Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



Yüklə 1,94 Mb.
səhifə29/35
tarix02.03.2018
ölçüsü1,94 Mb.
#43800
1   ...   25   26   27   28   29   30   31   32   ...   35

— Nesse caso não temos mais nada para conversar. Irritado, Antônio saiu batendo a porta. Lanira comentou:

— Ele nunca vai entender, mãe.

— Esse é um problema dele. Não estou fazendo nada que possa des­respeitar nossa família nem prejudicá-lo. Apesar de tudo que ele faz, tra­to-o com respeito e consideração. Sou esposa fiel, cumpridora de meus deveres com a minha família. Entretanto não estou mais disposta a fazer coisas que me desagradam. Se ele não pode entender isso, paciência.

Lanira abraçou a mãe dizendo:

— Você tem todo o direito de preservar seus sentimentos. Ninguém pode passar por cima deles sem ferir profundamente a própria dignidade.

— É isso. Vamos embora. Maria Júlia ontem estava muito abatida. Pretendo animá-la um pouco. Sinto vontade de convidar Josefa para ir co­nosco visitá-la. Acha que ela a receberia?

— Penso que sim. Gabriel gosta muito de tia Josefa. Se falarmos com ele, certamente aprovará e ela aceitará.

— Noto que há momentos em que Maria Júlia fica muito agoniada, inquieta. Tenho impressão de que teme alguma coisa.

— Não será impressão sua? Ela está nervosa, é natural depois do que tem passado.

— Sinto que há alguma coisa a mais. Reparou como ela pergunta sem­pre aos advogados o que José Luís disse nos depoimentos? Há muita an­siedade em seus olhos. Chego a pensar que ela está com medo que ele diga alguma coisa. Será que ele pode comprometê-la mais? Terá alguma prova de sua cumplicidade?

— Não. Isso ele não tem. O próprio Alberto tem prestado declara­ções a favor dela, contando como ela o salvou e o sustentou durante to­dos aqueles anos. A única coisa que há contra ela é o fato de não haver procurado a polícia para denunciar o marido. Esse é o ponto mais delica­do que ela terá que enfrentar nesse processo.

— Não sei, não. Para mim há ainda alguma coisa que ela não con­tou. Vamos pedir a Gabriel que a convença a receber Josefa.

— Tem razão. A ajuda espiritual é muito importante numa hora dessas.

Gabriel conversou com a mãe e convenceu-a a receber Josefa, que lhe daria uma ajuda energética e espiritual. Ele sempre que voltava de algu­ma sessão em casa dela contava detalhes para a mãe, que, por causa das vidências de Gabriel desde a infância, estudara esses assuntos e não tinha dúvidas sobre a vida após a morte. Concordou em recebê-la na tarde se­guinte para um chá com as duas amigas.

Os amigos espirituais de Josefa haviam-na informado que ela seria cha­mada para ajudar essa família. Deveria aceitar, porque eles estariam a seu lado para fazer o que fosse possível. Por isso, quando a convidaram, con­cordou imediatamente.

Maria Júlia recebeu-os com delicadeza, porém Josefa notou o quan­to ela estava nervosa, inquieta. Alguns vultos escuros estavam a seu lado e Josefa depois de meia hora de conversa disse:

— Noto que você está esgotada, nervosa e precisando de uma doa­ção de energias positivas para sentir-me melhor. Se quiser, posso fazer isso.

— Gostaria muito. Estou me sentindo muito fraca.

Nesse caso, vamos para outra sala onde possamos ficar a sós e onde ninguém nos interrompa.

— Vamos a meu quarto.

As duas subiram e, uma vez no quarto, Josefa segurou as mãos de Ma­ria Júlia e fez uma prece fervorosa, pedindo a Deus proteção e ajuda para

aquela família. À medida que ela orava, Maria Júlia rompeu em convul­sivo pranto. Seu corpo estremecia sacudido pelos soluços, e Josefa convi­dou-a a abrir seu coração a Jesus, contando-lhe todos os seus receios e ali­viando sua alma. Depois continuou orando e rogando a ajuda dos bons es­píritos para que a paz e a harmonia pudessem voltar àquele lar.

Aos poucos Maria Júlia foi se acalmando. Quando ela parou de so­luçar, Josefa ainda segurando suas mãos perguntou:

— Sente-se melhor?

— Um pouco. Estou aliviada. Não agüento mais carregar o peso de meus atos passados. Estou no limite de minhas forças.

