Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— Mãe... quer dizer que ele... é meu verdadeiro pai??!

— É, meu filho. Ele pretende contar tudo em juízo e reconhecê-lo como filho legítimo.

Gabriel não se conteve:

— Mãe, ele tem família. Não será um pouco tarde essa atitude?

— Não, meu filho. Ele nunca nos procurou porque pensou que éra­mos felizes. Não desejava nos prejudicar. Acompanhava nossa vida à dis­tância, pelas notícias sociais. Quando soube pelos jornais do que aconte­ceu, voltou ao Brasil disposto a me ajudar. Entendeu logo por que eu me calara. Seus dois filhos casaram-se, moram no exterior. Sua esposa mor­reu há alguns anos. Ele está sozinho e nossos sentimentos ainda são os mes­mo?. Ele pensa em retomar nossa vida, desta vez de maneira limpa. Acre­dita que serei absolvida. Depois que tudo acabar, quer se casar comigo, no exterior, é claro. Aqui não há divórcio. Estou contando tudo a vocês como aconteceu. Não vou decidir nada sem ouvi-los a respeito.

Laura olhava-a emudecida pela surpresa. Não sabia o que responder. Era-lhe difícil pensar em sua mãe casada com outro homem. Gabriel, emo­cionado, não conseguia concatenar os pensamentos.

Maria Júlia abraçou-os dizendo:

— O importante é ter vocês a meu lado.

— Já pensou no que vai fazer? — indagou Gabriel. — Vai aceitar seu pedido?

— Não sei ainda, meu filho. Neste momento vocês são mais impor­tantes do que tudo para mim. Nada farei que possa desgostá-los.

— Você ainda gosta dele? — indagou Laura.

— Nunca esqueci esse amor. Entretanto, para ser sincera, foi há mui­to tempo. Eu mudei, tudo mudou. Não sei se poderia retomar esse senti­mento. Estou confusa e atormentada. Nem sequer sei se conseguirei sair livre de toda essa sujeira. A pobreza me assusta por causa de vocês. No mo­mento não tenho como tomar nenhuma decisão.

— Ele vai mesmo testemunhar a seu favor? — indagou Gabriel.

— Vai. Eu não queria. É um diplomata respeitado, admirado. Tem livros publicados, é famoso. Esse depoimento vai arruinar sua carreira. Mas ele insiste, e Daniel, que estava conosco, é de opinião que, se ele contar nosso segredo, serei absolvida.

— Ele deve sentir-se culpado — disse Gabriel. — Por causa dele você acabou se casando com uma pessoa que não amava e viveu todo esse drama. Ele não merece o respeito que usufrui. Diz que a amava, mas en­ganou-a, iludiu-a. Usou de má-fé. Você era inexperiente e confiante. De­pois do que fez, ainda queria que você abortasse.

— Não diga isso, meu filho. Não o culpo. Nós nos apaixonamos perdidamente. Ele nunca quis um aborto. Ao contrário, queria fugir co­migo. Eu não quis. Tive medo de papai. Depois, repugnava-me fazê-lo abandonar a família. Ele tinha dois filhos. Está muito arrependido do que fez; mas eu, não. Apesar de tudo, a lembrança daqueles momentos de amor que vivenciamos juntos tem me dado forças para suportar toda a frus­tração que tem sido minha vida. Eles continuam vivos em minha mente. Nunca esquecerei.

Gabriel baixou a cabeça sem saber o que dizer. Ele se lembrou da noi­te em que levou Lanira para o barco e da experiência inesquecível que ti­nha vivido.

— Gostaria que entendessem que nos deixamos levar pelas emo­ções e nos envolvemos sem pensar nas conseqüências e pagamos um pre­ço muito alto por nossa fraqueza. Ele teve medo de dizer que era casado e eu de assumir a verdade perante a família. Assim, acabamos por piorar a situação. Ele cumpriu até o fim a sua responsabilidade para com a esposa e os filhos, e eu tentei fazer o mesmo. Ele conseguiu, mas eu não tive a mes­ma sorte.

— Você não podia saber o que eles iriam fazer — disse Gabriel.

— Se papai não tivesse cometido tantas loucuras, tudo estaria bem agora. Talvez até você tivesse aprendido a gostar dele — disse Laura com voz triste.

