Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— Você tem fé.

— Tenho. Sabe, Lanira, a presença dos espíritos bons em minha vida tem sido constante. Sei que a proteção deles é preciosa. Agradeço a Deus poder tê-los do nosso lado agora. A presença do Dr. Camargo trou­xe-me alívio e esperança.

— Gostaria de ser como você. Eu acredito, mas não com essa força. E Laura, está mais calma?

— Sim. Acordou menos abatida. Ainda está maravilhada com a co­municação de Milena. Não fala em outra coisa.

— É natural. Está descobrindo a vida após a morte.

— Ela sempre foi indiferente a qualquer crença.

Eles continuaram conversando durante algum tempo mais. Maria Alice passou pelo corredor e ouviu algumas palavras. Quando Lanira des­ligou o telefone, ela entrou no quarto perguntando:

— Era Gabriel?

— Sim. Você acredita que o espírito do Dr. Camargo está ajudan­do Gabriel?

— Não diga! Será? Como é que você sabe disso?

Lanira pediu à mãe que se sentasse a seu lado e contou-lhe os fa­tos da noite anterior, o sonho de Gabriel. Quando finalizou, Maria Ali­ce disse:

— Estou toda arrepiada! Que coisa! Será que a pessoa que falou como se fosse Milena não estava fingindo?

— De forma alguma. Por que faria isso? Depois, nenhum dos ami­gos de tia Josefa que freqüenta as sessões conhecia Laura e muito menos Milena. Como poderiam falar de coisas que só Laura e ela sabiam? Era a primeira vez que Laura ia lá

— É inacreditável! Eu me recordo quando Milena morreu. Conhe­ci-a. Era uma bonita moça. Você se lembra dela?

— Vagamente. Mas Laura garante que ela era mesmo como a tia descreveu.

— Josefa sempre disse que via espíritos. Nunca acreditei. Mas agora...

— Ela vê mesmo, mãe. Acha que ela conheceu Milena?

— Não. Josefa não gostava de freqüentar a casa de nossos amigos. Sempre foi avessa às formalidades. Estava sempre às voltas com pessoas que não eram de nosso círculo. Minha mãe ficava muito irritada com ela. Não creio que ela a houvesse conhecido. Quando ela se casou, Milena nem ha­via nascido. Aí ela se afastou mesmo de todos nós.

— Se ela não a conheceu em vida e a descreveu a Laura, só pode tê-la visto agora, como espírito. Não acha?

— Isso é o que está me intrigando. Será que Josefa vê os espíritos mesmo?

— Não tenho nenhuma dúvida, mãe. Muitas vezes depois das ses­sões ela descreve alguns espíritos para as pessoas dando o recado que eles pediram.

— É incrível. Não sei o que pensar. Lanira sorriu e respondeu:

— Pois não pense. Vá assistir a uma sessão e certifique-se.

— Talvez vá. Ultimamente tenho pensado muito. Até agora tenho levado uma vida futil e sem prazer. Estou procurando alguma coisa nova que me estimule a viver. Ando cansada da falsidade das pessoas, dos jo­gos que elas fazem para obter o que querem, das mentiras e da desonesti­dade. Resolvi não participar mais desse jogo sujo. Quero mudar.

Lanira abraçou a mãe dizendo séria:

— Ainda bem que entendeu. Há muito que sinto a mesma coisa. Tia Josefa é a pessoa certa para você conseguir o que deseja. Por que não a procura?

— É o que tenho feito nas últimas semanas. Ela tem sido muito bon­dosa comigo. Depois de nossas atitudes grosseiras nos afastando dela, re­cebeu-me e tem me tratado como se eu sempre a tivesse respeitado como deveria.

— Ela é uma pessoa maravilhosa. Por isso você tem estado tão mu­dada. Está mais viva, mais interessada, perdeu aquele ar de indiferença, humanizou-se. Fico feliz por você.

Maria Alice olhou-a nos olhos e disse séria:

— Essa mudança tem um preço. Eu espero que você e Daniel não se aborreçam comigo por causa disso.

— Nós? Por quê?

— Olhar a verdade nem sempre é agradável. Você descobre coisas e, depois disso, não suporta mais viver enganada.

— Está falando da carta anônima?

— Estou falando de minha vida afetiva. Há muito que ela foi sufo­cada. Olhar a verdade pode trazer à tona coisas que podem mudar minha vida radicalmente.