— Não se atormente, Maria Júlia. O passado acabou. Não deixe que ele continue infelicitando sua vida. Esqueça o que passou.

— Não posso. Carrego este maldito segredo que pode ser revelado a qualquer momento e eu preferiria morrer a que isso acontecesse.

— Enfrentar a verdade é sempre o melhor negócio. Do que tem medo?

— Carrego comigo um segredo que tem infelicitado toda a minha vida.

— Você tem medo de revelar um segredo e por isso tem arruinado sua vida. Não seria mais prático acabar com ele e enfrentar seus medos?

— Não posso. Envolve outras pessoas.

— Vamos orar juntas e pedir a ajuda dos bons espíritos. Feche os olhos. Josefa soltou as mãos de Maria Júlia e silenciosamente começou a orar enquanto estendia as mãos sobre a cabeça dela e imaginava a sala cheia de luz. Depois, durante alguns minutos foi passando lentamente as mãos próximo ao corpo dela, que estremecia como que tocada por fios elétricos.

Quando Josefa terminou, pediu:

— Abra os olhos. Como se sente?

— Melhor. Senti um calor agradável percorrer-me o corpo. Obriga­da por ter vindo. Você tem um pouco mais de tempo? Gostaria de con­versar um pouco.

— Claro.


Maria Júlia convidou-a a sentar-se na beira da cama e sentou-se a seu lado. Depois disse:

— Sinto que posso confiar em você. Preciso falar com alguém para não explodir.

— Estou ouvindo. Continue.

— Tudo começou em 1929. Nessa época eu estava com dezessete anos. Apaixonei-me perdidamente por um rapaz. Família importante da sociedade, rico, bonito, rodeou-me de atenções. A princípio eu não sabia

que ele era comprometido. Não freqüentava a alta sociedade. Minha fa­mília era de classe média. Amei-o de todo o coração e nos entregamos um ao outro sem pensar em mais nada.

— Nossos encontros serviam para aumentar minha paixão e ele in­sistia para fugirmos juntos. Meu pai era oficial do exército e muito bravo. Exigia obediência cega de mim e de meus dois irmãos menores. Religio­so, obrigava-nos a rezar o terço reunidos duas vezes por semana e mesmo doentes tínhamos que comparecer à missa no domingo. Estou contando isso para que possa compreender como fui educada. Ele possuía uma vara de marmelo com a qual nos corrigia, e não permitia a mínima desobediên­cia às suas disciplinas. Ele tratava os filhos da mesma forma como trata­va os soldados seus subordinados.

— Você pode imaginar como fiquei ao descobrir que estava grávida de um mês. Procurei meu amado e contei. Foi então que ele com tristeza me revelou que já era casado e tinha dois filhos. Fiquei apavorada. Que­ria me suicidar. Ele, atemorizado, prometeu-me resolver tudo. No dia se­guinte procurou-me às escondidas, como sempre, dizendo que não preci­sava temer. Havia resolvido a questão. Levou-me ao apartamento de um jovem que estava no último ano de Medicina. Eram amigos, e quando soube de nossa situação, concordou em nos ajudar. Eles planejavam fazer um aborto.

— Fiquei apavorada. Mas eles me garantiram que não havia ne­nhum perigo, que seria fácil e assim tudo estaria resolvido. Foi assim que conheci José Luís. Quando me conheceu, logo percebi que se interessou por mim. Eu estava arrasada, não só por ter que fazer aquilo como por sa­ber que o homem que eu amava e ao qual me entregara era comprometi­do. Ele queria fugir comigo, mas não concordei. Também não estava dis­posta a continuar naquela triste posição sendo a outra e pensava que de­pois de resolver a gravidez me separaria dele para sempre.

— José Luís era moço bonito, educado, fino. Desde o primeiro dia tratou-me com delicadeza. Disse que antes de fazer o aborto eu deveria to­mar alguns medicamentos para evitar problemas futuros.

— Acreditei e obedeci. O homem que eu amava precisou viajar a serviço, mas antes de ir garantiu-me que tudo estava bem e que voltaria logo. Entretanto não voltou. Os dias foram passando e eu cada vez mais agoniada vendo minha cintura engrossar, minha barriga crescer e José Luís adiando o aborto.