Maria Júlia abraçou-a comovida:

— Tem razão, minha filha. Quando José Luís me pediu em casa­mento, disse que me amava e que seria um bom pai para meu filho. Acre­ditei. Ele era um médico, bonito, jovem, agradável. Achei que seu amor estava sendo sublime a ponto de me aceitar grávida de outro homem. Acreditei que todos os problemas estavam resolvidos. Tinha certeza de que conseguiria amá-lo. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

— Porquê?—indagou Laura.

Maria Júlia olhou-a nos olhos e respondeu séria:

— Ele é seu pai, e o que vou dizer não é agradável. Mas estou dis­posta a dizer a verdade. Nunca mais quero ter segredos para vocês.

— Fale, mãe. Queremos saber tudo — pediu Gabriel.

— Você já sabe, meu filho. Seu pai tinha um gênio difícil. Possessi­vo, ciumento. Casou comigo mas nunca aceitou de fato a situação. Tinha raiva de você porque o achava parecido com o verdadeiro pai.

— Pelo que sei, era Gabriel que não gostava dele — interveio Laura.

— Quando era bebê, várias vezes surpreendi-o dizendo palavras ran­corosas e você chorava. Algumas vezes eu desconfiei até que ele o belis­cava. Quando ficou maiorzinho, começou a fugir dele e os criados come­çaram a notar. Então ele passou a rodeá-lo de atenções, mas eu sabia que era só diante dos outros. Por isso nunca o deixava a sós com ele.

— Eu sentia a repulsa dele. Nunca me senti bem em sua presença.

— Mãe, custo a crer. Meu pai é um monstro!

— Prefiro pensar que ele seja um neurótico, um psicopata. Gostaria de não ter que lhe dizer tudo isso, minha filha, mas sinto que não posso mais segurar.

— Agora já posso entender melhor o que está acontecendo. Para mim papai sempre foi calmo, controlado. Era respeitado por todos, e mesmo você

sempre me pareceu feliz ao lado dele. Nada disso era verdade. Estávamos vivendo uma situação falsa. Vocês colocaram no rosto uma máscara atrás da qual escondiam seus verdadeiros sentimentos. Diante do que falou de meu pai, de seu temperamento, posso acreditar que tudo quanto dizem dele é verdade. Ele nunca foi quem eu pensava que fosse.

Laura soluçava e tanto Maria Júlia quanto Gabriel abraçaram-na em silêncio. Quando ela finalmente parou, Maria Júlia tornou:

— Obrigada por terem me ouvido. Espero que me perdoem e con­tinuem me amando apesar de. tudo. Só isso me importa.

— Mãe, não me sinto em condições de julgar nada — disse Gabriel emocionado. — Sempre amei você e sempre vou amar. Aconteça o que acontecer, estarei do seu lado.

— Eu também, mãe — tornou Laura. — Nunca esquecerei este mo­mento. Admiro sua coragem e seu desprendimento abrindo seu coração, contando-nos a verdade. Fico triste em pensar que papai cometeu tantos erros, mas reconheço que precisa assumir sua responsabilidade por eles.

— Obrigada, meus filhos. Infelizmente, depois do que aconteceu, seu pai não pode ficar em liberdade. Está descontrolado e pode fazer coisa pior.

— Apesar de tudo, mãe, não desejo abandoná-lo. E meu pai. Se pu­der fazer alguma coisa para ajudá-lo, eu farei.

— Compreendo, filha.

— Ele não pode ficar em liberdade, Laura. Você ouviu o que mamãe falou — disse Gabriel. — Se ele sair da cadeia, vai tentar alguma coisa contra ela.

— Depois de tudo, tenho certeza de que ele ficará preso. Vou ficar do seu lado e de mamãe, mas repito: se puder ajudar papai de alguma for­ma, eu o farei.

— Faça o que seu coração quer. É a maneira mais certa de viver. Terá sempre meu apoio. Agora vamos para a copa, vocês precisam comer alguma coisa.

Quando saíram do quarto abraçados, Maria Júlia sentia-se aliviada. A conversa fizera-lhe muito bem. Reconheceu que há muito tempo não se sentia tão leve. Satisfeita, percebeu que tanto Gabriel quanto Laura tam­bém pareciam estar melhor.


Capítulo 26
Depois desse dia os acontecimentos precipitaram-se. O julgamen­to de José Luís movimentou a sociedade. Não se falava em outra coi­sa. Depois da leitura do processo, que demorou dois dias, começaram os depoimentos.