— Você tem o direito de escolher como deseja viver. Nós não temos nada com isso. Pensa em separar-se de papai?

— Não pensei nisso ainda. Por enquanto estou querendo descobrir meus verdadeiros sentimentos. Às vezes sinto medo do que irei encontrar.

— Sei como é isso. De certa forma estou na mesma situação. En­tre Alberto e Gabriel, não sei ainda de qual eu gosto mais. Nesse caso, mãe, acho que nós precisamos esperar um pouco mais para que a situa­ção se esclareça.

— Tem razão, minha filha. Vamos esperar. Quando é que será a pró­xima sessão de Josefa?

— Na terça que vem.

— Acho que irei com você.

As duas continuaram conversando animadamente. Antônio, que na­quela manhã ficara em casa para estudar melhor um discurso que preten­dia fazer logo mais à tarde, passou pelo corredor, pela porta entreaberta viu as duas conversando animadamente e pensou:

"O que estaria acontecendo com Maria Alice? As duas nunca troca­vam mais do que algumas palavras. Agora ficam horas conversando. Ela tem estado intratável ultimamente. Era tão cooperativa! Alicia falou em menopausa. Será? As mulheres são tão cheias de complicações! Precisa­va insistir para que ela fosse ao médico. Talvez com um pouco de hormô­nios ela voltasse a ser como antes."

Resolveria depois. Não podia desviar a atenção de seu discurso. Era muito importante. Estaria falando para técnicos, teria que mostrar conhe­cimento e erudição. Felizmente Alicia fizera uma boa pesquisa do tema.

Alicia! Entrara em sua vida e tomara conta de tudo! A seu lado sentia-se seguro, forte, capaz! O seminário seria na Argentina. Depois da abertura e de seu discurso, estaria livre. Não se importava de perder os debates. Como representante do Brasil, participaria das solenidades de abertura, faria seu discurso no primeiro dia e só apareceria novamen­te três dias depois, no encerramento.

Depois de sua fala, daria muitas entrevistas para que os jornais se ocupassem de sua participação no evento. Garantiria assim seu prestígio no Brasil. Dessa forma, ficaria com alguns dias livres para passear com Alicia. Pretendia levá-la a uma casa de tangos, dançar um pouco e ver os shows. A viagem estava marcada para a tarde do dia seguinte. Não tinha muito tempo para se preparar. Fechou-se no escritório decidido a estudar.

Na tarde do dia seguinte, quando Antônio já com as malas prontas procurou Maria Alice para despedir-se, encontrou-a lendo no quarto. Aproximou-se dizendo:

— Vim despedir-me. Está na hora.

Maria Alice levantou os olhos do livro e disse com naturalidade:

— Boa viagem.

— Você parece aborrecida por eu ter que viajar.

— Engano seu. Já estou acostumada.

— Você sabe que não vou por prazer. Estou cansado dessas viagens. Preferiria ficar em casa, mas o dever me chama. Tenho que corresponder aos votos de meus eleitores.

— Não precisa fingir comigo. Não pretendo ser sua eleitora nas pró­ximas eleições.

Ele se irritou:

— Porque está tão agressiva?

— Não tive intenção. Mas conheço bem você. Discursar, aparecer, viajar com todas as mordomias oficiais é o que mais gosta de fazer. Está indo com prazer. Não vejo razão para fingir o contrário, ainda mais que vai em boa companhia.

— O que está insinuando?

— Nada que você já não saiba.

— Francamente, você está intolerável. Bem que me disseram: mu­lher na menopausa é triste. Por que não procura um médico?

Maria Alice fechou o livro, levantou-se e encarou-o firme:

— Foi a sua adorável secretária quem disse isso?

O rosto dele coloriu-se de intenso rubor. Tentou disfarçar o susto:

— Estou indignado! Está falando de uma senhora respeitável e mui­to competente. O fato de Alicia trabalhar não lhe dá o direito de impli­car com ela.

— Que injustiça! A secretária exemplar, perfeita. Vá, Antônio, não a deixe esperar muito. Podem perder o avião.

— Vou mesmo. Não sei o que está acontecendo com você. Franca­mente. Não dá mais nem para conversar.