— Eu fazia tudo para levar vida normal a fim de que meus pais nada percebessem. José Luís encontrava-se comigo a pretexto de preparar tudo

para resolver o assunto, mas quando chegava eu percebia que ele me olha­va de maneira diferente. Um dia abriu o jogo. Disse-me que eu já estava com mais de três meses de gravidez e que seria impossível fazer um abor­to a essa altura. Disse que não havia feito antes porque tinha medo de não estar preparado o suficiente e provocar uma tragédia.

— Vendo meu desespero, confessou que me amava desde o primei­ro dia em que me conheceu e que estava disposto a se casar comigo assu­mindo a paternidade da criança. Eu estava desesperada. Não o amava, mas vi nessa saída a tábua de salvação. Aceitei prontamente.

— Ele procurou meu pai, confessou que havíamos cometido um erro, mas que ele estava disposto a reparar e pediu minha mão em casamento. Apesar de meu medo, meu pai aceitou essa aliança com prazer. Ter um mé­dico como genro era para ele uma boa solução. Havendo casamento, o res­to não importava. Minha mãe providenciou tudo, inclusive um vestido que disfarçasse o pequeno volume que já começava a aparecer, e assim que correram os proclamas nos casamos na igreja e no civil, no mesmo dia.

— Inútil dizer que eu entrei para esse casamento sem amor, carre­gando dentro de mim um filho de outro homem, e como foi difícil supor­tar a intimidade de meu marido. Apaixonado, violento em seu ciúme, sempre que sentia minha repulsa, que eu fazia tudo para esconder mas nem sempre com êxito, cobria de injúrias a mim e à criança que ia nas­cer, como se aquele pequenino ser fosse culpado por minha falta de amor.

— Nossa vida foi um inferno desde o começo. Várias vezes pensei em separar-me, mas ele me ameaçava com o escândalo. Apesar de casa­da, meu pai exercia ainda terrível tirania sobre mim. Eu continuava te­mendo suas reações. Quando Gabriel tinha um ano aconteceu toda a tra­ma com Marcelo.

— Ouvi José Luís conversando com Bóris traçando todo o plano, in­clusive o de matar toda a família. Fiquei horrorizada. Nessa época ele me obrigava a tomar calmantes fortes. Querendo evitar isso, tratei de dissi­mular meus sentimentos. Contudo, não podia aceitar a morte de Marce­lo. Era um menino alegre, inteligente, amável. Eu pensava em meu filho, tão pequeno, que era minha paixão, e imaginava a dor que sentiria se ele morresse. Então resolvi salvar Marcelo. Sabia que Alberico, o motorista, era homem bom e gostava muito do menino. Conversei com ele e com­binamos tudo. Ele fingiu que matara o menino, e escondeu-o durante al­gum tempo. Eu andava muito nervosa e pedi para fazer uma viagem com meu filho até o convento das irmãs onde eu fora interna, para descansar. José Luís concordou. Senti que ele ficou aliviado por ver-se livre de mim para poder realizar seus planos sem minha interferência. Sabia que eu não concordava com o que ele planejava.

— Vendi algumas jóias e comprei as passagens para a Inglaterra. Ti­nha tudo planejado. Deixei meu filho com as irmãs e a pretexto de socor­rer uma amiga doente na Inglaterra pedi-lhes para não dizer nada a meu marido. Apanhei Marcelo com Alberico e embarcamos para Londres.

— Era a primeira vez que eu viajava para o exterior. Sentia medo, mas fui. Deu tudo certo. Procurei o colégio e deixei Marcelo lá. Eu pre­tendia, na volta, procurar pelo Dr. Camargo e contar-lhe a verdade. Mas quando voltei soube que o Dr. Camargo estava acamado e muito doente. Inconformado com a morte do neto que era toda a sua alegria, tivera a saú­de abalada.

— José Luís estava tratando-o e eu fiquei apavorada com a suspeita de que ele iria matá-lo. A essa altura eu já conhecia bastante meu mari­do para saber do que ele era capaz quando queria alguma coisa.

— Apesar disso, tentei procurá-lo às escondidas, porém não conse­gui. Bóris estava lá, ajudando no tratamento e tomando conta dele. Não pude fazer nada. Pensei em procurar Cláudio e Carolina. Tinha intenção de dizer-lhes onde seu filho se encontrava. Mas eles viajaram e eu não sa­bia onde estavam.

— O Dr. Camargo morreu e eu acredito que ele também tenha sido assassinado. Cláudio e Carolina vieram para o enterro e eu fui constan­temente vigiada por Bóris. Estava proibida de sair de casa, e quando saía era sempre acompanhada por ele.