Alberto emocionou a todos contando sua história. José Luís, ereto, mantendo na fisionomia um ar de indiferença, de vez em quando olhava para seus cúmplices, sentados a seu lado, como se não os visse. Depois foi a vez de Bóris, que tentou impressionar colocando-se na posição de víti­ma, dizendo-se chantageado pelo patrão.

Seu depoimento foi impiedoso. Jogou sobre José Luís toda a respon­sabilidade pelos crimes cometidos. Pressionado por Rubinho, que com in­teligência foi interrogando-o, acabou contando como José Luís envene­nou o tio aos poucos e de que forma eles provocaram o "acidente" que ma­tou os pais de Marcelo.

Antunes disse que era inocente. Que ajudara Bóris a intimidar Mar­celo por ser amigo da família de José Luís. Que não pretendiam fazer ne­nhum mal ao moço.

Estarrecidos, os presentes tomaram conhecimento de toda a trama. Ficou clara a ambição de Eleutéria e de Pola, e principalmente a cruelda­de de José Luís.

Quando chegou sua vez de prestar depoimento, José Luís tentou jus­tificar-se dizendo que o Dr. Camargo havia roubado a fortuna do irmão, que era seu pai, deixando toda a sua família na miséria. Ele queria desfor­ra. Disse que foi sua esposa, Maria Júlia, quem deu a idéia de trocar a iden­tidade de Marcelo. Mais tarde, ela o ajudou a planejar o resto. Falou que ela o apoiava e que o aconselhara a fugir quando tudo foi descoberto.

Durante todo o tempo lançava olhares para Maria Júlia, que, pálida, estava sentada ao lado dos filhos no banco reservado às testemunhas.

Foi então que, para surpresa geral, Daniel chamou o Dr. Guilherme Gouveia para depor. Ele entrou no recinto e todos os olhares voltaram-se para ele. José Luís empalideceu ainda mais e trincou os dentes com raiva. De onde saíra seu rival?

Depois do juramento, Rubinho aproximou-se e pediu para a testemu­nha dizer ao tribunal por que resolvera pedir para depor.

Com olhar emocionado porém firme, Guilherme começou:

— Vim para evitar que se cometa uma injustiça. Sei que Maria Jú­lia é inocente dos crimes que foram cometidos contra os Camargo.

— Como é que sabe? — indagou Rubinho.

— Porque a conheço muito bem. Sei que ela nunca iria concordar com nada disso. Trata-se de uma mulher íntegra, que tem sido vítima da maldade do marido a vida inteira.

— Em que se baseia sua afirmação?

— Eu sei por que ela ficou calada durante todo esse tempo. Eu sei por que ela nunca revelou à polícia as falcatruas desses assassinos.

— Na verdade — considerou Rubinho —, desde que tomamos co­nhecimento dos fatos, temos feito essa pergunta. Se ela não foi cúmplice, por que não procurou a justiça para contar o que sabia?

— Ela estava sendo ameaçada no que tem de mais sagrado. Na pes­soa de seu filho!

Um "oh!!" ecoou na platéia e o juiz pediu silêncio várias vezes. Quan­do conseguiu, deu ordem para Rubinho prosseguir.

— Pode nos esclarecer melhor?

— Posso. Para isso terei que voltar no tempo e contar a história de minha vida.

Guilherme, com voz comovida, começou a relatar todos os fatos do passado. Maria Júlia emocionada deixava que as lágrimas descessem por suas faces. Gabriel segurava a mão da mãe para dar-lhe coragem, mas tam­bém, vendo a dignidade daquele homem permitindo que todos invadis­sem sua intimidade, conhecessem seus sentimentos, soubessem de suas fraquezas, não conseguiu reter as lágrimas.

Laura ouvia entre a tristeza e a curiosidade. Horrorizada com tudo que escutara naquele tribunal, não podia deixar de comparar os dois homens. Seu pai tentara destruir sua mãe, arrastá-la com ele na queda, revelando uma maldade e um egoísmo que ela era forçada a reconhecer. O outro, para defendê-la, não se importara em destruir sua carreira com o escândalo, in­teressado apenas em limpar sua consciência e salvar a mulher que amava.

Naquele instante Laura entendeu por que sua mãe amara aquele homem e nunca conseguira amar seu pai. A verdade doía, mas apesar de tudo ela sentia que precisava ficar do lado da mãe, que já havia sofrido mui' to e merecia encontrar a paz.