Ele saiu e Maria Alice deixou-se cair no sofá. Estava indignada. Tanta falsidade enojava-a. Lá ia ele representar o papel de pai de famí­lia exemplar, de político digno, do homem correto, interessado no pro­gresso do país.

A verdade era bem outra. Ele era como um sanguessuga do povo que dizia representar e servir, mau marido, péssimo político, interessado ape­nas em manter o próprio prestígio a todo custo.

Maria Alice sentia que havia perdido o respeito por ele. Estava difí­cil continuar convivendo. A cada dia, ela via aumentar mais a distância que os separava. Começava a perceber que não poderia mudar sua vida e continuar fechando os olhos para as falcatruas do marido. As duas coisas eram incompatíveis.

Respirou fundo. Ainda não havia divórcio no Brasil. Tornar-se desquitada era ser desrespeitada pela sociedade. Quase sempre os maridos da­vam em cima da desquitada e as esposas afastavam-se dela com receio da concorrência.

Aos homens tudo era permitido. Ter amantes era chique, sinal de masculinidade. No desquite, mesmo quando o homem era o culpado, a mu­lher, de uma forma ou de outra, acabava sempre sendo responsabilizada.

Se ela quisesse libertar-se do marido, teria que enfrentar essa situa­ção. Precisava avaliar bem até que ponto suportaria. Estava resolvida a dar outro rumo à sua vida, mas ainda não sabia se estava preparada para ser olhada como uma mulher fracassada, que não soubera manter o casamento.

Depois, havia os filhos. Lanira ainda não se casara. Não tinha o di­reito de atrapalhar o futuro dela. Teria que agüentar pelo menos até que ela se casasse. Depois pensaria novamente no assunto.

Apanhou o livro, sentou-se e reiniciou a leitura.


Capítulo 24
Jonas entrou na sala do Dr. Marques na delegacia dizendo:

— Encontramos o bicho.

O delegado levantou-se satisfeito e perguntou:

— José Luís?

— Sim.

— Onde eles estão?



— Em uma vila perto de Assunção, Paraguai.

— Como descobriu?

— A princípio direcionei as buscas para a Europa, você sabe: as pas­sagens para Roma, depois para Estados Unidos, etc. Como ele teve tem­po para fugir, imaginei que houvesse procurado ir para bem longe. Mas es­tava enganado. Foi um agente que trabalha junto à nossa embaixada em Assunção quem descobriu tudo. Tinha visto as fotos na central de polí­cia. Ouviu uma mulher conversando no mercado dizendo que estava tra­balhando para um homem muito distinto, que pagava muito bem. Só que não lhe permitia entrar além da cozinha, dizendo que sua esposa era doen­te dos nervos e não suportava ver ninguém. Pedira-lhe segredo porque, se os médicos descobrissem-na, internariam-na. O agente desconfiou dessa história e, quando ela se foi, seguiu-a. Era um sítio, em uma pequena vila há uns quatro ou cinco quilômetros da cidade. Escondeu-se na mata para observar. Queria ver quem era. Não conseguiu ver ninguém. Apenas a mu­lher indo e vindo, lavando as roupas e estendendo-as no varal. Eram rou­pas finas, o que aumentou as desconfianças dele. Foi embora decidido a investigar melhor. Naquela hora não pensou nas fotos que havia visto na polícia. Estava mais interessado em contrabando, que era sua especialida­de. Voltou lá no dia seguinte e resolveu ver o homem. Bateu na porta e a empregada foi abrir.

— "Quero falar com o dono da casa."

— "Ele não atende ninguém."

— "A mim ele vai atender. Abra a porta. Sou da polícia."

— Ele foi entrando assim que a mulher assustada abriu. Apareceu um homem magro, com barba e bigode, maneiras educadas e afáveis.

— "O que deseja?" — perguntou.

— "Seus documentos e os de sua mulher."

Ele foi buscar e os apresentou. O policial verificou que estavam em ordem.

— "Quero saber qual é seu ramo de negócio e por que vocês vieram ao Paraguai."

— "Estou aqui por causa de minha mulher. Ela está muito doen­te. Precisei afastá-la de todos. Queriam que eu a internasse, mas não tive coragem. Eu a amo muito. Um médico me orientou e estou ten­tando tratá-la."

— "Quanto tempo pretende ficar neste país?"

— "Depende do estado dela. Felizmente está melhorando. Lentamen­te, mas está."