— O casal visitou-nos algumas vezes, mas eu nunca pude ficar a sós com eles. Até que foram para a Itália, mas antes passaram uma procura­ção para José Luís, pagando regiamente para que ele cuidasse dos negó­cios da família.

— Então ele quis que fôssemos para a França. Eu não queria, mas ele me obrigou fazendo ameaças a meu filho. Eu ficava apavorada. Sabia do que ele era capaz. Tinha horror de que algo pudesse acontecer a Gabriel.

— Viajamos para a França e fui obrigada a deixar Gabriel com uma ama, coisa que eu não queria de forma alguma. Mas tive que obedecer. Bó­ris acompanhou-nos e eu sabia que eles estavam tramando algo. Eu sabia também que se ele quisesse aquela fortuna teria que acabar com o resto da família. Portanto Cláudio e Carolina corriam perigo. Mas não conse­gui fazer nada. Tive que suportar tudo com medo de que ele fizesse algum mal a Gabriel, que ficara no Brasil.

Maria Júlia estava pálida e seu corpo cobrira-se de suor. Preocupada, Josefa interveio:

— Chega por hoje. Você está esgotada.

— Não. Sinto que preciso desabafar. Vou até o fim. Falta pouco. Como você sabe, eles explodiram a lancha e o casal morreu. Voltamos ao Brasil, ele herdou toda a fortuna. Sempre que eu pretendia deixá-lo ele amea­çava a vida de Gabriel. Com isso acorrentou-me até agora.

— Acabou, Maria Júlia. Você está livre. Deve contar na justiça toda a verdade. Você tem sofrido muito.

— Meu pai não me importa mais. Agora tenho medo do julgamen­to de meus filhos. O que pensarão de mim quando souberem a verdade? Gabriel não vai aceitar eu ter ocultado todo esse tempo que ele não é fi­lho de José Luís.

— Ele vai ficar aliviado quando souber. Nunca pensou nisso?

— Pensei, algumas vezes. Ele nunca gostou de José Luís. Aliás, José Luís nunca se interessou em ser como um pai de verdade para ele. Dizia sempre que quando olhava para Gabriel lembrava-se de meu amor pelo outro. Gabriel é muito parecido com o pai. Agora que está moço, tem o mesmo sorriso, os mesmos olhos, até o jeito é igual. Isso fez com que José Luís sempre o odiasse.

— Por que não lhe conta tudo? Ele tem direito de saber.

— Tenho medo de sua reação. Laura também me preocupa. Ela sem­pre foi diferente do irmão. Vaidosa, intolerante, mimada. O pai fazia-lhe todas as vontades. Está sendo difícil para ela aceitar a verdade. Tinha uma impressão do pai muito diferente. Está sofrendo bastante.

— Ilusão é sinônimo de sofrimento. Talvez ela estivesse necessitan­do aprender os verdadeiros valores da vida. Não lamente a desilusão que ela está tendo agora. Ela precisa deixar de ser a criança mimada e crescer. Esse crescimento traz lucidez, mas tem o preço da experiência. Lembre-se de que a vida sabe o que faz e trabalha pelo melhor.

— Ela é tão jovem! Gostaria de poupá-la!

— Não vai conseguir. A vida deseja o contrário. Quer que ela ex­perimente, escolha, descubra, perceba, desenvolva, fortaleça-se. Ela é um espírito, cheio de força e potencial, dentro de um processo próprio e in­transferível de aprimoramento natural. Deve saber que tentar impedir esse processo é agir contra a vida, e isso só causa sofrimento. Seu amor deve contribuir para que ela se sinta mais forte, mais capaz, mais firme, mais confiante.

— Sei o que quer dizer. Farei o possível para isso.

— O primeiro passo é dizer a seus filhos a verdade. Colocar seus sen­timentos, abrir seu coração a eles. Garanto que não tem nada a temer. A sinceridade, a verdade têm mais força do que tudo. Acredite.

— Não sei. Tenho medo. Vou pensar.

— Pense. Peça a Deus forças para fazer o que for melhor. Quando as duas saíram do quarto, Maria Júlia estava mais calma, seu

rosto distendido. Embora pálida, havia perdido a inquietação. Foram para o chá, mas todos, com exceção de Laura, notaram que a dona da casa es­tava melhor.