Guilherme continuava relatando o passado com voz emocionada. As mulheres presentes choravam discretamente enquanto os homens pigarreavam de vez em quando tentando dissimular a emoção. Ele finalizou:

— Eu não poderia ficar calado. Seja qual for o preço que terei que pagar por isso, sinto-me gratificado, aliviado por poder dizer o que vai em meu coração. Por poder contar que Gabriel é meu filho e que pretendo reconhecê-lo diante da lei. Mas gostaria que soubesse, meu filho, que, mesmo distante todos esses anos, você sempre esteve dentro de meu co­ração. Acompanhei à distância, pelas colunas sociais, todas as notícias a seu respeito, tentando assim afogar a saudade e a vontade de me aproxi­mar, de abraçá-lo e dizer-lhe que sou seu pai. Nunca os procurei porque não quis perturbar sua felicidade. Eu não sabia nada do que estava acon­tecendo aqui. Só espero que, quando tudo isto acabar, você possa me per­doar, aceitar e compreender.

Fez ligeira pausa e prosseguiu:

— Depois que voltei ao Brasil, procurei os advogados de Marcelo e tomei conhecimento dos detalhes, entendi tudo. Meu filho sempre teve a vida ameaçada por José Luís. Essa era a arma que ele usava para coagir a esposa a ficar calada e a suportar suas exigências. Agora acabou. Maria Júlia está livre desse martírio. Tenho a certeza de que sairá deste tribunal de cabeça erguida e livre para viver sua vida com seus filhos daqui para a frente.

Maria Júlia, abraçada aos filhos, chorava, e a comoção havia toma­do conta dos presentes. O juiz tomou a palavra e suspendeu os trabalhos determinando que seriam reiniciados às dez da manhã seguinte.

Os jornalistas saíram rápido, empolgados com a história inesperada envolvendo o diplomata. Daniel aproximou-se de Maria Júlia dizendo:

— Foi bom o juiz encerrar por hoje. Amanhã é sua vez de prestar de­poimento e precisa descansar, acalmar-se, para poder agüentar. Vou levá-la para casa.

Marcelo aproximou-se de Maria Júlia, que mais controlada prepara­va-se para sair.

Olharam-se emocionados. Ele tornou:

— Sempre desejei falar com a senhora. Agradecer tudo quanto fez por mim. Sinto ter envolvido sua família. Mas não pude evitar.

— Eu sei, meu filho. Você fez o que precisava fazer.

Ele olhou para Laura e Gabriel, que o fitavam curiosos, e continuou:

— Lamento por vocês. Não desejava que sofressem. Agradeço a Ga­briel por ter-nos ajudado. É preciso muita coragem para fazer o que você fez.

— Apesar de tudo, estou em paz. Gostei de seu depoimento. Ten­tou inocentar minha mãe — respondeu ele.

— Fui sincero. Se não fosse por ela, não estaria aqui.

Maria Júlia conversava com Rubinho e Daniel, distanciara-se alguns passos deles. Laura olhou Marcelo com curiosidade e um pouco de receio:

— Você vai tirar nossa casa? — perguntou baixinho. Ele se sentiu embaraçado e respondeu:

— Não pensei em nada ainda. Nem sei o que me caberá de direito. O juiz é que vai decidir.

Gabriel abraçou Laura dizendo:

— Não se preocupe, Laura. Nós podemos trabalhar. Deixemos isso para depois.

Maria Júlia chamou os filhos para irem embora e despediram-se de Marcelo. Gabriel olhou e viu Guilherme do outro lado da sala, olhando-os. Sentiu-se embaraçado, teve vontade de ir embora. Maria Júlia perce­beu e foi saindo acompanhada dos filhos.

Guilherme ficou olhando e não os seguiu. Daniel aproximou-se dele dizendo:

— Ele está ainda em estado de choque. Tenha paciência.

— Terei. Não está sendo fácil para ele nem para a irmã.

— Para ela será pior.

— Concordo. Podemos ir. Seu depoimento foi excelente. Emocio­nou todo mundo — tornou Rubinho satisfeito.

— Acha que conseguiremos?

— Temos grandes probabilidades. O caso é claro. Está suficiente­mente provado. Só ela não tinha provas a seu favor. Com seu depoimen­to, ela tem. Foi concludente — disse Rubinho.

— Foi mesmo — concordou Daniel. — Tive que fazer enorme es­forço para conter a emoção.

— Pelo menos me sinto aliviado. É como se tivesse tirado um enor­me peso de meu coração.

— Estou louco para ler os jornais de amanhã. Espero que eles não inventem nada — disse Rubinho.