— "Está bem. Obrigado pelas informações."

— Ele- se retirou decidido a esquecer o assunto. O caso era sem im­portância. Tinha outros mais relevantes a resolver.

— Quando foi que ele descobriu a verdade? — indagou Marques.

— Alguns dias depois. Foi à polícia e casualmente o delegado esta­va com as fotos sobre a mesa. Eu havia ligado e feito novo pedido de bus­ca. Vendo as fotos, o agente recordou-se do homem que visitara. Apesar de a barba e o bigode modificarem a fisionomia e os cabelos serem mais curtos, os olhos, o formato da testa e principalmente a expressão do ros­to eram muito semelhantes. Contou ao delegado e resolveram conferir. Quando saíram da delegacia, passaram em frente ao mercado, a mulher estava lá conversando com a amiga. O agente abordou-a perguntando pelo casal.

— "As coisas não vão bem lá. Acho que ela piorou — respondeu ela, satisfeita por estar em evidência diante da amiga. — Hoje mandaram-me arrumar tudo porque eles vão embora. Acho que não voltam mais. Disse que eu posso morar na casa porque o aluguel está pago por dois meses ain­da. Isso que é gente boa."

— Os dois saíram e imediatamente juntaram alguns homens e foram até lá. Estava anoitecendo. Bateram, mas como ninguém respondesse, ar­rombaram a porta. Não havia ninguém. Foram até o quarto e a porta es­tava fechada. Bateram, mas não obtiveram resposta. Arrombaram. Sen­tada na cama estava uma mulher pálida, magra, mas que eles reconhece­ram como a da foto. Vendo-os, começou a chorar. Um dos tornozelos es­tava preso por uma corrente e um cadeado na grade da cama. O delega­do lhe perguntou:

— "Onde está o homem?"

— Trêmula ela respondeu:

— "Ele saiu. Tem um avião fretado e voltará para buscar-me. Desta vez quer levar-me para muito longe. Por favor! Não deixe. Não quero ir. Quero meus filhos!"

— D. Maria Júlia soluçava presa em crise nervosa e o agente abra­çou-a recomendando:

— "Calma. Estamos aqui para ajudá-la. Somos da polícia. Como é seu nome?"

— "Graças a Deus. Sou Maria Júlia Camargo. Meus filhos estão à mi­nha procura no Brasil. Ele me ameaçou de morte, obrigou-me a segui-lo. Quero ir para casa."

— "Vamos libertá-la e providenciar. Tem idéia do lugar aonde ele foi?"

— "Não sei o nome do lugar. Mas ele voltará, com toda certeza. Está louco. Não quer me deixar."

— "Nesse caso, vamos preparar tudo para quando ele chegar" — re­solveu o delegado.

— Mandou que escondessem o carro e apagassem os vestígios da pre­sença deles. Libertou Maria Júlia da incômoda corrente. O tornozelo dela estava ferido e inchado. José Luís entrou sem desconfiar de nada, então foi preso. Não teve como reagir. Estão na embaixada à nossa disposição.

— É uma grande notícia. Vamos avisar a imprensa e mobilizar tudo para recebê-los.

— Vou ligar para Gabriel. Nunca vi um filho tão amoroso!

— Nem parece filho daquele canalha!

Jonas apanhou o telefone e discou. Gabriel atendeu logo. Ele deu a notícia e o rapaz ficou mudo do outro lado da linha.

— Está ouvindo, Gabriel? Nós os encontramos. Sua mãe está bem. Tudo está sob controle. Logo estarão de volta.

Gabriel respirou fundo, a voz sumira de sua garganta, não conseguia articular palavra. Por fim, disse com voz abafada:

— Finalmente! Ela está bem mesmo?

— Está. Foram localizados no Paraguai. Pode comemorar. Dentro de algumas horas para o cumprimento das formalidades, eles estarão aqui.

— Ele vai voltar para casa?

— Não. O delegado já fez a denúncia e conseguiu uma ordem de prisão preventiva para ele. Pode ficar sossegado, que desta vez ele não vai escapar.

— Eu gostaria de ir até lá para vê-la. Posso conseguir passagem ago­ra mesmo.

— Não precisa. Ela está aos cuidados da embaixada e muito bem. O médico deu-lhe um calmante e ela está descansando. Sua volta não vai demorar nada. Estarão aqui dentro de mais algumas horas.