Capítulo 25
Daniel olhou o cartão que a secretária lhe dera e perguntou:

— Dr. Guilherme Gouveia. Está aí fora?

— Está.

Ficou calado durante alguns segundos pensando. O que um brilhan­te e famoso advogado, diplomata respeitado de família muito importan­te, desejava dele?



— Mande-o entrar imediatamente.

Em seguida Elza introduziu na sala um homem alto, elegante, boni­to, aparentando cinqüenta anos. Daniel levantou-se para recebê-lo.

— Doutor Gouveia! Prazer em recebê-lo.

Depois dos cumprimentos, ele se acomodou na poltrona em frente à escrivaninha de Daniel, que se sentou também e esperou que ele falasse.

— É um prazer estar aqui com você. Tenho acompanhado o rumo­roso caso que vocês estão defendendo com muito interesse. Há uma se­mana cheguei ao Brasil. Estava como adido da embaixada brasileira em Bruxelas nos últimos dois anos.

— O senhor tem prestado inúmeros serviços ao Brasil. Temos acom­panhado sua brilhante carreira. É preciso disposição para estar sempre fora do país.

— Desta vez pretendo ficar mais por aqui. Meu filho mais velho está radicado em Nova York e minha filha, na França. Casaram-se e não de­pendem mais de mim. Estou com saudade de nossa terra e um pouco can­sado de viajar.

— É uma boa notícia. Em que posso ser-lhe útil?

— Vim inteirar-me dos detalhes do processo do Dr. José Luís Camar­go de Melo. O julgamento já foi marcado?

— Sim. Será no próximo dia dezoito. Temos apenas mais alguns dias. Por isso é que este escritório está tão movimentado. A imprensa não dá sossego e para trabalhar precisamos de calma. Por isso estamos dificul­tando o acesso.

— Entendo. Tenho lido o noticiário, nem sempre claro. Quero sa­ber tudo a respeito desse caso.

Daniel remexeu-se na cadeira indeciso. Apesar de ter diante de si uma pessoa importante, sua ética falou mais alto e tornou:

— Qual é seu interesse no caso? Estaria representando o réu?

— Absolutamente. Dou-lhe minha palavra de honra que pretendo ajudar a esclarecer plenamente o assunto. E de vital importância para mim conhecer certos detalhes desse processo.

— Poderia ser mais claro?

— Há muitos anos conheci o Dr. José Luís e sua esposa. Tenho mo­tivos muito sérios que me fizeram vir até aqui. Para ser mais sincero, foi por causa desse caso que resolvi voltar ao Brasil. Volto a dizer. Pode con­fiar em mim. Dou-lhe minha palavra de que estou aqui para colaborar com vocês.

— Nesse caso, vou colocá-lo a par de tudo.

Daniel relatou como conhecera Alberto, o desenvolvimento do caso que culminou na prisão de José Luís e finalizou:

— D. Maria Júlia tem sido uma vítima em tudo isso. Mas está difí­cil provar que ela não foi cúmplice deles. Esse é o ponto crucial que esta­mos tentando resolver agora. A culpa de José Luís e dos demais está pro­vada. Eleutéria, Bóris, Pola confessaram o suficiente para serem condena­dos. Mas José Luís insiste em declarar que a esposa era cúmplice, e os ou­tros confirmam. Estamos querendo impedir essa injustiça. O próprio Mar­celo testemunhou a favor dela contando como foi protegido e sustentado por ela. Está difícil entender por que, sabendo de tudo, ela se calou du­rante tanto tempo, usufruindo da fortuna. Esse fato tem sido explorado pela imprensa, sempre voltada à idéia de atacar os ricos em defesa dos pobres.

— Ela nunca disse por que se calou?

— Alega que teve medo. Mas isso não serve de prova na justiça.

— Talvez o marido a tenha ameaçado.

— Foi o que ele fez. Mas quem acreditará nisso? Ela viveu ao lado dele todos esses anos, freqüentou a alta sociedade sempre aparentando vi­ver muito feliz. Eles eram até apontados como o casal modelo. E o que diz o promotor agora. De fato, não posso negar que essa era a imagem deles até há pouco tempo.

— Acha que ela será condenada?

— Receio que sim. Embora com atenuantes no caso de Marcelo, há os outros crimes.

— Vim procurá-lo porque preciso encontrar-me com ela.

— Desculpe. Não entendi. O que disse?

— Preciso encontrar-me com ela. Tentei falar-lhe, mas não quis atender-me.