— Não precisam. O que o Dr. Guilherme contou dá uma matéria e tanto.

Eles saíram conversando. Alberto aproximou-se de Lanira, que esta­va acompanhada de Maria Alice. A moça apresentara-os na entrada do tribunal.

— Aceitariam um chá, um café comigo? Foi Maria Alice quem respondeu:

— Está um pouco tarde. Vamos deixar para outra ocasião.

— Posso levá-las até em casa?

— Obrigada — disse Lanira. — Mas nosso motorista está aí fora. Ele sorriu dizendo:

— Nesse caso estou sem argumentos. O que eu queria mesmo é es­tar um pouco mais com vocês.

Se Lanira desejar ficar, irei sozinha.

— Não, mãe. E tarde. Amanhã teremos que voltar cedo. Não que-, r^> perder nada. D. Maria Júlia vai depor.

— Virei com você. Quero que ela sinta que estamos do seu lado e que confiamos na justiça.

Alberto ficou pensativo por alguns instantes, depois disse:

— E uma mulher sofrida e merece conquistar a paz. Desejo isso de coração.

Maria Alice olhou-o e viu o brilho de uma lágrima que ele não dei­xou cair. Não se conteve:

— Depois de tudo que aconteceu, é nobre de sua parte desejar isso.

— Conhecendo o passado, cheguei a invejar Gabriel. Gostaria mui­to de ter uma mãe como ela.

— De uma certa maneira, ela é um pouco sua mãe também. Salvou-lhe a vida, sustentou-o até a maioridade. Por que não reivindica esse lu­gar em seu coração?

Lanira olhou a mãe admirada. De onde tirara esse idéia? Alberto sor­riu levemente e respondeu:

— Se ela me aceitasse, eu faria isso.

Despediram-se combinando estar de novo lá na manhã seguinte.

No outro dia, Daniel e Rubinho foram a casa de Maria Júlia bem cedo. Vendo-os, disse nervosa:

— Estou preocupada. O que será que vai acontecer?

— Depois de ontem, acredito que sairá absolvida — disse Daniel.

— Não sei. Tenho medo. Penso em Gabriel e Laura. Eles precisam de mim. Não quero deixá-los sozinhos.

Gabriel, que vinha entrando e ouviu suas palavras, abraçou-a dizendo:

— Não vai acontecer nada. Todos perceberam que você é inocente.

— Mesmo que não considerassem o depoimento do Dr. Guilherme, há várias atenuantes a seu favor. O depoimento de Marcelo deixando cla­ro que você lhe salvou a vida, nossas declarações frisando que você nos ajudou, o próprio inquérito policial registrando sua cooperação e a de Ga­briel na solução do seqüestro que resultou na prisão de Bóris e de Antu­nes. A forma como foi encontrada pela polícia, prisioneira de José Luís.

Ele nunca faria isso com uma cúmplice. Tudo soma a seu favor — escla­receu Rubinho.

— Seu depoimento de hoje é muito importante. Repita tudo que con­tou na polícia. Diga a verdade, fale da dramática fuga, inclusive que ele a acorrentou para que não fugisse. Lembre-se de que estará falando com o júri. Pessoas que estão tomando conhecimento dos fatos agora, ou que só leram o que saiu nos jornais, mas que precisam conhecer bem como tudo aconteceu para que possam dar a sentença com justiça — aconse­lhou Daniel.

— É, D. Maria Júlia. Faça como o Dr. Guilherme. Vá fundo. Abra seu coração, ponha para fora tudo quanto guardou estes anos todos. Dei­xe que as pessoas conheçam sua intimidade, seus sentimentos, sua visão da vida. Mostre-se tal qual é. Se fizer isso, tenho certeza de que consegui­rá o que deseja — acentuou Rubinho.

— Isso, mãe — concordou Gabriel. — A mulher que eles imagi­nam que você seja é falsa. A imprensa, os culpados, tudo que eles disse­ram a seu respeito, nada disso é você. Deixe que todos conheçam-na como é. Isso será o bastante para que a absolvam.

— Está bem. Vou tentar.

— Quando se sentar lá para depor — continuou Daniel —, quan­do colocar a mão sobre o livro sagrado para jurar dizer a verdade, peça a ajuda de Deus em pensamento. Chame os espíritos amigos para dar-lhe for­ças. Depois, esqueça o lugar onde está. Entre no fundo de seu coração, de suas lembranças, e conte tudo do seu jeito. Não omita nenhum detalhe, por pequeno que seja.