— Nesse caso vou preparar a casa para recebê-la com flores e alegria. Estou muito feliz. Obrigado, Jonas, por tudo. Você tem sido incansável. Deus o abençoe.

— Amém — respondeu ele tentando disfarçar a emoção.

Quando Daniel e Rubinho chegaram, meia hora depois, alguns jor­nalistas avisados por seus colegas do Paraguai já estavam na porta da de­legacia e correram assim que os viram descer do carro, tentando obter in­formações. Daniel foi logo avisando:

— Encontraram o Dr. José Luís e esposa. Viemos nos inteirar dos de­talhes. Tenham um pouco de paciência.

— Queremos saber tudo — disse um.

— Os dois foram presos? — indagou outro.

— Não. Só ele por haver seqüestrado a mulher e por não se apresen­tar à justiça — esclareceu Rubinho.

Enquanto caminhavam com dificuldade cercados por eles, Daniel garantiu:

— Vamos nos inteirar dos fatos e ao sair informaremos. Entraram e lá já encontraram Gabriel ansioso por maiores detalhes.

Laura ficara em casa, nervosa, sem saber o que fazer. Lanira estava com ela cuidando para que tudo estivesse em ordem quando Maria Júlia che­gasse. Providenciou flores e pediu à cozinheira para fazer os pratos favo­ritos da dona da casa.

Foi com revolta que Gabriel ficou sabendo dos detalhes da prisão de José Luís. Não se conformava com o fato de seu pai tê-la acorrentado à cama. Era o cúmulo da maldade.

Só isso bastava para que ele ficasse preso por muito tempo. Gabriel estava ansioso para abraçar a mãe e certificar-se de que ela estava bem.

O dia decorreu entre as providências necessárias para a volta do ca­sal. A polícia paraguaia fizera um boletim de ocorrência endereçado à po­lícia brasileira, registrando todos os fatos, inclusive as declarações de Ma­ria Júlia. Foram diversos telefonemas, e Gabriel, depois que conversou com a mãe, sentiu-se mais calmo.

Era noite já quando o delegado disse a Gabriel:

— Vá para casa descansar. Um avião especial sairá daqui logo mais com dois agentes para buscá-los, mas só levantará vôo de volta lá pelas seis ou sete horas da manhã. Sabe como é. Há certa burocracia.

— Prefiro esperar. Não vou conseguir dormir.

— Também eu irei para casa. Mas assim que eles levantarem vôo vão nos avisar e imediatamente ligarei para você.

Gabriel acabou concordando e foi para casa. Passava das dez quan­do ele levou Lanira para casa. Durante o trajeto ia calado. Lanira tentou conversar:

— Agora tudo vai ficar esclarecido.

— É. Não vejo a hora que acabe esse pesadelo.

— Vocês precisam ser fortes. Ainda têm o processo. Seria bom que pudessem viajar, afastar-se até que tenha acabado.

— É impossível. Você esquece que minha mãe também está envol­vida? Nenhum de nós vai poder afastar-se daqui.

Quando ele parou o carro em frente a casa dela, disse:

— Desejo agradecer tudo que tem feito por nós. Você tem sido ma­ravilhosa. Mas daqui para a frente prefiro que se afaste. Não quero que se envolva nesse escândalo.

— Já estou envolvida, Gabriel. Como pode dizer uma coisa dessas? Acha que eu poderia?

Ele segurou as mãos dela, apertando-as com força. Seus olhos esta­vam marejados e sua voz trêmula quando respondeu:

— Deus sabe como eu gostaria que tudo isso fosse mentira para po­der dizer o que vai em meu coração. Mas não posso. O amor que sinto por você me faz dizer que entre nós nada mais é possível. Meu pai será con­denado, nosso nome já está na lama, nosso dinheiro passará para o legíti­mo dono. Estou pobre, desonrado, não tenho nem profissão. Não posso arrastá-la a uma situação dessas. Estou sendo sincero.

— Você está tomando uma decisão por mim, sem saber se estou de acordo.

— Quero preservar você. Logo encontrará alguém melhor do que eu, que a ame e possa oferecer-lhe uma vida estável, digna.

— Não estou à procura de ninguém, muito menos de um casamen­to de conveniência. Aliás, nem pensei ainda em casamento.

— Você já recusou meu pedido uma vez. Talvez não me ame nem de­seje ficar comigo. Mas tudo mudou em minha vida. Não quero que a lama em que estamos mergulhados respingue em você, prejudicando-a.

— Quem decide minha vida sou eu. Não lhe dou o direito de esco­lher por mim. Vá descansar, está precisando. Boa noite!

Beijou-o com carinho na face e desceu do carro. Gabriel apertou a direção do carro com força. Amava Lanira. Sentia que ela era a coisa mais

importante de sua vida. Ela era jovem e inexperiente. Poderia deixar-se levar por um sentimento de pena e isso o horrorizava. Estava decidido a sair do caminho dela de uma vez.

A partir do dia seguinte os acontecimentos se precipitaram. Maria Jú-lia, abatida, prestou declarações na delegacia, confirmando as que fizera no Paraguai. José Luís ficou preso e fechou-se no mais completo mutismo. Não quis falar nada sem um advogado. Não lhe foi difícil encontrar um que o defendesse. O caso era de destaque. Vários advogados oferece­ram-se e ele pôde até escolher. Juntos estiveram durante horas para que se inteirasse do caso.

Diante dos fatos novos, com base no inquérito policial, a promotoria pública entrou com recurso para que a sentença que reconhecia a iden­tidade de Alberto fosse mantida em suspenso até que todos os fatos que envolviam o caso ficassem bem esclarecidos. Pediu a abertura de um processo-crime contra José Luís como suspeito do assassinato de Cláudio e Carolina. Por haver fugido, José Luís não conseguiu habeas corpus. Ficaria pre­so até o julgamento.

Maria Júlia, abatida e nervosa, apoiada pelos dois filhos, mantinha-se fechada em casa e não recebia ninguém, com exceção de Maria Alice e Lanira, que iam visitá-los tentando confortá-los, e dos dois advogados, interessados em defendê-la no processo.

Isso irritou Antônio, que tentou de todas as formas impedi-las de ir a casa deles.

— Isso é um absurdo! Vocês se misturando com eles! Podem ser vis­tas. Já pensaram que horror? Como é que eu fico? Não posso permitir. Te­nho um nome a zelar.

Maria Alice deu de ombros, dizendo:

— Maria Júlia é minha amiga há anos. Nem ela nem os filhos são culpados. Ao contrário, foram vítimas dos crimes que José Luís cometeu. Fazer isso seria penalizá-los duas vezes. Não vou cometer essa injustiça.

— Não é possível falar com você. Pretende arruinar-me. Por que está fazendo isso comigo?

— Não estou fazendo nada contra você. Estou apenas agindo de acordo com meu coração. Se isso o contraria, sinto muito, mas não vou transigir.

— Sua mãe está perdendo o juízo — disse voltando-se para Lanira. — Não é mais a mesma. Parece outra pessoa.

— Engana-se, papai. A de antes é que era outra pessoa. Você agora está diante da verdadeira mulher. Ainda não percebeu? Ela está dizendo o que sente.

— Nem tudo que sentimos podemos dizer. Há regras a serem segui­das, prioridades a considerar. É loucura sair por aí dizendo tudo que se quer. Se eu fizesse isso, logo alguém me internaria.

— Se você fizesse isso — contrapôs Maria Alice —, talvez conseguis­se perceber o que até agora ainda não viu. Talvez ainda conseguisse rea­ver a dignidade e o respeito das pessoas que tanto pretende conquistar.

— Não disse? Não dá para conversar. Você me agride sem motivo. Lanira, pelo menos você vê se consegue convencê-la a atender o que es­tou pedindo.

— Não posso fazer isso porque penso como ela. Que argumentos te­ria para convencê-la? Você expulsou Daniel de casa porque ele decidiu acei­tar essa causa. Ele enfrentou a situação e provou que estava certo. Hoje tem nome como profissional e dá para perceber que é apenas o começo de uma brilhante carreira que lhe trará posição e dinheiro. Se ele houves­se obedecido à sua orientação, onde estaria agora?

— O que é isso? Uma rebelião organizada dentro de minha própria casa? Meu Deus! Onde nós estamos?

— Estamos aqui ainda. Espero que possamos continuar convivendo educadamente — tornou Maria Alice.

— Sempre fui um homem educado.


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