— Ela tem vivido reclusa. Não fala com ninguém.

— É urgente que nos encontremos. Por isso vim procurá-lo. Como seu advogado, penso que poderá arranjar isso.

— Posso tentar. Poderia esclarecer-me o que pretende com isso?

— Ajudar. Mas preciso conversar com ela. Esclarecer algumas coi­sas. Convencê-la a se defender. Tenho impressão de que ela está preten­dendo punir-se de alguma forma.

— Sei o que quer dizer. Também já tive essa impressão. Guilherme levantou-se, curvou-se para a frente, apoiando-se na mesa, olhou-o firme nos olhos e pediu:

— Por favor. Arranje um encontro a sós com ela. Se não quiser me receber em sua casa, iremos a qualquer outro lugar. Faça isso e serei grato pelo resto da vida.

Impressionado, Daniel respondeu:

— Vou tentar.

— Não temos tempo a perder. O julgamento será dentro de al­guns dias.

— Falarei com ela hoje à noite.

— Agora.

— Agora?


— Sim. E urgente.

— Deixe-me pensar. Terá que ser a sós?

— Ela não vai querer falar comigo diante dos filhos. Tem que ser a sós.

— Não pode me adiantar o assunto? O que me pede pode desgostá-la. Vamos fazer o seguinte: vou ligar para ela agora e passar o telefone a você. Posso?

— Está bem.

Daniel discou e mandou chamar Maria Júlia. Quando ela atendeu, ele disse:

— D. Maria Júlia? Tem uma pessoa aqui que deseja muito conver­sar com a senhora.

— Quem é?

— Alguém que deseja ajudá-la. Fale com ele. Guilherme pegou o telefone e disse:

— Sou eu, Maria Júlia, Guilherme. Voltei ao Brasil assim que sou­be de tudo. Quero falar com você.

— Não posso! — respondeu ela emocionada. — O que quer de mim?

— Esclarecer algumas coisas. Por favor. Não me negue esse consolo.

— Por que me procurou depois de tanto tempo? Ninguém pode sa­ber o que aconteceu no passado.

— Só quero conversar com você. Seus filhos não precisam saber.

Daniel guardará segredo. Não pode me negar isso.

— Tenho medo!

— Farei o que disser. Tenho que falar com você hoje.

— Não sei como. Meus filhos estão aqui. Não me deixam sozinha.

— Fale com Daniel. Ele vai dar um jeito. Passou o telefone a ele dizendo baixinho:

— Ela aceitará se puder livrar-se dos filhos. Daniel apanhou o telefone e resolveu:

— Vou cuidar desse assunto. Daqui a pouco voltarei a ligar. Vocês precisam se encontrar.

Daniel sentou-se pensativo. De repente lembrou-se de tia Josefa. Ime­diatamente ligou para ela e explicou o que estava acontecendo.

— Deixe comigo. Vou ligar para Maria Júlia e avisar que irei bus­cá-la dentro de meia hora. Vocês vêm para cá e quem chegar primei­ro espera.

— Está bem, tia. Obrigado.

— Estou contente em colaborar. Ele desligou e disse:

— Tudo resolvido. Daqui a meia hora iremos a casa de minha tia, que está indo buscá-la. Você conseguiu.

Guilherme deixou-se cair na cadeira aliviado.

— Você não avalia o bem que nos fez.

— Tenho interesse em libertar D. Maria Júlia. Sei que é inocente. Depois, tanto ela quanto seu filho Gabriel ajudaram-nos muito desde o começo, revelando um desprendimento admirável. Chegaram a nos sur­preender pelo interesse em fazer justiça mesmo sabendo que além de per­derem dinheiro passariam pelo descrédito público.

— Gabriel sabia de tudo?

— Não. Quando o escândalo estourou pela imprensa, ele desconfiou e a mãe acabou confessando tudo. Ele nunca se deu bem com o pai. Pos­so entender. São completamente diferentes. Enquanto um é criminoso e interesseiro, o outro é honesto e desprendido.

Guilherme ficou silencioso por alguns segundos, depois disse:

— Você acha que Gabriel é um bom rapaz, apesar da convivência com o pai?

— Tenho certeza. É um moço de princípios e muito valoroso. Por isso eu e Rubinho nos empenhamos em defendê-los, para que não sofram


Yüklə 1,94 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   25   26   27   28   29   30   31   32   ...   35




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin