas ninguém a ouvia. Você era a amiga e confidente, fi­cou de seu lado tentando falar-lhe. Hoje, aqui, pôde ser esclarecida. Os ami­gos espirituais aproximaram-na de um médium, e, ao ser envolvida pela energia dele, ela se sentiu como se ainda estivesse no corpo de carne. Pôde falar através dele e ser ouvida. Nesses momentos, reassumiu a lucidez e pôde compreender melhor o que lhe aconteceu.

— E agora, o que acontecerá a ela?

— Ficará sob a proteção e orientação dos bons espíritos, que a leva­rão para o lugar apropriado.

— Ela não ficará mais a meu lado?

— No momento, não. Se um dia estiver bem, poderá visitá-la.

— Preferia que não. Senti medo. Josefa sorriu levemente.

— Ela gosta de você. Nunca lhe fará mal.

— Eu sei. Mas prefiro que ela não venha. Sofri muito por causa do acidente dela. Tive pesadelos em que a via ensangüentada pedindo aju­da. Um horror! Sempre que pegava o carro, lembrava-me do acidente e tinha medo de dirigir.

— Você ficou impressionada, mas agora isso vai passar. A presença dela a seu lado provocava essas emoções e os pesadelos. Ela passava para você toda a angústia e o medo que sentia. Tenho certeza de que essas im­pressões vão desaparecer.

— Ainda bem. Gabriel interveio:

— Eles não disseram nada sobre nosso caso.

— Não diretamente — respondeu Josefa. — Mas o tempo todo pe­diram que tivessem fé e continuassem orando. Eles estão ajudando. Va­mos aguardar mais um pouco.

Alberto aproximara-se de Daniel e Lídia. De vez em quando olhava para Lanira sem coragem de se aproximar, uma vez que ela fora com Ga­briel. Daniel despediu-se e saiu com Lídia. Alberto os seguiu.

— Gostaria de falar com Lanira, mas ela está com Gabriel. Talvez não seja oportuno — comentou ele quando chegaram à rua.

Lídia sorriu dizendo:

— Pelo jeito você está com ciúme.

— Talvez — reconheceu ele. Depois, vendo que Daniel olhava-o sé­rio, completou: — Gostaria de falar com você sobre Lanira. Temos saído algumas vezes como amigos, mas confesso que ela me atrai muito.

— Lanira é muito jovem. É cedo para pensar nisso — respondeu ele.

— Agora é você quem está com ciúme — brincou Lídia. — Lanira é mulher feita e sabe o que quer.

— Nunca se interessou por ninguém — disse Daniel querendo en­cerrar o assunto, que o desagradava. — Até hoje não quis namorar firme.

— Eu sei — concordou Alberto. — Compreendo sua intenção de protegê-la. Mas eu garanto que minhas intenções são sérias. Gostaria que soubesse que estou disposto a conquistá-la, e se ela me quiser serei mui­to feliz.

Daniel fez ligeiro aceno com a cabeça e em seguida despediu-se de Alberto. Assim que se afastaram, Lídia foi direto ao assunto:

— Você não foi muito amável com Alberto.

Como cliente eu o suporto, mas não o quero na família.

— Por quê? Parece-me um bom rapaz. Sua atitude com você foi correta.

— Por que o defende? Estará do lado dele?

Lídia olhou-o surpreendida. Daniel nunca usara esse tom áspero com ela antes.

— Desculpe, não quis me envolver em assuntos que não me dizem respeito.

Daniel pegou a mão dela e beijou-a, dizendo triste:

— Sou eu quem deve pedir desculpas. Fui grosseiro. É que não gosta­ria que Alberto namorasse Lanira. Isso me incomoda, deixa-me nervoso.

— Vamos esquecer o assunto. Afinal eu não deveria ter dito nada. Gabriel, Lanira e Laura ficaram algum tempo conversando com Josefa. Laura estava se sentindo muito melhor. A desconfiança desaparece­ra e dera lugar à curiosidade.

Gabriel não queria estar ausente de casa durante muito tempo.

— Temos que ir. Tenho esperança de que mamãe telefone.

Despediram-se combinando voltar na semana seguinte. Levaram La­nira para casa e no caminho de volta Laura crivou o irmão de perguntas sobre as experiências dele. Descobriu que Gabriel vira o espírito do Dr. Ca­margo, entre outros.

— Eu não quero ver nada. Tenho medo.

— Essas coisas não acontecem por vontade nossa.

— Deus me livre! Não quero nada com almas dos mortos. Gabriel riu e considerou:

— Você não queria, mas Milena estava a seu lado. Você acha que não querendo é o suficiente para não acontecer. Engana-se. Eles aparecem quando podem ou querem e você não tem como evitar.

— E se ela me aparecer?

— Ela foi embora, não vai acontecer. Pois eu queria muito que o es­pírito do Dr. Camargo viesse para me dar notícias de mamãe. Não tenho medo nenhum, ficarei até muito agradecido.

Uma vez em casa, cada um foi para seu quarto. Antes de dormir, Ga­briel rogou a Deus que o ajudasse. Deitou-se e dormiu. Sonhou que alguém o perseguia, querendo matá-lo. Correu tentando esconder-se, tentou acor­dar mas não conseguiu mexer o corpo.

Apavorado viu o vulto escuro do perseguidor entrar em seu quarto, quis gritar mas a voz não saiu. Em pensamento rezou pedindo ajuda de Je­sus. Imediatamente apareceu no quarto uma luz clara e em seguida o Dr. Camargo entrou. Seus olhos brilhavam como faróis acesos. Vendo-o, o vul­to escuro encolheu-se a um canto enquanto a um gesto do Dr. Camargo duas pessoas que estavam atrás dele aproximaram-se do vulto, seguraram-no e levaram-no.

Gabriel respirou aliviado. O Dr. Camargo aproximou-se dele e colo­cou a mão sobre sua testa, dizendo:

— Tudo está bem agora. Continue orando com fé. Nós estamos aju­dando vocês.

Ansioso, Gabriel pensou na mãe, e antes que formulasse qualquer per­gunta o espírito disse:

— Ela está protegida. Confie.

Ele desapareceu e Gabriel finalmente conseguiu mexer o corpo. Le­vantou-se de um salto. Seu corpo estava coberto de suor. Foi à copa, to­mou um copo de água e respirou fundo.

Tinha certeza de que fora mesmo o Dr. Camargo que estivera ali. Ele lhe disse que sua mãe estava protegida. Respirou aliviada. Naquele momento sentiu que nada de mal aconteceria a ela. Comovido, levou seu pen­samento a Deus em agradecimento.

No dia seguinte logo cedo ligou para Lanira e contou-lhe o sonho e finalizou:

— Sinto-me aliviado. Tenho certeza de que nada de mal acontece­rá com mamãe.

— Ele poderia ter dito onde eles estavam.

— Não creio. Ajudar de fato é difícil. Depois, a vida tem seus pró­prios meios. Eles sabem que intervir em muitos casos pode piorar o pro­cesso. Por isso só o fazem quando têm permissão dos superiores. Mas ele nos garantiu ajuda e proteção. Para mim é suficiente.


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