— Está bem. A nossa vida já está devassada, e não adianta querer preservar alguma coisa.

— Está devassada mas de maneira errada em muitos aspectos — lembrou Rubinho.

— É. Eles contaram tudo como quiseram o tempo todo. Até José Luís fez seu jogo. Agora chegou minha vez. Vou dar a minha versão.

Laura, que entrara e ouvira parte da conversa, interveio:

— Depois de ontem, acho que não falta mais nada.

— Engana-se, minha filha. Eu nunca disse a ninguém como vivi to­dos esses anos. Tenho certeza de que posso acrescentar algumas coisas.

Maria Alice levantou cedo, vestiu-se e estava tomando o café da ma­nhã quando Antônio desceu e vendo-a disse admirado:

— Vai sair?

— Vou.

— Não me diga que vai àquele julgamento.



— Vou.

— Melhor faria se não defendesse aquela família degenerada. Já viu os jornais da manhã?

— Não, mas imagino o que está lá.

— Quem imaginaria que aquele sonso do Guilherme Gouveia esti­vesse metido nessa história sórdida?

— O Dr. Guilherme é um homem de bem. Seu depoimento ontem foi maravilhoso. Comoveu a todos nós.

— O que ele fez foi um ultraje. Onde já se viu? Um diplomata em exercício, envolver-se nesse escândalo. Garanto que vai se arrepender. Estou pensando em exigir que ele seja expulso do Itamarati.

Maria Alice indignou-se. Olhou o marido nos olhos e disse irritada:

— Quem é você para fazer isso? Que moral tem para atirar pedras em um homem decente como ele? Logo você que desfila por todos os lados com a amante que sustenta no luxo à custa do dinheiro público! Não tem vergonha nessa sua cara?

Antônio estremeceu. Seu rosto cobriu-se de intenso rubor. Apanha­do de surpresa, não encontrou palavras para responder. Maria Alice olhou para ele e disse com voz calma:

— Não seja tolo de levantar a lebre. O tiro pode sair pela culatra. Havendo se recuperado do susto, ele conseguiu dizer:

— O que está dizendo? Enlouqueceu? O melhor é ir embora, você está intratável. Não dá para conversar.

Lanira ia entrando para tomar café e perguntou:

— O que foi, mãe? Ele estava furioso.

— Nada de mais. Quis procurar lã e saiu tosquiado.

Lanira sorriu e não respondeu. Sabia que as coisas não estavam bem entre eles. Tratou de tomar café, porque já estava quase na hora de sair.

Quando o juiz reabriu a sessão do júri, às dez em ponto, todos esta­vam sentados em seus lugares. Os jornais da manhã haviam publicado as declarações de Guilherme e foi preciso conter os curiosos que acorreram ao tribunal querendo assistir ao julgamento.

Depois das formalidades habituais, finalmente Maria Júlia foi chama­da a depor. A solenidade do lugar, o olhar das pessoas que a fitavam com curiosidade, os filhos que de onde estavam controlavam a própria ansie­dade, tudo isso impressionou-a. Sentiu-se nervosa. Quando colocou a mão sobre a bíblia para fazer o juramento, lembrou-se das palavras de Daniel e endereçou um veemente pedido a Deus para que a ajudasse naquele de­cisivo momento.

Quando se sentou, estava mais calma. Daniel começou a interrogá-la pedindo-lhe que relatasse tudo quanto aconteceu. Maria Júlia sentiu que uma força nova apoderou-se dela. Esqueceu o lugar onde estava, as pes­soas, a importância do momento, voltou no tempo e viu-se aos dezessete anos, quando se apaixonou por Guilherme.

Seu rosto modificou-se e ela começou a contar, com voz que a emo­ção modulava, todos os acontecimentos. Seu amor por Guilherme, a en­trega, a descoberta da gravidez.

As pessoas ouviam-na sustendo a respiração, envolvidas pela magia daquela mulher bonita e cheia de classe que relembrava o grande amor de sua juventude. Ninguém ousava interromper a narrativa, e ela, perdida no oceano de suas lembranças mais íntimas, desnudava seus sentimentos, seus medos, sua ansiedade, seu desejo de felicidade.

Depois, sua desilusão. A descoberta terrível do caráter do homem que se tornara seu marido. De suas tentativas de salvar Marcelo, de conseguir contar tudo à família dele e de como sofreu por não haver conseguido.


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